Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:62/18.4BCLSB
Secção:2.ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/17/2019
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:VALOR DO PROCESSO
TRIBUNAL ARBITRAL
PRONÚNCIA INDEVIDA
Sumário:1. O valor dos processos arbitrais em matéria tributária é determinado pelo artigo 97.º-A do CPPT, ex vi do artigo 29.º do RJAT, e não por aplicação do Regulamento das Custas em Matéria Tributária, do CAAD.
2. Para efeitos do valor da causa, a utilidade económica imediata do pedido, sempre que este não é definido através de uma quantia certa em dinheiro, deve ser avaliada em função do pedido e da causa de pedir.
3. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, o valor da causa corresponde ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada desta, consoante se peça, respectivamente, a sua anulação total ou parcial, isto é, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o impugnante deixará de pagar ou lhe será devolvida.
4. Caso se cumulem pedidos com o pedido de anulação da liquidação (v. g., pagamento de juros indemnizatórios), o valor da causa é sempre o valor da liquidação na parte impugnada.
5. Esta norma pressupõe que a liquidação determine um montante de imposto a pagar superior a zero e que a liquidação seja impugnada, não consentindo qualquer outra interpretação, designadamente uma interpretação que faça depender o valor da causa de critérios subjectivos do impugnante.
6. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, o valor da causa corresponde ao valor contestado do acto de fixação da matéria tributável, e não ao valor que o contribuinte poderá deixar de pagar no futuro a título de imposto, caso obtenha ganho de causa.
7. Mas se também for impugnada a liquidação, o valor da causa já não é determinado por esta alínea b), mas antes nos termos da alínea a), correspondendo ao valor contestado da liquidação e sem que acresça a tal valor o da parte contestada da matéria tributável.
8. Quando é unicamente impugnado o valor das correcções à matéria colectável, a utilidade económica do pedido, e por consequência, o valor da causa, não equivale ao montante de imposto que o impugnado poderá hipoteticamente deixar de pagar com a procedência da impugnação, porque tal montante apenas representa uma utilidade económica futura e hipotética, dado que a posterior utilização, para efeitos fiscais, dos montantes corrigidos está dependente da produção de factos e circunstâncias contingentes, imprevisíveis e incertas por natureza.
9. A utilidade económica imediata, neste caso, corresponde ao valor das correcções impugnadas, o qual passa a integrar imediatamente a esfera de direitos do contribuinte se este obtiver ganho de causa, sendo este o valor da causa.
10. Nesta situação o valor da causa não corresponde ao montante que o requerente deixará de pagar no futuro a título de IRC, por aplicação de uma taxa de 23%.
11. A alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, não viola os artigos 20.°, 18.° e 13.° da CRP.
12. Incorre no vício de pronúncia indevida o acórdão do CAAD que, arrogando-se competência em razão da matéria, entende ser competente para conhecer do pedido de pronúncia arbitral em que é contestado um valor superior a dez milhões de euros de prejuízo fiscal, que ultrapassa o limite previsto no artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Proc. n.º 62/18.4BCLSB
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ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


1 - Relatório


1.1. As partes e o objeto do recurso
A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformado com a decisão do Tribunal Arbitral, proferida no Processo n° 371/2017-T CAAD, que julgou parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo B….., S.A., veio interpor a presente impugnação jurisdicional, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
1.ª A decisão arbitral ora impugnada ao ter deliberado julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, ao decidir:
"1- Ser competente para decidir o litígio em função do valor deste, que é o que foi indicado pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral;
2 - Ter competência, sem usurpação das competências próprias da Administração Tributária, para apreciação do litígio no que a legalidade da prova de preço efectivo se refere;
(...)
6 - Condenar a Autoridade Tributária ao reembolso do imposto pago indevidamente;
7 - Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei, a liquidar em execução de sentença."
cometeu, em primeiro lugar, pronúncia indevida, uma vez que excedeu a competência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral.
2.ª A competência dos tribunais arbitrais encontra-se circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.° do RJAT, bem como da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ex vi artigo 4.° do RJAT, pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição.
3.ª Ora, nos termos do artigo 2° n° 1 da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março, "Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes (...)
4.ª E, segundo o art. 3.° n° 1 desta mesma Portaria, sob a epígrafe "Termos da vinculação":
"A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.° está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000."
5.ª Por outro lado, nos termos do art. 3° do Regulamento das Custas em Matéria Tributária:
1 (...)
2- O valor da causa e determinado nos termos do artigo 97.°-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
3. O valor da causa nos casos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.° do Regime Jurídico da Arbitragem é o da liquidação a que o sujeito passivo, no todo ou em parte, pretenda obstar."
6.ª E, nos termos do art. 97°-A do CPPT: "1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:
e) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
f) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;
g) Quando se impugne o acto de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;
h) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício.
7.ª No caso, não foi o valor da liquidação de €11.471,89 (que a requerente não contestou) que suscitou o presente pedido de pronúncia arbitral, mas antes, um valor artificialmente criado pelo mesmo e correspondendo a um resultado que simplesmente decorre da aplicação da taxa de 23% ao montante bruto das correcções que foram impugnadas no pedido de pronúncia arbitral.
8.ª Tudo isto, repete-se, porque o que a requerente impugnou no p.p.a. foram as correcções feitas a matéria colectável que não tiveram reflexo em imposto a pagar, mas que só tiveram reflexo a nível de prejuízos fiscais, diminuindo o valor dos mesmos a reportar.
9.ª Invocou a ora impugnante que a utilidade económica do pedido a que a requerente fez apelo, não pode ser o valor que a mesma achou pela aplicação de uma taxa ao montante das correcções impugnadas. Seguramente tal montante não corresponde a uma qualquer liquidação que lhe venha a ser efectuada no futuro, uma vez que as correcções que lhe foram efectuadas apenas tiveram reflexo na diminuição dos prejuízos fiscais declarados e eventualmente a reportar que podem, ou não, ser utilizados nos próximos anos/exercícios.
10.ª No mesmo sentido se deliberou no Acórdão do CAAD proferido no Proc. n.º 151/13, num caso em tudo semelhante ao que esteve em apreciação em sede do presente processo arbitral, que conclui que: "Neste contexto, a determinação da utilidade económica do pedido aplicando uma imaginária taxa de 25% ao valor dos prejuízos, sem demonstrada sintonia com a tributação real conexionada com os prejuízos referidos, não pode ser considerada mais do que um palpite sobre a hipotética utilidade económica do pedido, se, eventualmente, puder vir a ser efectuado o reporte de prejuízos.
Isto significa que a dimensão da relevância dos prejuízos a nível dos tributos cuja liquidação poderão influenciar é indeterminável, apesar de ser seguro que, por as taxas dos tributos serem inferiores a 100% da matéria tributável, a utilidade económica dos pedidos de declaração de ilegalidade de actos que fixam prejuízos, se vier a concretizar-se através de reporte, será sempre inferior ao montante desses prejuízos.
(…)
Assim, não contendo o RJAT qualquer critério de determinação do valor dos litígios aplicável aos casos de pedidos de declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável e sendo inviável determinar a utilidade económica desses pedidos, é de pressupor que aquela referencia ao valor dos litígios que é feita no artigo 3.°, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 teve em mente o valor dos litígios tal como resulta do CPPT, que é a legislação subsidiaria em relação ao RJAT em que se encontram, no artigo 97.°-A, regras expressas para a determinação do valor da causa, potencialmente aplicáveis a todas as situações referidas no artigo 2.°, n.º 1, do RJAT.
(…)
Ora, este artigo 97.°-A do CPPT estabelece expressamente na alínea b) do seu n.º 1 que o valor atendível quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável e o valor contestado, e não a utilidade económica do pedido que, como se referiu, é indeterminável.
Por isso, é de concluir que é a litígios em que o valor do lucro tributável contestado não seja superior a € 10.000.000,00 que se reporta aquele artigo 3.°, n.º 1, quando esta em causa a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável que não deram origem a liquidação."
11.ª Assim, salvo o devido respeito, deveria o Tribunal Arbitral ter aplicado a al. b) do n° 1 do art. 97°-A do CPPT, dado que o que a então requerente impugnou foi o valor das correcções impugnadas que não se traduziram num montante de imposto a pagar. Donde, é seguro que não podia o Tribunal Arbitral ter construído um valor da causa que e fictício porquanto corresponde ao valor de uma hipotética liquidação encontrada pela aplicação da taxa de IRC ao valor das correcções.
12.ª E, sendo certo, de igual modo, que esse valor não corresponde ao valor da liquidação impugnada, mas antes, ao de uma eventual utilidade económica do pedido, não podia o Tribunal Arbitral dar como verificada a al. a) do art. 97°-A do CPPT, e nem utilizar, simultaneamente, o critério da utilidade económica do pedido, uma vez que o mesmo é na prática, e perdoe-se a redundância, impraticável.
13.ª Nestes termos, porquanto o RJAT não contém qualquer critério de determinação do valor dos litígios aplicável aos casos de pedidos de declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável, por ser inviável determinar a utilidade económica desses pedidos, é de pressupor que aquela referencia ao valor dos litígios que e feita no artigo 3.°, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 teve em mente o valor dos litígios tal como resulta do CPPT.
14.ª O que determina a aplicação da al. b) do art. 97°-A do CPPT e a atribuição ao valor da causa, do valor que corresponde ao montante das correcções contestadas.
15.ª Pelo que, tendo o Tribunal Arbitral apreciado o objecto do litígio pese embora o estatuído no art. 3° n° 1 da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março, cometeu pronúncia indevida devendo ser anulado.
16.ª Por outro lado, mais uma razão deveria ter determinado a aplicação desta al. b) do art. 97°-A do CPPT ao caso em concreto.
17.ª É que, uma vez que a vinculação da AT a tutela arbitral pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adoptar o comportamento potencialmente adequado a procurar efectiva-la.
18.ª O Tribunal Arbitral não pode, salvo o devido respeito, aplicar um critério como o de uma liquidação fictícia ou da utilidade económica do pedido em detrimento dum critério fixado por lei que, no caso, a ser aplicado implica a exclusão da AT da jurisdição do Tribunal Arbitral.
19.ª Pelo que, a acolher-se uma interpretação da norma segundo a qual resulta uma incerteza e insegurança quanta ao valor do litígio, porque ele é achado segundo critérios que não se reflectem num montante concreto que seja o correspondente ao valor das correcções contestadas, a mesma sempre se afigurara inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.° e 111.°, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.° da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.°, n.º 2, 202.° e 203.° da CRP e ainda o artigo e 266.°, n.º 2, da CRP], no seu corolário do principio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.°, n.º 2 da LGT.
20.ª Em segundo lugar, o acórdão Arbitral ora impugnado, não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de condenar a AT ao reembolso do imposto pago e ao pagamento de juros indemnizatórios, ou pelo menos, existe oposição dos fundamentos com a decisão.
21.ª Na verdade, o Tribunal Arbitral no dispositivo condenou a AT ao reembolso do imposto pago indevidamente e, em consequência, ao pagamento de juros indemnizatórios.
22.ª Pese embora já se tenha invocado perante o Tribunal Arbitral que essa condenação constitui um lapso manifesto, a cautela e caso o Tribunal a quo não proceda a essa reparação sempre se dirá na presente impugnação que tal condenação carece de fundamentação de facto e de direito ou, pelo menos, existe contradição entre tal decisão e os fundamentos que suportam a mesma decisão.
23.ª De facto, antes de mais, em causa nos autos estão correcções efectuadas a matéria colectável, cuja anulação a então requerente pretendia obter que não tiveram reflexo em imposto a pagar.
24.ª Deste modo, uma das questões que se impôs ao Tribunal Arbitral conhecer e decidir foi a de saber se face ao valor de tais correcções ele era, ou não competente, tendo este concluído que sim aceitando o valor indicado pela então requerente que achou um valor fictício de imposto (€2.306.174,85) pela aplicação da taxa de 23% ao montante total das correcções determinadas.
25.ª Assim, sendo certo que esse montante não foi pago pela então requerente, carece de qualquer fundamentação o facto de se ter condenado a AT ao reembolso de um imposto (qual?!) que, objectivamente, não existe.
26.ª E que em lado algum, designadamente, nos factos dados como provados consta que a requerente tenha pago aquele valor de imposto (€2.306.174,85) e nem na fundamentação de direito vem dito em qualquer parte do Acórdão arbitral impugnado que a requerente tenha pago indevidamente essa quantia.
27.ª Pelo que, no mínimo, existe ininteligibilidade do decidido.
28.ª E impossibilidade de a ora impugnante apreender o motivo pelo qual assim foi decidido.
29.ª Donde, o Acórdão Arbitral ora impugnado é, antes de mais, nulo pela não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, cfr. art. 125° do CPPT e al. b) do n° 1 do art. 615° do CPC.
30.ª Ainda que assim não se entenda, sem conceder, sempre existiria uma contradição entre a fundamentação e o decidido.
31.ª Efectivamente, constando de toda a fundamentação que perpassa do acórdão Arbitral impugnado que não foi pago qualquer imposto decorrente das correcções efectuadas e que foram contestadas pela então requerente no pedido de pronúncia arbitral, veja-se, designadamente toda a fundamentação que sustenta o decidido quanto a excepção da incompetência do tribunal Arbitral no que toca ao valor da causa, cfr. págs. 43 a 46 e designadamente § 4° da pag. 44, decidir pela condenação da AT ao reembolso do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios sobre tal quantia, está em contradição com toda a fundamentação que sustenta o deliberado.
32.ª Donde, ainda que se decida pela improcedência do vício atrás invocado, subsidiariamente, o Acórdão Arbitral ora impugnado sempre seria nulo por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, cfr. art. 125° n° 1 do CPPT e al. c) do n° 1 do art. 615° do CPC.
V - Do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça:
Atendendo ao facto de o valor do recurso ser superior a €275.000,00 requer-se que esse Venerando Tribunal se pronuncie e decida, a final, pela dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendendo a que estamos em sede de impugnação de decisão arbitral, que não há lugar a produção de prova testemunhal e que ao Tribunal se pede que analise e decida sobre questão que não se afigura revestir grande complexidade, cfr. art. 6° n° 7 do RCP.
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A recorrida contra-alegou, concluindo nestes termos:
1.ª A douta decisão recorrida julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, tendo condenado a ora Impugnante a proceder a anulação parcial do ato tributário consubstanciado na liquidação de IRC n.º ……., de 11.01.2017, bem como na liquidação de juros compensatório n.º ……, na liquidação de juros moratórios n.º …….. e na demonstração de acerto de contas n.º ……, datadas de 13.01.2017, e ainda a proceder ao reembolso do imposto indevidamente pago e ao pagamento dos respetivos juros indemnizatórios;
2.ª Antes de conhecer do mérito dos autos, o Tribunal Arbitral começou por conhecer das exceções alegadas pela aí Requerida e que visavam obstar a que aquele Tribunal conhecesse das questões de mérito apresentadas e que mereciam provimento, como veio a reconhecer a decisão ora impugnada, que julgou procedentes os pedidos do ora Impugnado.
3.ª Inconformada com a douta decisão, a Impugnante deduziu a respectiva impugnação de decisão arbitral restringindo a sua pretensão à anulação da decisão por motivos formais, pela verificação dos pressupostos das alíneas a), b) e c) do n° 1 do artigo 28.° do RJAT.
4.ª Não assiste razão à Impugnante quando esta propugna que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão do valor - à luz do artigo 3.°, n.º 1 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Marco, porquanto o valor da causa deveria corresponder ao valor das correções que ultrapassam os € 10.000.000,00, uma vez que inexiste qualquer base legal para considerar o valor das correções contestadas como valor da causa, isto porque, resulta do disposto no artigo 10.°, n.º 2, alínea e), do RJAT, que no pedido de pronúncia arbitral se deve indicar o valor da utilidade económica do pedido, o que o ora Impugnado fez, indicando que a utilidade económica do pedido que pretendia fazer valer perante o Tribunal Arbitral era de € 2.306.174.85, valor que resultava da aplicação da taxa de IRC de 23% vigente a data dos factos à soma das correções objeto de contestação;
5.ª O Tribunal Arbitral entendeu e bem que "No caso sub judice, a importância cuja anulação se pretende é a liquidação que resulta das correções efetuadas pela Requerida, na decorrência do procedimento inspectivo efetuado ao exercício de 2014 do Requerente, que só não se traduziu em imposto a pagar, pelo facto de naquele exercício ter existido prejuízo fiscal. E essa a importância cuja anulação se pretende anular, porque as referidas correções irão necessariamente ter reflexos no futuro tributário do Requerente, aumentando-lhe o imposto a pagar nos exercícios em que o mesmo venha a apresentar lucro tributável.
6.ª Ora, sendo esta a fórmula de cálculo do valor do litígio, a mesma é
abrangida pelo estatuído na alínea a) do art.° 97°-A do CPPT. Neste mesmo sentido, estabelece o n.º 2 do mesmo art.° 32° do CPTA que quando pela ação se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício. É este o caso dos autos, em que o Requerente com o pedido de pronúncia arbitral pretende ver anulado um montante correspondente a uma liquidação de imposto que não deu lugar ao pagamento do mesmo, apenas por não haver lucro tributário. Este montante é a utilidade económica do pedido que o Requerente visa retirar do procedimento arbitral, pelo que deverá ser considerado o valor do litígio, de acordo com os dispositivos normativos supra identificados. Como se pode ler no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no âmbito do processo n.º 02032/11.4BEBRG, (
http://www.dgsi.pt )".
7.ª Neste sentido, o artigo 3.°, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária plasma que o valor da causa se determina nos termos do artigo 97.°-A do CPPT e este último prevê na alínea a) que caso seja contestada a liquidação - o que se verifica in casu - o valor da causa é a importância cuja anulação se pretende. Acresce que, dispõe o artigo 32.°, n.º 1, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi artigo 29.°, n.º 1, alínea c), do RJAT [e idêntica previsão legal se encontra no artigo 297.°, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 29.°, n.º 1, alínea e), do RJAT], que quando se pretende obter com a ação uma certa quantia, em dinheiro, é essa quantia que deve corresponder ao valor da causa, ao invés, de acordo com o n.º 2, se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia, em dinheiro, equivalente a esse benefício;
8.ª No caso sub judice, não tendo sido apurada matéria coletável no exercício, e não apurando a liquidação de IRC sindicada imposto a pagar em resultado das correções à matéria tributável do exercício que se controvertem, não existe uma quantia certa em dinheiro que se pretende obter pelo que deve procurar-se, assim, a quantia equivalente ao beneficio que se pretende obter, e que percetivelmente não corresponde ao valor de €10.026.847,19, respeitante as correções a matéria tributável controvertidas, sendo certo que o beneficio que o Impugnado pretendia obter com o pedido de pronúncia arbitral era a diminuição do imposto a pagar no ou nos exercícios em que apurar lucro tributável, pelo que é o imposto correspondente às correções controvertidas que consubstancia a utilidade económica do pedido, enquanto quantia equivalente ao beneficio que se pretendia obter, para efeitos de fixação do valor da ação;
9.ª Alega ainda a Impugnante que está em causa, a impugnação, não do ato de liquidação, mas do ato de fixação de matéria coletável pelo que perfilha que deveria o Tribunal Arbitral ter aplicado a alínea b) do n.º 1 do artigo 97.°-A do CPPT que dispõe que o valor da causa corresponde ao valor contestado;
10.ª No entanto, tratando-se de um ato de fixação da matéria tributável, previsto na alínea b), do n.º 1 do artigo 2.° do RJAT, aplicar-se-á não o artigo 97.°-A, n.º 1, alínea b) do CPPT mas o artigo 3.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária que prevê que o valor da causa é o da liquidação a que o sujeito passivo, no todo ou em parte, pretenda obstar, o que no caso sub judice corresponderia ao valor de €2.306.174,85 indicado pelo ora Impugnado (neste sentido, cf. Carla Castelo Trindade, in "Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado", 2016, Almedina, p. 308 e Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, in "Contencioso Tributário", Volume II, 2017, Almedina. pp. 454 e 242-243);
11.ª Por outro lado, ainda que se aplicasse o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 97.°-A do referido diploma, no que não se concede e apenas se admite por dever de prudente patrocínio, esclarece Jorge Lopes de Sousa que "(...) o valor do processo deve coincidir com o valor do benefício que se pretende obter. É essa regra básica adoptada pelo CPC e pelo CPTA (arts. 306.° e 32.° respectivamente) e que também é adoptada na alínea a) do n.º 1 do art.° 97.°-A. Nos casos em que é impugnado directamente o acto de fixação da matéria colectável, referidos na alínea b) do n.º 1 do art.° 97.°-A, o benefício que se pretende obter não é equivalente ao «valor contestado», adoptado como critério de fixação do valor, mas sim ao imposto que deixaria de ser cobrado com a alteração do valor da matéria colectável contestado, que será sempre muito menor que aquele. Por isso, em coerência com a opção legislativa subjacente à fixação do valor prevista na alínea a), deveria, nestas situações de impugnação de acto de fixação da matéria colectável, optar-se pela fixação do valor da acção em função do valor do imposto que estaria conexionado com a matéria colectável contestada." (sublinhado nosso) e acrescenta ainda o autor que "Nos casos em que a impugnação do acto de fixação da matéria colectável é seguido de liquidação em que é considerado o valor fixado, é o acto de liquidação que é objecto de impugnação, independentemente de existirem ou não outros fundamentos de impugnação para além de erro naquela fixação. Por isso, nestas situações, sendo impugnado um acto de liquidação, o valor da acção será o da importância cuja anulação se pretende, nos termos da alínea a) do n.º 1 deste art. 97.°-A. Assim, o campo de aplicação da alínea b) do mesmo número restringe-se aos casos em que é impugnado directamente o acto de fixação da matéria colectável." (cf. Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 97.°-A do CPPT, in "Código de Procedimento e Processo Tributário", Volume II, Áreas Editora, p. 73);
12.ª Ora, em momento algum as disposições legais supra identificadas permitem que se fixe como valor da ação o valor das correções contestadas de € 10.026.847,19, ou sequer o valor da matéria coletável, como, com o devido respeito, se fez crer no douto processo arbitral, pelo que a não proceder o valor da ação que foi indicado pelo Impugnado no pedido de pronúncia arbitral, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, só pode ter-se então como admissível, estando em causa a impugnação de um ato de liquidação, o valor de € 11.471.89. correspondente ao valor de imposto apurado na liquidação em crise, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.°-A do CPPT, nunca, como se verificou, o valor de € 10.026.847,19;
13.ª Não há qualquer adequação e proporcionalidade na referida interpretação normativa, ficando condicionado inclusive o acesso do contribuinte aos Tribunais e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, isto porque, o contribuinte que pretenda contestar um determinado número de correções que não se traduzem num montante adicional de imposto a pagar no referido exercício poderá ver-se obrigado a um maior encargo económico em matéria de custas judiciais ou arbitrais do que aquele que, em resultado das correções, é efetivamente notificado de uma liquidacão de imposto decorrente daquelas;
14.ª Assim deve julgar-se inconstitucional, por violação dos princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, assim como da proporcionalidade e da igualdade, previstos nos artigos 20.°, 18.° e 13.° da CRP, a interpretação do artigo 97.°-A do CPPT, conjugado com o artigo 32.° do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.°. n.º 1, alínea c), do RJAT, no sentido de que o valor da causa, quando se impugne uma liquidação que não apura imposto a pagar em resultado de correções à matéria tributável, corresponde ao valor das correções contestadas;
15.ª O pedido de pronúncia arbitral visou a declaração de ilegalidade do ato de liquidação e não se olvide que quem conforma e delimita o pedido é o próprio autor, pelo que não será de admitir que a Impugnante procure alterar o pedido formulado pelo autor por forma a conseguir obter uma sustentação jurídica mais conveniente à respetiva pretensão (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.03.2014, proferido no processo n.º 07125/13);
16.ª Importa ainda referir que a impugnação do ato de liquidação vai ao encontro do principio da impugnação unitária que o legislador consagrou no artigo 54.° do CPPT e ao abrigo do qual deve ser impugnado o ato final do procedimento tributário, pelo que bem andou o ora Impugnante quando impugnou o ato de liquidação, que corresponde à aplicação da taxa à matéria coletável (neste sentido vide decisão arbitral de 14.05.2012 proferida pelo CAAD no âmbito do processo n.º 17/2012-T e acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25.02.2016, proferido no âmbito do processo n.º 00098/05.5BEPRT);
17.ª A Impugnante faz apelo ao princípio da indisponibilidade dos créditos
tributários - que se mostraria violado com a consagração do presente valor da ação sendo que tal só vem evidenciar a razão que assiste ao Impugnado uma vez que em momento algum está, esteve ou estará em causa um crédito tributário no montante superior a € 10.000.000.00.

18.ª A Impugnante invoca igualmente a incompetência do Tribunal para
conhecer do pedido de prova do preço efetivo, previsto no artigo 139.° do Código do IRC, pois tal procedimento envolve valorações que integram os poderes discricionários da Autoridade Tributária e ainda por o pedido de pronúncia arbitral visar o reconhecimento de um direito ou o pedido de condenação a prática de um ato devido, os quais não podem ser obtidos mediante processo arbitral.

19.ª O objeto do procedimento instaurado ao abrigo do artigo 139.° do Código do IRC é, tão-só, a demonstração objetiva, pelo contribuinte, do preço efetivamente praticado na transmissão de direitos reais sobre imoveis, concretamente, a comprovação de que o preço efetivamente praticado é inferior ao VPT que serviu de base à liquidação de IMT, pelo que para essa prova, como é evidente, só relevam os elementos que o contribuinte disponibilizar no âmbito do procedimento, não encerrando o mesmo, por conseguinte, qualquer margem de discricionariedade ou de livre apreciação para a Autoridade Tributária;
20.ª O que resulta das alegacões da Impugnante é que a mesma não concorda e não se conforma com a decisão do Tribunal recorrido igualmente no que toca ao deferimento do preço da transmissão dos imóveis e nessa medida recorre a um alegado vício formal para atacar tal decisão, irrecorrível por outra via;
21.ª Quanto à presente exceção, o Tribunal Arbitral já havia esclarecido que o que está em causa não é "substituir-se à AT e praticar atividade administrativa que extravase os limites que a lei lhe determina. O Tribunal Arbitral visa unicamente apreciar a legalidade da aplicação do disposto no art.° 139° do CIRC feita pela AT. Aquela competência insere-se na que o legislador fixou para os tribunais arbitrais na alínea b) do n.º 1 do art.° 1° do RJAT, uma vez que visa a apreciação da legalidade dos atos de fixação de valores patrimoniais. Termos em que também não procede esta exceção invocada pela AT, sendo o Tribunal Arbitral competente para apreciar a questão que lhe foi colocada";
22.ª Por outro lado, não se pode aceitar, que o ora Impugnado tenha procurado através do pedido de pronúncia arbitral obter o reconhecimento de um direito, à semelhança do que obteria através da apresentação de uma ação para reconhecimento de direito ou interesse em matéria Tributária prevista no artigo 145.° do CPPT, isto porque não se alcança qual o direito que a Impugnante entende que se pretendeu ver consagrado quando o ora Impugnado se limitou a contestar as correções efetuadas pela Autoridade Tributária e a suscitar a apreciação da legalidade de um ato tributário-indeferimento do pedido do preço efetivo (cf. Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, in "Contencioso Tributário", Volume II, 2017, Almedina, p. 315);
23.ª Todavia, ainda que estivesse em causa o reconhecimento de um direito tal não seria suscetível de determinar a incompetência do Tribunal Arbitral na medida em que tal reconhecimento tem subjacente uma liquidação que cuja legalidade estava a ser sindicada nos termos do n.º 1 do artigo 2.° do RJAT (cf. acórdão de 09.06.2016 do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 09156/15, decisão arbitral do CAAD, de 15.06.2016 proferida no processo n.º 567/2015-T e Jorge Lopes de Sousa, "Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária", in "Guia da Arbitragem Tributária", Coord: Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, p. 105);
24.ª Por último, sendo certo que o âmbito material da arbitragem Tributária se encontra circunscrito pelo artigo 2.° do RJAT, não deixa ainda assim de se reconhecer ao Tribunal Arbitral poderes condenatórios e às decisões arbitrais eficácia constitutiva pois, à luz do disposto no artigo 24.° do RJAT, em face da declaração de ilegalidade de um determinado ato tributário, recai sobre a Autoridade Tributária a obrigação de praticar um ato tributário legalmente devido ou de reestabelecer a situação que existiria se o ato objeto da referida decisão arbitral não tivesse sido praticado, sendo esta a situação que se verifica no presente caso (cf. Carla Castelo Trindade, in "Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado", 2016, Almedina, p. 120, Jorge Lopes de Sousa, "Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária", in "Guia da Arbitragem Tributária", Coord: Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pp. 110-115);
25.ª Para além disso, concebendo-se a arbitragem Tributária como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial, dificilmente se compaginaria que determinado tipo de efeitos condenatórios ou constitutivos associados à declaração de ilegalidade fossem furtados à competência dos tribunais arbitrais, fazendo depender o seu reconhecimento da obtenção de uma pronúncia judicial;
26.ª A ora Impugnante propugna ainda pela anulação da decisão arbitral alegando para o efeito que "o acórdão Arbitral ora impugnado, não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de condenar a AT ao reembolso do imposto pago e ao pagamento de juros indemnizatórios, ou pelo menos, existe oposição dos fundamentos com a decisão.- (cf. artigo 58.° da douta impugnação), o que, salvo o devido respeito, não se verifica;
27.ª Com efeito, o Requerente, ora Impugnado, no pedido formulado perante o Tribunal Arbitral requereu a anulação do ato tributário e o consequente reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios. Tal pedido não foi, em momento algum, impugnado pela Requerida, ora Impugnante, que apenas após notificação da decisão arbitral se veio pronunciar a este propósito, requerendo a reforma da decisão arbitral;
28.ª Ora, o Tribunal Arbitral face aos elementos de que dispunha, e confrontado com a existência de uma liquidação que apurou um valor a pagar e que, efetivamente, foi pago pelo ora Impugnando, pronunciou-se no sentido de dar procedência ao pedido do mesmo, com o consequente reembolso do imposto indevidamente pago e respetivos juros indemnizatórios. Atento o teor da decisão arbitral, não se pode sustentar que existe contradição entre os fundamentos invocados pelo douto Tribunal Arbitral e a respetiva decisão, designadamente que não foram especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, porquanto é claro o iter cognoscitivo seguido pelo Tribunal Arbitral, e que foi decidir do pedido formulado e que não foi contestado;
29.ª Tal segmento decisório encontra-se em concordância com as demais
questões conhecidas e apreciadas pelo Tribunal Arbitral, sendo uma decisão consequente à anulação das correções operadas;

30.ª Assim, limitou-se o Tribunal Arbitral a "condenar a Autoridade Tributária ao reembolso do imposto pago indevidamente" e "no pagamento dos juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei, a liquidar em execução de sentença", postergando para execução de sentença a devolução do eventual imposto indevidamente pago e dos juros. De facto não consta dos factos provados o valor pago pelo Impugnado, sendo certo que o Tribunal também não se pronunciou concretamente sobre o quantum da obrigação, deixando tal apuramento para a execução da sentença, quando e se esta se verificar;
31.ª Neste sentido, não poderia a Impugnante ter utilizado a impugnação da decisão arbitral para obter a anulação da decisão impugnada nesta parte porquanto se verifica que inexiste fundamento para tal nos termos do artigo 28.° do RJAT;
32.ª Caso assim não se entenda e este douto Tribunal considere que a presente questão configura causa de impugnação e conceda provimento a mesma, o que não se concede e por mera cautela de patrocínio se admite, deve a decisão arbitral ser anulada apenas quanto a tal segmento, pois somente tal parte da decisão é que se encontra viciada;
33.ª Por último, entende o Impugnado que se verificam os pressupostos previstos no artigo 6.°, n.º 7 do RCP para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça - questão que apenas se justifica suscitar no processo em juízo por não se colocar em sede de processo arbitral - porquanto, com o devido respeito e não obstante a relevância do caso sub judice para a boa aplicação do direito e coerência do sistema, não se verifica particular especificidade técnica e jurídica para alem daquela que se verifica em qualquer processo, uma vez que estão em discussão questões que se discutem de modo generalizado nas relações entre as partes (cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 604/2013, de 24.09.2014).
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não se pronunciou.
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1.2. Questões a decidir
As questões a dirimir são as seguintes:
1.2.1. Apurar se existe violação das regras da competência do tribunal arbitral em razão do valor;
1.2.2. Caso esta questão improceda, verificar se ocorre:
a) Vício de inconstitucionalidade na assunção da competência pelo tribunal arbitral;
b) Excesso de pronúncia no acórdão impugnado;
c) Falta de fundamentação;
d) Contradição entre os fundamentos e a decisão;
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2. Fundamentação
2.1. De facto
É a seguinte a “matéria de facto” fixada na decisão impugnada:
1. O Requerente é uma Instituição de crédito que se dedica principalmente à atividade de comércio bancário, sujeito à supervisão do Banco de Portugal de acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), previsto no Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro;
2. O Requerente é a entidade principal do Grupo Financeiro B…., centrado na atividade bancária, que oferece um extenso conjunto de serviços e produtos financeiros para empresas, investidores institucionais e particulares. Opera através de uma rede de distribuição m.... constituída por balcões de retalho, centros de investimento, serviço de home....... (B… Net), bancatelefónica (B…. Directo), balcões especializados e rede de promotores externos;
3. O Requerente apresenta as demonstrações financeiras de harmonia com os princípios de reconhecimento e mensuração definidas nas Normas Internacionais de Relato Financeiro (adotadas pela União Europeia, através do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho) e nas Normas de Contabilidade Ajustadas (NCA's) estabelecidas pelo Banco de Portugal no Aviso n.º 1/2005, de 21 de Fevereiro e na Instrução n.º 9/2005, de 11 de Marco, na sequência da competência que lhe foi atribuída pelo n.º 1 do art.º 115.º do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades Financeiras, previsto no Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro;
4. Relativamente ao exercício de 2014, o Requerente foi alvo de uma ação de inspeção efetuada em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ……., de 8 e Junho de 2016;
5. O Requerente foi notificado em 10.01.2017, do relatório final de inspeção Tributária;
6. As correções efetuadas ao IRC do exercício de 2014 foram no montante de €10,787,41;
7. Na sequência destas correções, o Requerente foi notificado para proceder ao pagamento do montante de €11.471,89;
8. O Requerente procedeu oportunamente ao referido pagamento;
9. Os suprimentos e prestações acessórias atribuídos à N…., SA, à VN C…. SGPS, S.A., à T….. - Processamento Alimentar, S….., S.A. e à M……. SGPS, SA., tiveram por objetivo a reestruturação financeira e societária e sociedades participadas por aquelas sociedades: a I….. P….., S.A.; a M…….., S.A.; a M…… e Filhos, S…., S.A. e os Grupos C….., J…… e A…….. & Filhos, respetivamente;
10. O Requerente tinha interesse no processo de reestruturação financeira e societária das mesmas, designadamente ao nível da recuperação dos créditos que detinha nessas sociedades;
11. Em 2014 o Requerente alienou 218 imóveis por montante inferior aos VPTs de cada um deles;
12. Em 30 de Janeiro de 2015 o Requerente entregou na Direção de Finanças do Porto um requerimento de prova de preço efetivo em relação à alienação dos imóveis referidos no número anterior, ao abrigo do disposto no art.º 139.º do IRC;
13. O Requerente juntou ao requerimento referido no número anterior cópias das escrituras públicas de transmissão dos imóveis, os documentos bancários comprovativos do recebimento do preço total declarado e autorização para acesso à sua informação bancária;
14. O Requerente não juntou ao requerimento referido número anterior as autorizações dos seus administradores nos exercícios de 2014 e 2013 para acesso as suas informações bancárias;
15. O requerimento de prova de preço efetivo foi indeferido, por despacho do Chefe de Divisão (RS) C….., de 15 de abril de 2015, por não terem sido juntas as autorizações identificadas no número anterior;
16. O Requerente não foi notificado do valor patrimonial tributário definitivo dos imoveis que alienou por preço inferior ao respetivo valor tributário, relativamente aos quais não requereu a prova de preço efetivo;
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Nos termos do artigo 662.º, n.º 1, da CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
17. Em 2017-06-12 o Impugnado, Banco x….., S.A., apresentou no CAAD um requerimento de constituição de tribunal arbitral, tendo juntado a petição relativa ao pedido de pronúncia arbitral.
18. Na referida petição, cuja cópia se anexa e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, o então requerente e ora impugnado fez um resumo, no artigo 6.º dessa peça, às correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária “com referência ao IRC do exercício de 2014”;
19. O artigo 7.º da referida petição tem o seguinte teor:
“Na sequência de tais correções, o Requerente foi notificado do ato tributário de liquidação melhor identificado no intróito, cuja cópia se junta como documento n.º 4, que apura um montante a pagar de € 11.471,89”.
20. O artigo 8.º da referida petição tem o seguinte teor:
“O Requerente procedeu oportunamente ao pagamento do montante apurado no referido ato tributário, conforme cópia do comprovativo de pagamento que se junta como documento n.º 5”.
21. O artigo 9.º da referida petição tem o seguinte teor:
“Por se encontrar convicto da ilegalidade do ato tributário identificado no intróito, o Requerente deduz contra o mesmo o presente requerimento de constituição de tribunal arbitral circunscrito à discussão da legalidade das correções mencionadas nos pontos III.1.1.1, III.1.1.2, III.1.1.4 e III.1.1.5 (na parte correspondente ao montante de € 1.680.771,79) do relatório de inspecção tributária (cf. quadro constante do artigo 6.º supra).
22. O artigo 6 contém este quadro:

23. A petição está estruturada em capítulos, tendo o Capítulo I, no artigo 1, o título “DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL”, o Capítulo II, nos artigos 2 a 9, o título “DOS FACTOS” e o Capítulo III, nos artigos 10 a 470, o título “DO DIREITO”.
24. O Capítulo III está, por sua vez, dividido em alíneas, a saber:
Alínea A), do artigo 10 ao artigo 63, com o título: “Das perdas por imparidades em ativos não financeiros disponíveis - € 6161.169,92 (art.º 28.º-A e n.º 3 do art.º 28.º-C, ambos do CIRC.
Alínea B), do artigo 64 ao artigo 311, com o título: “Da diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato - € 7.328.717,56 (art.º 64.º e art.º 139.º, ambos do CIRC)”.
Alínea C), do artigo 312 ao artigo 391, com o título Correção de retenção na fonte de IRC relativa à distribuição de unidades de participação em Fundos de Investimento Imobiliário - € 401.187,92 (n.º 2 do art.º 68.º do CIRC e n.º 3 do art.º 22.º do EBF)
Alínea D), do artigo 392 ao artigo 470, com o título: Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão – € 1.680.771,79 (art.º 64.º do CIRC e regras 5.ª e 16.ª do n.º 4 do art.º 12.º do CIMT).
25. O pedido foi formulado a final do seguinte modo:
“TERMOS EM que se requer a V. Exa. se digne dar provimento ao presente pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral sobre o ato tributário melhor identificado no intróito, determinando-se a sua anulação, com o consequente reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios”.
26. O impugnado foi notificado das seguintes demonstrações, por referência a IRC e ao exercício de 2014:

“Texto integral com imagem”
27. Consta do relatório de inspecção tributária, além do mais, o seguinte:



(…)

“Texto integral com imagem”


(…)

(…)
“Texto integral com imagem”
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2.2. De Direito
2.2.1. A primeira questão que cumpre apreciar diz respeito à competência do tribunal arbitral em razão do valor.
A Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, à qual se refere o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, de vinculação da AT aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, exclui a competência destes, ainda que sejam competentes em razão da matéria, em litígios de valor superior a €10.000.000,00 (cfr. artigo 3.º, n.º 1).
No caso sub judice o tribunal arbitral, depois de se afirmar competente em razão da matéria, afirmou também a sua competência em razão do valor.
Em síntese, o argumento do acórdão arbitral é de que a utilidade económica do pedido se situa abaixo da fasquia dos €10.000.000,00 que a lei impõe como limite à competência da arbitragem tributária, visto que o que o requerente Banco x…., ora impugnado, pretende com o pedido de pronúncia arbitral que formulou é apenas impedir que venha a pagar o imposto correspondente ao valor das correções “nos exercícios em que o mesmo venha a apresentar lucro tributável”, e não o valor dessas correcções.
A perspectiva da impugnante AT é totalmente oposta. Para a impugnante o valor da causa é o valor das correcções, que correspondem ao valor económico do pedido.
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2.2.2. O artigo 296.º do Código de Processo Civil (CPC), estabelece que a “toda a acção dever ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido” (n.º 1, com negrito nosso), e ao qual “se atenderá para determinar a competência do tribunal, a forma do processo comum e a relação da causa com a alçada do tribunal” (n.º 2), contribuindo ainda para a determinação do valor da taxa de justiça a pagar pelas partes (n.º 3).
Dada a função instrumental do processo civil em relação aos demais ramos jurídico-processuais, este artigo constitui a trave-mestra em matéria de determinação do valor da causa em todos os casos aos quais é aplicável, directa ou subsidiariamente, a lei processual civil.
Por seu lado o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), acolhe no seu artigo 31.º, o princípio da utilidade económica imediata do pedido, remetendo até para o disposto na lei processual civil quanto aos poderes das partes e à intervenção do juiz na fixação do valor da causa (n.º 4), mas faz uma destrinça entre o valor da causa para efeitos de recurso e do respectivo tipo (n.º 2) e para efeitos de tributação em custas e demais encargos legais (n.º 3), seguindo o entendimento doutrinal e jurisprudencial de que não são confundíveis as duas realidades.
De harmonia com o artigo 32.º, n.º 2, do CPTA, “Quando pela ação se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício”.
Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira esclarecem o que se deve entender por benefício na acepção desta norma: “há-de ser uma qualquer vantagem de natureza patrimonial, passível de avaliação pecuniária”. E socorrendo-se da opinião de Alberto dos Reis, observam que “quando se pede uma prestação que não consiste no pagamento de uma quantia certa, há que coordenar o pedido com a causa de pedir para se verificar a utilidade económica imediata que o autor pretende obter, qual o benefício expresso em dinheiro que corresponde à pretensão do autor”.
Por sua vez o Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), no seu artigo 97.º-A, n.º 1, embora não o referindo expressamente, implicitamente apela também ao conceito de utilidade económica imediata do pedido. Mas essa utilidade económica, na economia do artigo, pode resultar do (eventual) não pagamento do imposto questionado [alínea a)], ou do valor que poderá servir para determinar o quantum, em concreto, do imposto a pagar [alíneas b), c) e d)].
Mas o que é, então, a “utilidade económica imediata do pedido”?
Segundo o artigo 297.º, n.º 1 do CPC, se “pela acção, se pretende obter quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa”, enquanto “se pela acção se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício”.
Desta norma retira a doutrina e a jurisprudência a conclusão de que o valor da causa é determinado em função do seu objecto, ou seja, do efeito jurídico que o autor pretende obter com a acção (art.º 581.º, n.º 3 do CPC), efeito esse que é materializado no pedido formulado ao tribunal, mas circunscrito ao âmbito da causa de pedir, designadamente quando se pretende obter um benefício diverso de uma quantia certa em dinheiro; neste caso, para se apurar qual a utilidade económica imediata do pedido tem de se atender, necessariamente, ao pedido e à causa de pedir.
E é assim porque a determinação da utilidade económica imediata deve partir de critérios objectivos, assentes na causa e pedir e no pedido, porque são estes que delimitam o benefício que o autor pretende obter.
Alberto dos Reis, à pergunta “Como se avalia essa utilidade?, respondia:A resposta é simples. Vê-se qual é o fim ou o objetivo da ação e depois procura-se a equivalência económica desse objetivo. (…) a equivalência económica consiste na indicação da quantia em dinheiro correspondente ao objetivo da ação”.
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2.2.3. Então, qual é o valor do pedido no caso vertente, em que estamos perante matéria tributária?
A impugnante alega que nos termos do artigo 3.º do Regulamento das Custas em Matéria Tributária do CAAD, o “valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.°-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
O artigo 12.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), sob a epígrafe “Taxa de arbitragemestipula que “Pela constituição de tribunal arbitral é devida taxa de arbitragem, cujo valor, fórmula de cálculo, base de incidência objetiva e montantes mínimo e máximo são definidos nos termos de Regulamento de Custas a aprovar, para o efeito, pelo Centro de Arbitragem Administrativa”.
A taxa de arbitragem é calculada em função do valor da causa e do modo de designação do árbitro, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento de Custas em Matéria Tributária, do CAAD, que remete, subsidiariamente, para as normas relativas ao valor da causa constantes do Código de Procedimento e de Processo Tributário [artigos 3.º, n.º 2, e 6.º, alínea a), do referido Regulamento]. Tem por finalidade pagar as despesas de condução do processo arbitral e os honorários dos árbitros. Distingue-se, por isso, da taxa de justiça cobrada nos tribunais do Estado, que não visa directamente essas finalidades.
Mas o valor da causa não é determinante apenas para o cálculo da taxa de arbitragem (ou das custas). O valor da causa releva para efeitos admissibilidade do recurso (por via das alçadas), mas também para efeitos de determinação do tribunal competente. E é esta a vertente que está aqui em causa.
Por isso, para efeitos do valor da causa do processo arbitral tributário é irrelevante o regime constante do Regulamento de Custas em Matéria Tributária. O que releva são as normas de processo tributário, relativas à determinação do valor da causa, para as quais remete o artigo 29.º do RJAT, que prevê a aplicação subsidiária das “normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais normas tributárias” (artigo 29.º do RJAT).
Certo é que a conclusão a que se chega é exactamente a mesma a que chegaram as partes: o valor da causa é determinado segundo os critérios plasmados no artigo 97.º-A, do CPPT.
Impõe-se, por isso, determinar qual das várias normas que enformam este artigo, potencialmente aplicáveis ao caso sub judice, resolve o problema da determinação do valor da causa no caso vertente.
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2.2.4. O número 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, estipula:
1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:
a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;
c) Quando se impugne o acto de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;
d) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício.
e) No contencioso associado à execução fiscal, o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior.
É manifesto que, face ao pedido e à causa de pedir densificados no requerimento de pronúncia arbitral, as normas constantes das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 97.º-A devem ser liminarmente recusadas como hipóteses de solução.
Restam, portanto, as normas plasmadas nas alíneas a), b) e c), que se relacionam, em abstracto, com as quatro questões que o impugnado erigiu como pontos salientes do seu labor impugnatório, e nas quais se apela, ainda que implicitamente ou remotamente, ao conceito da utilidade económica imediata do pedido, de resto aludido expressamente no artigo 10.º, n.º 2, al. e), do RJAT.
Ora, como já atrás se evidenciou, para determinar a utilidade económica do pedido nos casos em que ele não se define através de uma quantia certa em dinheiro, é necessário convocar o pedido e a causa de pedir, sendo que a apreciação do caso sub judice sob a intermediação destes dois “parâmetros” permite determinar com rigor a norma aplicável.
Vejamos, então, cada uma das hipóteses.
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2.2.5. Primeira hipótese: a alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A.
Nos casos em que a causa de pedir é construída em torno da alegada ilegalidade de uma liquidação, o valor da causa corresponderá, por directa aplicação desta norma, ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada, consoante se peça, respectivamente, a sua anulação total ou parcial.
E ainda que sejam cumulados pedidos que traduzam uma utilidade económica diversa daquela que resulta da mera anulação da liquidação (por exemplo, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios), o valor da causa será sempre o valor da liquidação na parte impugnada. Nesta situação (da cumulação de pedidos), não há uma correspondência exacta entre a utilidade económica imediata do pedido e o valor da causa.
O que, aliás, sucede noutros casos em que se cumulam outros pedidos com expressão monetária com a impugnação da liquidação, designadamente pedidos de impugnação do acto de fixação da matéria colectável ou de impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais.
Todavia, para que a alínea a) possa ser aplicável é necessário que estejam reunidas duas condições: (i) que haja liquidação que determine um montante de imposto a pagar superior a zero e que (ii) essa liquidação seja impugnada.
É que a norma apela a um conceito restrito de liquidação, isto é, refere-se ao resultado positivo da operação aritmética de aplicação de uma determinada taxa de imposto à matéria colectável e não propriamente a essa operação aritmética. Caso contrário cair-se-ia no absurdo de em situações em que não se apura imposto a pagar se admitir que o valor da causa pudesse ser igual a zero.
Dito de outro modo, no sentido em que o termo liquidação é usado na norma ele só pode ter como escopo a exigência do pagamento de um imposto; por conseguinte, a norma é imprestável para resolver os casos em que não existindo imposto a pagar, ou existindo não é impugnado, apenas se pretende atacar a fixação da matéria colectável, como sucede no caso presente e mais adiante se demonstrará.
Em todo o caso, esta norma é a que mais se aproxima do conceito de utilidade económica imediata do pedido, porque nas normas seguintes [alíneas b) e c)], o valor da causa pode não ter equivalência com o valor da vantagem económica fiscal que o interessado pode obter com a procedência da acção.
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2.2.6. Segunda hipótese: a alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A.
Esta norma aplica-se, somente, aos casos em que são impugnados actos de fixação da matéria tributável tout court. Nos casos em que essa fixação é acompanhada da liquidação de um tributo, o valor da causa é determinado nos termos da alínea a), como já se referiu.
Assim, a aplicação residual da alínea b) aos casos de fixação de matéria tributável sem liquidação de imposto determina um valor da causa que não tem correspondência com a utilidade económica do pedido, sendo muito superior a esta. Na verdade, a utilidade económica corresponde apenas ao valor do imposto que o contribuinte poderá deixar de pagar com a correcção da matéria tributável; não corresponde ao montante corrigido.
Contudo, a conclusão inevitável que resulta da interpretação desta norma é de que o valor da causa corresponde ao valor contestado da matéria tributável, apesar de, como observa Jorge Lopes de Sousa, a sua redacção poder gerar potenciais casos de desigualdade no tratamento dado a situações aparentemente semelhantes, consoante haja ou não lugar a liquidação de imposto a pagar. Mas a opinião deste autor é, ao contrário do que o impugnado parece fazer crer nas suas conclusões, vertida numa perspectiva de iure condendo e não de iure condito.
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2.2.7. Terceira hipótese: a alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º-A.
Outras situações em que pode também não existir correspondência exacta entre a utilidade económica imediata e o valor da causa estão previstas na alínea c), que visa a impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais.
No entanto, esta norma só aparentemente tem importância para o caso que nos ocupa, embora uma das questões colocadas ao tribunal arbitral diga respeito valor patrimonial de imóveis. É que, como adiante se explicitará, tal questão não visa a impugnação directa desse valor mas sim os seus reflexos a nível da matéria tributável.
Portanto, esta norma é imprestável para a solução do caso sub judice.
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2.2.8. Aqui chegados, o problema a resolver no tocante à determinação da norma aplicável circunscreve-se às alíneas do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT: a alínea a) ou a alínea b).
A alínea a) pode, prima facie, ser considerada a chave do problema da determinação do valor da causa se atentarmos que uma das quatro questões que o requerimento inicial de pronúncia arbitral enuncia diz respeito a correcções na retenção na fonte em sede de IRC.
Tal como se prevê na alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, a competência para a liquidação de IRC é, regra geral, do sujeito passivo (através de autoliquidação na declaração periódica de rendimentos).
Mas em certos casos a liquidação não é feita pelo devedor do imposto mas por quem tem a obrigação de pagar os valores que originam tributação em sede de IRC, retendo na fonte o montante corresponde ao imposto devido, que assim não entra na esfera patrimonial do sujeito passivo.
Nestes casos pode suceder que o sujeito passivo venha a recuperar, no todo ou em parte, os valores que deixou de receber a título de tributação em sede de IRC, caso se constate que o valor retido é superior ao imposto devido.
Ora, a enunciação da questão a que supra se aludiu – “Correção de retenção na fonte de IRC relativa à distribuição de unidades de participação em Fundos de Investimento Imobiliário - € 401.187,92 (n.º 2 do art.º 68.º do CIRC e n.º 3 do art.º 22.º do EBF)” – poderia inculcar a ideia de que se trata de uma impugnação da liquidação de IRC por retenção na fonte. Neste caso a solução do problema seria claramente dada pela alínea a), na perspectiva anteriormente referida.
Mas não. Não se trata, efectivamente, de uma impugnação dessa natureza mas, apenas, de uma correcção à matéria tributável, tal como claramente resulta das passagens do RIT, que se aditaram à matéria de facto. Aliás, o valor em causa (€401.187,92) está incluído no montante de IRC recuperado pelo impugnado (€667.299,80).
Assim sendo a alínea a) é imprestável para resolver o problema do valor da causa, numa dupla perspectiva: por um lado não está em causa a impugnação da liquidação de IRC por retenção na fonte; por outro lado, não é de acolher a tese aventada pelo impugnado nas suas contra-alegações, de que o valor da causa é equivalente ao hipotético montante do imposto a pagar no futuro.
Vejamos porquê, neste caso.
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2.2.9. Olhando para a causa de pedir plasmada no requerimento do pedido de pronúncia arbitral, constata-se que no processo arbitral não se pretendeu discutir o quantum de um imposto a pagar, situação em que o valor da causa corresponderia a esse montante. O que se pretendeu atacar foram as correcções (em sentido positivo, isto é, no sentido de diminuição do prejuízo do exercício) levadas a cabo pela AT.
Aliás, nem sequer se questionou qualquer montante de imposto a pagar, sendo certo que resulta da nota de demonstração da compensação de IRC (cfr. supra 2.1.25), que a título de IRC propriamente dito nada foi exigido porque, simplesmente, não existiram lucros no exercício em causa mas antes avultados prejuízos.
De resto a causa de pedir no requerimento inicial arbitral não deixa qualquer dúvida, estando resumida no seu artigo 9.º nestes termos:
Por se encontrar convicto da ilegalidade do ato tributário identificado no intróito, o Requerente deduz contra o mesmo o presente requerimento de constituição de tribunal arbitral circunscrito à discussão da legalidade das correções mencionadas nos pontos III.1.1.1, III.1.1.2, III.1.1.4 e III.1.1.5 (na parte correspondente ao montante de € 1.680.771,79) do relatório de inspecção tributária (cf. quadro constante do artigo 6.º supra).” (negrito nosso).
Tais pontos respeitam a:
- Perdas por imparidades em ativos não financeiros fiscalmente não dedutíveis, no montante de € 616.169,92;
- Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato, no montante de € 7.328.717,56
- Correção da retenção na fonte de IRC relativa à distribuição de rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário, no montante de € 401.187,92;
- Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão, no montante de € 4.083.649,28”
Tudo no montante global de €10.026.847,19 (valor que, aliás, é referido a final do requerimento inicial, a propósito da indicação do valor da causa de € 2.306174,85, obtido pela aplicação de uma taxa de 23% àquele montante).
Por outro lado, ao longo de todo o articulado inicial o ora impugnado pugna apenas pela ilegalidade dessas correcções, não invocando qualquer outra ilegalidade (mormente quanto ao pagamento das quantias que lhe foram exigidas).
E termina esse articulado do seguinte modo:
TERMOS EM que se requer a V. Exa. se digne dar provimento ao presente pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral sobre o ato tributário melhor identificado no intróito, determinando-se a sua anulação, com o consequente reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios”.
Portanto, o que a impugnada pretendeu com o pedido de pronúncia do tribunal arbitral foi apenas que este lhe reconhecesse que tais correcções eram indevidas e, por conseguinte, ilegais. Com a consequente alteração da sua situação tributária, por força do relevo que a anulação de tais correcções passaria a ter em sede de prejuízo fiscal, que assim seria superior ao reconhecido pela AT (€338.200.170,32).
Ao referir-se ao “ato tributário melhor identificado no intróito” o impugnado está a referir-se ao acto de fixação da matéria colectável e nada mais. Ou seja, está a referir-se ao acto que fixou o prejuízo para efeitos fiscais em €338.200.170,32.
O reconhecimento do prejuízo fiscal na amplitude reclamada pelo impugnado conduz à possibilidade desse incremento no prejuízo ser reportado e tributado nos exercícios seguintes. Mas a utilidade económica imediata do pedido não é o equivalente ao montante de imposto que o impugnado poderá hipoteticamente deixar de pagar, seguramente inferior ao montante das correcções impugnadas. A utilidade económica imediata advém da (também) hipotética utilização do montante dos prejuízos em exercícios futuros. Hipotética visto que a sua utilização esta dependente de circunstâncias contingentes, que poderão ou não verificar-se.
Por isso não nos parece correcto que se afirme que tal utilidade económica imediata é igual ao imposto que deixará de ser pago. Na definição clássica de imposto este é tido como a imposição coactiva de uma prestação patrimonial, sem natureza sinalagmática; fazer equivaler o hipotético montante do imposto que a impugnada embolsaria no futuro (por não ter de o pagar) ao valor da causa equivale a substituir o conceito de utilidade económica imediata por uma virtual desoneração do sacrifício futuro que o imposto representa para o contribuinte.
Portanto não tem razão o impugnado quando defende que o valor da causa é definido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, como se o hipotético montante do imposto que deixaria de pagar no futuro fosse equivalente ao benefício económico que pretendeu imediatamente retirar do pedido de constituição do tribunal arbitral. Bem vistas as coisas, o que se pretende evitar é que as correcções não permaneçam na ordem jurídica, com o fito do respectivo montante poder, eventualmente, ser fiscalmente usado a favor do impugnado no futuro, diminuindo o lucro tributável e evitando assim o pagamento do imposto correspondente ao seu valor.
Por conseguinte, a utilidade económica que resulta da anulação das correcções não é imediata.
Donde, a utilidade económica imediata só poder ser aferida pelo valor das correcções impugnadas, na medida em que o prejuízo que as mesmas representam passa a integrar imediatamente o leque de direitos do impugnado se este obtiver ganho de causa. Dito de outro modo, a utilidade económica imediata não é nem pode ser o hipotético valor do imposto futuro, que nem se sabe se vai ser liquidado.
Por isso toda a construção do valor do processo, assente numa realidade hipotética, virtual, incerta pela natureza das coisas, não se adequa ao conceito de utilidade económica imediata, tendo contra si dois argumentos de peso: em primeiro lugar o reporte de prejuízos tem um limite temporal de cinco anos (artigo 52.º do CIRC), pelo que o eventual benefício ou utilidade derivada da anulação das correcções não passa de uma mera hipótese.
O que conflitua com a natureza do conceito de utilidade económica imediata, que não se compatibiliza com uma projecção para o futuro, não se compadece com a absoluta incerteza quanto à ocorrência do evento que o desencadeia. O que sucede no caso em apreço, em que não é possível afirmar com toda a certeza que o impugnado poderá deduzir os prejuízos nos cinco exercícios posteriores.
Em segundo lugar, a redacção legal briga com tal entendimento. É que a alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, não consente a interpretação lata que dela faz o impugnado. E onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).
Concluiu-se, portanto, pela completa imprestabilidade da alínea a) para determinar o valor da causa no caso sub judice.
Resta, portanto, a alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT.
*
2.2.10. No que concerne à alínea b), embora se reconheça, como já se disse, que a sua redacção pode gerar potenciais situações de desigualdade no tratamento dado a situações aparentemente semelhantes, consoante haja ou não liquidação de imposto a pagar, a letra da lei não deixa margem para dúvidas: quando não tenha havido liquidação (no sentido de imposto a pagar) ou o imposto liquidado não seja impugnado, o valor da causa é igual ao valor contestado da fixação da matéria tributável.
Esta nossa interpretação da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT afigura-se-nos ser a única que se compatibiliza com cânone hermenêutico do artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, segundo o qual não pode ser tida em consideração uma interpretação que não tenha um mínimo de correspondência verbal com a letra da lei, ainda que imperfeitamente expressado, interpretação que corresponde à visão doutrinal, de que a letra da lei é o ponto de partida, mas também o ponto de chegada, de toda a interpretação da norma jurídica.
É certo que a letra da lei é, por vezes, incerta, hipotética, equívoca, o que obriga, quando o elemento gramatical não fornece uma resposta clara e unívoca, a buscar a interpretação teleológica através dos restantes elementos lógicos de interpretação, designadamente o sistemático, tendo por pano de fundo a presunção de acerto do legislador (art.º 9º, n.º 3), visando obter uma interpretação de acordo com os fins cognoscíveis e as ideias fundamentais da regulação normativa, visto que “por trás de uma determinada intenção reguladora, estão valorações, aspirações e reflexões substantivas, que nela acharam expressão mais ou menos clara”.
Aliás, tarefa que a LGT impõe no n.º 1 do artigo 11.º, ao prescrever que “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.
Mas, porque “toda a disposição de direito tem um escopo a realizar, quer cumprir certa função e finalidade, para cujo conseguimento foi criada” e nenhum princípio jurídico existe isoladamente, antes “está ligado por nexos íntimos com outros princípios”, que “são membros de um grande todo”, então o intérprete deve socorrer-se de vários elementos interpretativos lógicos, de índole sistemática, histórica e racional ou teleológica, a fim de apurar o resultado da interpretação, que pode ser então declarativa (com um sentido consagrado no texto), restritiva (com um sentido que fica aquém do texto) ou extensiva, quando acaba por concluir que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, pecando por defeito, ou seja, que o legislador quis dizer mais do que aquilo que efectivamente disse.
E porque as várias parcelas da lei não surgem de supetão mas antes fazendo parte do “desenrolar lógico de um plano”, a interpretação sistemática é incontornável, como justamente observa Saldanha Sanches
.
Ora, basta compararmos a teleologia associada à alínea a) e à alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, para imediatamente se concluir que o legislador deste diploma disse na alínea b) o que efectivamente queria dizer.
Se na alínea a) não há dúvidas de que a utilidade económica do pedido corresponde ao montante de imposto impugnado e já liquidado, ou seja, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o impugnante deixará de pagar ou lhe será devolvida, já na alínea c) não é o montante do imposto que representa o valor da causa mas antes o valor patrimonial contestado, que servirá para o cálculo desse imposto.
Quer isto dizer que nestes dois casos o legislador se guiou por um critério objectivo na determinação do valor da causa, com o horizonte posto na utilidade económica do pedido; se assim é nestes dois casos, então por que razão a determinação do valor da causa, no caso da alínea b), devia ser fixada com base em critérios subjectivos, como a tese propugnada pelo impugnado e acolhida no acórdão em causa pressupõe?
Não cremos que tenha sido essa a intenção do legislador. Também na alínea b) se constata que este pretendeu consagrar um critério objectivo de determinação do valor da causa, baseado numa realidade com expressão monetária: o valor contestado da matéria tributável.
É claro que subjacente ao argumento do impugnado está a tese de que a determinação concreta do valor da causa se faz (fez) ao abrigo da alínea a). Todavia, esta tese é inaceitável, como já se demonstrou, reiterando-se que é patente que a norma visa o imposto liquidado e não o hipotético imposto a liquidar no futuro.
Isto é, partindo do pressuposto de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, a fórmula da alínea a) não deixa margem para quaisquer dúvidas interpretativas, de que o objecto da impugnação é a liquidação vigente na ordem jurídica, que obviamente só pode ser originada em factos tributários concretos, nunca numa presuntiva liquidação futura baseada em factos tributários hipotéticos, de produção posterior e incerta.
Por isso, uma tal interpretação viola, salvo o devido respeito pela opinião adversa, o disposto no artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, na medida em que se cai no vício apontado pela doutrina, anteriormente referido: o resultado da interpretação ser produto de um desvio à letra da lei com uma amplitude tal que o torna inaceitável.
Acresce que no caso em apreço, olhando para a causa de pedir e para o pedido, se constata que apenas as correcções foram validamente impugnadas, embora o petitório tenha sido desdobrado em dois pedidos, todavia incompatíveis entre si.
O primeiro ou principal, corresponde ao primeiro segmento, onde se impugna o “ato tributário melhor identificado no intróito”, isto é, o ato que fixou o prejuízo fiscal na dimensão impugnada nos artigos 6.º e 9.º do requerimento inicial. Pedido que encontra respaldo na causa de pedir vertida ao longo do requerimento inicial.
Já o pedido secundário (porque relacionado com anulação das correcções), ou dependente, além de não ter qualquer causa de pedir onde se estribe, é absolutamente incompatível com o pedido principal.
Na verdade, se o pedido principal é unicamente o da anulação das correcções, com o consequente aumento do resultado negativo do exercício, nunca poderia ser pedido, como consequência da anulação dessas correções, o reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios! Justamente porque as correções nada têm a ver com o imposto pago!
Estas observações apenas são chamadas à colação para ilustrar que o pedido não podia ter sido formulado na amplitude com que o foi, não podendo por isso servir de esteio argumentativo para a determinação do valor da causa ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.-A, do CPPT.
Pelo contrário, competia ao tribunal arbitral reduzi-lo aos seus justos limites, por falta de causa de pedir para essa amplitude, nos termos dos artigos 186.º, n.os 1 e 2, e 278.º, n.º 1, al. b), do CPC. Nunca para dele extrair uma inexistente intenção impugnatória da “liquidação”.
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2.2.11. Em resumo, para resolver o problema do valor da causa relativo a impugnações da matéria colectável em que não haja imposto a pagar ou em que a liquidação (do imposto) não seja impugnada – situação que quadra no caso presente -, deve aplicar-se a b), do artigo 97.º-A, do CPPT e não, como já se demonstrou, a alínea a),
Por outro lado, como já se concluiu que esta alínea b) impõe que a determinação do valor da causa se faça segundo o critério objectivo nela consagrado, fica arredada a possibilidade dessa determinação ser feita em função de um critério subjectivo na disponibilidade do contribuinte.
Por conseguinte, o valor da causa no caso vertente, determinado pela aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, conduz a um valor que ultrapassa os € 10.000.000,00, sendo em concreto de €10.026.847,19.
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2.2.12. Como já se referiu, é evidente que o regime previsto na alínea b) pode conduzir a situações de injustiça relativa, mas não se afigura que as mesmas tenham uma densidade tal que afecte o núcleo essencial do princípio consagrado no artigo 13.º da CRP.
Por um lado não há qualquer amputação de quaisquer direitos recursórios, visto que o valor da causa, quando se conteste matéria tributável, será sempre superior ao valor do hipotético imposto que lhe possa estar associado; por outro lado, em matéria de custas a possibilidade de dispensa da taxa de justiça remanescente constitui um importante mecanismo jurídico que reduz os efeitos negativos que podem ser apontados à solução normativa.
Donde, uma interpretação no sentido de que o valor da causa em situações como a presente é ditado pelo valor das correcções não viola os princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, assim como da proporcionalidade e da igualdade, previstos nos artigos 20.°, 18.° e 13.° da CRP, como sustenta o impugnado nas suas conclusões 13.ª e 14.ª.
Para além disso, face à incerteza de alguns tipos de situações relacionadas com a impugnação total ou parcial da fixação da matéria tributável sem liquidação de imposto a pagar ou em que a liquidação não é impugnada – como sucede no caso sub judice – em que não é possível determinar com toda a segurança o valor da causa, o critério legal, embora possa conduzir a algumas situações de desigualdade, ainda assim é o mais razoável e seguro.
Não se afigura, portanto, que tal critério comporte qualquer agressão a princípios constitucionais, a ponto de merecer um juízo de desconformidade com a lei fundamental. Pelo contrário, em resultado da disparidade de situações a que a norma da alínea b) é potencialmente aplicável, é razoável pensar-se que o legislador do CPPT dispunha de credenciação constitucional bastante para legislar segundo um critério de plausibilidade na determinação do valor da causa e de harmonia com uma directriz objectiva, ou seja, nos exactos termos em que o fez.
Do exposto pode desde já concluir-se que o quadro normativo enunciado fornece uma solução razoável que dispensa a convocação do artigo 32.º do CPTA na colmatação de uma inexistente lacuna, como pretende o impugnado. E para além disso tal quadro normativo não necessita de afeiçoado por uma interpretação conforme à Constituição, por já ser, de per si, compatível com as normas e princípios constitucionais supra referidos.
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2.2.13. Por fim, quanto aos argumentos da impugnada, de que atacou o acto de liquidação e que o fez por força do princípio da impugnação unitária (conclusões 15.ª e 16.ª), apenas se dirá que para tanto seria necessário que tivesse alegado a correspondente causa de pedir. O que, notoriamente não fez, sendo certo que, como se demonstrou, do petitório também não é possível extrair a conclusão a que chega.
Improcedem, pois, tais argumentos.
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2.2.14. O artigo 28.º, n.º 1, do RJAT, consagra, taxativamente como vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência, os fundamentos de impugnabilidade das decisões arbitrais em matéria tributária, designadamente a “Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia” [al. c)].
O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, de 3 de Maio, proc. n.º 126/15, pôs termo a alguma querela que subsistia sobre o conceito de pronúncia indevida, que deve ser interpretado no sentido de que abrange também todas as situações para as quais o tribunal arbitral se arrogue uma competência que a lei lhe não concede, quer seja em razão da matéria, quer seja em razão do valor.
Com efeito, o valor da causa pode ditar a incompetência relativa do tribunal, como decorre do artigo 102.º do CPC. No caso dos tribunais arbitrais em matéria tributária a sua competência em razão do valor promana do disposto no artigo 4.º do RJAT, que estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos” (negrito nosso).
Ora, o artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, limita a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios que não ultrapassem o valor de €10.000.000,00, consagrando por isso a incompetência relativa de tais tribunais para as causas de valor superior.
O que significa que se o tribunal arbitral em matéria tributária decidir matéria para a qual seja competente mas em que o valor do processo é superior a dez milhões de euros está a incorrer no vício de pronúncia indevida.

2.2.15. Em resumo e para concluir, ao basear-se no valor indicado pelo requerente e ora impugnado, inferior ao valor contestado da fixação da matéria tributável, de €10.026.847,19, o tribunal arbitral exacerbou a sua própria competência em razão do valor, emitindo pronúncia indevida, nos termos conjugados do artigo 28.º, n.º 1, al. c), do RJAT e do artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março, sobre questão reservada à esfera de competência dos tribunais tributários.
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2.2.16. Constatando-se a ocorrência da primeira nulidade assacada à decisão do tribunal arbitral, invocada pela impugnante, tanto basta para que lhe seja dada razão e seja declarada a nulidade da decisão arbitral sub judice por pronúncia indevida, sendo inútil discutir as demais questões suscitadas.
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2.2.17. Da dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente
As partes coincidem no pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente.
Para a impugnante com fundamento em que se trata de uma impugnação de decisão arbitral, sem lugar à produção de prova testemunhal e sem grande complexidade decisória; para o impugnado porque, “não obstante a relevância do caso sub judice para a boa aplicação do direito e coerência do sistema, não se verifica particular especificidade técnica e jurídica para alem daquela que se verifica em qualquer processo, uma vez que estão em discussão questões que se discutem de modo generalizado nas relações entre as partes”.
No que concerne aos argumentos relativos à reduzida complexidade do caso, as alegações das partes e este acórdão desmentem tal asserção; é verdade que não há produção de prova – aliás como sucede na esmagadora maioria dos casos pendentes neste tribunal. Mas tal não justifica a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente na sua totalidade.
Nos termos do n° 7 do art.º 6° do Regulamento das Custas Processuais “Nas causas de valor superior a € 275. 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Embora a conduta das partes não seja merecedora de censura, o certo é que a causa é, inegavelmente, juridicamente complexa. E também de um ponto de vista fáctico, considerando a extensão e complexidade dos articulados e documentos, pese embora o acervo factual convocado não seja especialmente denso e extenso.

De todo o modo, atendendo ao valor da causa afigura-se-nos exagerado o valor a pagar de taxa de justiça pelo serviço jurisdicional prestado. Mas por outro lado não se vislumbra razões para que a dispensa seja concedida em toda a sua extensão.

Assim, ponderando os critérios legais, defere-se parcialmente ao requerido, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça em 75% do seu valor.

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2.2.18. Sumário:
De todo o exposto extraem-se as seguintes conclusões:
13. O valor dos processos arbitrais em matéria tributária é determinado pelo artigo 97.º-A do CPPT, ex vi do artigo 29.º do RJAT, e não por aplicação do Regulamento das Custas em Matéria Tributária, do CAAD.
14. Para efeitos do valor da causa, a utilidade económica imediata do pedido, sempre que este não é definido através de uma quantia certa em dinheiro, deve ser avaliada em função do pedido e da causa de pedir.
15. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, o valor da causa corresponde ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada desta, consoante se peça, respectivamente, a sua anulação total ou parcial, isto é, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o impugnante deixará de pagar ou lhe será devolvida.
16. Caso se cumulem pedidos com o pedido de anulação da liquidação (v. g., pagamento de juros indemnizatórios), o valor da causa é sempre o valor da liquidação na parte impugnada.
17. Esta norma pressupõe que a liquidação determine um montante de imposto a pagar superior a zero e que a liquidação seja impugnada, não consentindo qualquer outra interpretação, designadamente uma interpretação que faça depender o valor da causa de critérios subjectivos do impugnante.
18. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, o valor da causa corresponde ao valor contestado do acto de fixação da matéria tributável, e não ao valor que o contribuinte poderá deixar de pagar no futuro a título de imposto, caso obtenha ganho de causa.
19. Mas se também for impugnada a liquidação, o valor da causa já não é determinado por esta alínea b), mas antes nos termos da alínea a), correspondendo ao valor contestado da liquidação e sem que acresça a tal valor o da parte contestada da matéria tributável.
20. Quando é unicamente impugnado o valor das correcções à matéria colectável, a utilidade económica do pedido, e por consequência, o valor da causa, não equivale ao montante de imposto que o impugnado poderá hipoteticamente deixar de pagar com a procedência da impugnação, porque tal montante apenas representa uma utilidade económica futura e hipotética, dado que a posterior utilização, para efeitos fiscais, dos montantes corrigidos está dependente da produção de factos e circunstâncias contingentes, imprevisíveis e incertas por natureza.
21. A utilidade económica imediata, neste caso, corresponde ao valor das correcções impugnadas, o qual passa a integrar imediatamente a esfera de direitos do contribuinte se este obtiver ganho de causa, sendo este o valor da causa.
22. Nesta situação o valor da causa não corresponde ao montante que o requerente deixará de pagar no futuro a título de IRC, por aplicação de uma taxa de 23%.
23. A alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, não viola os artigos 20.°, 18.° e 13.° da CRP.
24. Incorre no vício de pronúncia indevida o acórdão do CAAD que, arrogando-se competência em razão da matéria, entende ser competente para conhecer do pedido de pronúncia arbitral em que é contestado um valor superior a dez milhões de euros de prejuízo fiscal, que ultrapassa o limite previsto no artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
*
3 - Dispositivo
Em face de todo o exposto acordam em conceder provimento à impugnação e, em consequência, declarar a nulidade da decisão arbitral.
Custas pelo impugnado, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na proporção de 75%.
D.n.
Lisboa, 2019-01-17
(Benjamim Barbosa, relator)
(Anabela Russo)
(Vital Lopes)

1 Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2006, p. 246.
2 Idem, ibidem.
3 José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, III Vol., Coimbra, Coimbra Ed.ª, 1946, p. 591.
4 Neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, 72.
5 Assim, Lopes de Sousa, op. cit., pp. 72 e 73.
6 Op. cit., pp. 73-74, nota 3.
7 Refere o autor, a este propósito: “(…) em coerência com a opção legislativa subjacente à fixação do valor prevista na alínea a), deveria, nestas situações de impugnação de acto de fixação da matéria colectável, optar-se pela fixação do valor da acção em função do valor do imposto que estaria conexionado com a matéria colectável contestada” (itálico nosso).
8 Cfr. Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, 4.ª ed., Coimbra, Ed.ª Arménio Amado, 1987, p. 140, e Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral. Uma perspectiva luso-brasileira, 4.ª ed., Lisboa, Editorial Verbo, 1987, p. 350.
9 Idem, ibidem.
10 Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 2ª ed., Lisboa, Fundação C. Gulbenkian, 1989, pag. 381
11 Ferrara, op. cit., p. 141.
12 Ferrara, op. cit., p. 143.
13 Francesco Ferrara, op. cit., pp. 127 e ss..
14 Oliveira Ascensão, op. cit., p. 359.
15 J.L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª Ed., 2007, p. 147.