Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:215/21.8BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:RCO
DISPENSA DE COIMA
PREJUÍZO PARA A RECEITA TRIBUTÁRIA
Sumário:I. Tendo o valor em dívida entrado nos cofres do Estado, a título de receita tributária, dentro do prazo, para efeitos do então art.º 32.º, n.º 1, do RGIT, não se verifica qualquer prejuízo para a receita tributária, ainda que o pagamento tenha sido feito, por lapso, como se de TSU, e não de IVA, se tratasse.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer do despacho decisório proferido a 20.06.2022, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, no qual foi julgado procedente o recurso apresentado por V. & V., SA (doravante Recorrida), da decisão de aplicação de coima, proferida no processo de contraordenação (PCO) a que foi atribuído, na fase administrativa, o n.º 21272020060000015980.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“A. Visa o presente recurso reagir contra a decisão em 1.ª instância que julgou procedente o recurso de contraordenação apresentado pela Arguida / Recorrente e, em consequência, revogou a decisão de aplicação de coima no processo de contraordenação n.º 21272020060000015980, no valor de € 14.285,97, acrescida de custas, por aplicação do instituto de dispensa da coima estabelecido no artigo 32.º, n.º 1 do RGIT (na redação à data dos factos).

B. É jurisprudência unânime que, para ocorrer a dispensa de coima estabelecida no artigo 32.º, n.º 1 do RGIT (na redação à data dos factos), não basta a regularização da falta, sendo necessário que se esteja perante uma situação em que não chegou a produzir-se prejuízo, antes de ocorrer a regularização.

C. Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, não poderá ser valorizado para efeitos de apuramento do prejuízo efetivo que o pagamento tenha sido efetuado por lapso a outra instituição, privada ou pública, e que a arguida tenha regularizado a situação quando para tal foi notificada no âmbito do processo de execução fiscal.

D. Pois, o requisito estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 32.º do RGIT não diz respeito à inexistência de prejuízo efetivo à receita ou cofres do Estado, mas sim à inexistência de prejuízo à receita tributária.

E. Neste conceito de receita tributária não cabem as prestações ou contribuições efetuadas à Segurança Social, até porque estamos no domínio de contraordenações fiscais previstas no Capítulo II - Contraordenações Fiscais do RGIT – artigo 114.º - e não contraordenações previstas no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.

F. Ademais, é visível essa distinção operada pelo legislador no próprio Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, no qual se criou igualmente um mecanismo de dispensa de coima (vide art. 244.º do referido diploma legal) mas onde não é obviamente referido ou estabelecido como pressuposto de aplicação a inexistência de qualquer prejuízo ao Estado ou à receita tributária, mas sim a inexistência de prejuízo efetivo ao sistema de segurança social ou ao trabalhador.

G. O lapso / erro de pagamento alegado pela Arguida, efetuado a outra entidade pública, apenas terá relevância na determinação do grau de culpa da arguida.

H. No entanto, importa referir que, ao contrário do percecionado pela arguida - cf. pedido subsidiário constante do recurso por si apresentado – a AT procedeu efetivamente à atenuação especial da coima nos termos do artigo 32.º, n.º 2 do RGIT e 18.º, n.º 3 do Regime Geral de Contraordenações, uma vez que foi aplicada à arguida uma coima correspondente a 15% do valor do imposto, ou seja, metade do montante mínimo estabelecido pelos artigos 114.º e 26.º, n.º 4 do RGIT (30% do valor do imposto), o qual, caso a coima não fosse especialmente atenuada, corresponderia a € 28.571,95.

I. Por tudo o exposto, entende-se que o Tribunal a quo errou quando julgou verificados os pressupostos para a aplicação da dispensa de coima.

J. Facto que consubstancia um erro de julgamento de direito, por errada aplicação do artigo 32.º, n.º 1 do RGIT (na redação à data dos factos).

Nestes termos e nos restantes de Direito que o distinto Tribunal entender por bem suprir, advoga a Representação da Fazenda Pública a procedência do presente recurso jurisdicional, determinando-se a revogação da sentença do Tribunal a quo, com o que V. Exas. farão a almejada Justiça!”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificados a Recorrida e o Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs 411.º, n.ºs 5 e 6, e 413.º, ambos do Código de Processo Penal (CPP), aplicáveis ex vi art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral do Ilícito de mera ordenação social (RGCO), ex vi art.º 3.º, al. b), do Regime Geral das Infrações Tributária (RGIT), foi apresentada resposta pela primeira, na qual foram formuladas as seguintes conclusões:

i. Nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do RGIT “1 - Para além dos casos especialmente previstos na lei, pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias: a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária; b) Estar regularizada a falta cometida; c) A falta revelar um diminuto grau de culpa.

ii. Para que a Arguida não aproveitasse deste regime de dispensa da coima, teria de falhar um destes requisitos cumulativos;

iii. A Arguida, ao ter pago o montante referente ao IVA à Segurança Social, processando-o como pagamento da Taxa Social Única, terá, em termos gerais, entregue esse montante aos Cofres do Estado.

iv. Montante esse de igual valor ao devido pela Arguida a título de IVA, cuja falta de pagamento lhe é imputada nos autos.

v. Como tal, e para que não se verificasse o primeiro requisito (alínea a)) do artigo 32.º do RGIT, era necessário que as contribuições/pagamento à Segurança Social não fossem enquadradas no conceito de “receita tributária” e que não tivessem igual destino dos pagamentos referentes ao IVA, pagamento esse devido pela Arguida;

vi. A Lei e diversa jurisprudência vem entendendo que os pagamentos à Segurança Social têm natureza tributária, tanto por se tratar de uma taxa coercivamente cobrada, como pelo facto de se destinar a satisfazer os encargos públicos do Estado.

vii. No próprio RGIT, em concreto, na alínea a) do artigo 11.º do RGIT prevê-se que é “Prestação tributária: os impostos, incluindo os direitos aduaneiros e direitos niveladores agrícolas, as taxas e demais tributos fiscais ou parafiscais cuja cobrança caiba à administração tributária ou à administração da segurança social

viii. Nestes termos, ao ser uma prestação tributária que, entregue aos cofres do Estado, resulta em receita, não se vislumbra, de que modo e com que fundamento, se poderá não concluir como receita tributária.

ix. O próprio Orçamento de Estado para o ano de 2020, ano dos factos, aprovado pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, previu, no seu Mapa XXI, as “receitas tributárias cessantes dos serviços integrados, dos serviços e fundos autónomos e da segurança social” (alínea i), do n.º 1 do artigo 1.º)”

x. Subjaz a previsão deste instituto de dispensa de coima, proteger as situações nas quais, o Estado, em caso de violação das regras relativas ao pagamento do imposto, não ficou privado do seu crédito/receita destinado à satisfação dos seus compromissos que legalmente lhe cabem.

xi. Nessa medida, (i) ignorar o reflexo positivo deste pagamento na receita pública e (ii) e recorrer a uma presunção de prejuízo com base no facto do pagamento não ter sido processado como pagamento de IVA, será subverter, mais do que o conteúdo da norma pela violação do requisito “prejuízo efetivo da receita tributária”, o elemento teleológico da mesma, que se destina a assegurar a existência de receita nos Cofres do Estado.

xii. Nessa medida, e conforme a Recorrente pretende fazer valer, (i) ignorar o reflexo positivo deste pagamento na receita pública e (ii) e recorrer a uma presunção de prejuízo com base no facto do pagamento não ter sido processado como pagamento de IVA, será, em primeiro lugar, subverter todo o conteúdo da norma -elemento literal-, através da desconsideração efetiva do requisito “prejuízo efetivo da receita tributária”, e, ainda, desvirtuar e desconsiderar o elemento teleológico da mesma, e todo o intento na criação deste instituto, que se destina, in fine, a assegurar a existência de receita pelo Estado.

xiii. Por outro lado, tabelar ab initio este pagamento como um incumprimento por ter sido realizado de forma errada, e ignorando que com isso teve igual destino e resultado final caso tivesse sido pago pelos meios previstos/próprios, significa criar uma presunção inilidível de efetivo prejuízo para receita tributária, mesmo quando este não exista, o que consubstancia uma clara violação dos direitos e princípios constitucionais reservados à Arguida, em especial, o princípio da presunção da inocência, previso no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

xiv. Por fim, e caso se entendesse restringir o conceito de “receita tributária” à receita proveniente de tributos fiscais, estar-se-ia, mais do que a violar o espírito da lei [de proteção da receita do Estado para fazer face aos seus compromissos], a impedir, também por essa via, o recurso da Arguida a um mecanismo de dispensa de sanção previsto em lei.

xv. Porquanto, ao desviarmo-nos do elemento literal e teleológica da norma que prevê a dispensa da coima, sancionando de forma inovadora e imprevista a Arguida cujo raciocínio usado foi de um homem médio, colidimos, de imediato, com o princípio da legalidade, previsto no artigo 1.º do Código Penal e no artigo 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, por violação das regras de determinabilidade das normas sancionatórias, por inaplicação do mecanismo de dispensa da mesma.

xvi. Em última ratio, caso entenda que o conceito de receita tributária gera dúvidas na sua interpretação e aplicação no caso concreto, sempre se concluirá que a sua aplicabilidade e respetivo sancionamento é dúbio e equívoco, sendo de “concluir que, a interpretação / aplicação de um direito assim tornado equívoco e impreciso não satisfaz a exigência de «normas prévias, escritas e precisas», própria do direito penal (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 449/02, já citado), ofendendo, desta forma, os princípios da legalidade e da tipicidade penais, havendo de se considerar desconforme ao artigo 29.º, n.º 1, da CRP.

xvii. Considerando-se sempre inconstitucional a interpretação onde se conclua pelo sancionamento da Arguida.

xviii. Sem prescindir, sempre seria aplicável à Arguida a pena de admoestação, devendo, em caso de provimento do recurso ora interposto, ser alvo de exame pelo Tribunal a quo.

xix. Para o efeito, deve atender-se atenta a rapidez (no próprio dia) com que, deparada com o erro, e com a consequente situação de irregularidade, a Arguida procedeu ao pagamento do imposto, juros e demais custos,

xx. Assim, e pelo facto de (i) atenta a rapidez (no próprio dia) com que, deparada com o erro, e com a consequente situação de irregularidade, a Arguida procedeu ao pagamento do imposto, juros e demais custos, de (ii) haverem decorrido escassos dias desde o vencimento da obrigação de pagamento, 7 dias no caso, e (iii) verificada a razão pela qual o imposto não foi pago em tempo - no caso, através de uma simples falha da Arguida na seleção de um separador na aplicação MBnetwork, plataforma onde sempre (e em tempo) pagou todos os impostos devidos-, sempre se concluirá -porque assim se impõe- pela reduzida gravidade e culpa manifestamente diminuta da Arguida e que a sanção aplicada (de coima no valor de 14.285,97€) é “desproporcional e desadequada”.

xxi. Procedendo, assim, e sem detrimento da dispensa da coima, a possibilidade de aplicação da admoestação à Arguida, mediante substituição pela coima.

Nestes termos, não merece qualquer censura a sentença recorrida, pelo que, na esteira do entendimento sancionado em 1.ª Instância, deve a Arguida ser dispensada do pagamento da coima.

À Cautela, e caso se determine a não aplicação do regime de dispensa da coima, com a consequente aplicação de coima, devem ser analisados os pressupostos da aplicação de pena alternativa de admoestação”.

O IMMP neste TCAS pronunciou-se, no sentido da improcedência do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, nada tendo sido dito.

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, dado não se reunirem os pressupostos para a dispensa de coima?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. Em 16.07.2020 foi emitido documento para pagamento de declaração periódica de IVA apresentada pela Recorrente, referente ao mês de maio de 2020, no valor de €95.239,84 (cf. documento de fls. 19 do SITAF);

2. Em 21.07.2020 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu demonstração de liquidação de juros de IVA em nome da Recorrente, referente ao mês de maio de 2020, no valor de €99,91 (cf. demonstração de fls. 34 do SITAF);

3. Em 24.07.2020 a Recorrente procedeu a um pagamento ao setor público no valor de €95.239,84 (cf. comprovativo de fls. 21 do SITAF);

4. Em data concretamente não determinada a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu documento de cobrança no valor de €95.632,23, em nome da Recorrente e no âmbito do processo de execução fiscal n.º ….303, instaurado para cobrança coerciva de dívidas de IVA referentes ao mês de maio de 2020 e acrescidos (cf. documento de fls. 29 e seguintes do SITAF);

5. Em 11.08.2020 a Recorrente pagou o documento referido em 4. (cf. comprovativo de fls. 32 do SITAF);

6. Em 11.08.2020 a Recorrente pagou a demonstração referida em 2. (cf. comprovativo de fls. 36 do SITAF);

7. Em 12.08.2020 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em nome da Recorrente o auto de notícia n.º 20200116444/2020, por falta de pagamento de IVA referente ao mês de maio de 2020, no valor de €95.239,84 (cf. auto de fls. 4 do SITAF);

8. Em 12.08.2020 o SF de Ourém instaurou contra a Recorrente o processo de contraordenação n.º 21272020060000015980, com base no auto de notícia referido em 7. (cf. auto de fls. 3 do SITAF);

9. Em 15.12.2020 o Chefe do SF de Ourém emitiu decisão de fixação de coima no âmbito do processo de contraordenação n.º 21272020060000015980, pela qual condenou a Recorrente numa coima de €14.285,97, acrescida de custas no valor de €76,50 (cf. decisão de fls. 49 e 50 do SITAF)”.

II.B. Refere-se ainda no despacho decisório recorrido:

“Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“De acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), que aqui tem aplicação por força da al. b) do artigo 3.º do RGIT, do n.º 1 do artigo 41.º do RGC, e do artigo 4.º do Código de Processo Penal (CPP), na fundamentação da sentença “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.

Para a prova dos factos acima elencados sob os números 1. a 9., foi determinante a análise dos elementos juntos aos autos pela Recorrente com o seu recurso judicial, mas também pela entidade administrativa com a remessa dos autos ao Tribunal, sem que qualquer dos intervenientes processuais tenha apresentado oposição à junção dos documentos ou por qualquer forma impugnado a referida documentação, tudo conforme supra se encontra devidamente identificado em frente a cada um dos pontos do probatório – cf. artigos 374.º e 376.º do Código Civil”.

II.D. Atento o disposto no art.º 431.º, al. a), do CPP, ex vi art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT, é alterada a redação da alínea 3. do probatório, que passará a ser a seguinte:

3. Em 24.07.2020, a sociedade V. & V., SA procedeu a um pagamento ao setor público, a título de taxa social única, no valor de €95.239,84 (cf. comprovativo de fls. 21 do SITAF).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que a decisão em crise padece de erro de julgamento, não se reunindo os pressupostos da dispensa da coima.

Vejamos.

Nos termos do art.º 32.º do RGIT, na redação então em vigor:

“1 - Para além dos casos especialmente previstos na lei, pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:

a) A prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária;

b) Estar regularizada a falta cometida;

c) A falta revelar um diminuto grau de culpa.

2 - Independentemente do disposto no n.º 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infrator reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo”.

Consagra esta disposição duas situações, perfeitamente discerníveis: no n.º 1, a situação de dispensa de aplicação de coima e, no n.º 2, a situação de atenuação especial de coima.

Para efeitos de dispensa de aplicação de coima, a mesma pode ocorrer quando (a) a prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária, (b) estando regularizada a falta cometida e (c) a falta revelar um diminuto grau de culpa.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Sistematizando, do ponto de vista fático:

a) A 24.07.2020, e na sequência da apresentação de declaração periódica de IVA relativa a maio de 2020, a Recorrida procedeu ao pagamento do valor correspondente, ainda que, por lapso, o tenha feito à Segurança Social, a título de taxa social única (TSU), e não à Autoridade Tributária e Aduaneira;

b) Foi instaurado processo de execução fiscal relativo a tal valor de IVA, na sequência do qual foi, a 11.08.2020, pago o documento de cobrança nessa sede emitido.

Desde já se adiante que se entende que a decisão em crise aplicou de forma correta o disposto no 32.º, n.º 1, do RGIT, na redação aplicável, não assistindo, pois, razão à Recorrente.

In casu, o pressuposto que é posto em causa pela Recorrente tem a ver com a ausência de prejuízo à receita tributária, considerando esta que não pode ser valorada a circunstância de ter havido um pagamento dentro do prazo a outra entidade pública.

No entanto, não acolhemos este entendimento.

Com efeito, sendo certo que o pagamento foi, por lapso, feito como se tratando de TSU, a verdade é que o valor em causa entrou nos cofres do Estado, a título de receita tributária, dentro do prazo legalmente previsto.

Veja-se que a receita tributária abrange todos os tributos, como resulta do art.º 3.º da Lei Geral Tributária, onde se compreendem quer os administrados pela administração tributária e aduaneira quer os administrados por outras entidades, onde se inclui, designadamente, o Instituto da Segurança Social, IP.

Aliás, atentando em qualquer lei do orçamento do Estado tal classificação, enquanto receita tributária, surge evidenciada nos mapas respetivos.

A distinção que a Recorrente faz entre contraordenações fiscais e contraordenações relativas à Segurança Social não tem o alcance dado.

O que o então art.º 32.º, n.º 1, do RGIT previa era a ausência de prejuízo à receita tributária e esse, efetivamente, inexistiu, pelos motivos já assinalados: o valor entrou nos cofres do Estado, a título de receita tributária, dentro do prazo, ainda que tenha sido junto de outra entidade pública que não a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Quanto aos demais pressupostos, os mesmos verificam-se igualmente, na medida em que, de forma que nos parece clara, há um diminuto grau de culpa, dado que, reiteramos, o pagamento foi feito, ainda que, por lapso, junto de distinta entidade da que administra o tributo em causa, e que a falta (o lapso) foi regularizada, dado o pagamento mencionado em 5.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 04 de maio de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)