Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:779/19.6BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:05/14/2020
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRAZO PRESCRICIONAL
PROCESSO DE INQUÉRITO
GRADUAÇÃO DA SANÇÃO DISCIPLINAR.
Sumário:I. O prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar previsto no n.º 2 do art.º 178.º da LGTFP, conta-se a partir do conhecimento da infração por parte dos superiores hierárquicos que tiverem competência para exercer o poder disciplinar.

II. Cabendo a tal competência ao Conselho de Administração da C..., que o delegou na Comissão Executiva, o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar não começou a correr antes da data em que estes tiveram conhecimento da infração disciplinar.

III. Tendo sido necessário determinar a abertura de processo de inquérito para apurar as circunstâncias em que os factos foram praticados e proceder à sua valoração como ilícito disciplinar, o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar apenas começou a correr desde a data em que a Comissão Executiva teve conhecimento do relatório final do inquérito.

IV. E porque tal prazo não começou a correr em data anterior, a sua contagem também não esteve suspensa por força do disposto no n.º 3 do art.º 178.º da LGTFP.

V. Nas hipóteses em que a sanção disciplinar aplicada se situa dentro de um círculo de medidas legalmente possíveis, como é o presente caso, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a Administração se serviu, salvo em casos de desrazoabilidade manifesta, ou seja, se a pena aplicada se mostrar ostensivamente desproporcionada.

VI. Tendo a Recorrente sido punida com a pena disciplinar de demissão por se ter apropriado ilicitamente, no âmbito do exercício da sua profissão, do montante de 1.972,03€ e considerando a Recorrida que foi quebrada a relação de confiança indispensável à subsistência da relação laboral, não se vê que tal pena se mostre desadequada, desnecessária ou seja ostensivamente desproporcionada.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.

A... vem interpor recurso da sentença proferida no TAF de Beja que julgou improcedente o pedido de suspensão de eficácia da deliberação da Comissão Executiva da C..., S.A., que lhe aplicou a sanção disciplinar de demissão.
Apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:
1) O Tribunal a quo, na douta sentença proferida, ao considerar que não é seguro que proceda – na ação principal – a prescrição do direito de instaurar o processo disciplinar, incorre em evidente erro na apreciação da matéria de facto;
2) Em consequência, a douta sentença pronuncia-se, erradamente, pela não verificação do requisito fumus boni iuris da providência cautelar;
3) Na verdade, encontra-se indiciariamente provado que à data da instauração do processo disciplinar, ocorrida em 29 de agosto de 2018, o direito da Recorrida de instaurar processo disciplinar havia já prescrito.
4) Destarte, resulta da matéria de facto indiciariamente provada que a Recorrida, tal como por esta confessado, tomou imediato conhecimento da infração ocorrida em 19 de julho de 2017;
5) Aliás, já conhecendo, à data da instauração do inquérito, dos elementos essenciais, integrantes da infração, a saber, a autoria, o modo, o tempo e o lugar da sua prática;
6) Deste modo, o termo “imediato” utilizado pela Recorrente na arguição da prescrição, deve ser interpretado à luz da factualidade provada, designadamente, considerando que a própria Recorrida utiliza o identificado termo ao descrever que «de imediato [após o alerta gerado pela operação no dia 19/07/2017] questionou a hierarquia da empregada para que fosse apresentada justificação para o sucedido…»;
7) Ainda que assim não fosse, sempre se dirá que, resulta igualmente evidente que o conhecimento pleno de todos os elementos da infração ocorreu, no limite, até ao dia 24 de agosto de 2017, uma vez que, nessa data, tinha a Recorrida conhecimento de todos os elementos necessários para formar um juízo fundado de que a conduta da Recorrente integraria uma infração disciplinar.
8) Logo, é evidente que, em 29 de agosto de 2018, quando a Recorrida inicia o processo disciplinar, já havia prescrito há muito o seu direito.
9) Além disso, ainda que se considere a suspensão legal do prazo prescricional, por um período máximo de seis meses, o direito de instaurar o processo disciplinar, em 29 de agosto de 2019, já havia prescrito.
10) Não encontra qualquer correspondência com a lei e, por conseguinte, deverá ser expurgado da ordem jurídica, o que se encontra vertido na sentença, cf. pág. 43, no passo em que se refere que “não só a (imputada) infracção disciplinar só prescreverá em 18.07.2032 (isto é, decorridos quinze anos sobre a mesma: cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 118.º do Código Penal aqui aplicável por remissão do artigo 178.º, n.º 1 2ª parte, da Lei Geral dos Trabalhadores em Funções Públicas) como, e sobretudo, de igual forma o direito de instaurar o procedimento disciplinar apenas prescreverá nessa mesma data, ou seja em 18 de Julho de 2032, pois, conforme visto, “(…) estes dois prazos [de um ano e de sessenta dias: cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 178.º] devem conciliar-se: os sessenta dias devem conter-se no prazo de 1 ano (ou o que for aplicado por força da lei penal)”, fazendo corresponder o prazo prescricional da infração ao prazo prescricional do direito a instaurar procedimento disciplinar.
11) Por fim, quanto ao vício da violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação, diremos que, ainda que num juízo perfunctório próprio da sede cautelar, deve o douto Tribunal a quo ponderar e considerar, na aferição dos pressupostos da providência cautelar, toda a factualidade indiciariamente provada;
12) Logo, ainda que, em abstrato, deveria o Tribunal a quo ter apreciado o circunstancialismo concreto do caso, amplamente demonstrado e indiciariamente provado nos autos, inclusive as circunstâncias atenuantes da conduta da Recorrente e conduta da Recorrida após o conhecimento da infração;
13) Aliás, só assim se poderá o Tribunal a quo aferir da quebra, ou não, de confiança – ainda que em abstrato – e da inviabilidade da manutenção da relação funcional, configurando-se como proporcional ou não a aplicação da pena de demissão e, por conseguinte, conhecer da séria probabilidade da pretensão ser deferida em sede da ação principal;
14) Pelo exposto, o Tribunal a quo decidiu mal ao concluir pela improcedência do pedido cautelar, errando ao considerar que não existe nos autos uma probabilidade suficientemente séria e forte do denominado “bom direito” e, por conseguinte, que não é provável que a decisão a proferir no processo principal seja julgada procedente.



A Recorrida apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:
1. A douta sentença recorrida não merece a censura que lhe faz a Recorrente.
2. No que respeita à alegada prescrição do pode disciplinar, importa renovar a explicação, já dada nos autos, do enquadramento aplicável à Recorrente, de onde se conclui que a Recorrente estava, enquanto funcionária da Recorrida, sujeita ao Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis de 1913.
3. Por qualquer das duas vias acima apontadas, conclui-se que o poder disciplinar (seja para instauração do processo, seja para a aplicação da pena de demissão) cabe ao Conselho de Administração da Recorrida que o delegou na sua Comissão Executiva, ficando a constar do Regulamento da Comissão Executiva.
4. É, pois, à Comissão Executiva que cabe, nos termos do disposto no artigo 31.º do Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis de 1913, instaurar, por despacho, os processos disciplinares.
5. E não a qualquer superior hierárquico.
6. Ao contrário do que defende a Recorrente, o prazo de prescrição de 60 dias apenas se inicia com o conhecimento das infrações pela Comissão Executiva da Recorrida e não por qualquer superior hierárquico, sendo certo que a DAI não tem qualquer poder disciplinar nem nenhum superior hierárquico da Recorrente.
7. Nem os factos em causa, tal como indiciariamente provados nestes autos, foram do conhecimento de qualquer hierarquia da Recorrente, pois o único facto conhecido da chefia da Recorrente foi a transferência que esta fez para a conta da sua filha no dia 20/09/2017, desconhecendo todos os actos anteriores que, no mesmo dia, a Recorrente perpetrou com vista à apropriação de verba do cliente A..., como se descreve nos artigos 3.º, 4.º e 5.º da nota de culpa.
8. Não se verifica, assim, o decurso de qualquer prazo prescricional.
9. Primeiro, porque no que respeita à prescrição de curto prazo – 60 dias – tal prazo apenas se iniciou, como se viu, com o conhecimento das infracções pela Comissão Executiva da Recorrida.
10. Atendendo a que a Comissão Executiva do Conselho de Administração, que é o órgão com competência disciplinar, teve conhecimento dos factos em 29/08/2018 e deliberou imediatamente a instauração do procedimento disciplinar à Recorrente, sendo a nota de culpa entregue à Recorrente em 20/09/2018, é por demais evidente que não decorreu o referido prazo de 60 dias.
11. Segundo, porque, no que respeita ao prazo longo de prescrição, as infracções disciplinares imputadas à Recorrente constituem igualmente crime (furto/artigo 204.º do Código Penal; falsificação de documento/256.º do Código Penal, abuso de confiança/ artigo 205.º do Código Penal, infidelidade/artigo 224.º do Código Penal), aplicando-se o prazo de prescrição de 5 anos, com decorre do disposto no artigo 118.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.
12. Constituindo crime aplica-se, como decorre da cláusula 105.ª, n.º 2 do Acordo de Empresa (ou, se se quiser, do artigo 178.º, n.º 1 da LGTFP), o prazo de prescrição do crime, sem que para tal se mostre necessário prévia ou posterior participação criminal, nem prévia ou posterior condenação (da Recorrente) em processo penal, relativamente aos mesmos factos.
13. Embora com fundamentação algo diferente daquela que foi esgrimida na douta sentença recorrida, é manifesto que a decisão de demissão não padece de qualquer vício decorrente de alegada prescrição do poder disciplinar, devendo, neste contexto, confirmar-se a douta sentença recorrida.
14. Também não se verifica o invocado vício de violação de lei por desproporcionalidade da sanção aplicada.
15. Aos actos referidos nos artigos 1.º a 9.º da Acusação (factos ou actos desonrosos) corresponde, em abstracto, a pena disciplinar de demissão – artigo 19.º do Regulamento Disciplinar.
16. Na determinação da medida da pena foram tomadas em consideração todas as circunstâncias que concorrem a favor da então Recorrente e anteriormente referidas.
17. Como se escreve na douta sentença recorrida: “Assim sendo, como é, atenta a natureza e contexto das infracções disciplinares imputadas à requerente e a sua – latente – gravidade, não se pode configurar como desproporcionada a aplicação da pena disciplinar de demissão, à luz do quadro normativo convocado.”
18. Não está preenchido o critério do fumus boni juris, na sua vertente positiva, exigido pelo artigo 120.º, n.º 1, 2.ª parte do CPTA, pois não existe probabilidade séria de a pretensão da Recorrente proceder no processo principal.

A Digníssima Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos e para efeitos do disposto no art.° 146.° do CPTA, emitiu douto parecer em que conclui no sentido da procedência do recurso, tendo defendido, em síntese, que o direito de instaurar procedimento disciplinar à Recorrente prescreveu, sendo, por isso “manifestamente provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente” e que “se verifica igualmente o requisito legal da existência de “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”, uma vez que a execução da pena de demissão da A. conduz à perda do respectivo vencimento, com a consequente afectação das condições de sobrevivência da A. e dos seus filhos menores.”

Entende ainda que, ponderados os interesses privados e públicos em presença, os danos emergentes da execução da demissão Recorrente seriam superiores aos da suspensão de eficácia da mesma para a C..., desde logo por esta ter mantido a Recorrente em funções por mais de um ano após ter tido conhecimento dos factos.

A Recorrida veio pronunciar-se sobre tal parecer, discordando do sentido de decisão proposto.

Objecto do recurso.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº 2, e 146º, nº 4, do CPTA e dos artigos 5º, 608º, nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi art.º 140º do CPTA.

Há, assim, que decidir, perante o alegado nas conclusões das alegações de recurso se a sentença recorrida sofre do erro de julgamento que lhe é imputado por, ao contrário do decidido se dever dar por preenchimento do requisito relativo ao fumus boni iuris previsto no n.º 1do art.º 120.º do CPTA, por:
- se verificar a prescrição do direito de instaurar do procedimento disciplinar;
- a sanção disciplinar aplicada violar os princípios da proporcionalidade e da adequação.


O processo vai à Conferência para julgamento, sem vistos das Exmas. Juízas-Adjuntas, por se tratar de processo urgente.

Fundamentação.
De facto.
O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) Em Março de 1992, mediante a celebração de contrato de provimento, a Requerente foi admitida ao serviço da C... (C...) _ cfr. fls. 3 frente do processo disciplinar n.º 13/2018 apenso;

B) Desde Março de 1992, foram averbadas duas promoções por mérito à Requerente _ cfr., de novo, fls. 3 frente do processo disciplinar n.º 13/2018 apenso;

C) Em 29.01.2016, foi publicado o texto consolidado do “Acordo de Empresa” outorgado entre a C... e o “STEC - Sindicato dos Trabalhadores das Empresas” do Grupo C... _ cfr. Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 4, 1ª Série;

D) Em 19.07.2017, a Requerente exercia as funções de Assistente na “DAP – Contencioso Particulares Sul” da C... _ por acordo;

E) Em 19.07.2017, pelas 10:55 horas, utilizando para o efeito o seu próprio terminal, a Requerente creditou € 1.972,03 (mil, novecentos e setenta e dois euros e três cêntimos) na conta C... n.º 0… _ cfr. fls. 35 e 36 do processo administrativo n.º 13/2018 apenso;

F) A conta C... n.º 0… é titulada pelo seu filho, menor de idade, A... _ cfr. fls. 35 e 36 do processo administrativo n.º 13/2018 apenso;

G) A quantia monetária mencionada em E) encontrava-se adstrita à conta C... n.º 0… detida pelo cliente da C... (n.º 3…) A... _ cfr. fls. 35 e 36 do processo administrativo n.º
13/2018 apenso;

H) Em 19.07.2017, pelas 11:01 horas, a Requerente remeteu mensagem de correio electrónico ao Colaborador J... da “DAP-Pagamentos” da C..., SA solicitando que a verba de € 1.972,03 (mil, novecentos e setenta e dois euros e três cêntimos) fosse afecta em “Conta a Liquidar” detida pelo cliente C..., aberta nesse mesmo dia _ cfr. fls. 205 do processo administrativo n.º 13/2018 apenso;

I) Em 19.07.2017, pelas 13:37 horas, J... processou a operação solicitada em H) _ cfr. fls. 206 do processo administrativo n.º 13/2018 apenso;

J) A Requerente é casada com A... _ por acordo;

K) M... é pai de A... _ cfr. 35 do processo administrativo n.º 13/2018 apenso;

L) Em 19.07.2017, pelas 15:17 horas, a Requerente processou a operação de transferência do crédito de € 1.972,03 da “Conta a Liquidar” do seu sogro - M... - para a conta do seu filho A... _ cfr. fls. 35 e 36 do processo administrativo n.º 13/2018 apenso;

M) Em 19.07.2017, a partir da conta do seu filho, a Requerente transferiu verba monetária para a conta n.º 0…, de molde a efectuar o pagamento manual de cartão de crédito “C… Gold” _ cfr. fls. 35, 36 e
237 do processo administrativo n.º 13/2018 apenso;

N) As normas internas da C..., SA obstam a que os colaboradores processem movimentos, sobre as suas contas, em sessão aberta por si _ por acordo;

O) Os movimentos mencionados em E), I), L) e M) foram detectados pela Área de Monitorização Contínua da Direcção de Auditoria Interna da C... (AMC/DAI) _ por acordo;

P) Em 24.07.2017, a AMC/DAI interpelou a superior hierárquica da Requerente - no caso, Ma..., colaboradora n.º 3…, a exercer as funções de Coordenadora Jurídica na DAP - Contencioso Particulares Sul - para que fosse
apresentada justificação para os movimentos descritos em E), I), L) e M) _ por acordo;

Q) Em 31.07.2017, a Requerente repôs a situação patrimonial original _ cfr. fls. 246 do processo administrativo n.º 13/2018 apenso;

R) Em 01.08.2017, a Requerente procedeu à alteração do nome do cliente n.º 3… M…, passando a fazer corresponder àquele número de cliente o nome de M… _ cfr. fls. 35 e 36 do processo administrativo n.º 13/2018 apenso;

S) Em 03.08.2017, e após questionar a Requerente, a Coordenadora da DAP - Contencioso Particulares Sul, informou a AMC/C... que “não foi encontrada qualquer justificação para o referido movimento nem qualquer documentação que suportasse o mesmo, acrescentando
ainda que, quando indagada acerca do mesmo, a [Requerente] (…) declarou «ter-se tratado de um engano / troca de contas»”.

T) Em 24.08.2017, pela Direcção de Auditoria Interna da C... e por referência aos movimentos elencados em E), I), L) e M), foi instaurado o Processo de Inquérito n.º 246/17 - DAI _ cfr. fls. 72 e 86 do processo administrativo apenso;

U) Em 13.08.2018, no âmbito do processo de inquérito n.º 246/17-DAI, foi exarado o respectivo Relatório Final, no qual se propõe “a) censurar a actuação da empregada (…) A..., colocada na DAP - Contencioso Particulares - Sul (2640), apreciando a sua conduta em sede disciplinar, atenta a gravidade dos factos apurados (…).” _ cfr. fls. 77 a 82 do processo administrativo apenso;
V) Em 29.08.2018, a Comissão Executiva da Entidade Requerida instaurou à Requerente o processo disciplinar n.º 13/2018 _ cfr. Acta n.º 34/2018 constante a fls. 74-75 do processo administrativo apenso;

W) Em 03.09.2018, foi designado Instrutor do processo disciplinar n.º 13/2018 o “Sr. Dr. J…” _ cfr. despacho manuscrito aposto a fls. 72 e, ainda, fls. 85 do processo administrativo apenso;

X) Em 20.09.2018, a Requerente foi notificada da Acusação proferida no âmbito do processo disciplinar n.º 13/2018, donde constava a sua “suspensão preventiva, sem perda de retribuição (cfr. artigo 37.º do “Regulamento Disciplinar de 1913).” _ cfr. Documento n.º 1 junto com o requerimento inicial e, ainda, fls. 103 do processo administrativo apenso;
Y) Em 12.10.2018, a Requerente apresentou a sua Resposta à Acusação _ cfr. Documentos n.ºs 2 a 16 juntos com o requerimento inicial e, ainda, fls. 104 a 171 do processo administrativo n.º 13/2018 apenso;

Z) Abonaram a conduta profissional da Requerente as seguintes testemunhas: Dr.ª T…, Dr. A… e Dr.ª M… _ cfr. fls. 172 a 176, 205 a 212 do processo administrativo n.º 13/2018 apenso;

AA) Em 11.12.2018, no âmbito do processo disciplinar n.º 13/2018 instaurado à Requerente, foi exarado o respectivo Relatório Final, no qual se expõe e propõe como se segue:
“(…) 4. MATÉRIA DE FACTO APURADA
4.1. (…).
1.º
1. Em 19.07.2017, a empregada A... (…) a exercer funções de Assistente na DAP – Contencioso Particulares – Sul, a Requerente creditou a conta n.º 0…, titulada pelo seu filho menor A..., no seu próprio terminal, pelo montante de € 1.972,03, cuja verba era proveniente da conta n.º 0… (“Contas a Liquidar” do Cliente C... n.º 3…).
2. O referido movimento a crédito, em conta na qual a empregada é interveniente, gerou alerta, pelo que tal movimentação foi identificada pela Área de Monitorização Contínua (da Direcção de Auditoria Interna).
3. De imediato, (…) [a] DAI questionou a hierarquia da empregada para que fosse apresentada justificação para o sucedido, na medida em que o normativo interno da Caixa obsta a que os empregados processem movimentos sobre as suas contas em sessão aberta por si.
4. Depois de questionar a empregada ora in casu, a respectiva Coordenadora da DAP (…) informou, em 03 de Agosto de 2017, que não foi encontrada qualquer justificação para tal movimento nem qualquer documentação que suportasse o mesmo, acrescentando ainda que, quando indagada acerca do mesmo, a empregada (…) declarou ter-se tratado de um “engano/troca de contas”.
(…).
6. ENQUADRAMENTO JURÍDICO DAS INFRACÇÕES
6.1. (…).
6.2. (…).
(…).
3.º
(…).
Ou seja, o facto de o movimento a crédito que a arguida processou sobre a conta do seu filho no seu terminal, o qual veio alegar ter-se tratado de um engano, ter sido precedido de uma série de
movimentos efectuados ou ordenados por si, revela forte indícios de ter existido uma preparação e a tentativa de elaboração de um estratagema que permitisse camuflar a operação que, dos elementos recolhidos, mais não seria do que uma forma de apropriação de verbas.
6.3. (…)
6.4. (…).
6.5. (…).
6.6. (…).
6.7. (…).
6.8. (…).
6.9. Apreciada a conduta infractora no seu todo, resta determinar a medida da pena: aos actos referidos (…) na Acusação (…) corresponde, em abstracto, a pena disciplinar de demissão - artigo 19.º do Regulamento Disciplinar.
(…). Tudo visto e ponderado, de acordo com o disposto nos artigos 5.º, 6.º, n.º 10, n.º 4 do artigo 7.º, parágrafo 1.º do artigo 8.º, artigos 19.º e 21.º do Regulamento Disciplinar (…) de 22 de Fevereiro de 1913 (…) submete-se à consideração da Exma. Comissão Executiva da C... SA, face à gravidade do comportamento da arguida, se a sanção disciplinar a aplicar (…) deverá ser a de demissão, ou outra que se entenda como mais adequada ao sancionamento da conduta da mesma.” _ cfr. fls. 213 a 240 do processo administrativo apenso;
BB) Em 16.01.2019, sob o assunto “Processo n.º 2../2017-DAI - Processo Disciplinar n.º 1…/2018 (A...)”, pelos competentes serviços da Entidade Requerida, foi exarada a Comunicação Interna n.º 4711, mediante a qual foi remetido à Directora Central da DAJ/C... “(…) projecto de deliberação a
submeter a decisão da Comissão Executiva (…) relacionada com o processo disciplinar (…)” n.º 1…/2018 _ cfr. fls. 245 do processo administrativo apenso;

CC) Em 17.01.2019, a DAJ/DPE/DAI da C..., SA sob o assunto “Processo Disciplinar instaurado contra a empregada - A... - colocada na DAP - Contencioso Particulares Sul”, emitiu o seguinte parecer conjunto: “Face aos elementos constantes do Processo Disciplinar e sintetizados no Relatório Final do Instrutor (…) sugere-se que a Exma. Comissão Executiva delibere nos termos que se anexa, com aplicação da sanção disciplinar de demissão.” _ cfr. fls. 248 do processo administrativo apenso;
DD) Em 23.01.2019, no âmbito do processo disciplinar n.º 1…/2018, a Comissão Executiva da Entidade Requerida aprovou a seguinte deliberação: “Apreciado o processo disciplinar movido contra a empregada A... (…), a Comissão Executiva dá o seu inteiro acordo aos fundamentos de facto e de direito constantes do Relatório Final, considerados provados (…). Deste modo, tendo em consideração a conduta imputada à arguida - consubstanciada, em síntese, no facto de, em 19.07.2017, se ter apropriado ilicitamente, em proveito próprio, da quantia de € 1.972,03 que creditou, no seu próprio terminal, em conta titulada pelo seu filho menor, debitando em contrapartida a conta n.º 0… (…), cuja abertura solicitou em nome do seu sogro - a Comissão Executiva concorda com a gravidade que emerge de tal conduta, que se traduziu na violação de deveres profissionais que sobre aquele impendiam, nomeadamente, os de isenção, probidade, lealdade, com a consequente quebra, absoluta e definitiva da confiança indispensável à subsistência da relação laboral. Nestes termos, tendo em atenção a conduta da arguida [Requerente], as circunstâncias que concorrem a favor da mesma, nomeadamente o tempo de serviço prestado e o seu bom comportamento anterior, bem como o Parecer da Comissão de Trabalhadores (…), e de acordo com o disposto [no] Regulamento Disciplinar (…) de 22 de Fevereiro de 1913 (…), a Comissão Executiva aplica a A... a sanção de disciplinar de demissão.” _ cfr. fls. 246 frente e verso, 249 e 253 do processo administrativo apenso;
EE) Até 23.01.2019, a Requerente não tinha registada a aplicação de qualquer sanção disciplinar _ cfr. fls. 3 frente e verso do processo administrativo apenso;

FF) Em 05.02.2019, a Requerente tomou conhecimento da deliberação da Comissão Executiva da Requerida, aprovada em 23.01.2019, que lhe aplicou a sanção de demissão _ cfr. Documento n.º 17 junto com o requerimento inicial e, ainda, fls. 254-255 do processo administrativo n.º 13/2018 apenso;

Em face da sua demissão, a Requerente deixará de auferir remuneração mensal aproximada de € 1.860,25 (mil oitocentos e sessenta euros e vinte cinco cêntimos) _ cfr. Documento n.º 18 junto com o requerimento inicial;

HH) A Requerente tem a seu cargo um filho de 13 anos, A..., o qual estuda no 8.º ano de escolaridade em Beja, e uma filha de 21 anos que frequenta o ensino superior em Lisboa _ por acordo;

II) Em face da demissão, a Requerente perderá o direito aos serviços sociais da Entidade Requerida, consubstanciados em subsídios de estudos dos dois filhos no valor trimestral de € 128,00 (cento e vinte e oito euros) e, ainda, às condições especiais que decorrem da sua qualidade
de trabalhadora da Requerida no que concerne ao crédito à habitação, à isenção de comissões de manutenção de contas bancárias e de cartões de crédito e de débito _ por acordo;

JJ) Para além do vencimento do seu marido, a Requerente não tem outros meios para fazer face às despesas de alimentação, habitação e demais encargos indispensáveis do seu agregado familiar _ cfr. Documentos n.ºs 19 e 20 juntos com o requerimento inicial;

KK) Em despesas mensais fixas - nomeadamente, com habitação, luz, gás, água, telefone, seguros, impostos, veículos, gasóleo, saúde, onde se inclui o seu acompanhamento mensal em consultas de psiquiatria e o acompanhamento do seu filho em consultas das especialidades de oftalmologia e de ortóptica pediátrica, alimentação e vestuário para o seu agregado familiar, aqui se incluindo as despesas da filha deslocada em Lisboa, a Requerente gasta o total aproximado de € 1.957,43 (mil novecentos e cinquenta e sete euros quarenta e três cêntimos) _ cfr. Documentos n.ºs 21 a 29 juntos com o requerimento inicial;

LL) Em 06.03.2019, foi intentada a presente providência cautelar _ cfr. fls. 1 dos autos;

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FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa, não se consideram indiciariamente provados os seguintes factos:
A) Não foi liquidado à Requerente o prémio de desempenho referente ao ano de 2017, no valor de € 1.000,00 (mil euros), acrescido do pagamento da parcela que lhe coube nos lucros da Requerida _ cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil;

B) O valor do vencimento mensal do marido da ora Requerente _ cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

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Nos termos do art.º 662.º, n.º 1 do CPC, ex vi art.º 140.º, n.º 3 do CPTA, aditam-se os seguintes factos à matéria assente:
MM) A decisão de abertura do processo de inquérito tomada pela Direcção de Auditoria Interna em 24/08/2017, apresenta a seguinte fundamentação:
“1 - A empregada A... (014158), creditou no próprio terminal, em conta de seu filho 0…) montante de 1.972,03€, no dia 19/07/2017;
2 - A referida verba era proveniente de conta a liquidar com o número 0…, presumivelmente aberta pela mesma colaboradora;
3 -A titularidade da conta a liquidar que é possível visualizar pela análise ao movimento no “jornal eletrónico" (transação PBACJC) refere um cliente de nome M... (apelidos de seu marido), porém não era coincidente com o número de cliente inscrito na transação (c; 3… - M…);
4- Após o crédito referido em 2, foram processadas três transferências (COOL), duas para contas por si tituladas e a remanescente para conta de sua filha (0… -1.230€, 0… - 600€ e, 0… 100€);
5- Aquando da nossa intervenção após o alerta do movimento inicial (24/07/2017) questionámos o OE 2640- DAP Contencioso Lisboa/Sul, no sentido de encontrar justificação para aquele crédito em conta;
6- A 03/08/2017 é-nos enviada resposta por Coordenadora da DAP (M…), sendo dado conhecimento aos Diretores J… e A…, referindo não terem encontrado "qualquer justificação para o movimento efetuado” destacando ainda "a inexistência de documentação de suporte que justifique o mesmo";
7 - Acrescenta a referida Coordenadora que foi inquirida a empregada A…, tendo a mesma afirmado que se tratou de um engano, "tendo de imediato regularizado a situação" (31/07/2017).
Face ao descrito anteriormente, parece, salvo melhor opinião, que importa clarificar as razões que levaram a empregada A… a efetuar os aludidos movimentos na conta do seu filho, perceber a razão de não existirem quaisquer elementos físicos de suporte às operações, compreender o motivo da não coincidência do nome do titular e o número de cliente inscrito na conta a liquidar, bem como perceber que tipo de controlo aos movimentos processados pelos operadores é feito nesta estrutura.”
- cfr. fls. 1 do P.A., a fls. 295 e segs. do SITAF.
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Direito
Da prescrição do procedimento disciplinar.
As partes não discutem a aplicação, ao caso, das regras relativas à prescrição do procedimento disciplinar que constam do art.º 178.º da LGTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, tal como foi decidido na sentença recorrida e resulta da doutrina que consta do ac. do STA proferido no âmbito do proc.º n.º 01424/12, de 10-10-2013, acessível em www.dgsi.pt e que aqui se adopta.
A Recorrente começa por defender que a Recorrida teve conhecimento da infracção no mesmo dia em que foram praticados os factos por que foi punida (19/07/2017) ou, pelo menos, no dia 24/08/2017, data em que foi determinada a instauração do processo de inquérito. Defende que, por entre tais datas e o dia em que foi instaurado o processo disciplinar (29/08/2018), ter decorrido um período superior ao de 60 dias a contar da data de conhecimento da infracção pela Recorrida, verifica-se a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar nos termos do n.º 2 do art.º 178.º da LGTFP.
De acordo com o estatuído nessa norma, o direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico.
Tal direito apenas pode ser exercido desde que ainda não se tenha verificado a prescrição da própria infracção disciplinar, conforme resulta do n.º 1 do art.º 178.º da LGTFP. Mas conta-se a partir da data do conhecimento da infração por parte dos titulares do poder disciplinar.
Indiciam os autos que a Recorrente, em 19/07/2017, apropriou-se indevidamente do montante de 1.972,03€, tendo, para tanto, mobilizado contas bancárias a que tinha acesso por força do exercício da sua profissão [alíneas d) a m) do probatório].
A Direcção de Auditoria Interna da Recorrida, tendo detectado que a Recorrente havia efectuado a referida transferência em violação das regras que proíbem os funcionários de movimentar as suas contas durante sessão por si aberta, interpelou a superiora hierárquica da Recorrente em 24/07/2017 sobre a causa de tais movimentos.
Em 31/07/2017, a Recorrente repôs o montante de 1.972,03€ e, no dia seguinte, alterou a titularidade de uma das contas de que se tinha servido para se apropriar do dinheiro, que estava em nome do seu sogro, passando a figurar como titular dessa conta o nome de um terceiro.
A superiora hierárquica da Recorrente, após a ter questionado sobre a transferência do referido montante, informou a Direcção de Auditoria Interna que não tinha sido encontrada qualquer justificação para o ocorrido, não existindo qualquer suporte documental e que a Recorrente tinha informado que se tratava de um engano, de uma troca de contas.
Em 24/08/2017, foi determinada a abertura de um processo de inquérito pela Direcção de Auditoria Interna, por se ter entendido que importava “clarificar as razões que levaram a empregada A... a efetuar os aludidos movimentos na conta do seu filho, perceber a razão de não existirem quaisquer elementos físicos de suporte às operações, compreender o motivo da não coincidência do nome do titular e o número de cliente inscrito na conta a liquidar, bem como perceber que tipo de controlo aos movimentos processados pelos operadores é feito nesta estrutura” [alínea mm) do probatório].
Verifica-se, assim, que os factos então conhecidos pelo serviço de auditoria interna da Recorrida não permitiam concluir que a Recorrente tivesse praticado uma infracção disciplinar, uma vez que e em síntese, se desconheciam as razões do ocorrido, o que importava clarificar.
Os serviços da Recorrida não tinham então conhecimento de todos os elementos para poder formular um juízo de ilicitude sobre a actuação da Recorrente. O que, por si só, obstava ao decurso do prazo de prescrição – cfr., entre muitos outros, os acórdãos do STA, proc. n.º 019633, de 21/06/1990, e o proc.º n.º 02575/10.7BEPRT, de 07-11-2019, em www.dgsi.pt.
Tais elementos só foram obtidos no decurso do processo de inquérito, cujo relatório final foi elaborado a 13/08/2018.
O n.º 1 do art.º 196.º da LGTFP atribui competência para mandar instaurar o procedimento disciplinar a qualquer superior hierárquico.
Daí que o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar previsto no n.º 2 do art.º 178.º da LGTFP, corra a partir do conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico, que são os titulares da referida competência.
No entanto, no presente caso, a competência para o exercício do poder disciplinar cabe ao Conselho de Administração, que o delegou na Comissão Executiva – cfr. art.º 20.º, n.º 2, al. d) dos estatutos da C..., aprovados pelo art.º 36.º do DL n.º 133/2013, de 3 de Outubro.
A superiora hierárquica da Recorrente ou os serviços de auditoria interna da Requerida não têm competência para determinar a abertura do procedimento disciplinar, pelo que o prazo de prescrição a que se refere o n.º 2 do art.º 178.º da LGTFP nunca poderia correr da data do conhecimento que estes tiveram dos factos.
O prazo de prescrição de sessenta dias previsto no n.º 2 do art.º 178.º da LGTFP, apenas começou a correr a partir do dia em que a Comissão Executiva, órgão com competência disciplinar delegada, tomou conhecimento do relatório final do inquérito, datado de 13/08/2018.
E porque tal prazo não começou a correr em data anterior, a sua contagem também não esteve suspensa por força do disposto no n.º 3 do art.º 178.º da LGTFP.
Tendo a abertura do processo disciplinar sido determinada pela Comissão Executiva em 29/08/2018, há que concluir que entre esta data e a da recepção por essa Comissão do relatório final datado de 13/08/2018, não correu o referido prazo prescricional de sessenta dias.
Pelo que tudo indicia que não se verificou a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar.

Da violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação.
Defende a Recorrente que a sentença recorrida errou ao considerar que não se verifica a violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação.
Diz que não foram tidas em consideração as “circunstâncias exógenas” que devem ser ponderadas e consideradas na aplicação da pena, designadamente as relacionadas com o seu estado de saúde, bem assim como as atenuantes de que beneficia e a conduta da Recorrida após ter tido conhecimento da infracção, o que diz ser imprescindível para aferir da quebra de confiança no âmbito da relação laboral.
Decidiu-se na sentença recorrida que:
“(…) não se pode deixar de considerar que a aplicação da sanção de demissão não é desproporcionada e/ou desadequada num caso de apropriação intencional de dinheiros públicos, sem demonstração de qualquer circunstância exógena que explique a prática da infracção, situação em que é afectada indelevelmente a confiança que tem de merecer quem exerce funções no âmbito das quais tem em seu poder dinheiros públicos (ou privados) com o fim de lhes dar um determinado destino.
Numa situação deste tipo é inviável a manutenção da relação funcional, o que justifica a aplicação de uma pena expulsiva, sendo a de demissão a adequada, por ser a especialmente prevista para casos deste tipo nos artigos187.º (neste sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.05.2008, in processo n.º 0989/07, disponível em www.dgsi.pt) e 297.º, n.ºs 1 e 3 alínea n), da LGTFP.
Assim sendo, como o é, atenta a natureza e contexto das infracções disciplinares imputadas à requerente e a sua - latente - gravidade, não se pode configurar como desproporcionada a aplicação da pena disciplinar de demissão, à luz do quadro normativo convocado (a este respeito, cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31.01.2018, in processo n.º 269/17.1BESNT, disponível em www.dgsi.pt).
Significando que a decisão disciplinar não haverá, num juízo perfunctório próprio da sede cautelar, de ser anulada na acção principal, como propugnado pela Requerente. Não se encontrando, assim, verificado o requisito do fumus boni iuris..

Tal decisão não sofre do erro de julgamento que lhe é imputado, sendo de manter.
A graduação das sanções disciplinares envolve o exercício de poderes discricionários pela Administração. Nas hipóteses em que a medida aplicada se situa dentro de um círculo de medidas legalmente possíveis, como é o presente caso, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a Administração se serviu, salvo em casos de desrazoabilidade manifesta, de erro grosseiro, ou seja, se a medida da pena for ostensivamente desproporcionada - vd. o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03-11-2004 (Processo n.º 0329/04), disponível em www.dgsi.pt.
A Recorrente é bancária e foi punida com a pena disciplinar de demissão por se ter apropriado ilicitamente, no âmbito do exercício da sua profissão, do montante de 1.972,03€. Fê-lo em violação dos deveres de isenção, probidade e lealdade. A Recorrida considera que tal infracção quebrou a confiança indispensável à subsistência da relação laboral, sendo que nessa deliberação ponderou as circunstâncias que concorrem a favor da Recorrente [cfr. alínea DD) do probatório].
Perante tais factos, não se vê que a pena disciplinar de demissão se mostre desadequada, desnecessária ou seja ostensivamente desproporcionada.
Diremos mesmo que a quebra da relação de confiança encontra-se evidenciada, dada a natureza das funções que a Recorrente exercia que, como demonstram os autos, lhe permitiam o acesso a contas de terceiros.
Alega a Recorrente, sem especificar, que deveria ter sido considerado o seu estado de saúde, alegação essa que, por si só e perante a matéria de facto provada, que não foi impugnada, não permite concluir pela existência de qualquer circunstância dirimente ou atenuante da responsabilidade disciplinar.
A deliberação que a puniu atendeu às circunstâncias atenuantes existentes, nomeadamente ao tempo de serviço prestado, ao bom comportamento anterior da Recorrente, bem como ao parecer da Comissão de Trabalhadores [cfr. al. dd) do probatório].
É, assim, de concluir que a sentença recorrida não sofre do erro de julgamento que lhe é apontado ao considerar que não se verifica o requisito relativo ao fumus boni iuris a que se refere o n.º 1 do art.º 120.º do CPTA.
Decisão
Face ao exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 14 de Maio de 2020

Jorge Pelicano

Celestina Castanheira

Paulo Gouveia