Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1698/12.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:OPOSIÇÃO, NOTIFICAÇÕES, REGISTO SIMPLES
Sumário:O registo simples, em que a única certeza que existe é que a expedição terá ocorrido em determinada data, não oferece suficientes garantias de assegurar que o ato de notificação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no recetáculo, quando existe risco de extravio, não podendo servir para fundar a presunção estabelecida no n.º 1 do art. 39.º do CPPT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subseção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal TRIBUTÁRIO DE LISBOA (TT de Lisboa) que julgou procedente a Oposição à execução fiscal n.º 3…, apresentada por C…, LDA.

A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:

“CONCLUSÕES:
A. A decisão ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante e, bem assim, total e acertada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub-judice.
B. Na sequência de acção inspectiva foram emitidas, em 2011-12-05, as liquidações adicionais de IVA nº 1…, 1…, 1… e 1…, e liquidações de respectivos juros compensatórios nº 1…, 1…, 1… e 1…, referentes aos períodos …T, …T, …T e …T.
C. Conforme resulta dos autos, a sede da Oponente, à data da emissão das
liquidações, era Av. P…, … – 3º Dto., 1…-1… Lisboa,
D. Tendo as mencionadas liquidações sido expedidas via posta registada, sob
registos nº RY…, RY…, RY…, RY…, RY…, RY…, RY…e
RY….
E. Não tendo a AT, à data, conhecimento de qualquer outro domicílio da Oponente,
F. nem tendo as mencionadas missivas sido devolvidas à entidade remetente pelos Serviços de Distribuição Postal.
G. As liquidações resultantes de correcções à matéria colectável subjacente a acção inspectiva em que o sujeito passivo foi notificado para o exercício do direito de audição devem ser efectuadas por carta registada, nos termos do art. 38º, nº 3 do CPPT.
H. Conforme resulta dos autos, a AT procedeu à notificação das liquidações via
postal registada, para a morada constante do cadastro.
I. Para prova de tal facto, foram juntos os dados constantes do sistema electrónico de citações e notificações da AT e dos registos constantes do site dos CTT.
J. Aqueles elementos indicam a data em que foram emitidas as notificações, o
número do registo postal dessas notificações, a indicação de que foram recebidas e a data da recepção (2011-12-16).
K. Por sua vez, do registo dos CTT também consta a data da aceitação do registo
(2011-12-15), os mesmos números de registo, a indicação de que as cartas foram entregues e a respectiva data (2011-12-16).
L. Do confronto entre os dois registos pode concluir-se, com elevado grau de
probabilidade, que as notificações das liquidações foram remetidas à recorrente
através de registo postal.
M. A partir daqui, salvo o devido respeito por entendimento diverso, funciona a
presunção do nº 1 do artigo 39º do CPPT, pertencendo ao destinatário o ónus de demonstrar que, apesar do registo, não chegou a receber as cartas.
N. De facto, determina o nº 2 do art. 39º do CPPT que “A presunção do número
anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto
de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o feito a
administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado,
requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção”.
O. Nestes termos, tendo a AT feito prova da correcta efectivação da notificação,
caberia ao notificado fazer de que tal notificação não chegou ao seu conhecimento, por facto que não lhe é imputável.
P. Ora, dos autos não consta que tenha sido feita tal prova, limitando-se o oponente a alegar (sem o comprovar) que não foi notificado das liquidações de IVA.
Q. Em face do exposto, ao decidir como decidiu violou o Tribunal, na douta sentença, o disposto no art. 39º do CPPT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO
A COSTUMADA JUSTIÇA”


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O recorrido, devidamente notificado para o efeito, não contra-alegou.

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O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objeto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, na medida em que invoca a Recorrente que os dados constantes do sistema eletrónico de citações e notificações da AT, juntamente com os registos constantes do site dos CTT, permitem concluir que as notificações foram remetidas à Oponente através de registo postal, e nessa medida, funciona a presunção do n.º 1, do art. 39.º do CPPT.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

II. 1- DOS FACTOS PROVADOS

Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a presente decisão:

1. Em nome da C…, Lda., foi instaurado o processo de execução fiscal nº 3…, por dívidas de IVA e juros compensatórios no montante total de € 24.786,87, como a seguir se discrimina:

CERTIDÃO DE DIVIDA IMPOSTO/OUT. LIQUIDAÇÃO VALOR
2012/1… IVA/2007/01/03 1…520,32
2012/1… J.C. 2007/01/03 1… 93,97
2012/1… IVA/2007/04/06 1… 355,24
2012/1… J.C./2007/04/06 1…60,54
2012/1…IVA/2007/07/09 1… 767,09
2012/1…J.C./2007/07/09 1…123,07
2012/1…IVA/2007/10/12 1…19.877,88
2012/1…J.C./2007/10/12 1…2.988,76

– cfr. fls. 15 a 24 dos autos;


2. Em 16/04/2012, foi remetido à Oponente para a sua sede na Avª. P…, nº …-3º Dtº, 1… Lisboa, ofício por meio de correio registado denominado “citação”, no âmbito do processo de execução fiscal nº 3… – cfr. fls. 23 verso e 24 e 89 e 90 dos autos;

3. Do Sistema Electrónico de Citações e Notificações da Autoridade Tributária e Aduaneira consta que as notas de cobrança emitidas em 13/12/2011, enunciadas no ponto 1 deste probatório, foram remetidas por meio de correio registado sem aviso de receção, através de registo dos CTT com os números seguintes:

LIQUIDAÇÃO REGISTO DOS CTT
1… RY…
1…RY…
1…RY…
1…RY…
1…RY…
1…RY…
1…RY…
1…RY…

- cfr. fls. 59 a 75 dos autos.

II. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha procedido à notificação das liquidações nºs 1…, 1…, 1…, 1…, 1…, 1…, 1…, 1…, para o endereço fiscal (sede) da Oponente.
Não existem outros factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.

II. 3 – MOTIVAÇÃO

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e, expressamente referidos no probatório, supra.
Decisivo para fixação do facto não provado, foi não existir nos autos qualquer comprovativo físico da remessa das notificações para a sede da oponente, o que é corroborado pela Fazenda Pública, afirmando esta que as liquidações de IVA são efetuadas de forma automática, através de documento normalizado, sem qualquer elemento físico, para além do registo informático.”


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Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra, a Meritíssima Juíza do TT de Lisboa julgou procedente a Oposição à execução fiscal, entendendo, em síntese, que se verifica o fundamento de oposição previsto na alínea i), do n.º 1, do art. 204.º do CPPT.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido, invocando erro de julgamento de facto e de direito, na medida em que os dados constantes do sistema eletrónico de citações e notificações da AT, juntamente com os registos constantes do site dos CTT, permitem concluir que as notificações foram remetidas à Oponente através de registo postal, e nessa medida, funciona a presunção do n.º 1, do art. 39.º do CPPT.

Apreciando.

Antes de mais, e para conhecimento dos fundamentos do recurso, impõe-se, ao abrigo do disposto no n.º 1, do art. 662.º do CPC, alterar oficiosamente a matéria de facto.

Por conseguinte, elimina-se oficiosamente o facto dado como não provado uma vez que é conclusivo.

Por outro lado, aditam-se oficiosamente os seguintes factos à matéria de facto assente, com base nos documentos juntos aos autos e que não foram considerados pela sentença recorrida:

4. O correio registado enunciado no ponto 3 da matéria de facto assente não foi devolvido ao remetente (cf. informação constante do sistema eletrónico de citações e notificações da AT de fls. 59 dos autos, e informação da Direção de Finanças de Lisboa 80 e 80 verso).

5. O correio registado enunciado no ponto 3 da matéria de facto assente foi remetido para a morada da Oponente constante do Sistema de Registo Cadastral da AT, nomeadamente para a Avenida P…, n.º …, 3.º Dt.º, 1…Lisboa (cf. documentos de fls. 81 a 90 verso, dos autos).

6. No sistema eletrónico de citações e notificações da AT após a remessa das notas de liquidação ficam apenas registos da remessa e se houve recebimento da correspondência ou devolução da mesma (cf. informação da Direção de Finanças de Lisboa 80 e 80 verso, e registos de fls. 59 dos autos).

7. Da ferramenta de pesquisa de objetos registados dos CTT consta a informação de que os registos enunciados no ponto 3 dos factos assentes foram “aceites”, depois “em distribuição” e finalmente “entrega conseguida” (cf. print informático de fls. 61, 63, 65, 67, 69, 71, 73, 75).

Estabilizada a matéria de facto, importa então, aferir se a matéria de facto assente permite concluir que a AT efetuou a notificação das liquidações em causa nos autos de forma correta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais, uma vez que é a administração tributária a quem cabe o ónus da prova (cf. acórdão do STA de 27/05/2015, proc. n.º 078/14, e Acórdão do STA de 01/10/2014, proc. n.º 0603/13).

Efetivamente, nas situações em que a notificação do ato de liquidação nunca ocorreu (ou ocorreu de forma irregular) ou, pelo menos, não ocorreu antes da instauração da execução fiscal, está-se perante uma situação de ineficácia do ato de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

In casu, está a efetivação da notificação das liquidações subjacentes à dívida exequenda nos termos do disposto do n.º 3, do art. 39.º do CPPT. Sublinhe-se que, por um lado, a aplicação deste preceito legal não é colocada em causa pelas partes, e por outro lado, considerando o que a Oponente alega no art. 2.º da p.i. que a liquidação teve origem em correções efetuadas no âmbito de uma ação de inspeção, estamos perante uma situação em que há a audição do contribuinte nos termos do disposto no art. 60.º, n.º 1, alínea e) da LGT, e portanto, a notificação das liquidações são efetuadas por carta registada nos termos do n.º 3, do art. 38.º do CPPT.

Deste modo, aplicando-se o disposto no n.º 3, do art. 39.º do CPPT, temos então que provado que a notificação das liquidações foi efetuada por carta registada, pela AT a quem cabe esse ónus da prova, e não tendo sido devolvida tal correspondência, funcionará a presunção do n.º 1 do artigo 39.º do CPPT (presunção iuris tantum), ou seja, presume-se que a notificação foi feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. Operando a presunção, caberá ao destinatário da correspondência o ónus de demonstrar que, apesar do registo, não chegou a receber as cartas.

Sucede que a jurisprudência tem entendido reiteradamente que aquela presunção apenas opera nos casos de carta registada em que há recolha de assinatura do destinatário da correspondência, e não nos casos de registo simples em que a correspondência é depositada sem recolha de assinatura.

Com efeito, a jurisprudência do STA tem entendido que nos casos de registo simples a única certeza que existe é que a expedição terá ocorrido em determinada data, não oferece suficientes garantias de assegurar que o ato de notificação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário, acarretando um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no recetáculo, quando existe risco de extravio, e nessa medida, não pode servir para fundar a presunção estabelecida no n.º 1 do art. 39.º do CPPT - nesse sentido, v. acórdãos do STA de 09/06/2021, proc. n.º 0385/13.9BELRA, acórdão do STA de 08/01/2020, proc. n.º 01639/17.0BELRA.

Efetivamente, seguindo o último destes acórdãos do STA de 09/06/2021, que por sua vez sufraga jurisprudência anterior, entendeu-se o seguinte:

“Perante a realidade apurada nos autos, é manifesto que se impõe fazer apelo ao art. 38º nº 3 do CPPT, o qual estabelece que “As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada.”.

Ora, o regime das notificações registadas em sede de procedimento tributário é regulado pelos normativos dos artigos 36.º a 39.º do CPPT e pelo Regulamento do Serviço Público de Correios (DL 176/88, de 18 de Maio), sendo que na actual empresa “CTT-Correios de Portugal, SA”, na prática, existem três modalidades de correio registado, como resulta da informação do sítio da internet http:www.ctt.pt/fectt/wcmservlet/ctt/condições_gerais.html e do verso dos próprios impressos de registo, disponibilizados nas estações de correio dos CTT:

- Simples: depositado no receptáculo postal do destinatário.

- Em mão: entrega personalizada na morada do destinatário - É recolhida a assinatura de quem recebe no domicílio.

- Pessoal: entrega exclusiva ao destinatário e mediante a sua identificação - Inclui aviso de recepção.

Pois bem, no artigo 38º do CPPT, apenas, estão previstas as modalidades de correio registado com aviso de recepção e registado com entrega personalizada na morada do destinatário e não o correio registado simples, depositado no receptáculo do destinatário, meio este que passou a ser utilizado pela AT, na modalidade de “invólucro mensagem” mas sem apoio legal.

Com efeito, tendo em atenção o exposto no Ac. deste Supremo Tribunal de 08-01-2020, Proc. nº 01639/17.0BELRA, www.dgsi.pt, cabe ter presente que “… Assim, e tal como aludido no Acórdão deste STA proferido a 29 de Maio de 2013 no âmbito do Processo n.º 0472/13, “a notificação tem por objectivo dar conhecimento pessoal aos interessados dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica, como exigência da garantia constitucional consagrada no nº 3 do art. 268º da CRP, segundo a qual impende sobre a Administração o dever de dar conhecimento aos administrados dos actos que lhes respeitam.

Neste sentido, diz o nº 1 do art. 36º do CPPT que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesse legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
E embora a CRP relegue para a liberdade constitutiva do legislador ordinário o encargo de determinar as formalidades das notificações, a verdade é que esse formalismo deverá mostrar-se constitucionalmente adequado e observar o princípio constitucional da proibição da indefesa (Cfr. o Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 130/2002, de 14 /3/2002, proc nº 607/01.).

Mais concretamente, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o dever de notificação que impende sobre a Administração Tributária “tem um conteúdo obrigatório, devendo estarem reunidos alguns requisitos essenciais, nomeadamente, a pessoalidade e a efectiva cognoscibilidade do ato ao notificando” (Acórdão de 11/2/2009, proc nº 916/2007).

E também como ficou consignado, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/02, de 14 de Março de 2002 (Jurisprudência reiterada, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 439/2012, proc nº 279/12.), “(…) a questão da suficiência das citações ou notificações postais não se esgota na existência e acessibilidade a um domicílio pelos serviços, tornando-se indispensável que as formalidades da notificação postal ofereçam garantias mínimas e razoáveis de segurança e de fiabilidade que, de modo particular, não tornem praticamente impossível ao notificado a ilisão da presunção do efectivo recebimento da notificação, defendendo-o contra a eventualidade de ausências ocasionais, sem lhe criar o pesado ónus da prova de um facto negativo como o de demonstrar que certa carta não foi recebida nem depositada, em determinando momento, no receptáculo postal.”

São, por conseguinte, duas as exigências a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional subordina a adequação constitucional dos mecanismos de notificação:

(i) que o sistema ofereça garantias de assegurar que o acto de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário; (ii) que as presunções de recebimento da comunicação sejam rodeadas das cautelas necessárias de modo que a não a ilisão da presunção se torne num ónus impossível de satisfazer”.

Ora, “o procedimento de notificação, por carta registada, regulado nos art.s 35º a 39º do CPPT e no art. 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 176/88, de 18 de Maio, compreende os seguintes actos:

(i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação; (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo.

Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Maio de 2012, proc nº 1181/11, “Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade”.

Neste enquadramento, torna-se claro que “a modalidade de registo simples não oferece, desde logo, suficientes garantias de assegurar que o acto de comunicação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário.

Na verdade, esta modalidade de registo, em que a entrega não pode ser comprovada por recibo assinado pelo próprio destinatário, não permite ultrapassar a dúvida e a incerteza com que se fica sobre se a notificação chegou efectivamente ao mesmo ou sequer à sua esfera de cognoscibilidade. A questão afigura-se pertinente porquanto não é minimamente acautelado o risco de extravio”.

Ao contrário do que acontece com a carta registada, que “coenvolve um mecanismo que assegura a certeza e a segurança de que o acto notificado chega à esfera de cognoscibilidade do destinatário, através “de recibo assinado pelo próprio destinatário ou por outrem por ele mandatado para o efeito””, “no caso de registo simples, teríamos, em primeiro lugar, que a presunção de que a notificação foi feita ao 3º dia posterior ao do registo (nº 1 do art. 39º do CPPT), assentaria noutra presunção: tendo apenas por base o registo de expedição, presume-se que o destinatário provavelmente recebeu a carta no seu receptáculo.

Por outro lado, como não há lugar à devolução, recairá sempre sobre o contribuinte o ónus de provar que não recebeu no seu receptáculo nenhuma carta”.
“ No Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 439/2012, embora tirado sobre a conformidade constitucional da via postal simples para efectivar a notificação do cancelamento do apoio judiciário, ponderou-se que “não são inconstitucionais as normas que prevejam a possibilidade de citação ou notificação de atos processuais por via postal simples e que presumam o seu conhecimento pelo destinatário, desde que tais presunções sejam rodeadas das cautelas necessárias a garantir a possibilidade de conhecimento efectivo do ato por um destinatário normalmente diligente, ou seja, desde que o sistema ofereça suficientes garantias de assegurar que o ato de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário, em termos de ele poder eficazmente exercer os seus direitos de defesa (cfr. Acórdão de 26 de Setembro de 2012, proc nº 279/12) (Neste Acórdão o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação normativa extraída do art. 70º, nº 1, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, no sentido de que, existindo distribuição domiciliária na localidade de residência do notificado, é suficiente envio de carta, por via postal simples, para notificação de cancelamento do apoio judiciário, proferida com fundamento no disposto no art. 10º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, por violação dos arts. 268º, nº 3, e 20º, nº 1, da CRP. ).

Ora, acontece que o registo postal simples apenas oferece em relação à via postal simples o facto de ficar registada a data da expedição. O que, como vimos, além de não dar garantias mínimas e razoáveis de segurança e fiabilidade de que a notificação chegou à esfera de cognoscibilidade do notificado, cria para o mesmo o pesado ónus de prova de um facto negativo impossível de demonstrar: o de que não recebeu no seu receptáculo a carta com a notificação.

E nem se argumente a justificar o mencionado mecanismo, como acontece no Acórdão do TCAS de 29/1/2013, proc nº 6147/12, que “o registo simples traduz uma inovação (Cfr. Portarias 1178-A/2000, de 15/12, e 953/2003, de 9/9), face ao tipo de correio registado até aí, em geral regulamentado, inovação esta decorrente da necessidade de consumar notificações em número considerável, de forma mais expedita e económica, (…)” .

Sem deixar de reconhecer-se a importância da inovação, associada à celeridade e economia, a verdade é que a mesma não pode ser obtida à custa do sacrifício do princípio constitucional da tutela judicial efectiva, que pode ser irremediavelmente inutilizado, se as notificações não obedecerem a garantias adequadas a permitirem determinar com certeza e segurança o termo inicial do prazo de recurso à via judicial.

Neste sentido, tendo por referência a modalidade de registo através de carta registada, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas no art. 38º, nº 3, do CPPT e nº 1 do art. 39º do CPPT, RUI MORAIS (Manual de Processo Tributário, Almedina, Coimbra, 2012, p. 99.) pondera “que este regime legal tem que ser cuidadosamente aplicado, pois, de outro modo, facilmente acontecerão situações intoleráveis. Se, por um lado, se compreende que estando em causa notificações em massa se tenha de limitar, no razoável, o esforço da AF para contactar os contribuintes, não podemos esquecer que estas notificações têm um efeito semelhante ao de uma verdadeira citação, pois determinam o início de contagem dos prazos para a “contestação” do ato notificado”.

Em suma, estando nós perante uma situação em que se pressupõe o efectivo conhecimento do acto tributário para iniciar o prazo de impugnação, o registo simples não representa um índice seguro da sua recepção em termos de se poder aplicar a presunção do art. 39º, nº 1, do CPPT e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no receptáculo, quando existe risco de extravio.

A prevalecer a tese da interpretação das normas do nº 3 do art. 38º em conjugação com o nº 1 do art. 39º do CPPT, que admita que a carta registada pode ser substituída pelo registo simples, nos termos e para os efeitos daqueles preceitos, levar-nos-ia a concluir que tal interpretação afectaria a garantia da protecção jurisdicional eficaz do destinatário, em violação das exigências decorrentes do nº 3 do art. 268º da CRP e do princípio constitucional da proibição da indefesa, ínsito no art. 20º em conjugação com o nº 4 do art. 268º da CRP”. …”.

Com este pano de fundo, e em função da realidade que consta dos autos, temos que, in casu, foi utlizado o correio registado simples, como resulta do probatório e “invólucros mensagens” juntos aos autos, sendo que, como já ficou dito, no correio registado simples, ao contrário do correio registado em mão, o distribuidor não recolhe a assinatura do destinatário aquando da entrega, limitando-se a depositar a correspondência no receptáculo postal.

Assim, perante a análise vertida no aresto descrito, resulta claro que no correio registado simples não pode operar a presunção de notificação estatuída no artigo 39.º/1 do CPPT, pois que não oferece as garantias exigidas por lei e que os outros dois modelos de correio registado oferecem. Cfr. no mesmo sentido, Ac. deste Supremo Tribunal de 17-10-2018, Proc. nº 0394/16.6BELRA 01049/17, www.dgsi.pt.
Em ternos similares, como dá nota o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, pode ler-se no sumário do Acórdão do S.T.A. de 27-05-2015, Proc. nº 078/14 (também apontado pela Recorrente),
www.dgsi.pt:

“I - É a administração tributária que tem o ónus de demonstrar que efetuou a notificação de forma correta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.

II - Na ausência dessa demonstração e não se comprovando que a oponente tomou conhecimento dos atos notificandos - liquidações que deram origem à dívida exequenda-é de julgar procedente a oposição à execução fiscal deduzida com fundamento em inexigibilidade por falta de notificação”.

Sendo assim, como é, e na medida em que a Impugnante alega que não foi notificada dos sindicados actos de liquidação, apenas tendo tomado conhecimento dos mesmos com a citação, sendo certo que do probatório não resulta o contrário, podendo apreender-se, isso sim, que a AT utilizou o correio registado simples para proceder, via “involucro mensagem”, à notificação da Impugnante, assinalando o site dos CTT a sua entrega, não se pode considerar, validamente, efetuada a notificação das liquidações, porquanto, não resulta certo que a Impugnante tenha tido a possibilidade de ter conhecimento das mesmas no prazo previsto no artigo 39º nº 1 do CPPT e que a lei presume nos casos de correio registado, com recolha da assinatura de quem recebe a correspondência no domicílio. - neste sentido, cfr. ainda Ac. deste S.T.A. de 14-10-2020, Proc. nº 01554/14.0BELRA, www.dgsi.pt.”

Ora, no caso dos autos não existe qualquer “recibo” de aceitação das cartas registadas, nem “recibo” da entrega da carta registada ao seu destinatário, conforme dispõem os números 2 e 4 do artigo 28.° do Regulamento do Serviço Público de Correios (Decreto-Lei n.º 176/88, de 18 de maio), estamos perante uma situação de emissão de notas de liquidação automáticas pelo sistema informático dos Serviços de Cobrança do IVA, e à semelhança dos acórdãos supra enunciados, estamos perante uma situação de notificação por registo simples em que não há recolha de assinatura do destinatário da correspondência, pelo que não poderá operar a presunção do n.º 1, do art. 39.º do CPPT. Como se refere no acórdão supra citado, o correio registado simples que é depositado no recetáculo do destinatário, passou a ser o meio utilizado pela AT, na modalidade de “invólucro mensagem” mas sem apoio legal.

Efetivamente, pesar de os registos informáticos da AT que é o emissor das cartas registadas, e os registos informáticos do distribuidor dessas cartas registada (CTT), que constituem entidades diferentes, convergirem no facto de a correspondência ter sido efetivamente registada (cf. pontos 5, 6 e 7 da matéria de facto assente aditada oficiosamente), a verdade é que estamos perante um registo simples, o que vem tornar irrelevante aquela identidade de facto, facto à jurisprudência do STA supra sufragada.

Pelo exposto, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, devendo ser confirmada, improcedendo todas as conclusões de recurso.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2), e, portanto, vencida no recurso a Recorrente, esta é responsável pelas custas.

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

O registo simples, em que a única certeza que existe é que a expedição terá ocorrido em determinada data, não oferece suficientes garantias de assegurar que o ato de notificação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no recetáculo, quando existe risco de extravio, não podendo servir para fundar a presunção estabelecida no n.º 1 do art. 39.º do CPPT.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao recurso, confirmar-se a sentença recorrida.


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Custas pela Recorrente.

D.n.

Lisboa, 10 de fevereiro de 2022.


Cristina Flora (Relatora)

Patrícia Manuel Pires (1.ª adjunta)

Vital Lopes (2.º adjunto)