Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:675/10.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/28/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
DTO. DE AUDIÇÃO;
REEMBOLSO DE IVA.
Sumário:I - Se, não obstante existência de um ofício destinado à notificação para exercício do direito de audição prévia à decisão de indeferimento do pedido de reembolso, se verifica que o talão de registo dos CTT nº 5735 ... PT, junto a tal ofício, não se mostra carimbado pelo aceitante e se, consequentemente, os CTT prestam informação referindo que o objecto da pesquisa (registo nº 5735 … PT) não foi encontrado, não pode a FP pretender que o Tribunal dê como provada a notificação do sujeito passivo para o exercício do direito de audição prévia.
II – É à AT que cabe demonstrar que deu cumprimento à formalidade legalmente exigida, correspondente à notificação para o exercício de audiência prévia.
III – Em matéria de direito de audição prévia, a CRP, no seu artigo 267º, nº5, reconhece aos cidadãos o direito de participação na formação das decisões que lhes disserem respeito, direito esse que, no domínio do procedimento tributário, é concretizado pela LGT, onde se enunciam as situações em que é obrigatória a audiência dos contribuintes na formação das decisões a eles relativas.
IV – Previamente ao indeferimento do pedido de reembolso de IVA impunha-se o exercício do direito de audição prévia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por S.... contra a decisão de indeferimento do pedido de reembolso de IVA, respeitante ao ano de 2005, vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

As suas alegações terminam com as seguintes conclusões:


(“texto integral no original; imagem”)

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Foram produzidas contra-alegações, as quais terminam com as seguintes conclusões.

(“texto integral no original; imagem”)


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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer, no qual concluiu no sentido do não provimento do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:


1) A impugnante, S….., S.A., NIF A2801…., tem sede na CL. R….. n.º 2, 280…., Madrid, Espanha, NIPC 710 31…., sem estabelecimento estável em território português, procedeu no ano de 2005, à aquisição de bens e serviços em Portugal (cfr. fls. 25, 26 e 28 a 43 dos presentes autos);

2) Em 27/06/2006 a impugnante deu entrada nos serviços da Administração Tributária, de um pedido de reembolso de IVA, do ano de 2005, nos termos do Dec.-Lei n.º 408/87, de 31/12, no valor de € 4.405.498,29 , suportado em facturas emitidas pelos sujeitos passivos nacionais: G…, T…., Lda. (cfr. fls. 37 a 38 e 46 a 47do processo administrativo apenso);

3) O formulário do pedido de reembolso e a documentação anexa composta pelos originais do certificado de residência fiscal, do certificado do registo de IVA junto das Autoridades Fiscais Espanholas e das facturas foram preparados por J….., Director Fiscal da Impugnante à data dos factos (cfr. depoimento das testemunhas);

4) Javier de la C…. enviou o pedido de reembolso e documentação anexa, por correio, para o Director Financeira da S…., R…… (Cfr. Depoimento de testemunhas);

5) O pedido de reembolso de IVA, acompanhado dos documentos referidos no ponto 3) supra, foi entregue no Serviço de Finanças de Oeiras 3, por “S….”, uma empresa de entregas, cujo serviço foi solicitado por R…… (cfr. depoimento de testemunhas);

6) Pelos ofícios n.º 728.. de 07/07/2007 e n.º 728… de 19/07/2007 foi pela Direcção dos Serviços de Reembolsos solicitado aos Serviços de Inspecção da Direcção de finanças de Lisboa que aferissem da legitimidade do reembolso junto dos sujeitos passivos nacionais, os quais pronunciaram-se no sentido de que «o pedido de reembolso era legítimo e que reunia as condições para merecer deferimento.» (cfr. fls 37, 48, 49, 54 a 60 e 61 a 79 do processo administrativo apenso);

7) Em 11/01/2010, através do ofício n.º 090006…., datado de 22/12/2009, foi a impugnante notificada de que o pedido de reembolso, a que se refere os pontos 2), 5) e 6) supra, foi indeferido por falta de apresentação dos originais das facturas e pelo ofício 2195, datado de 08/01/2010, foram devolvidas à impugnante as facturas que, segundo a Administração Tributária, acompanharam o pedido de reembolso (cfr. fls. 22 e 23 dos presentes autos e 43 a 45 do processo administrativo apenso; a data da recepção do ofício pela impugnante, por acordo);

8) Em 10/02/2010, ao abrigo do disposto no artigo 66.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a impugnante apresentou requerimento dirigido à Directora de Serviços de Reembolsos do IVA, informando de que os originais das facturas não constam da sua contabilidade e que estava convicta de que tais originais tinham sido apensos ao pedido de reembolso do imposto, e na impossibilidade de apresentar os originais das facturas, apresentou segundas vias das mesmas, que anexou ao requerimento (cfr. fls. 45 a 50 dos presentes autos);

9) Em resposta ao requerimento a que se refere o ponto anterior, a impugnante foi notificada do ofício n.º 618118, de 02/03/2010, com o seguinte teor «Para efeitos de decisão de indeferimento do pedido de reembolso n.º 070020…. consta na notificação n.º 090006….. que no caso de não concordar com a decisão deveria recorrer hierarquicamente no prazo de 30 dias ou impugnar judicialmente no prazo de 90 dias, nos termos, respectivamente dos artigos 66.º, n.º 2 e 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Pelo que a petição remetida a estes serviços, se devolve por ser ilegítima e intempestiva. (…)» (cfr. artigo 13.º da p. i. e 52 dos presentes autos);

10) A presente impugnação foi remetida por correio oficial a este Tribunal em 19/03/2010, onde deu entrada em 22/03/2010 (cfr. fls. 2 dos presentes autos);

FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que a Impugnante tenha sido notificada para exercício do direito de audição prévia, no âmbito do procedimento reembolso de IVA, uma vez que dos autos não resultou provado que os ofícios que constam de fls. 50 e 52 do processo administrativo, para concretizar a notificação, nos termos do artigo 60.º da LGT, tenham sido expedidos por correio e por maioria de razão que tenham chegado ao conhecimento da impugnante. Na verdade, a folha de registo dos CTT que se encontra a fls. 51 do processo administrativo, não tem qualquer carimbo aposto com a data do registo e não foi encontrado o seu registo, como resulta de fls. 116 e 122.
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

MOTIVAÇÃO

O Tribunal alicerçou a sua convicção na apreciação conjugada de toda a prova documental junta aos autos pela impugnante e pela Fazenda Publica e no processo administrativo apenso, indicada relativamente a cada um dos factos, cujos documentos não foram impugnados e no depoimento das testemunhas, que revelaram conhecimento sobre os factos relativos à preparação do pedido de reembolso e sua entrega no serviço de finanças, depondo com credibilidade”.


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2.2. De direito

Como se retira do relatório inicial, vemos que a FP, ora Recorrente, se insurge contra a sentença do TT de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento de pedido de reembolso de IVA, do período de 2005.

No essencial, o TT de Lisboa considerou que, no caso, foi preterido o direito de audição prévia à decisão de indeferimento do reembolso e que tal violação do artigo 60º, nº1, alínea b) da LGT se repercutia na decisão final, invalidando-a.

Assim tendo considerado, a Mma. Juíza a quo julgou “prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas”.

Lê-se na decisão recorrida, além do mais, o seguinte:

“(…)

Assim, a preterição da formalidade legal que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audição prévia só poderá considerar-se não essencial se se demonstrasse que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente.

Como resulta da matéria de facto dada como assente a impugnante não foi notificada para o exercício do direito de audiência prévia, momento em que suscitaria a questão da entrega dos originais e faria entrega das 2ªs vias, em momento anterior à decisão de indeferimento.

Não tendo a Administração Tributária notificado a impugnante do sentido da decisão que ia tomar, em sede de audição prévia, enferma o acto subsequente, nomeadamente a decisão de indeferimento aqui impugnada, de vício de forma por preterição de formalidade legal essencial traduzida na violação da alínea b), do nº 1 do artigo 60º da LGT, o qual é susceptível de ter reflexos na decisão final”.

Vejamos, então, o recurso que nos vem dirigido, tendo presente que, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso, são as seguintes:

a) Saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, concretamente quanto à factualidade não provada;

b) Saber se o Tribunal não observou, como lhe competia, o disposto no artigo 13º do CPPT;

c) Consequentemente, saber se o Tribunal errou no julgamento de direito efectuado, ao anular o acto de indeferimento do pedido de reembolso, com fundamento na preterição do direito de audiência prévia.


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Comecemos, como é lógico, pelo erro de julgamento de facto.

Deve dizer-se que os termos em que o erro de julgamento de facto vem apresentado não é um exemplo de clareza. Apesar disso, da leitura conjugada das alegações e conclusões da alegação de recurso retira-se que a Recorrente se insurge contra a matéria de facto considerada não provada, na qual o Tribunal a quo fez constar o seguinte:

“Não se provou que a Impugnante tenha sido notificada para exercício do direito de audição prévia, no âmbito do procedimento reembolso de IVA, uma vez que dos autos não resultou provado que os ofícios que constam de fls. 50 e 52 do processo administrativo, para concretizar a notificação, nos termos do artigo 60.º da LGT, tenham sido expedidos por correio e por maioria de razão que tenham chegado ao conhecimento da impugnante. Na verdade, a folha de registo dos CTT que se encontra a fls. 51 do processo administrativo, não tem qualquer carimbo aposto com a data do registo e não foi encontrado o seu registo, como resulta de fls. 116 e 122”.

Entende a FP (cfr. conclusão IX) que a Recorrida foi “notificada para exercer o direito de audição prévia nos termos do art. 60º da LGT, como se pode constatar pelo registo dos CTT nº RO 5735 ... PT (vide fls. 30 e 31 do P:A).”

Vejamos, desde já se esclarecendo que a menção a fls. 30 e 31 do PA constitui seguramente um lapso, já que tais fls. do processo administrativo nada têm a ver com uma pretensa notificação para efeitos de audiência prévia, concretamente com o aludido registo dos CTT nº RO 5735 ... PT, antes respeitando a expediente interno do SF de Lisboa 3 relativo à remessa do PA à DF de Lisboa. No entanto, é perfeitamente apreensível que a Recorrente pretendia referir-se a fls. 50 e 51 do PA, essas, sim, respeitantes a ofício relativo à “Notificação nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária”.

Feito este esclarecimento, avancemos.

Ora, como resulta da análise da sentença, concretamente da motivação dos factos não provados, a Mma. Juíza a quo não deixou de ter em consideração o ofício de fls. 50 do PA e o registo dos CTT nº RO 5735 ... PT, junto a fls. 51 do mesmo processo. Aliás, foi precisamente perante a sua consideração que o Tribunal recorrido pôde concluir que “não resultou provado que os ofícios que constam de fls. 50 e 52 do processo administrativo, para concretizar a notificação, nos termos do artigo 60.º da LGT, tenham sido expedidos por correio e por maioria de razão que tenham chegado ao conhecimento da impugnante”.

Com efeito, e para assim concluir, o Tribunal a quo teve em atenção que, não obstante existência de um ofício destinado à notificação do exercício do direito de audição prévia à decisão de indeferimento do pedido de reembolso (cfr. fls. 50 do PA), a verdade é que o talão de registo dos CTT nº RO 5735 ... PT, junto a tal ofício, não se mostrava carimbado pelo aceitante, razão pela qual não se demonstrava – com base nos apontados elementos – que, apesar de o ofício ter sido elaborado pelos serviços, o mesmo tinha sido efectivamente expedido para o respectivo destinatário.

E, na verdade, assim é.

Efectivamente, mostra-se junto aos autos (a fls. 50 do PA) o ofício nº 786…., de 18/12/09, da Direcção de Serviços de Reembolsos, do qual consta em “assunto: “Notificação nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária” e do qual consta como destinatário a S..... Diga-se, ainda, que no corpo de tal ofício lê-se, no que para aqui importa, o seguinte: “Ficam V. Exas. Por este meio notificados de que poderão exercer, no prazo de 15 (quinze) dias, o direito de audição, por escrito, acerca do projecto de decisão de indeferimento total ou parcial, que abaixo de refere, (…), relativo ao pedido de restituição ou reembolso abaixo indicado, nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária, referente ao contribuinte S…. E….. (…). Pedido nº 070020…., de 2007/0129 no valor de 4. 405.498.29 (…)”.

Portanto, tal ofício de notificação foi elaborado, pelo que se pode concluir que a AT teve a intenção de notificar o sujeito passivo para exercer o direito de audição.

Sucede que, como bem viu a sentença, sem que tal se mostre contrariado, o talão de aceitação de correspondência/ Correio registado, com o nº RO 5735 ... PT (junto a fls. 51 do PA), apesar de preenchido na parte relativa ao destinatário e remetente, não se mostra carimbado pelo aceitante (CTT), pelo que não esclarece se tal objecto postal foi entregue junto dos serviços postais para efeitos de envio e entrega à S…...

Foi esta constatação que a Mma. Juíza evidenciou e bem, em nosso entendimento.

Por conseguinte, a pretensão da Recorrente de ver alterada a matéria de facto não provada com base nos apontados dois documentos (fls. 50 e 51 do PA) terá que soçobrar, pois – repete-se – tais documentos foram criticamente apreciados e com acerto.

Mas note-se, ainda, que motivação da matéria de facto não provada não se ficou por aqui.

É que, como evidencia a sentença, para a conclusão sobre a falta de prova da notificação para o exercício do direito de audição concorreu outro elemento, no caso, o teor de fls. 116 a 122, correspondentes ao resultado das pesquisas efectuadas, em 14/09/15 e em 15/0710, nos sites www.cttexpresso.pt e www.2ctt.pt, respectivamente, do objecto correspondente ao código RO 5735 ... PT, podendo ler-se, em qualquer dos resultados obtidos, que o objecto em causa não foi encontrado.

Ora, contra esta apreciação da matéria de facto insurge-se a Recorrente, desvalorizando os elementos juntos em audiência de julgamento pelo Recorrida (fls. 116 a 122 dos autos), mais apelando ao período durante o qual os objectos registados ficam disponíveis no sistema informático de pesquisa dos CTT.

Com efeito, salientou a Recorrente nas conclusões XI e XII que:

O Tribunal não acompanha a pretensão de pôr em causa a apreciação feita pelo Tribunal com base nesta alegação. Assim é porque, como bem salienta a Recorrida, “se o ofício nº 786…. está datado de 18 de dezembro de 2009, e o documento comprovativo dos CTT foi emitido a 15 de julho de 2010, é incontornável que o mesmo foi emitido dentro dos limites temporais referidos pela Recorrente nas suas alegações de recurso, ou seja, dentro dos 15 meses posteriores ao suposto envio do ofício…”.

Portanto, como a Mma. Juíza concluiu – e bem – inexiste prova de que o sujeito passivo/ Impugnante, foi notificado para exercer o direito de audição prévia nos termos do artigo 60º da LGT, ou seja, em momento anterior à decisão de indeferimento do pedido de reembolso.

Portanto, nenhuma alteração à matéria de facto, concretamente à não provada, se impõe fazer, mantendo-se a mesma inalterada.


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Surge já, face ao que ficou dito, com pouca utilidade a alegação constante da conclusão XIII, na qual se pode ler o seguinte:

(“texto integral no original; imagem”)

Perante a junção dos elementos constantes de fls. 116 a 122 dos autos, mormente do documento correspondente ao resultado de uma pesquisa efectuada no site dos CTT em Julho de 2010, nenhuma outra diligência se impunha ao Tribunal a quo, em ordem ao apuramento da verdade.

Improcede, pois, a conclusão ora em análise.


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Entremos, pois, na última questão em apreciação, a de saber se o julgamento de direito efectuado é errado, como a Recorrente parece sustentar.

Já dissemos anteriormente que a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento do reembolso de IVA foi julgada procedente com fundamento na preterição do exercício do direito de audição prévia, tal como este decorre do artigo 60º, nº1, alínea b) da LGT.

Em matéria de direito de audição prévia, a Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu artigo 267º, nº5, reconhece aos cidadãos o direito de participação na formação das decisões que lhes disserem respeito, direito esse que, no domínio do procedimento tributário, é concretizado pela LGT, onde se enunciam as situações em que é obrigatória a audiência dos contribuintes na formação das decisões a eles relativas.

Em concreto, dispõe o artigo 60º, nº.1 alínea b) que a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, através do direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições.

“O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 25/1/2000, rec.21244, Ac.Dout., nº.466, pág.1275 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/7/2003, rec.684/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/09/2013, proc. 1510/06; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.).

A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.163, do C.P.Administrativo; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.618 e seg.)” – cfr. ac. deste TCA Sul, de 11/10/18, no processo nº 1600/17.5BELRA

Na situação sub judice, aliás, torna-se até despiciendo o convencimento da Recorrente quanto à necessidade, no caso, de ser dada a possibilidade ao sujeito passivo de exercer o direito de audição no âmbito do procedimento tributário, perante o projecto de indeferimento do pedido de reembolso formulado. É que, como vimos antes, a AT elaborou ofício destinado a esse efeito, o qual, porém, por razões que só a AT respeitam, não chegou a ser notificado à ora Recorrida.

De resto, como é evidente em função das regras do ónus da prova (cfr. artigo 74º da LGT), era à AT que cabia demonstrar que tinha dado cumprimento à formalidade legalmente exigida (notificação para o exercício de audiência prévia), o que não sucedeu.

No caso concreto, não tendo a AT notificado o sujeito passivo para os efeitos já apontados, nem tendo ensaiado fundamento algum para a sua dispensa (que, de resto, aqui, nem se vislumbra) é de concluir pela invalidade do acto por preterição de formalidade legal, sancionada com a sua anulação, tal como o Tribunal a quo decidiu.

Diga-se, por último, que a questão que parece decorrer das conclusões XV e XVI, admitindo-se que a Recorrente se refere à eventual não junção do original das facturas (e à junção das 2ªs vias das facturas, a que se reporta a sentença), é matéria que deverá ser apreciada em sede de análise do preterido direito de audiência prévia ao indeferimento.

Em conclusão, e sem necessidade de considerandos mais alargados, improcedem todas as conclusões da alegação de recurso e, nesta medida, nega-se provimento ao mesmo, mantendo-se a sentença nos termos e com as consequências dela constantes.


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Impõe-se, ainda, um esclarecimento.

A Recorrida, para além de um pedido subsidiário, cujo conhecimento fica prejudicado face ao decidido, requer, ainda, como consequência da manutenção da sentença e da anulação do indeferimento do pedido de reembolso, que o Tribunal ordene a AT a deferir o pedido de reembolso, acrescido de juros indemnizatórios, devidos no termos do artigo 43º da LGT.

Ora, a formulação de tal pedido extravasa a âmbito do decidido pelo Tribunal, pois estamos perante um acto anulado por um vício de forma, mostrando-se prematura a alusão à decisão de deferimento do pedido de reembolso e ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.


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Impõe-se, ainda, analisar o que se segue, com respeito à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, considerando que o valor da causa é de € 4.405.498,29.

Seguiremos, na apreciação que se segue, o acórdão de 26/01/17, proferido no recurso nº 516/15.4 BELLE, deste TCA Sul.

Assim:

“(…) As duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.424).

O artº.6, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, contém a seguinte versão:

Artigo 6.º

Regras gerais

1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.

3 - Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.

4 - Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça.

5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.

6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.

7 - Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

O nº.7, do preceito sob exegese (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.

Recorde-se que nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7140/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.72).

O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.

A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial.

Releve-se que a dita decisão de dispensa do pagamento de remanescente de taxa de justiça prevista no artº.6, nº.7, do R.C.P., também pode ser efectuada na sequência da apresentação a pagamento da conta final do processo e dentro do prazo de impugnação desta (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/5/2014, rec.129/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7270/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2016, proc.9420/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13).

Mais se dirá que a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Diz-nos este normativo, o actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, o seguinte:

Artigo 530º.

Taxa de justiça

(…)

7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

No que se refere às questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.71 e seg.).

Já no que diz respeito à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil). Nos termos deste preceito, devem as partes actuar no processo pautando a sua conduta pelo princípio da cooperação, o qual onera igualmente o juiz, tal como de acordo com a boa-fé, tendo esta por contra-face a litigância de má-fé e a eventual condenação em multa (cfr.artº.542, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Por último, recorde-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedida, aproveita a todos os sujeitos processuais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/5/2014, rec.456/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.9437/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13)”.

Regressando ao caso dos autos, do exame da actividade processual desenvolvida no processo, da conduta processual das partes e do grau complexidade das questões colocadas pelos sujeitos processuais, deve concluir-se que se justifica a aludida intervenção moderadora, assim devendo aplicar-se a dispensa de pagamento prevista no artigo 6.º, nº 7, do RCP, o que seguidamente se determinará.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento pelas partes do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº7, do RCP.

Lisboa, 28/03/19


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(Catarina Almeida e Sousa)

(Vital Lopes)

(Hélia Gameiro)