Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1280/07.6BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRC
DESVALORIZAÇÃO EXCECIONAL
TEMPESTIVIDADE
Sumário:
I. O n.º 3 do art.º 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, determinava que o contribuinte requeresse a aceitação como custo até ao fim do primeiro mês da ocorrência do facto que determinou a desvalorização excecional.

II. Sendo a causa da desvalorização excecional continuada no tempo e sendo só no seu termo determinável essa mesma desvalorização, é por referência a esse momento que deve ser contado o prazo referido no n.º 3 do art.º 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 17.11.2016, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por L….., Lda (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e a dos respetivos juros compensatórios, atinentes ao exercício de 2002.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a impugnação totalmente procedente e consequentemente determinou a anulação da liquidação n.º ….., relativa ao exercício do IRC de 2002, no montante de €24.631,87, por a administração fiscal não ter aceitado o requerimento efetuado pela Impugnante em 31/10/2002, a solicitar a desvalorização excepcional em relação aos bens do seu ativo imobilizado, pelo motivo de mudança de sede de Algés para Lisboa e assim para ser aceite como custo fiscal para o exercício de 2002, no valor de €66.946,00, acrescendo que ainda condenou a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios.

B. Vem a Fazenda Pública sustentar, por seu lado, que a sentença interpretou e aplicou erradamente os factos na aplicação do disposto no artigo 10.° do DRegulamentar n.º 2/90, de 12/1, porquanto o artigo refere-se a situações excepcionais, por outro lado, formou erradamente a sua convicção através da prova testemunhal, tendo feito uma interpretação muito simplista sobre os factos produzidos na própria sentença, sobre a apreensão do conhecimento e que vem explanado com referência às testemunhas e ao depoimento prestado e que a nosso ver não se poderá fundamentar a conclusão retirada.

C. Comecemos por prescrever o artigo art. 10.° do DRegulamentar 2/90, de 12/1, e que prediz o seguinte: «Desvalorizações excepcionais de elementos do activo imobilizado

1. No caso de se verificarem em elementos do activo imobilizado desvalorizações excepcionais provenientes de causas anormais devidamente comprovadas, poderá ser aceite como custo ou perda do exercício em que aquelas ocorrem uma quota de reintegração ou amortização superior à que resulta da aplicação dos métodos referidos no artigo 4º.

2. O regime estabelecido no número anterior aplica-se, designadamente, às desvalorizações excepcionais provocadas por desastres, fenómenos naturais e inovações técnicas excepcionalmente rápidas.

3. Para efeitos do disposto no n.º 1 deverá o contribuinte obter a aceitação da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos através de exposição devidamente fundamentada até ao fim do primeiro mês seguinte ao da ocorrência do facto que determinou a desvalorização excepcional, salvo em casos comprovadamente justificados, e como tal reconhecidos por despacho do Ministro das Finanças, em que essa exposição poderá ser entregue até ao fim do primeiro mês seguinte ao do termo do período de tributação em que tiverem ocorrido as desvalorizações excepcionais

D. A primeira questão que se coloca será: A mudança de instalações da sede da Impugnante é de considerar como uma causa anormal, conforme está prescrito no artigo 10.º do DRegulamentar 2/90, de 12/1?

E. Ora, parece ser de aferir que não. O artigo em causa qualifica esta questão da existência de desvalorização dos ativos imobilizados excecionalmente quando provocada por desastres, fenómenos naturais e inovações técnicas excepcionalmente rápidas, no espirito de fazer excluir quaisquer acontecimentos previsíveis, nomeadamente calculados ou planeados, como é o caso dos presentes autos, precisamente para não existir um extrapolar daquilo que se pretende possibilitar.

F. Isto é, deve esta exceção ser utilizada apenas para situações imprevisíveis, fortuitas ou acidentais, permitindo que haja exceções nestes casos e assim possibilitando uma desvalorização diferente do que já é admitido pela Lei, com o controlo da administração fiscal.

G. Conforme consta no relatório de inspeção e no parecer constante da Informação n.º …..de DSIRC e que vimos defender, os seguintes factos:

1 – “ Da análise aos mapas de reintegrações e amortizações anexadas ao requerimento, verificou-se que do valor da amortização extraordinária efectuada, € 2.886,00 respeitam a telemóveis e computadores e € 1.888,00 a imobilizado que estava localizado na Rua do Salitre, pelo que, em ambos os casos, não é de aceitar como custo o valor da sua desvalorização por esta não resultar da mudança de instalações de Algés, para Lisboa.

2 - Para verificar o cumprimento dos prazos impostos pelo artigo 10.º do DR 2/ 90 de 12 de Janeiro, foi efectuado pelos Serviços de Finanças de Lisboa, um pedido de esclarecimentos à sociedade locadora do imóvel sito em Algés (E….., S.A.), e de acordo com a resposta obtida verificou-se que as instalações foram disponibilizadas e entregues pela sociedade L….., Lda à E….. no final do mês de Julho de 2002.

3 - Por outro lado, os serviços prestados na mudança de instalações pela sociedade T….., NIPC: ….., foram efectuados nos dias 29/06/2002 e 06/07/2002 (conforme facturas emitidas por aquela entidade).

4 - Pelos factos descritos e face à informação prestada anteriormente pelos Serviços de Inspecção Tributária da DF de Lisboa, concluiu-se que as mudanças não se verificaram no período compreendido entre Julho e Setembro de 2002 mas sim nos meses de Junho e Julho de 2002, pelo que atendendo ao determinado no n.º 3 do artigo 10º do D.R. 2/90 de 12 de Janeiro, alterado pelo D.R. 16/94 de 12 de Julho, o requerimento a solicitar a aceitação da desvalorização excepcional deveria ter sido entregue até ao final do mês seguinte ao da ocorrência do facto que determinou essa desvalorização, pelo que no caso em análise seria até final do mês de Agosto de 2002.

Em face do exposto, apesar dos motivos invocados para justificar o abate dos bens do imobilizado se enquadrarem no artigo 10.º do DR 2/90, de 12 de Janeiro verifica-se que não foi dado cumprimento ao prazo determinado no n.º 3 do mesmo artigo, pelo que o requerimento foi indeferido. Esta situação implica a não aceitação como custo fiscal do exercício de 2002 da importância de €66.946,00.”

H. Outra questão que se nos apresenta como objeto do presente recurso, é o facto de o tribunal a quo ter considerado, através da prova testemunhal e sobre a tese da mudança das instalações terem ocorrido até finais de setembro de 2002, quando existe prova documental nos autos que contraria essa versão.

I. Considerando o “…depoimento unânime das testemunhas retira-se que o contrato terminou efetivamente em 31.07.2002, mas que por solicitação da Directora Financeira M….., que dirigiu presencialmente a mudança, foi disponibilizado o arrendado nos dois meses seguintes, em virtude de não ter sido possível efetuar o transporte através da transportadora - S….., durante o mês de julho.”

J. Ora a directora financeira da Impugnante, quem dirigiu as mudanças, vai de férias durante o mês de agosto e depois durante o mês de setembro disse serem utilizadas as viaturas da sociedade para finalizar a mudança e assim diligenciar de acordo com o depoimento da primeira testemunha, a recolha de alguns quadros e lâmpadas, enquanto no depoimento da terceira testemunha (Sr. J…..) refere que no mês de julho ainda não sabiam que bens não seriam aproveitados.

K. Ora, cabe realizar uma breve apreciação de que se são estes os argumentos expendidos pela Impugnante que demonstram quando foi finalizada a mudança da sede e nestes termos? É esta a prova produzida que motivou o tribunal a quo a concretizar os ensejos aqui vertidos pela ora Impugnante, sempre se poderá dizer que a sua tese, não procede, ou não deverá proceder, de acordo com o que poderá ser considerado como custo fiscal neste âmbito da desvalorização excepcional, nos termos da Lei.

L. Resulta da consulta do documento n.º 1 anexo à petição a fls. 39, em conjugação com o informado pelos serviços da inspeção ao efetuarem as correções ora contestadas, que apenas pelo facto das instalações se não encontrarem ainda arrendadas a outra entidade, lhe foi permitido o acesso, no período de agosto e setembro de 2002.

M. Informa-se ainda que, se entende da análise ao sucedido, “permitir o acesso, não invalida o acto anterior de mudança de instalações e entrega das mesmas ao senhorio, pois o contrato de arrendamento cessou efetivamente em 31 de Julho de 2002". Nesta data, foi o imóvel arrendado disponibilizado e entregue, formalmente, à S….., SA, senhoria do imóvel, sito em Algés, conforme consta do próprio documento junto à petição pela impugnante, no seu ponto (iii);

N. Consta ainda do mesmo que, (ponto iv) "no entanto, porque, por um lado, o imóvel em causa se manteve devoluto, durante os meses seguintes ao termo do contrato e porque, por outro lado, a anterior arrendatária o solicitou, foi autorizado o acesso desta ao imóvel, condicionado à disponibilidade pela nossa empresa, durante os dois meses que seguiram ao termo do contrato...

O. Reitera-se que ao permitir o acesso às instalações não invalida que o ato de mudança de instalações e transporte dos bens objeto das amortizações extraordinárias, solicitadas como custos aceitáveis para efeitos fiscais, tenha ocorrido em 31/07/2002.

P. Não se vislumbra como pode o alegado ter sucedido, no sentido de se encontrarem bens do ativo imobilizado num imóvel já entregue ao senhorio, por terminus do contrato, e quando o próprio senhorio vem dizer "...que o contrato cessou efetivamente em 31 de Julho de 2002, tendo, nesta data, sido disponibilizado e entregue, formalmente pela arrendatária..." e porque por um lado, "o imóvel em causa se manteve devoluto durante os meses seguintes... e por outro lado porque a anterior arrendatária o solicitou, foi autorizado o seu acesso ao imóvel... ".

Q. Não decorre, da análise ao documento por si junto à p.i., a existência de quaisquer bens nas instalações de Algés, porquanto elas até ficaram devolutas e apenas por não se encontrarem com novo arrendatário lhes foi permitido pelo senhorio o acesso, por motivos que apenas ao impugnante dizem respeito.

R. A lei aplicada pelos serviços tem de ser lida na sua globalidade, e em tudo o que aí se dispõe não se vislumbra, expressa e implicitamente, que os serviços tenham cometido qualquer ilegalidade, encontrando-se o prazo para apresentação do requerimento, totalmente decorrido, logo já terminado, por ter sido ultrapassado.

S. O seu incumprimento, por si mesmo, é que retira o direito de aplicação da lei favorável ao contribuinte, ora impugnante, donde a interpretação e aplicação que dela foi feita pela AT, nomeadamente nos termos previstos pelo n.º 3 do art.º 10 do DR n.º 2/90, de 12.01, foi corretamente efetuada, porquanto a ora impugnante não atendeu no requerido, à data entretanto precludida.

T. Por aplicação linear do normativo citado e tendo em conta a data do requerimento conjugada com a data da ocorrência dos factos, resultou a extemporaneidade do requerimento, situação que vem a ser colocada em crise pela ora impugnante a quem não assiste qualquer razão, porquanto não sustenta a sua argumentação de forma conclusiva diferente do anteriormente apurado pela AT, donde resulta não ter razão a impugnante, pois a AT não incorreu em qualquer erro de análise, já que fez correta interpretação da supra referida norma jurídica aplicável à situação em crise.

U. E mantendo esta posição da Fazenda Pública já exposta, vimos ainda defender o que está vertido num princípio basilar para nós que é o da Legalidade, não poderá proceder os direito aos juros indemnizatórios.

V. Como se sabe, a Administração Tributária encontra-se sujeita a um dever genérico de atuação em conformidade com a lei tributária (artigos 266.º, n.º 1, da CRP e 55.º da LGT), não podendo, por isso, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal devidamente aprovado.

W. No que respeita ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela impugnante, entende-se que não deverá merecer deferimento o pretendido, de harmonia com o disposto no artigo 43º da LGT, visto a liquidação impugnada não resultar de qualquer erro imputável aos serviços.

X. Faltando no caso concreto o nexo de imputação do erro aos Serviços da Administração Fiscal, o qual não poderia nunca ter um cariz objectivo, revestindo tal nexo de imputação necessariamente um cariz subjectivo não se verificam as condições de que, por força daquele artigo 43.º da LGT, dependeria a condenação da Administração Fiscal no pagamento de juros indemnizatórios.

Y. Com efeito, os juros indemnizatórios constituem a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal previstos no artigo 35.º da LGT, na medida em que também no caso do artigo 35.º n.º 1 e 2 da LGT se exige para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios por parte do sujeito passivo que exista da parte deste uma conduta, um facto a si imputável.

Z. Ora é este pressuposto, precisamente, cuja verificação não o corre no caso em apreço, dado que aquela imputabilidade do erro aos serviços, que a norma do artigo 43.º da LGT exige, não é compaginável com uma responsabilização de cariz objectivo. À imagem, aliás, do que sucede com os juros compensatórios supra referidos (como resulta da redacção da respectiva norma que, como acima se constata, se aproxima da redacção desta norma referente aos juros indemnizatórios).

AA. E verificando-se que no caso em apreço não existia a possibilidade de outra atuação dos Serviços, nomeadamente por não estar em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados não actuaram os Serviços com culpa, ainda que leve.

BB. A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada”.

A Recorrida contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A) Sob a pretensão de que seja revogada a decisão, mantendo-se, em consequência, a liquidação de IRC, a Recorrente interpôs recurso da sentença proferida, em 17 de Novembro de 2016, no âmbito dos presentes autos, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, através da qual se decidiu julgar a “(...) impugnação procedente e, em consequência” anular “a liquidação n.° ….., referente ao exercício de 2002, no montante de € 24.631,87”.

B) Para tanto alegou a Recorrente, designadamente, que (i) a situação fáctica subjacente aos presentes autos não se encontra prevista no artigo 10.°, do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro; (ii) que a mudança das instalações sub judice ocorreu nos meses de Junho e Julho de 2002, pelo que também por essa via, o requerimento apresentado em Outubro de 2002 pela Recorrida - ao abrigo do artigo 10.°, do Decreto Regulamentar n.° 2/90, de 12 de Janeiro - seria extemporâneo, e, finalmente, alegou a Recorrente (iii) não serem devidos juros indemnizatórios.

C) Sucede, no entanto, que não assiste qualquer fundamento quer de facto, quer de Direito, aos argumentos aduzidos pela Recorrente, pelo que entende a aqui Recorrida que se deverá manter a sentença nos exactos termos em que foi proferida pelo Tribunal a quo.

D) Desde logo, a Recorrente, nas suas alegações de recurso, propõe- se questionar factos dados como assentes na decisão recorrida sem que, para tal, se conforme com os requisitos estabelecidos na lei para o correspondente efeito.

E) Na verdade, salvo os comentários meramente conclusivos que a Recorrente produziu acerca dos depoimentos prestados pelas várias testemunhas arroladas pela aqui Recorrida - e a que a sentença recorrida faz referência, na respectiva fundamentação - a Recorrente não só não identificou de forma especificada quais as concretas partes desses testemunhos deveriam ceder perante outro tipo de prova, como, igualmente, não identificou a que concretos pontos da matéria de facto dada como provada foram incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo.

F) A Recorrente não cumpriu assim com os ónus que, nos termos do preceituado no artigo 640.°, do CPC - aqui aplicável ex vi artigo 2.°, do CPPT - se encontravam a seu cargo, enquanto recorrente que impugnou a decisão relativa à matéria de facto.

G) Sabe-se que são as conclusões das alegações de recurso que definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se apenas (e tão só) as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação.

H) Resulta das conclusões de recurso formuladas pela Recorrente que as mesmas se revelam insuficientes e inaptas a demonstrar o erro de julgamento, conforme alegado pela Recorrente.

I) Resulta do artigo 640.°, do CPC, que na circunstância de não ser observado pelo recorrente os ónus ali preceituados, a cominação será a imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto.

J) Com efeito, a Recorrente não especificou quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem indicou os concretos meios probatórios que determinaram o alegado erro de julgamento, ou, sequer, a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida.

K) Pretendendo a alteração da matéria de facto dada como provada e tendo a prova sido gravada, impunha-se que a Recorrente cumprisse com os requisitos preceituados pelo legislador no artigo 640.°, do CPC,
L) Pelo que ao não o ter feito, a Recorrente deverá ser penalizada com a imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 640.°, do CPC, aqui aplicável, como referido, ex vi artigo 2.°, do CPPT.

M) No recurso interposto, defende a Recorrente que “A mudança de instalações da sede da Impugnante" não é de considerar “uma causa anormal, conforme está prescrito no artigo 10.° do DRegulamentar 2/90, de 12/1".

N) Sem descurar que se trata esta de uma questão nova, que apenas em sede de recurso foi suscitada pela Recorrente - e não antes, como melhor resulta dos autos - sempre se dirá que em consequência da interpretação (agora) dada pela Recorrente à norma estabelecida no artigo 10.º, do Decreto - Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, a Recorrente pretende que os exemplos dados pelo legislador no n.º 2, daquela norma, sejam, afinal, interpretados no sentido de encerrarem uma enumeração taxativa.

O) Ora, salvo o devido respeito, nem o espírito, nem (muito menos) a letra da lei, permite a interpretação agora defendida - em esforço, diga-se - pela Recorrente.

P) É, aliás, esse o entendimento sufragado pela jurisprudência, como resulta (entre outros) do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 02 de Novembro de 2011, no âmbito do processo de recurso n.° 0719/11, onde se decidiu que “O abate em imobilizado, decorrente da dedução como custo de benfeitorias efectuadas em imóvel arrendado, em montante superior ao que resultaria das quotas do artigo 4.° do DR 2/90, de 12 de Janeiro, por não renovação do contrato, deve ser considerado como desvalorização excepcional para efeitos do artigo 10.° deste DR, e, como tal, dependente de prévia aceitação por parte da DGCI

Q) Com efeito, decorre do espírito legislativo subjacente ao artigo 10.° em questão que, quaisquer eventos que tenham como consequência a inutilização de bens, não possam deixar de ser considerados "causas anormais", desde que essa inutilização reduza o período mínimo de vida útil legalmente definido em função da natureza dos bens e do desgaste decorrente de condições normais do seu funcionamento.

R) In casu, o legislador deixou expressa a natureza meramente exemplificativa das causas ditas “anormais”, pela utilização do (advérbio) “designadamente” (cfr. n.° 2, do artigo 10.°, do Decreto Regulamentar n.° 2/90, de 12 de Janeiro).
S) Por esta ordem de razões, importa concluir que improcede o alegado pela Recorrente, em sede de alegações de recurso, no que, em concreto, se reporta à (não) aplicação do previsto no artigo 10.°, do Decreto - Regulamentar n.° 2/90 de 12 de Janeiro.

T) Por outro lado, a liquidação de IRC, em apreciação nos presentes autos, não tem qualquer fundamento, quer de facto, quer de Direito, como melhor o apreciou o Tribunal a quo.

U) Sendo que, como resulta demonstrado nos presentes autos - maxime na alínea F) da matéria de facto dada como provada - a Recorrida procedeu ao pagamento do valor global € 24.631,87 (vinte e quatro mil, seiscentos e trinta e um euros e oitenta e sete cêntimos), a título de IRC, alegadamente devido pelo exercício de 2002.

V) O que, nos termos do preceituado no artigo 43.°, da LGT, constitui o Estado na obrigação de proceder ao pagamento de juros indemnizatórios à Recorrida.

W) Com efeito, nos termos daquela norma, são devidos juros indemnizatórios na circunstância de, tal como nos presentes autos, se apurar que houve (i) erro no acto de liquidação do tributo, (ii) que esse erro se mostre imputável aos serviços, (iii) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e, finalmente, (iv) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

X) Por todo o exposto e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 43.° e 100.°, da LGT, bem andou o Tribunal a quo quando reconheceu à Recorrida o direito a receber da AT, ora Recorrente, o pagamento de juros indemnizatórios, pelo que se impõe, também no que respeita a esta matéria, julgar improcedente o recurso interposto, mantendo-se os (exactos) termos do já decidido pelo Tribunal a quo.

Y) Em face do que se alegou anteriormente, o recurso interposto pela Recorrente, nos termos e com os fundamentos ali sufragados, deve improceder in totum”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:
a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?
b) Verifica-se erro de julgamento, porquanto a situação em causa não se enquadra no âmbito do art.º 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, e o requerido foi extemporâneo?
c) Há erro de julgamento quanto ao decidido relativamente aos juros indemnizatórios, porquanto não há erro imputável aos serviços?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“                                                                             A)

Em 31.10.2002, a impugnante deu entrada no serviço de finanças de Lisboa-4 de um requerimento a solicitar a aceitação de reintegrações extraordinárias, como custo fiscal para o exercício de 2002, no valor de €66.946,00;

(cfr. doc. de fls. 77 do PA apenso aos autos)


B)

A entidade «e….. SA.,» proferiu uma declaração com o seguinte teor:

« (…)

i) teve em vigor um contrato de arrendamento em que o referido Fundo era senhorio, e que tinha como arrendatária a sociedade l….., Lda., relativamente ao imóvel de sua propriedade, sito na ….., em Algés;

ii) o contrato referido iniciou a sua vigência em 1 de Janeiro de 1995, e tinha o prazo inicial de sete anos, com termo em 31 de Dezembro de 2001;

iii) o prazo inicial foi prorrogado, por acordo entre as partes e cessou, efectivamente, em 31 de Julho de 2002, tendo, nesta data, sido o arrendado disponibilizado e entregue, formalmente, pela arrendatária, a esta sociedade;

iv) no entanto, porque, por um lado, o imóvel em causa se manteve devoluto, durante os meses seguintes ao termo do contrato acima referido e porque, por outro, a anterior arrendatária o solicitou, foi autorizado o acesso desta ao imóvel, condicionado à disponibilidade pela nossa empresa, durante os dois meses que se seguiram ao termo do contrato;

v) no início de Outubro de 2002 foi então manifestada pela anterior arrendatária a desnecessidade de acesso ao imóvel em causa, pelo que deixou a mesma de, a partir desse momento, o fazer;

(cfr. doc. 1 junto com a PI)


C)

Com data de 6.02.2007, a impugnante foi notificada de comunicação do Banco Millennium BCP, para a morada …..em Lisboa;

(cfr. doc. 2 junto com a PI)


D)

A coberto da Ordem de Serviço n.º ….. foi efetuada uma ação de inspeção cujas conclusões constam do relatório correções meramente aritméticas com o seguinte teor:

«(…) III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas.

Conforme descrito na Informação remetida pela Direcção de Serviços do IRC, a L….., Lda., em requerimento dirigido à Direcção Geral dos Impostos, solicita, nos termos do n.º 3 do artigo 10° do D.R. n.º 2/90, de 12 de Janeiro, a aceitação como custo fiscal do exercício de 2002, do valor de €66.946,00 resultante das desvalorizações excepcionais ocorridas em alguns bens do activo imobilizado corpóreo da empresa.

Conforme descrito na Informação n.º ….. remetida pela Direcção de Serviços do IRC, o requerimento apresentado pelo sujeito passivo resulta da situação a seguir descrita (ver cópia da Informação e do requerimento no anexo I):

- No exercício de 2002, a empresa transferiu a sede social de Algés para a ….., n.º7 em Lisboa, a qual ocorreu entre 1 de Julho e 30 de Setembro de 2002. Na sequência dessa mudança alguns bens e benfeitorias, efectuadas na antiga sede perderam valor para o sujeito passivo, uns por serem inamovíveis e outros por impossibilidade de adaptação às novas instalações.

- De acordo com o referido, uma vez que o contrato de arrendamento das antigas instalações cessou em 30 de Setembro de 2002, a partir dessa data alguns dos bens do activo imobilizado deixaram de ser utilizados pela empresa.

- Adicionalmente também foram deixados nas antigas instalações alguns bens, com valor liquido muito pouco significativo, cuja desactualização tecnológica, em função da antiguidade e inovações entretanto conhecidas, não justificava a manutenção da respectiva utilização.

De acordo com o ponto 5) do parecer constante da Informação n.º…..da DSIRC foram verificados os seguintes factos:

1 - Da análise aos mapas de reintegrações e amortizações anexadas ao requerimento, verificou-se que do valor da amortização extraordinária efectuada, €2.886,00 respeitam a telemóveis e computadores e €1.888,00 a imobilizado que estava localizado na ….., pelo que, em ambos os casos, não é de aceitar como custo o valor da sua desvalorização por esta não resultar da mudança de instalações de Algés para Lisboa.

2 - Para verificar o cumprimento dos prazos impostos pelo artigo 10º do DR 2/90 de 2 de Janeiro, foi efectuado pelos Serviços de Finanças de Lisboa, um pedido de esclarecimentos à sociedade locadora do imóvel, sita em Algés (E….., S.A.), e de acordo com a resposta obtida verificou-se que as instalações foram disponibilizadas e entregues pela sociedade, L….., Lda., à E….. no final do mês de Julho de 2002.

3 - Por outro lado, os serviços prestados na mudança de instalações pela S….., NIPC: ….., foram efectuados nos dias 29/06/2002 e 06/07/2002 (conforme facturas emitidas por aquela entidade).

4 - Pelos factos descritos e face à informação prestada anteriormente pelos Serviços de Inspecção Tributária da DF de Lisboa, concluiu-se que as mudanças não se verificaram no período compreendido entre Julho e Setembro de 2002 mas, sim, nos meses de Junho e Julho de 2002, pelo que atendendo ao determinado no n.º 3 do artigo 10º do D.R. 2/90 de 12 de Janeiro, alterado pelo D.R. 16/94 de 12 de Junho e Julho, o requerimento a solicitar a aceitação da desvalorização excepcional deveria ter sido entregue até ao final do mês seguinte ao da ocorrência do facto que determinou essa desvalorização, pelo que no caso em análise seria até final do mês de Agosto de 2002.

Em face do exposto, apesar dos motivos invocados para justificar o abate dos bens do imobilizado se enquadrarem no artigo 10° do DR 2/90., de 12 de Janeiro verifica-se que não foi dado cumprimento ao prazo determinado no n.º 3 do mesmo artigo, pelo que o requerimento foi indeferido. Esta situação implica a não-aceitação como custo fiscal do exercício de 2002 da importância de € 66.946,00.

(…)

VIII – Direito de Audição – Fundamentação

Conforme referido nas conclusões da informação n.º …..da DSIRC, não foi efectuada a audição ao sujeito passivo nos termos da alínea a) do ponto III da Circular da DGCI n.º 13/99 de 8 de Julho, em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º4 do artigo 68° da LGT.

IX – Conclusões

No âmbito da presente ordem de serviço foi corrigido o montante de €66.946,00 ao prejuízo fiscal de €825,34 declarado pelo sujeito passivo, tendo sido elaborado o documento correctivo – Anexo IRC.

Como o sujeito passivo infringiu o disposto no artigo 119º do RGIT foi levantado o competente Auto de Noticia. (…)»

(…)

(cfr. fls. 58 a 70 do Processo Administrativo apenso aos autos)


E)

Das correções efetuadas em sede de ação de inspeção resultou a liquidação adicional n.º ….., que veio a originar a compensação n.º ….., no montante de €24.631,87;

(cfr. doc. 2 junto com a PI)


F)

A impugnante efetuou o pagamento da liquidação atrás identificada no valor de €24.631,87, em 13.02.2007, conforme documento n.º2 junto com a petição inicial;

G)

A impugnante por términos do contrato de arrendamento em 31 de Julho de 2002, efetuou a mudança de instalações da ….., em Algés para …..em Lisboa, entre Julho e Setembro de 2002;

(cfr. depoimento das testemunhas)


H)

Aquando da mudança ficaram bens dentro das instalações que não puderam ser transportados na mesma altura;

(cfr. depoimento das testemunhas)


I)

Os bens ficaram nas instalações por tinham autorização do senhorio, tendo as chaves, das instalações sido entregues, em meados do mês de Outubro;

(cfr. depoimento das testemunhas)


J)

As benfeitorias em amortização eram divisórias para gabinetes do espaço amplo arrendado e toda a cabulagem e instalações eléctricas que ali ficaram por não se adaptarem às novas instalações;

(cfr. depoimento das testemunhas)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“III.I – Factos não Provados

Não se provaram outros factos, com relevância para a presente decisão”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram, bem como do depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante.

A testemunha, A….., gestor da impugnante até julho de 2002 em Portugal, tendo sido transferido para Alemanha, em declarações de parte, afirmou que trabalha em Portugal há cerca de 15 anos. Afirmou que as instalações em Algés foram ocupadas até julho de 2002, data da cláusula de cessação do contrato de arrendamento. A empresa contratada para efetuar o transporte, não pode levar todo o material da empresa ao mesmo tempo tendo sido pedido à senhoria para deixar estar nas instalações do que se lembra, porque já não estava em Portugal, alguns quadros, lâmpadas que levaram depois no final de Setembro do mesmo ano.

A testemunha M….., economista, diretora financeira da impugnante, afirmou ao tribunal que dirigiu presencialmente a mudança e entregou as chaves das instalações ao senhorio em meados de Outubro. Começaram por levar os bens que necessitavam para continuar a desenvolver a atividade por transporte de uma empresa «U….. Lda.». A mudança parou em Agosto devido a férias suas, tendo sido retomada em Setembro, tendo sido utilizadas as viaturas da empresa.

Em finais de Setembro decidiram o que já não necessitavam e ficaram alguns servidores, mobiliário, e benfeitorias corporizadas em divisões para gabinetes do espaço amplo arrendado bem como toda a instalação eléctrica e cabulagem que não era possível aproveitar para as novas instalações por não se adaptarem.

A testemunha J….., consultor na área fiscal que segue a empresa em termos fiscais desde 1992. Afirmou que foi efetuada a mudança das instalações de Algés para Lisboa de julho de 2002 a finais de Setembro do mesmo ano. Ajudou a fazer o requerimento dos bens inutilizados em termos definitivos, em Setembro tendo sido apresentado em Outubro. Isto porque em julho ainda não se sabia que bens não seriam aproveitados.

As testemunhas responderam com naturalidade às questões com que foram confrontadas, sem hesitações, demonstrando ter conhecimento direito do factos, o que logrou convencer o tribunal da sua veracidade”.

II.D. Da decisão proferida sobre a matéria de facto

A Recorrente, ao longo das suas alegações e respetivas conclusões, manifestou discordância com a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Não obstante tal manifestação de discordância, esta decisão não foi impugnada nos termos exigidos pelo art.º 640.º do CPC, ou seja, a Recorrente não se socorreu do mecanismo processual ao seu alcance para tal efeito.

Efetivamente, considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão[1].

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­‑se-lhe os ónus já mencionados[2].

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que, mesmo da leitura integral das alegações, de modo algum a decisão proferida quanto à matéria de facto foi impugnada nos termos previstos no art.º 640.º, tal como, aliás, refere a Recorrida, não sendo indicados os concretos pontos de facto com os quais a Recorrente discorda, nem a concreta decisão que deveria ter sido proferida. Refere apenas a FP que o Tribunal a quo formou erradamente a sua convicção, tendo feito uma interpretação simplista, mas não concretizou nos termos exigidos esse alegado erro.

Como tal, não tendo a Recorrente cabalmente impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recurso não pode ser se não rejeitado nessa parte.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento quanto à verificação dos pressupostos substantivos e adjetivos do art.º 10.º do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro, na medida em que não só a situação em causa não se enquadra no âmbito do art.º 10.º do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, por não se tratar de situação excecional, mas também não ocorreu a mudança de instalações até finais de setembro de 2002.

Vejamos então.

Cumpre apreciar o regime atinente a reintegrações e amortizações.

Nos termos do art.º 23.º do Código do IRC (CIRC), na redação então em vigor:

“1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

(…) g) Reintegrações e amortizações”.

Ou seja, globalmente o art.º 23.º do CIRC aceita como custo (atualmente gasto e perda) fiscalmente relevante o com amortizações e reintegrações.

Nos art.ºs 28.º e seguintes do mesmo código estava previsto o regime das reintegrações e amortizações, objeto de regulamentação no Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, em vigor no exercício em questão.

Assim, nos termos do então n.º 1 do art.º 28.º do CIRC, “[s]ão aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os elementos do ativo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas”.

Nesta mesma linha, dispunha o art.º 1.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro que “… [p]odem ser objeto de reintegração e amortização os elementos do ativo imobilizado sujeitos a deperecimento”.

Por elementos do ativo imobilizado entendem-se os bens que se destinam a permanecer na empresa de maneira duradoura[3], que esta utiliza para a realização dos seus objetivos.

Genericamente, pois, são amortizações fiscalmente relevantes as relativas a elementos do ativo imobilizado sujeitos a deperecimento.

É pertinente, in casu, chamar à colação o art.º 10.º do mencionado Decreto Regulamentar (na redação à época), que, sob a epígrafe “Desvalorizações excecionais de elementos do ativo imobilizado”, dispunha:

“1. No caso de se verificarem em elementos do ativo imobilizado desvalorizações excecionais provenientes de causas anormais devidamente comprovadas, poderá ser aceite como custo ou perda do exercício em que aquelas ocorrem uma quota de reintegração ou amortização superior à que resulta da aplicação dos métodos referidos no artigo 4.º.

2. O regime estabelecido no número anterior aplica-se, designadamente, às desvalorizações excecionais provocadas por desastres, fenómenos naturais e inovações técnicas excecionalmente rápidas.

3 - Para efeitos do disposto no n.º 1 deverá o contribuinte obter a aceitação da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos através de exposição devidamente fundamentada até ao fim do primeiro mês seguinte ao da ocorrência do facto que determinou a desvalorização excecional, salvo em casos comprovadamente justificados, e como tal reconhecidos por despacho do Ministro das Finanças, em que essa exposição poderá ser entregue até ao fim do primeiro mês seguinte ao do termo do período de tributação em que tiverem ocorrido as desvalorizações excecionais”.

Feito este introito, cumpre apreciar.

No que respeita à circunstância de a alteração de instalações não se configurar como uma situação excecional subsumível ao mencionado art.º 10.º, refira-se, desde logo, que tal não consubstancia o fundamento da liquidação impugnada, nunca tendo a administração tributária (AT) alegado o mesmo, sendo certo que lhe cabia a ela, AT, no momento oportuno fundamentar a correção e sendo igualmente certo que não é admissível qualquer fundamentação a posteriori.

Com efeito, compulsado o relatório de inspeção tributária (RIT), onde radica a fundamentação da liquidação objeto dos presentes autos, verifica-se que a AT refere: “Em face do exposto, apesar dos motivos invocados para justificar o abate dos bens do imobilizado se enquadrarem no artigo 10° do DR 2/90., de 12 de Janeiro verifica-se que não foi dado cumprimento ao prazo determinado no n.º 3 do mesmo artigo, pelo que o requerimento foi indeferido. Esta situação implica a não-aceitação como custo fiscal do exercício de 2002 da importância de € 66.946,00” (sublinhado nosso). Ou seja, não só o alegado pela Recorrente não é fundamento do ato impugnando, como a própria AT considerou que a situação fática era subsumível ao art.º 10.º em causa, não tendo entendido deferir a pretensão em virtude do não cumprimento, na sua perspetiva, do prazo previsto no n.º 3 do mesmo art.º 10.º.

Aliás, nem nunca, designadamente em sede de contestação, tal foi alegado pela FP e nessa medida, tal como a Recorrida refere, trata-se de questão nova.

Como tal, o alegado pela Recorrente a propósito do conceito de situação excecional não carece de apreciação, porquanto tal não foi fundamento da liquidação emitida pela AT, que, aliás e como já referimos, considerou a situação enquadrável nesse conceito.

Resta, pois, apreciar a questão da tempestividade do requerimento apresentado.

Como resulta do n.º 3 do art.º 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, o contribuinte deve requerer a aceitação como custo dos valores em causa até ao fim do primeiro mês da ocorrência do facto que determinou a desvalorização excecional.

In casu, esse facto consubstanciou-se na mudança de instalações, radicando a divergência na circunstância de a Recorrente considerar que tal ocorreu em julho de 2002 e de a Recorrida defender que a mesma ocorreu em setembro desse mesmo ano [sendo que o requerimento em causa foi apresentado a 31.10.2002 – cfr. facto A)].

Ora, analisando a prova produzida, resulta que, tendo cessado formalmente o contrato de arrendamento celebrado entre a Recorrida e a E….. SA em julho de 2002 [cfr. facto B)], esta última permitiu que a Recorrida continuasse a aceder ao imóvel durante os dois meses seguintes.

Ficou igualmente provado que a mudança de instalações, do imóvel arrendado para a ….., ocorreu entre os meses de julho e setembro de 2002 [cfr. facto G)].

Logo, face à prova produzida, não se acompanha o entendimento da Recorrente.

Não é pelo facto de a Recorrida ter deixado de ser arrendatária em julho de 2002 que automaticamente a situação se situa temporalmente nessa data, para efeitos da densificação do conceito de “ocorrência do facto que determinou a desvalorização excecional” constante do n.º 3 do art.º 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro.

Ficando demonstrado, como ficou, até atentas as informações prestadas pela senhoria, que a mudança foi feita até setembro de 2002, não pode deixar de se acompanhar o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de serem apenas nesse momento determináveis os valores passíveis de enquadramento no âmbito do art.º 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, dado que só com o final da mudança é possível determinar que bens não foi possível retirar do locado.

Assim, o requerimento apresentado foi-o tempestivamente.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento quanto aos juros indemnizatórios

Entende ainda a Recorrente que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, no que respeita aos juros indemnizatórios, uma vez que a AT pautou a sua conduta conforme a lei.

Vejamos.

O direito a juros indemnizatórios surge enquanto um reflexo do desiderato constitucionalmente consagrado nos termos do qual “[o] Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem” (cfr. art.º 22.º da Constituição da República Portuguesa – CRP).

Com efeito, se o administrado se vê, durante um período de tempo mais ou menos longo, privado de uma quantia pecuniária na sequência de uma atuação ilegal da AT (que se reflita quer na emissão de liquidações de imposto quer no não pagamento oportuno de reembolsos requeridos), sempre o mesmo tem de ser de alguma forma ressarcido por essa privação. É neste seguimento que é de considerar o regime atinente aos juros indemnizatórios.

Assim, nos termos do art.º 43.º da LGT:

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

In casu, a Recorrente põe apenas em causa o pressuposto do erro imputável aos serviços.

Mas sem razão.

Atentando no conceito de erro imputável aos serviços, é necessário que se verifique a ocorrência de um erro-vício e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a “falta do próprio serviço, globalmente considerado”[4].

Sobre este conceito, chama-se à colação o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.01.2020 (Processo: 02005/18.6BALSB), onde se refere:

“Sobre as razões pelas quais o artigo 43.º, n.º 1 da LGT não abrange a atribuição de juros indemnizatórios em caso de anulação do acto tributário com fundamento em vício de forma (falta de fundamentação) já se pronunciou inúmeras vezes a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, sempre de forma unânime e reiterada, (…) em sentido do qual não iremos divergir.

Com efeito, há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito. É só neste caso, segundo a interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se gera uma efectiva lesão na esfera jurídica do sujeito passivo, decorrente a imposição do cumprimento de uma obrigação tributária que se vem a apurar ser contrária ao direito e que, por isso, deve ser patrimonialmente reparada através do pagamento de juros indemnizatórios”.

Ora, in casu, desde sempre a Recorrida alegou que as suas mudanças terminaram em setembro de 2002, o que não foi aceite pela AT (com fundamentos de que nem sequer contraditório houve em relação à Recorrida, porquanto foi dispensado o direito de audição).

Como tal, considera-se ocorrer uma situação de erro imputável aos serviços, motivo pelo qual, também nesta parte, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Negar provimento ao recurso;
b) Custas pela Recorrente;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 11 de fevereiro de 2021

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Vital Lopes]

Tânia Meireles da Cunha

__________________
[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
[2] V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
[3] Cfr. Rui Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 103.
[4] Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 539.