Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:341/08.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO, AUTOLIQUIDAÇÃO
Sumário:O registo simples, em que a única certeza que existe é que a expedição terá ocorrido em determinada data, não oferece suficientes garantias de assegurar que o ato de notificação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no recetáculo, quando existe risco de extravio, não podendo servir para fundar a presunção estabelecida no n.º 1 do art. 39.º do CPPT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subseção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal TRIBUTÁRIO DE LISBOA (TT de Lisboa) que julgou procedente a impugnação judicial, apresentada por B…, LDA, relativamente à liquidação de IRC de 2002, n.º 2…, liquidação de juros de mora n.º 2…, e liquidações de juros compensatórios n.º 2….

A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:


A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.

B. No caso em apreço, considerou o douto Tribunal que não ficou demonstrada a realização das notificações dos atos de liquidação de IRC, respeitantes ao ano de 2002.

C. Salvo o devido respeito, por opinião contrária, não pode a Fazenda Pública concordar com tal decisão, pois a Autoridade Tributária procedeu à notificação dos atos de liquidação de IRC por carta registada com os n.os RY…; RY… e RY…, expedidas em 20.12.2005.

D. Salvo a devida vénia, entendeu o douto Tribunal, que não consta dos autos que a Autoridade Tributária tenha, validamente, procedido à notificação das liquidações de IRC, no prazo de caducidade.

E. Assim, ressalvando o devido respeito, por opinião contrária, não andou bem o douto tribunal a “quo” e isto porque, se o Tribunal considerava que a informação junta aos autos, pela Autoridade Tributária, não fazia prova suficiente, em como as notificações foram realizadas, caberia sempre ao mesmo, “socorrer-se” do Principio do Inquisitório e diligenciar no sentido de, junto dos CTT, obter a confirmação da existência dos mencionados registos.

F. O Princípio do Inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, movendo-se dentro dos limites fixados dos factos alegados e do conhecimento oficioso.

G. Assim e salvo o devido respeito, ao abrigo dos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT, o Tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados, o que, no presente caso, não fez.

H. Por todo o exposto, o douto Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, por errónea aplicação da lei, mormente o disposto nos artigos 13.º; 38° e 39° do CPPT, bem como do artigo 99.º da LGT.


Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!”

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A recorrida, devidamente notificado para o efeito, não contra-alegou.

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O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objeto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, na medida em que invoca a Recorrente que entendo o tribunal que a informação junta aos autos não faz prova suficiente de que as notificações foram efetuadas, deveria ter solicitado aos CTT informação sobre os registos, pelo que se violou o princípio do inquisitório, tendo sido violados os artigos 13.º, 38.º e 39.º do CPPT, bem como o artigo 99.º da LGT.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

III – 1.De facto
Compulsados os autos e analisada a prova documental junta aos mesmos, dão-se como provados, e com interesse para a decisão, os factos infra indicados:
1)A ora Impugnante é uma sociedade comercial por quotas, com a atividade de “construção de edifícios (residenciais e não residenciais)” - CAE 41200, encontrando-se no exercício de 2002 enquadrada em sede de IVA no Regime Normal Mensal e no Regime Geral de Determinação do Lucro Tributável por Opção em sede de IRC - cfr. docs. de fls.99 a 100 do processo administrativo (PA) apenso aos autos;
2) Em 29.05.2003 a ora Impugnante entregou uma Declaração Mod.22, com o n.º2003…, referente ao exercício de 2002, na qual apurou matéria coletável no valor de €12.333,47, que deu origem à Liquidação n.º2… de 18.11.2003, no valor de €4.314,24 - cfr. docs. de fls.105 a 107 do PA apenso;
3) Na sequência de uma análise interna efetuada pelos serviços da administração fiscal às Retenções na Fonte da Impugnante, foi introduzido o DC n.º2… de 16.05.2005, com a mesma matéria coletável, que deu origem à liquidação n.º2…, da qual resultou o montante de €4.164,59, o qual levou à emissão de um reembolso no valor de €149,65, por a ora Impugnante já ter pago o montante de €4.314,24, correspondente à liquidação anterior - cfr. docs. de fls.102 e 108 a 110 do PA apenso;
4) Em 10.12.2005, a ora Impugnante entregou aos serviços da administração fiscal uma nova declaração Mod.22, com o n.º2…, para o mesmo exercício, aumentando a matéria coletável para €22.464,68, o que originou as liquidações impugnadas, constantes da Nota de Cobrança n.º2…,1 no valor de €8.150,99:
- 2005 2… – IRC no valor de €7.413,34;
- 2005 2… – Juros de Mora no montante de €39,46;
- 2005 2… – Juros Compensatórios no valor de €415,38;
- 2005 2… – Juros Compensatórios de PPC no montante de €282,81 - cfr. docs. de fls.111 a 118 do PA apenso;
5) Ao montante de €8.150,99 foi deduzido o valor da liquidação anterior - n.º2005 8…, perfazendo o montante a pagar de €3.986,40 (€8.150,99 - €4.164,59) - cfr. doc. de fls. 113 do PA apenso;
6) A liquidação de IRC n.º2… no valor de €7.413, 34, a liquidação de juros de mora n.º2… no valor de €39,46, a liquidação de juros compensatórios n.º2… no valor de €415,38 e da liquidação de juros compensatórios no valor de €282,81, referentes ao exercício de 2002, correspondentes à Nota de Cobrança n.º2… no montante de €8.150,99 (em causa nos autos), tinham como data de pagamento voluntário o dia 23.01.2006;
7) As liquidações referidas em 6) foram emitidas na sequência de uma Declaração Mod.22 entregue pela Impugnante em 10.12.2005 e da consulta do sistema informático – Fluxos Financeiros - cfr. docs. de fls.111 a 118 do PA apenso;
8) Contra estas liquidações a ora Impugnante apresentou reclamação graciosa em 21.06.2007 - cfr. doc. 3, junto com a petição inicial;
9) Em cumprimento das ordens de serviço OI…/…, procederam os serviços da administração tributária a ação inspetiva externa à ora Impugnante, iniciada em 09.08.2006 e concluída em 22.09.2006, por falta de entrega de declarações de IRC - cfr. fls.52 do PA, correspondente a fls.52 do PA apenso;
10) A Impugnante foi notificada do Projeto de Relatório em 24.11.2006 - cfr. doc. de fls.39 a 41 do PA apenso;
11) Exerceu o direito de audição prévia por escrito em 04.12.2006, não tendo junto qualquer documento - cfr. doc. de fls.42 a 44 do PA apenso; 12) O relatório final da ação inspetiva foi notificado à Impugnante em 13.12.2006 - cfr. docs. de fls.45 a 98 do PA apenso;
13) A presente impugnação foi apresentada a 18 de Fevereiro de 2008 - cfr. fls. 2 dos autos.
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Não se provaram outros factos que em face das possíveis soluções de direito importe registar como não provados.

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Motivação
A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, nomeadamente no Processo Administrativo apenso, conforme indicado em cada um desses factos.
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Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra, a Meritíssima Juíza do TT de Lisboa julgou procedente a impugnação judicial, entendendo, em síntese que a notificação, ainda que tenha ocorrido, não foi efetuada “de forma correta”, e nessa medida, não0 se verifica a notificação válida da liquidação de IRC no prazo de caducidade.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido, invocando erro de julgamento de facto de erro de julgamento de facto e de direito, entende que se a informação junta aos autos não faz prova suficiente de que as notificações foram efetuadas, então, o tribunal, ao abrigo do princípio do inquisitório, deveria ter solicitado aos CTT informação sobre os registos, pelo que se violou o princípio do inquisitório, tendo sido violados os artigos 13.º, 38.º e 39.º do CPPT, bem como o artigo 99.º da LGT.

Apreciando.

Antes de mais, e para conhecimento dos fundamentos do recurso, impõe-se, ao abrigo do disposto no n.º 1, do art. 662.º do CPC, alterar oficiosamente a matéria de facto, aditando-se as seguintes alíneas:

14) A nota de compensação n.º 2…, emitida em 15/12/2005 foi registada no Sistema Informático da AT como tendo o Registo CTT n.º RY…, datado de 20/12/2005 (cf. print informático do Sistema Informático da AT a fls. 6 dos autos).

15) O Documento de liquidação sem cobrança n.º 2…, emitido em 15/12/2005 foi registado no Sistema Informático da AT como tendo o Registo CTT n.º RY…, datado de 20/12/2005 (cf. print informático do Sistema Informático da AT a fls. 6 dos autos).

16) O Documento de liquidação de juros n.º 2…, emitido em 15/12/2005 foi registado no Sistema Informático da AT como tendo o Registo CTT n.º RY…, datado de 20/12/2005 (cf. print informático do Sistema Informático da AT a fls. 6 dos autos).

17) Da ferramenta de pesquisa de objetos registados dos CTT consta a informação “Objeto não encontrado” relativamente aos registos n.º RY…, RY…, RY… (cf. print informático de fls. 7, 8 e 9 dos autos).

Estabilizada a matéria de facto, importa então, aferir se a matéria de facto assente permite concluir, para efeitos da caducidade do direito de liquidação (art. 45.º da LGT) que a AT efetuou a notificação das liquidações em causa nos autos de forma correta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais, uma vez que é a administração tributária a quem cabe o ónus da prova (cf. acórdão do STA de 27/05/2015, proc. n.º 078/14, e Acórdão do STA de 01/10/2014, proc. n.º 0603/13).

Efetivamente, nos termos do art. 45.º, n.º 1 da LGT o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

Contudo, importa sublinhar que resulta da matéria de facto assente (pontos 6 e 7) que as liquidações impugnadas decorrem de uma autoliquidação de IRC (declaração de substituição - cf. pontos 2, 4 e 5 da matéria de facto), pelo que, relativamente às liquidações de imposto (IRC), não há lugar a notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, mas tão-somente relativamente às liquidações dos respetivos juros.

Com efeito, a eficácia das autoliquidações de IRC decorrentes da apresentação de declaração de substituição de Modelo 22 não depende de qualquer notificação por parte da AT, o mesmo não sucede, contudo, nas liquidações de juros emitidas pela AT, neste último caso, a eficácia dessas liquidações já depende da sua notificação ao contribuinte, pela AT - Neste sentido, vide acórdão do TCAS de 22/05/2019, proc. n.º 300/08.1BESNT, em cujo sumário se pode ler: “I. A eficácia das autoliquidações decorrentes da apresentação de declarações de substituição não depende de qualquer notificação por parte da AT. II. A eficácia das liquidações de juros emitidas pela AT, na sequência de autoliquidação decorrente da apresentação de declaração de substituição, depende da notificação por parte da AT. (…)”. Nesse mesmo sentido, v. ainda, acórdão do TCAS de 13/05/2021, proc. n.º 879/10.8BELRS.

Portanto, sufragando a jurisprudência supra, não há que averiguar da eficácia das liquidações de imposto como fez a sentença recorrida, uma vez que se trata de uma autoliquidação de IRC decorrente da apresentação de uma declaração Modelo 22 de substituição, sendo de conceder provimento ao recurso nesta parte, revogando-se a sentença recorrida nessa mesma parte.

Vejamos, então, da eficácia das liquidações de juros (de mora e compensatórios) da notificação das mesmas pela AT para efeitos da caducidade do direito de liquidação desses juros, posto que estamos perante liquidações administrativas, sendo certo que tal como bem se refere naquele acórdão supra citado “ (…) No caso dos juros, seja qual for a sua natureza, a liquidação dos mesmos cabe à AT em situações como a dos autos, o que, aliás, nem é controvertido. Não é pelo facto de os mesmos resultarem de comandos legais que exime a AT de os liquidar e, como tal, assiste direito ao administrado de conhecer os termos dessa liquidação, para que a mesma lhe seja exigível. Portanto, in casu, temos, de um lado, valor autoliquidado, relativo ao imposto, e, do outro, valor liquidado pela AT, relativo a juros moratórios e compensatórios. (…)”

In casu, está a efetivação da notificação das liquidações de juros subjacentes à dívida exequenda nos termos do disposto do n.º 3, do art. 39.º do CPPT. Sublinhe-se que, por um lado, a aplicação deste preceito legal não é colocada em causa pelas partes, e por outro lado, resulta da matéria de facto assente (ponto 4 e 7) que as liquidações de juros impugnadas têm origem em declaração modelo 22 (de substituição) entregue pelo contribuinte, pelo que estamos perante uma situação em que a notificação das liquidações de juros são efetuadas por carta registada nos termos do n.º 3, do art. 38.º do CPPT.

Deste modo, aplicando-se o disposto no n.º 3, do art. 39.º do CPPT, temos então que provado que a notificação das liquidações de juros foi efetuada por carta registada, pela AT a quem cabe esse ónus da prova, e não tendo sido devolvida tal correspondência, funcionará a presunção do n.º 1 do artigo 39.º do CPPT (presunção iuris tantum), ou seja, presume-se que a notificação foi feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. Operando a presunção, caberá ao destinatário da correspondência o ónus de demonstrar que, apesar do registo, não chegou a receber as cartas.

Sucede que a jurisprudência tem entendido reiteradamente que aquela presunção apenas opera nos casos de carta registada em que há recolha de assinatura do destinatário da correspondência, e não nos casos de registo simples em que a correspondência é depositada sem recolha de assinatura.

Com efeito, a jurisprudência do STA tem entendido que nos casos de registo simples a única certeza que existe é que a expedição terá ocorrido em determinada data, não oferece suficientes garantias de assegurar que o ato de notificação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário, acarretando um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no recetáculo, quando existe risco de extravio, e nessa medida, não pode servir para fundar a presunção estabelecida no n.º 1 do art. 39.º do CPPT - nesse sentido, v. acórdãos do STA de 09/06/2021, proc. n.º 0385/13.9BELRA, acórdão do STA de 08/01/2020, proc. n.º 01639/17.0BELRA.

Efetivamente, seguindo o último destes acórdãos do STA de 09/06/2021, que por sua vez sufraga jurisprudência anterior, entendeu-se o seguinte:

“Perante a realidade apurada nos autos, é manifesto que se impõe fazer apelo ao art. 38º nº 3 do CPPT, o qual estabelece que “As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada.”.

Ora, o regime das notificações registadas em sede de procedimento tributário é regulado pelos normativos dos artigos 36.º a 39.º do CPPT e pelo Regulamento do Serviço Público de Correios (DL 176/88, de 18 de Maio), sendo que na actual empresa “CTT-Correios de Portugal, SA”, na prática, existem três modalidades de correio registado, como resulta da informação do sítio da internet http:www.ctt.pt/fectt/wcmservlet/ctt/condições_gerais.html e do verso dos próprios impressos de registo, disponibilizados nas estações de correio dos CTT:

- Simples: depositado no receptáculo postal do destinatário.

- Em mão: entrega personalizada na morada do destinatário - É recolhida a assinatura de quem recebe no domicílio.

- Pessoal: entrega exclusiva ao destinatário e mediante a sua identificação - Inclui aviso de recepção.

Pois bem, no artigo 38º do CPPT, apenas, estão previstas as modalidades de correio registado com aviso de recepção e registado com entrega personalizada na morada do destinatário e não o correio registado simples, depositado no receptáculo do destinatário, meio este que passou a ser utilizado pela AT, na modalidade de “invólucro mensagem” mas sem apoio legal.

Com efeito, tendo em atenção o exposto no Ac. deste Supremo Tribunal de 08-01-2020, Proc. nº 01639/17.0BELRA, www.dgsi.pt, cabe ter presente que “… Assim, e tal como aludido no Acórdão deste STA proferido a 29 de Maio de 2013 no âmbito do Processo n.º 0472/13, “a notificação tem por objectivo dar conhecimento pessoal aos interessados dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica, como exigência da garantia constitucional consagrada no nº 3 do art. 268º da CRP, segundo a qual impende sobre a Administração o dever de dar conhecimento aos administrados dos actos que lhes respeitam.

Neste sentido, diz o nº 1 do art. 36º do CPPT que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesse legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
E embora a CRP relegue para a liberdade constitutiva do legislador ordinário o encargo de determinar as formalidades das notificações, a verdade é que esse formalismo deverá mostrar-se constitucionalmente adequado e observar o princípio constitucional da proibição da indefesa (Cfr. o Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 130/2002, de 14 /3/2002, proc nº 607/01.).

Mais concretamente, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o dever de notificação que impende sobre a Administração Tributária “tem um conteúdo obrigatório, devendo estarem reunidos alguns requisitos essenciais, nomeadamente, a pessoalidade e a efectiva cognoscibilidade do ato ao notificando” (Acórdão de 11/2/2009, proc nº 916/2007).

E também como ficou consignado, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/02, de 14 de Março de 2002 (Jurisprudência reiterada, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 439/2012, proc nº 279/12.), “(…) a questão da suficiência das citações ou notificações postais não se esgota na existência e acessibilidade a um domicílio pelos serviços, tornando-se indispensável que as formalidades da notificação postal ofereçam garantias mínimas e razoáveis de segurança e de fiabilidade que, de modo particular, não tornem praticamente impossível ao notificado a ilisão da presunção do efectivo recebimento da notificação, defendendo-o contra a eventualidade de ausências ocasionais, sem lhe criar o pesado ónus da prova de um facto negativo como o de demonstrar que certa carta não foi recebida nem depositada, em determinando momento, no receptáculo postal.”

São, por conseguinte, duas as exigências a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional subordina a adequação constitucional dos mecanismos de notificação:

(i) que o sistema ofereça garantias de assegurar que o acto de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário; (ii) que as presunções de recebimento da comunicação sejam rodeadas das cautelas necessárias de modo que a não a ilisão da presunção se torne num ónus impossível de satisfazer”.

Ora, “o procedimento de notificação, por carta registada, regulado nos art.s 35º a 39º do CPPT e no art. 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 176/88, de 18 de Maio, compreende os seguintes actos:

(i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação; (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo.

Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Maio de 2012, proc nº 1181/11, “Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade”.

Neste enquadramento, torna-se claro que “a modalidade de registo simples não oferece, desde logo, suficientes garantias de assegurar que o acto de comunicação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário.

Na verdade, esta modalidade de registo, em que a entrega não pode ser comprovada por recibo assinado pelo próprio destinatário, não permite ultrapassar a dúvida e a incerteza com que se fica sobre se a notificação chegou efectivamente ao mesmo ou sequer à sua esfera de cognoscibilidade. A questão afigura-se pertinente porquanto não é minimamente acautelado o risco de extravio”.

Ao contrário do que acontece com a carta registada, que “coenvolve um mecanismo que assegura a certeza e a segurança de que o acto notificado chega à esfera de cognoscibilidade do destinatário, através “de recibo assinado pelo próprio destinatário ou por outrem por ele mandatado para o efeito””, “no caso de registo simples, teríamos, em primeiro lugar, que a presunção de que a notificação foi feita ao 3º dia posterior ao do registo (nº 1 do art. 39º do CPPT), assentaria noutra presunção: tendo apenas por base o registo de expedição, presume-se que o destinatário provavelmente recebeu a carta no seu receptáculo.

Por outro lado, como não há lugar à devolução, recairá sempre sobre o contribuinte o ónus de provar que não recebeu no seu receptáculo nenhuma carta”.
“ No Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 439/2012, embora tirado sobre a conformidade constitucional da via postal simples para efectivar a notificação do cancelamento do apoio judiciário, ponderou-se que “não são inconstitucionais as normas que prevejam a possibilidade de citação ou notificação de atos processuais por via postal simples e que presumam o seu conhecimento pelo destinatário, desde que tais presunções sejam rodeadas das cautelas necessárias a garantir a possibilidade de conhecimento efectivo do ato por um destinatário normalmente diligente, ou seja, desde que o sistema ofereça suficientes garantias de assegurar que o ato de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário, em termos de ele poder eficazmente exercer os seus direitos de defesa (cfr. Acórdão de 26 de Setembro de 2012, proc nº 279/12) (Neste Acórdão o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação normativa extraída do art. 70º, nº 1, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, no sentido de que, existindo distribuição domiciliária na localidade de residência do notificado, é suficiente envio de carta, por via postal simples, para notificação de cancelamento do apoio judiciário, proferida com fundamento no disposto no art. 10º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, por violação dos arts. 268º, nº 3, e 20º, nº 1, da CRP. ).

Ora, acontece que o registo postal simples apenas oferece em relação à via postal simples o facto de ficar registada a data da expedição. O que, como vimos, além de não dar garantias mínimas e razoáveis de segurança e fiabilidade de que a notificação chegou à esfera de cognoscibilidade do notificado, cria para o mesmo o pesado ónus de prova de um facto negativo impossível de demonstrar: o de que não recebeu no seu receptáculo a carta com a notificação.

E nem se argumente a justificar o mencionado mecanismo, como acontece no Acórdão do TCAS de 29/1/2013, proc nº 6147/12, que “o registo simples traduz uma inovação (Cfr. Portarias 1178-A/2000, de 15/12, e 953/2003, de 9/9), face ao tipo de correio registado até aí, em geral regulamentado, inovação esta decorrente da necessidade de consumar notificações em número considerável, de forma mais expedita e económica, (…)” .

Sem deixar de reconhecer-se a importância da inovação, associada à celeridade e economia, a verdade é que a mesma não pode ser obtida à custa do sacrifício do princípio constitucional da tutela judicial efectiva, que pode ser irremediavelmente inutilizado, se as notificações não obedecerem a garantias adequadas a permitirem determinar com certeza e segurança o termo inicial do prazo de recurso à via judicial.

Neste sentido, tendo por referência a modalidade de registo através de carta registada, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas no art. 38º, nº 3, do CPPT e nº 1 do art. 39º do CPPT, RUI MORAIS (Manual de Processo Tributário, Almedina, Coimbra, 2012, p. 99.) pondera “que este regime legal tem que ser cuidadosamente aplicado, pois, de outro modo, facilmente acontecerão situações intoleráveis. Se, por um lado, se compreende que estando em causa notificações em massa se tenha de limitar, no razoável, o esforço da AF para contactar os contribuintes, não podemos esquecer que estas notificações têm um efeito semelhante ao de uma verdadeira citação, pois determinam o início de contagem dos prazos para a “contestação” do ato notificado”.

Em suma, estando nós perante uma situação em que se pressupõe o efectivo conhecimento do acto tributário para iniciar o prazo de impugnação, o registo simples não representa um índice seguro da sua recepção em termos de se poder aplicar a presunção do art. 39º, nº 1, do CPPT e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no receptáculo, quando existe risco de extravio.

A prevalecer a tese da interpretação das normas do nº 3 do art. 38º em conjugação com o nº 1 do art. 39º do CPPT, que admita que a carta registada pode ser substituída pelo registo simples, nos termos e para os efeitos daqueles preceitos, levar-nos-ia a concluir que tal interpretação afectaria a garantia da protecção jurisdicional eficaz do destinatário, em violação das exigências decorrentes do nº 3 do art. 268º da CRP e do princípio constitucional da proibição da indefesa, ínsito no art. 20º em conjugação com o nº 4 do art. 268º da CRP”. …”.

Com este pano de fundo, e em função da realidade que consta dos autos, temos que, in casu, foi utlizado o correio registado simples, como resulta do probatório e “invólucros mensagens” juntos aos autos, sendo que, como já ficou dito, no correio registado simples, ao contrário do correio registado em mão, o distribuidor não recolhe a assinatura do destinatário aquando da entrega, limitando-se a depositar a correspondência no receptáculo postal.

Assim, perante a análise vertida no aresto descrito, resulta claro que no correio registado simples não pode operar a presunção de notificação estatuída no artigo 39.º/1 do CPPT, pois que não oferece as garantias exigidas por lei e que os outros dois modelos de correio registado oferecem. Cfr. no mesmo sentido, Ac. deste Supremo Tribunal de 17-10-2018, Proc. nº 0394/16.6BELRA 01049/17, www.dgsi.pt.
Em ternos similares, como dá nota o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, pode ler-se no sumário do Acórdão do S.T.A. de 27-05-2015, Proc. nº 078/14 (também apontado pela Recorrente),
www.dgsi.pt:

“I - É a administração tributária que tem o ónus de demonstrar que efetuou a notificação de forma correta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.

II - Na ausência dessa demonstração e não se comprovando que a oponente tomou conhecimento dos atos notificandos - liquidações que deram origem à dívida exequenda-é de julgar procedente a oposição à execução fiscal deduzida com fundamento em inexigibilidade por falta de notificação”.

Sendo assim, como é, e na medida em que a Impugnante alega que não foi notificada dos sindicados actos de liquidação, apenas tendo tomado conhecimento dos mesmos com a citação, sendo certo que do probatório não resulta o contrário, podendo apreender-se, isso sim, que a AT utilizou o correio registado simples para proceder, via “involucro mensagem”, à notificação da Impugnante, assinalando o site dos CTT a sua entrega, não se pode considerar, validamente, efetuada a notificação das liquidações, porquanto, não resulta certo que a Impugnante tenha tido a possibilidade de ter conhecimento das mesmas no prazo previsto no artigo 39º nº 1 do CPPT e que a lei presume nos casos de correio registado, com recolha da assinatura de quem recebe a correspondência no domicílio. - neste sentido, cfr. ainda Ac. deste S.T.A. de 14-10-2020, Proc. nº 01554/14.0BELRA, www.dgsi.pt.”

Ora, no caso dos autos não existe qualquer “recibo” de aceitação das cartas registadas, nem “recibo” da entrega da carta registada ao seu destinatário, conforme dispõem os números 2 e 4 do artigo 28.° do Regulamento do Serviço Público de Correios (Decreto-Lei n.º 176/88, de 18 de maio), estamos perante uma situação de emissão de notas de liquidação automáticas pelo sistema informático da AT, e à semelhança dos acórdãos supra enunciados, estamos perante uma situação de notificação por registo simples em que não há recolha de assinatura do destinatário da correspondência, pelo que não poderá operar a presunção do n.º 1, do art. 39.º do CPPT. Como se refere no acórdão supra citado, o correio registado simples que é depositado no recetáculo do destinatário, passou a ser o meio utilizado pela AT, na modalidade de “invólucro mensagem” mas sem apoio legal.

Nessa medida é irrelevante investigar junto dos CTT, ao abrigo do princípio do inquisitório, se a correspondência foi registada, como pretende a Recorrente, porque o que lhe cabia provar era o recebimento dessa correspondência pelo Impugnante, uma vez que, in casu, não funciona a presunção do art. 39.º, n.º 1 do CPPT porque a notificação é irregular. Na verdade, os factos aditados oficiosamente à matéria de facto assente nos pontos 14 a 16 são insuficientes para que se possa concluir pela regularidade da notificação quer para o funcionamento da presunção do disposto no disposto no art. 39.º, n.º 1, do CPPT. Consequentemente, importa concluir que a Impugnante não se encontra validamente notificada das liquidações para efeitos obstar ao decurso do prazo de caducidade do direito de liquidação previsto no n.º 1, do art. 45.º da LGT, tal como decidido na 1.ª instância.

Pelo exposto, a sentença recorrida, na parte relativa às liquidações de juros que também seguiu a jurisprudência supra exposta, não enferma de erro de julgamento, devendo ser confirmada, improcedendo, nesta parte, as conclusões de recurso.

Em suma, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, nomeadamente na parte referente à liquidação de IRC, mantendo-se na parte respeitante às liquidações de juros compensatórios e de mora, e nessa medida, a impugnação judicial deve ser julgada parcialmente procedente.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2), e, portanto, vencida no recurso a Recorrente e a Recorrida, são ambas responsáveis pelas custas na proporção do vencimento.


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Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

O registo simples, em que a única certeza que existe é que a expedição terá ocorrido em determinada data, não oferece suficientes garantias de assegurar que o ato de notificação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no recetáculo, quando existe risco de extravio, não podendo servir para fundar a presunção estabelecida no n.º 1 do art. 39.º do CPPT.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, na parte referente à liquidação de IRC, mantendo-se na parte respeitante às liquidações de juros compensatórios e de mora, e nessa medida, julga-se parcialmente procedente a impugnação judicial.


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Custas pelas partes na proporção do decaimento, que se fixa em 20% para a Recorrente, e 80% para a Recorrida.

D.n.

Lisboa, 10 de fevereiro de 2022.


Cristina Flora (Relatora)

Patrícia Manuel Pires (1.ª adjunta)

Vital Lopes (2.º adjunto)