Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05306/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/16/2014
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:AUTOLIQUIDAÇÃO; IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA; JUROS INDEMNIZATÓRIOS; ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS.
Sumário:1) Nos termos do artigo 131.º/1, do CPPT, a impugnação administrativa da autoliquidação constitui um pressuposto prévio da sua impugnação judicial.

2) A confirmação, por parte do acto de deferimento da impugnação administrativa, dos efeitos patrimoniais da liquidação errónea, entretanto verificados no medio tempore, torna os mesmos imputáveis ao autor do referido acto administrativo.

3)Havendo excesso na delimitação da base tributável, a partir do momento em que a AF, estando na posse de todos os elementos necessários, podia ter corrigido o erro, e ainda assim não procedeu, ou seja, desde a data do esgotamento do dever de decidir a reclamação graciosa, o erro determinante da cobrança ilegal do imposto em apreço é imputável aos serviços.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

I- Relatório.
“R…………….., SGPS – Sociedade Unipessoal, Lda.”, m.i. nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 87/88, que julgou extinta a instância relativa à impugnação do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida pela sociedade recorrente, tendo em vista a anulação da autoliquidação de IRC de 2005, e a devolução do montante de €4.007,10 -, sendo €325,00, pago indevidamente e €3.681,80, de IRC a recuperar -, por inutilidade superveniente da lide.
Nas alegações de recurso de fls. 124/128, a recorrente formula as conclusões seguintes:
1) O presente recurso tem como fundamento o facto de a recorrida e AF ser devedora à ora recorrente, para além da quantia do imposto, dos juros indemnizatórios peticionados.
2) A ora recorrente intentou, em 05.03.2008, uma reclamação graciosa, junto da Direcção Regional dos Serviços Fiscais da Região Autónoma da Madeira/RAM;
3) Decorridos 6 meses sem qualquer resposta da DRAF, presume-se o indeferimento tácito, de acordo com o nº l do Art. 57º da LGT.
4) A ora recorrente intentou seguidamente uma acção de impugnação judicial no TAF -Funchal em 03/10/2008, cujo pedido era a condenação da AF no pagamento do valor de 4 007,10€ (quatro mil, sete euros e dez cêntimos) a título do IRC, no pagamento de juros indemnizatórios desde 03 de Maio de 2006.
5) Em 25 de Março de 2009, a ora recorrente foi notificada do despacho de decisão da reclamação graciosa no sentido de deferir o pagamento do valor de 4007,10€ (quatro mil, sete euros e dez cêntimos) a título do valor do IRC.
6) O que efectivamente foi concretizado em 15 de Abril de 2009.
7) Porém, este valor corresponde só ao valor do IRC e não a quaisquer juros indemnizatórios, tal como peticionado na p.i. intentada.
8) Em 14 de Abril de 2009, a ora recorrente efectuou um requerimento ao TAF - Funchal, dando conta do deferimento da reclamação graciosa quanto ao valor de 4 007,10€ (quatro mil, sete euros e dez cêntimos) pela AF.
9) E expressamente solicitou a continuação da instância para obter a condenação da AF ao pagamento dos juros indemnizatórios e das custas judiciais.
10) Em 17 de Abril de 2011 foi a ora recorrente notificada da sentença que apenas condena a AF nas custas processuais.
11) Mais refere a douta decisão que nada mais há a apreciar, ignorando desta forma, o pedido na acção judicial quanto aos juros indemnizatórios.
12) Que continuam a ser devidos à ora recorrente.
13) E que, a não serem objecto de decisão judicial, não mais poderão ser reclamados junto da AF pela ora recorrente.
14) Porém, a douta sentença não apreciou a questão dos juros peticionados, o que consubstancia a nulidade de omissão de pronúncia prevista na al. d) do nº l do artº668º do C.P.Civil, remissivamente aplicável.
15) Nulidade que pode e deve ser suscitada nesta sede de acordo com o referido artº 668º agora nº4 e que, por isso, expressamente se invoca.
16) E salvo o devido respeito verificou-se ainda na sentença produzida pelo tribunal "a quo" uma errada interpretação e aplicação do disposto no Art. 287º do CPC - referido no douto despacho em análise.
17) Já que nem a ora recorrente havia requerido a inutilidade superveniente integral, bem ao invés havia requerido o prosseguimento da lide para apreciação e condenação da AF no pagamento dos juros.
18) Nem objectivamente se verificava essa integral inutilidade.
19) A decisão da AF era e é omissa quanto aos juros e só através da apreciação judicial da impugnação quanto a esta matéria poderá a ora recorrente obter o efeito útil pretendido com a interposição da impugnação que é o seu integral ressarcimento.
X
A recorrida apresentou contra-alegações (fls. 124/128), nas quais pugna por que seja negado provimento ao recurso.
Formula as conclusões seguintes:
A) Vem a ora recorrente interpor o presente recurso da douta sentença de fls. 87 a 88 dos autos.
B) Sentença pela qual veio o Meritíssimo juiz a quo julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287.º, alínea e), do CPC, aplicável por força do art.º 2.º, alínea e), do CPPT.
C) Atento às alegações da recorrente, sempre se dirá, desde logo, que muito embora a Administração Fiscal/AF, tenha conhecido e dado provimento à reclamação graciosa apresentada pela sociedade comercial recorrente, no que tange à sua justa fruição, de pleno direito, do mecanismo previsto no art.º 46.º, n.º 8, do CIRC, uma vez que cumpria todos os requisitos para o efeito, só não o tendo feito na sua autoliquidação do IRC do exercício do ano de 2005 por mero lapso.
D) Tal concordância não se verifica relativamente ao pedido de juros indemnizatórios por parte da ora recorrente, dado que a AF é de parecer que tal direito pura e simplesmente não lhe assiste.
E) Como se referiu anteriormente, e efectivamente confessado pela recorrente, esta só não pode gozar o direito que lhe assistia de utilizar o mecanismo do art.º 46.º, n.º 8, do CIRC – dedução de rendimento correspondentes a lucros distribuídos – por simples lapso seu aquando da autoliquidação de IRC do ano de 2005 que a própria levou a efeito na declaração mod. 22 e pela mesma entregue à AF, no dia 15.05.2006.
F) Ora, para que haja direito a juros indemnizatórios mostra-se necessário que se verifique a ocorrência de um erro-vício e que o mesmo seja imputável à AF, nos termos do disposto no art.º43.º, n.º 1, da LGT, respeitando este último requisito a “falta do próprio serviço, globalmente considerado”, no dizer, que se acompanha inteiramente, de Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado e Comentado, Vol I, 5.º Ed., 2006, p. 476.
G) No caso em apreço, o vício de que enferma a liquidação resulta não de um erro imputável à AF, mas sim à sociedade comercial recorrente, dado que se tratou de uma autoliquidação de imposto (IRC) e apenas por sua culpa não considerou a dedução prevista no art.º 46.º, n.º 8, do CIRC, não se verificando igualmente in casu a previsão prevista no art.º 43.º, n.º 2, da LGT, não houve lugar a quaisquer instruções por parte da AF para que a recorrente agisse como de facto agiu no preenchimento errado da sua declaração mod. 22 de IRC, referente ao ano de 2005.
H) Pelas circunstâncias referidas, não se verificam os pressupostos para a condenação da Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do estatuído no art.º 43.º da LGT.
I) Pelo contrário, como se demonstrou, a AF agiu de acordo com os princípios da tipicidade, da legalidade, da justiça, da verdade material, da investigação, da decisão, da boa-fé, da participação e da colaboração, previstos no artigo103.º/2 e 3, da CRP e artigos 5.º, 8.º, 55.º e segs. da LGT.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 135/137), no qual se pronuncia no sentido de que seja negado provimento ao presente recurso jurisdicional.
X
II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
Compulsados os autos mostram-se provados os factos seguintes:
1) A impugnante procedeu à autoliquidação do IRC do ano económico de 2005, tendo submetido aos serviços fiscais a declaração modelo 22, em 15.05.2006 – fls. 24/33.
2) Em Março e Abril de 2005, a impugnante adquiriu acções da B…….., da E………… e da P……..L T…………, os quais geraram dividendos no montante de €29.743,00, no ano de 2005 – fls. 37/47.
3) Os dividendos percebidos pela impugnante no montante de €29.743,00 foram incluídos na base tributável do IRC de 2005 e sujeitos a tributação – fls. 52/54.
4) A inclusão dos dividendos na base tributável do IRC deveu-se a lapso da impugnante – acordo.
5) A impugnante procedeu ao pagamento do imposto que resulta da liquidação, no montante de €325,30 – fls. 60/61.
6) Em 05.03.2008, a impugnante dirigiu reclamação graciosa ao Director Regional dos Assuntos Fiscais, pedindo a restituição de €4.007,10, correspondente ao valor liquidado em excesso no IRC de 2005 – fls. 15/23.
7) Em 24.03.2009, o Chefe do Serviço de Finanças do Funchal proferiu despacho de deferimento do pedido deduzido em sede de reclamação graciosa – fls. 75/79.
8) Os fundamentos da decisão referida na alínea anterior são os seguintes:
«DA ANÁLISE
Através de consulta à informação da inspecção tributária a fls. 56 a 61, verifica-se o seguinte:
1 - A reclamante baseou-se no disposto do n.º 11 do artigo 46.º do CIRC para reclamar contra o errado apuramento do lucro tributável efectuado no quadro 07 da declaração periódica do exercício de 2005 e submetida no ano de 2006, ao deixar de considerar no campo 232 a dedução do montante de € 29.743,00 referente à totalidade dos dividendos auferidos e que inclui no apuramento do lucro tributável, solicitando a devolução do valor global de € 4.007,10, resultado da soma do montante de € 325,30 referente à colecta apurada quando da autoliquidação e já paga, com o valor de imposto a recuperar resultante da correcção que entende ter direito, no valor de € 3.681,80.
2 - O n.º 11 do artigo 46.º do CIRC só foi aditado ao CIRC pelo artigo 52.º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12, que publicou o Orçamento Geral do Estado para o exercício de 2007, pelo que não pode ser aplicado à situação em análise.
3 - No entanto, e atendendo ao disposto à data, na alínea a) do n.º 8 e do n.º 1 do artigo 46.º do CIRC, conjugado com o n.º 1 do artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais considera-se pertinente o objecto da reclamação - a dedução dos dividendos para efeitos de determinação do lucro tributável.
3.1- De acordo com o n.º 1 do artigo 46.º do CIRC: "Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos:
a) A sociedade que distribui os lucros tenha a sede ou direcção efectiva no mesmo território e esteja sujeita e não isenta de IRC ou esteja sujeita ao imposto referido no artigo 7º.
b) A entidade beneficiária não seja abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6º
c) A entidade beneficiária detenha directamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10% ou com um valor de aquisição não inferior a (euro) 20000000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período".
3.2 - O n.º 8 do artigo 46.º do CIRC limitava a dedução dos rendimentos incluídos na base tributável apenas a 50 % quando não se verificasse qualquer dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 deste mesmo artigo, bem como, relativamente aos rendimentos que o associado auferisse da associação à quota e desde que se verificasse, em qualquer dos casos, o requisito da alínea a) do n.º 1.
3.2.1 - No que diz respeito à observância das condições previstas nas alíneas a) e b) verifica-se o seu cumprimento, tendo em conta que as empresas distribuidoras dos lucros, E…… ENERGIAS …………. SA, B……… AUTO E……… P…………. SA P……….. e T…………. SGPS SA possuem a sua sede no mesmo território, Portugal, e que se encontram para efeitos de tributação sujeitas ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, pelo regime geral e que a entidade beneficiária não está abrangida pelo regime de transparência fiscal, fls. 63 a 69.
3.2.2 - Relativamente à alínea c) do mesmo artigo é-lhe aplicável a parte final do disposto no n.º 1 do artigo 31.º do EBF: "Às SGPS, às SCR e aos ICR é aplicável o disposto nos nºs 1 e 5 do artigo 46º do Código do IRC, sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem ou ao valor da participação".
4 - Verifica-se assim que na determinação do lucro tributável era possível deduzir os rendimentos incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, neste caso, os dividendos no valor de € 29.743,00.
IV-CONCLUSÃO
Face ao exposto, sou de parecer que a reclamação deverá ser DEFERIDA devendo ser elaborado documento de correcção único sobre a declaração Modelo 22 do exercício de 2005 com a identificação n.º 2006-3450-C0137-01, com as seguintes correcções:
Quadro 07
- campo 232: incluir o valor de € 29.743,00;
- campo 238: alterar o valor de 108.689,16 para 138.432,16;
- campo 240: alterar o valor de 38.240,71 para 8.497,71;
Quadro 09
- campo 311: alterar o valor de 33.365,13 para 3.622,13;
- campo 346: alterar o valor de 33.365,13 para 3.622,13;
Quadro 10
- campo 370: alterar o valor de 7.507,10 para 814,98;
- campo 351: alterar o valor de 7.507,10 para 814,98;
- campo 356: alterar o valor de 3.500,00 para 814,98
- campo 357: alterar o valor de 3.500,00 para 814,98
- campo 358: alterar o valor de 4.007,10 para 0
- campo 361: alterar o valor de 325,30 para 0
- campo 368: incluir o valor de 3.681,80
ANEXO C: Quadro 03
- campo 6: alterar o valor de 33.364,89 para 3.622,13;
- campo 8: alterar o valor de 8.341,22 para 905,53
- campo 13: alterar o valor de 7.507,10 para 814,98
Desta declaração resulta imposto a recuperar no montante de € 3.681,80, conforme apuramento a fls. 60
À consideração superior» – fls. 75/79.
9) O despacho referido na alínea anterior foi notificado à impugnante em 25.03.2009 – fls. 75.
10) Em 08.04.2009, o montante de € 4.007,10, foi restituído à impugnante – fls. 85 do p.a.
X

2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, vem sindicada a sentença que julgou extinta a instância relativa à impugnação do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida pela sociedade recorrente, tendo em vista o reconhecimento da dedução ao IRC de 2005 do montante de €29.743,00 e a devolução do montante de €4.007,10 - €325,00, pago indevidamente e €3.681,80, de IRC a recuperar -, por inutilidade superveniente da lide.
2.2.2. A sentença recorrida julgou extinta a instância, por entender ser inútil a prossecução da lide, dado que, por despacho de 24.03.2009, o Chefe do Serviço de Finanças do Funchal deferiu a pretensão impugnatória em liça, em sede de procedimento de reclamação graciosa da liquidação em causa nos autos. É contra o presente segmento decisório que se insurge a recorrente, na medida em que o mesmo não apreciou o pedido de condenação da AF no pagamento de juros indemnizatórios.
2.2.3. No que respeita à nulidade por omissão de pronúncia quando ao pedido de condenação da AF no pagamento de juros indemnizatórios [conclusões 1) a 15)]
A recorrente imputa à sentença o vício da omissão de pronúncia sobre o pedido de condenação da AF no pagamento de juros indemnizatórios.
A omissão de pronúncia sobre questões de que devesse tomar conhecimento é fundamento da nulidade da sentença (artigo 615.º/1/d), CPC). «O conceito de questões abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem» (1).
No confronto da pretensão impugnatória do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa, deduzida em juízo tendo em vista o reconhecimento da dedução ao IRC de 2005 do montante de €29.743,00 e a devolução do montante de €4.007,10 - relativo a €325,00, pago indevidamente e €3.681,80, de IRC a recuperar -, a sentença recorrida julgou extinta a instância, com base na inutilidade superveniente a lide, em virtude de, através do despacho de 24.03.2009, do Chefe de Finanças do Funchal, ter sido acolhido na íntegra o pedido deduzido pela impugnante em sede de reclamação graciosa, ou seja, a anulação da liquidação no que respeita à inclusão na base tributável de IRC de 2005, do montante de €29.743,00, relativa a dividendos percebidos pela impugnante e a devolução à mesma do montante de €4.007,10, relativo a €325,00, pago indevidamente e €3.681,80, de IRC a recuperar.
Sucede, porém, que o pedido formulado na petição inicial da presente impugnação inclui, para além do pedido sequente à anulação da liquidação em causa de devolução do valor de €4.007,10, a título de IRC a recuperar, o pagamento de juros indemnizatórios, desde 03.05.2006 até à data do efectivo cumprimento e à taxa legal.
A sentença recorrida, atendendo a que a pretensão de restituição do imposto indevidamente cobrado já havia sido satisfeita, através do acto de deferimento da reclamação graciosa, julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide. É a omissão de apreciação do pedido de condenação da AF no pagamento de juros indemnizatórios que se encontra sob censura através da presente intenção rescisória. É que, recorde-se, o pedido ínsito à presente impugnação judicial, incluía, para além da restituição do imposto indevidamente cobrado, o pagamento de juros indemnizatórios à impugnante desde 03.05.2006 até à data do efectivo cumprimento.
Recorde-se que, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, «[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por seu turno, nos termos dos artigos 82.º e 83.º do CIRC (2), a competência para proceder à liquidação pertence ao sujeito passivo, através da declaração periódica de rendimentos, modelo 22, apresentada nos termos do artigo 112.º do CIRC. O que sucedeu no caso em exame. Ora, perante a autoliquidação do imposto por parte do contribuinte, com a imputação em excesso dos dividendos percebidos na delimitação da base tributável, excesso esse certificado através da decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal, em sede de impugnação graciosa da liquidação em causa, suscita-se a questão de saber se se está na presença de erro imputável aos serviços tendo em vista o arbitramento de juros indemnizatórios e, em caso de resposta afirmativa, desde quando é que se verifica o alegado direito aos mencionados juros. Questão que não foi apreciada pela sentença recorrida, no pressuposto de que a mesma estava precludida com o deferimento da intenção impugnatória em sede graciosa.
Note-se que, nos termos do artigo 277.º/e), do CPC, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide apenas operaria, in casu, com a satisfação integral do pedido, o que não sucedeu, em relação aos juros indemnizatórios. Ao declarar extinta a instância, com base no entendimento referido, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento e não em omissão de pronúncia, pelo que soçobra a imputação de nulidade que lhe vem assacada.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita ao erro de julgamento quanto à não verificação dos pressupostos da obrigação de pagamento dos juros indemnizatórios [conclusões 16) a 19)]
A recorrente censura a sentença em crise por não ter arbitrado como devia os peticionados juros indemnizatórios.
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a seguinte: «[o]s juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.43, da L.G.T.). // Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, são os seguintes: // a) Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo; // b) Que o erro seja imputável aos serviços; // c) Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; // d) Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Não existe dúvidas sobre o montante cobrado indevidamente, porquanto decorre dos fundamentos do acto deferimento da impugnação administrativa, quer o montante (€4.007,10) quer as razões que tornam ilegal a sua apropriação pelo Fisco. Ou seja, a impugnante tem direito à dedução do montante de €29.743,00 à base tributável, no exercício em causa, nos termos do artigo 46.º/1, do CIRC e 31.º/1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na versão vigente à data. Suscita-se, todavia, a questão de saber se o imposto indevidamente cobrado o foi por erro imputável aos serviços, de modo a constituir a AF na obrigação de pagamento de juros indemnizatórios. Ora, dir-se-á que perante a autoliquidação do imposto por parte do contribuinte com a imputação em excesso dos dividendos percebidos na delimitação da base tributável, excesso esse certificado através da decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal, em sede de impugnação graciosa da liquidação em causa, forçoso se tornaria concluir que o vício que inquina a liquidação em apreço não é imputável aos serviços. Donde não se teria constituído na esfera jurídica do contribuinte o peticionado direito aos juros indemnizatórios.
Sem embargo, cumpre ter presente que, nos termos do artigo 131.º/1, do CPPT, a impugnação administrativa da autoliquidação constitui um pressuposto prévio da sua impugnação judicial; o que quer dizer que o direito do contribuinte à reconstituição da situação actual hipotética depende da dedução prévia de impugnação administrativa necessária. É que, recorde-se, existe erro imputável aos serviços sempre que a AF procede à definição material ilegal da relação jurídica tributária, com a inerente lesão da posição jurídica patrimonial do contribuinte, consubstanciada na exacção fiscal indevida, independentemente de um juízo de culpa assacável sobre este ou aquele funcionário ou órgão. É que a tributação ilegal corporiza ablação ilícita do património do contribuinte, estando, nesta medida, sujeita aos mecanismos legais de restituição do indevido, como sucede com o previsto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT. Donde que a questão a apurar consiste em saber se houve (ou não) definição material ilegal da relação jurídica tributária imputável à AF e, em caso afirmativo, desde quando. Havendo acto jurídico ilegal presume-se a existência de culpa (artigo 10.º/2, da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro). É que «[o] dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei» [Acórdão do STA, de 06.10.2005, P. 0653/05]. Ora, a confirmação, por parte do acto de deferimento da impugnação administrativa, dos efeitos patrimoniais da liquidação errónea, entretanto verificados no medio tempore, torna os mesmos imputáveis ao autor do referido acto administrativo, colocando-se tal acto como um impedimento à reconstituição in natura da esfera jurídica patrimonial lesada do contribuinte (artigo 566.º/1, do Código Civil). Donde decorre que a obrigação de reconstituição da situação actual hipotética que existiria não fosse a prática do acto de liquidação ilegal exige a remoção dos efeitos de facto do mesmo, incluindo o pagamento dos juros indemnizatórios pela cobrança indevida do imposto desde a data em que a mesma se verificou. Estando a obrigação de reconstituição da situação actual hipotética fundada no disposto no artigo 173.º/1, do CPTA, como obrigação de conformação da situação de facto do lesado de acordo com o ordenamento jurídico estatuído nos termos da determinação anulatória do acto de liquidação, emerge como imperativo o dever de ressarcir, a cargo da AF, os prejuízos causados pela retenção de quantias indevidas a título de imposição ilegal, obrigação que na LGT, se crismou como dever de pagamento de juros indemnizatórios (artigo 43.º/1, da LGT).
Descendo ao caso dos autos, verifica-se que em 05.03.2008, foi deduzida reclamação graciosa da liquidação. O prazo de decisão é de seis meses, contados nos termos do disposto no artigo 57.º da LGT, donde decorre que em 05.09.2008, o prazo de decisão da reclamação graciosa exauriu-se. Ora, havendo excesso na delimitação da base tributável, a partir do momento em que a AF, estando na posse de todos os elementos necessários podia ter corrigido o erro, e ainda assim não procedeu, ou seja, desde a data do esgotamento do dever de decidir a reclamação graciosa (05.09.2008) o erro determinante da cobrança ilegal do imposto em causa é imputável aos serviços, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde a data referida até integral pagamento, isto é, até 08.04.2009 (n.º 10 do probatório).
Em face do exposto, impõe-se julgar procedente o recurso e revogar a sentença recorrida, na parte em que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que respeita ao pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Havendo elementos nos autos e conhecendo em substituição, impõe-se julgar parcialmente procedente o pedido de condenação da AF no pagamento de juros indemnizatórios desde a data de 05.09.2008 até à data do efectivo cumprimento (08.04.2009) e à taxa legal, o que se determinará no dispositivo.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, na parte em que julgou extinta a instância quanto ao pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, confirmando a mesma no que respeita à declaração de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto pedido de anulação da liquidação em causa nos autos e, em substituição, julgar parcialmente procedente a impugnação quanto ao pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, condenando a AF no pedido de pagamento de juros indemnizatórios, desde a data de 05.09.2008 até à data do efectivo cumprimento (08.04.2009) e à taxa legal.

Custas pela recorrida.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)
(Pereira Gameiro -1º. Adjunto)
(Aníbal Ferraz- 2º. Adjunto)

(1)Jorge Lopes Sousa, CPPT Anotado, 6.º Ed., vol. II, p. 363.
(2)Redacção anterior à republicação operada pelo DL n.º 159/2009, de 13 de Julho.