Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:179/09.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:12/10/2019
Relator:ALDA NUNES
Descritores:PENSÃO DE APOSENTAÇÃO;
PENSÃO UNIFICADA;
TEMPO RECONHECIDO.
Sumário:I. Não pode ser contado para efeitos de pensão de aposentação o tempo de serviço prestado por assalariado eventual num Município nos anos de 1961 e 1962, porque o art 1º do DL nº 36.610, de 24.11.1947 não permitia a inscrição desse trabalhador na Caixa Geral de Aposentações e, posteriormente, o Estatuto da Aposentação, que o revogou, também não permitiu que o trabalho anteriormente prestado como trabalhador eventual viesse a ser considerado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


Relatório
O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, STAL, recorre da sentença proferida pelo TAC de Lisboa, em 29.1.2016, na ação administrativa especial que instaurou contra a Caixa Geral de Aposentações, IP e Instituto da Segurança Social, IP, a pedir a anulação do despacho de 10.10.2008, da Direção da CGA, que reconheceu ao seu associado José .......... o direito à aposentação e lhe fixou a respetiva pensão para o ano de 2008, no valor de €: 509,62, com base em 26 anos e 5 meses de serviço apurados pela CGA e em 6 anos e 11 meses de período contributivo para o regime da segurança social; e a condenação daqueles institutos a considerar, para efeitos de aposentação do seu associado, o tempo de 335 dias de trabalho prestado como assalariado eventual da CM da Lousã e o tempo de 7 anos e 8 meses de descontos para o regime geral de segurança social.

A ação foi julgada improcedente e as entidades demandadas foram absolvidas do pedido.

O autor, inconformado com o decidido, interpôs recurso e concluiu as alegações de recurso nos seguintes termos:
A) «Se os autos não provam que o sócio do Recorrente tenha auferido no período em causa a sua retribuição, por verbas orçamentais expressamente destinadas a remuneração de pessoal, também não excluem que a prestação de trabalho tivesse sido retribuída por tais verbas;
B) Nenhuma das partes demandadas levantou esta questão, designadamente a Recorrida CGA, autora do ato impugnado, que se limitou a contrapor a natureza da relação jurídica de emprego, não a proveniência da retribuição, estribando-se a douta sentença recorrida erra ao pressupor a aplicabilidade do artigo 1º, do DL nº 36.610, de 24 de novembro de 1947, sobretudo ao dar por verificado o requisito do pagamento da retribuição por verbas exclusivamente destinadas à remuneração de pessoal;
C) À data em que se constituiu a relação jurídica de aposentação, que foi a do ato impugnado, vigorava o artigo 1º do Estatuto da Aposentação, na redação do DL nº 191-A/79, de 25/6, sendo que a situação do sócio do Recorrente, quando trabalhou para o Município em 1961 e 1962, era uma daquelas a que correspondia o direito de inscrição, de acordo com as normas do artigo 1º, do EA na redação do DL nº 191-A/79, devendo tal tempo ser contado nos termos do artigo 24º, nº 1 do EA;
D) O espírito da norma constitucional constante do artigo 63º, nº 4, da CRP, é o do aproveitamento integral do tempo de trabalho para efeitos de pensão de velhice e invalidez;
E) Da conjugação das normas dos preceitos do Estatuto da Aposentação, transcritos no capítulo antecedente, resulta que o trabalho prestado como eventual pelo sócio do Recorrente nos anos de 1961 e 1962 deveria ser relevado como tempo de serviço, contra o pagamento das correspondentes quotas, nos termos do artigo 28º, nº 1, do EA;
F) De acordo com a melhor doutrina, igualmente citada no capítulo antecedente, e como única forma de respeitar a norma constitucional constante do nº 4 do artigo 63º da Constituição da República Portuguesa;
G) Pelo que o aresto recorrido viola este preceito constitucional e as normas dos artigos 4º, nº 1, do DL nº 361/98, de 18/11, 1º e 24º do EA na redação do DL nº 191-A/79 e fazendo errada interpretação do artigo 1º do DL nº 36.610;
Censura-se, ainda, o douto aresto recorrido porquanto:
H) O artigo 19º, nº 3, do DL nº 84/99, conferia às associações sindicais legitimidade processual para defesa dos direitos e interesses coletivos e para a defesa coletiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representavam, beneficiando da isenção do pagamento de taxa de justiça e de custas;
I) O artigo 310º, nº 2, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, RCTFP, aprovado pela Lei nº 59/2008, dispunha que era reconhecida às associações sindicais, legitimidade processual para defesa dos direitos e interesses coletivos e para a defesa coletiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representassem;
J) Dispondo o nº 3 do artigo 310º do dito RCTFP, que as associações sindicais beneficiavam da isenção do pagamento de custas para a defesa dos direitos e interesses coletivos, aplicando-se no demais o regime previsto no regulamento das custas processuais;
K) O DL nº 34/2008, de 26/2, aprovou o Regulamento das Custas Processuais;
L) Por força da redação conferida pelo artigo 156º, da Lei nº 64- A/2008, de 31/12, Lei do Orçamento de Estado de 2009, o artigo 26º, nº 1, daquele diploma passou a estatuir que a respetiva entrada em vigor, ocorria no dia 20 de abril de 2009;
M) Estipulando, por fim, o nº 1 do artigo 27º do DL nº 34/2008, que as alterações às leis de processo e o Regulamento das Custas Processuais, aplicavam-se apenas aos processos iniciados a partir da respetiva entrada em vigor, respetivos incidentes, recursos e apensos;
N) Daqui decorrendo que, à data em que o presente processo se iniciou o Autor, ora Recorrente, continuava a beneficiar da isenção subjetiva absoluta que emanava do artigo 19º, nº 3, do DL nº 84/99, na medida em que a remissão efetuada pela 2ª parte do nº 3 do artigo 310º do RCTFP para o RCP, não podia surtir ainda efeito pela simples razão de que este Regulamento não tinha ainda entrado em vigor;
O) Pelo que o aresto recorrido faz errada interpretação e aplicação das normas dos artigos 19º, nº 3, do DL nº 84/99, 26º, nº 1, do DL nº 34/2008, na redação do artigo 156º da LOE/2009 e 310º, nº 3, 2ª parte do RCTFP.
Termos em que deverá o presente recurso merecer provimento, revogando-se a douta sentença recorrida».


Apenas a CGA apresentou contra-alegações e nelas concluiu:
1. A douta decisão fez correta interpretação e aplicação da lei, pelo que não merece a censura que lhe é dirigida pelo ora Recorrente.
2. Com efeito, conforme bem decidiu a douta decisão recorrida, o tempo durante o qual o associado do Autor esteve como assalariado eventual no Município da Lousã nos anos de 1961 e 1962 (335 dias) não pode ser contado pela CGA.
3. É que os assalariados eventuais não eram funcionários nem tão pouco agentes da Administração Pública, nem muito menos eram abonados por verbas orçamentais destinadas a pessoal, pelo que não lhes assistia sequer o direito de inscrição na CGA, conforme decorria do artigo 1º do Decreto-Lei 36610, de 24 de novembro de 1947.
4. Complementarmente, a ora Recorrida vem dar conhecimento aos autos de que José .........., associado do Autor, faleceu no dia 2015-12-24 (cfr. doc. 1)».


Neste Tribunal Central, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do disposto no artigo 146º do CPTA, remeteu-se ao silêncio.


Cumpridos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para julgamento.


Objeto do recurso:
As questões suscitadas pelo recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, traduzem-se em saber e decidir se a sentença recorrida errou no julgamento de direito ao decidir que (i) o tempo de serviço prestado por trabalhador eventual contratado ao Município da Lousã não releva para efeitos de cálculo da pensão de aposentação e (ii) ao condenar o autor – Sindicato, que vem a juízo em representação de um seu associado, nas custas do processo.


Fundamentação
De Facto
Pelo TAC de Lisboa foi julgada provada a seguinte matéria de facto, a qual não vem impugnada no recurso:
a) «O associado do Autor prestou, como trabalhador eventual contratado a prazo, 335 dias de trabalho ao Município da Lousã, assim distribuídos:
- em 1961, cinquenta e oito dias e meio, durante os meses de outubro, novembro e dezembro;
- em 1962, duzentos e setenta e seis dias e meio - cfr. certidão a fls. 12 dos autos;
b) Em 30-06-1968, o associado do Autor foi incorporado no serviço militar obrigatório, tendo passado à disponibilidade em 27-10-1971 [acordo; cfr. certificado a fls. 15-16 dos autos];
c) Do tempo de serviço militar obrigatório foi-lhe bonificado aquele que prestou entre 21-12-1969 e 24-09-1971 [acordo];
d) Em fevereiro de 1987, o associado do Autor cessou os descontos para o regime geral de segurança social [acordo; cfr. declaração a tis. 14 dos autos];
e) Em junho de 1987, na sequência do seu ingresso no quadro de pessoal do Município da Lousã, foi inscrito na CGA [acordo];
f) O associado do Autor é beneficiário da Segurança Social, com o nº .......... [acordo; cfr. declaração a fls. 14 dos autos];
g) Em 19-09-2008, deu entrada no ISS/CNP um requerimento de pensão unificada, remetido pela CGA [cfr. comunicação a tis. 89 dos autos];
h) Em 26-09-2008, o ISS/CNP comunicou à CGA o valor da parcela e respetivos períodos contributivos para o regime geral de segurança social do associado do Autor, indicando o valor de EUR 81,74, respeitante à referida parcela, e os períodos contributivos de novembro de 1967 a julho de 1968, de outubro de 1971 a julho de 1973, de dezembro de 1973 a julho de 1977 e de junho de 1986 a fevereiro de 1987 [cfr. comunicação a fls. 89 dos autos];
i) Em 24-08-2009, o ISS/CNP recebeu da CGA a informação da data a partir da qual o ISS/CNP passou a ser responsável pelos encargos na pensão do beneficiário [cfr. ofício a fls. 3 do PA do ISS, l.P.];
j) Em 27-08-2009, o ISS/CNP procedeu à inclusão da referida pensão [cfr. documento a fls. 90 dos autos];
k) Em 10-10-2008, a Direção da CGA reconheceu o direito à aposentação do associado do Autor, contabilizando até 31-12-2005 um tempo efetivo de 21 anos e 9 meses, acrescido de 1 ano e 10 meses de tempo de percentagens, com um tempo apurado de 26 anos, 5 meses e 7 dias de serviço à CGA e 6 anos, 11 meses e 3 dias de período contributivo para o regime geral de segurança social, num tempo total de 30 anos e 7 meses, e fixou a pensão em EUR 509,62 [acordo; cfr. ofícios a fls. 10-11 dos autos e a fls. 66 do PA da CGA, 1.P.];
l) O associado do Autor efetuou descontos para o regime geral de segurança social de novembro de 1967 a fevereiro de 1973 (correspondendo o período de julho de 1968 a outubro de 1971 ao serviço militar prestado), de junho de 1973 a agosto de 1973, de janeiro de 1974 a julho de 1977 e de junho de 1986 a janeiro de 1987 [cfr. certidão a fls. 162 dos autos];
m) A petição inicial da presente ação foi remetida a juízo em 23-01-2009 [cfr. registo postal aposto no sobrescrito a fls. 17 dos autos].
*
Nada mais foi provado com relevância para a decisão da causa, atenta a causa de pedir.
*
A decisão da matéria de facto foi tomada com base nos documentos juntos aos autos, não impugnados, conforme especificado nos vários pontos do probatório».



De direito
Erro de julgamento de direito – por violação do art 63º, nº 4 da CRP; do art 4º, nº 1 do DL nº 361/98, de 18.11; dos arts 1º e 24º do Estatuto da Aposentação na redação do DL nº 191-A/79; do art 1º do DL nº 36.610.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objeto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra que ocorra qualquer das situações que permitam ao Tribunal Central Administrativo alterá-los ou promover a sua ampliação (art 662º do CPC ex vi art 140º do CPTA), por conseguinte, será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

O recorrente alega que à data em que se constituiu a relação jurídica de aposentação, em 10.10.2008, vigorava o art 1º do Estatuto da Aposentação, na redação dada pelo DL nº 191-A/, de 25.6, sendo que a situação do seu associado quando trabalhou para o Município em 1961 e 1962, como eventual, era uma daquelas a que correspondia o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações e, por isso, deveria tal período ser relevado como tempo de serviço, contra o pagamento das correspondentes quotas, nos termos do art 28º, nº 1 do EA. Mais alega que só assim seria respeitada a norma constitucional constante do art 63º, nº 4 da CRP.

O recorrente não identifica o fundamento legal da sua afirmação, ou seja, qual a base legal para um trabalhador eventual, em 1961 e 1962, ter direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações.

Porque na verdade a lei vigente à data da prestação do trabalho pelo seu associado, em 1961 e 9162, era a mencionada na decisão recorrida – o DL nº 36.610, de 24.11.1947, que não permitia a inscrição de trabalhadores eventuais na CGA.

Como se lê na fundamentação da sentença recorrida:
«O associado do Autor prestou, como trabalhador eventual contratado a prazo, 335 dias de trabalho ao Município da Lousã, assim distribuídos:
- em 1961, cinquenta e oito dias e meio, durante os meses de outubro, novembro e dezembro;
- em 1962, duzentos e setenta e seis dias e meio.
Em 1961 e 1962, vigorava o Decreto-Lei nº 36.610, de 24 de novembro de 1947 - que veio a ser expressamente revogado pelo Estatuto da Aposentação aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de dezembro (cfr. artigo 141.º, nº 1, alínea a)).
Nos termos do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 36.610, eram considerados subscritores da CGA "todos os funcionários e servidores civis do Estado e os dos corpos administrativos, qualquer que seja a forma do seu provimento ou a natureza da prestação dos seus serviços, desde que recebam vencimento ou salário pago por força de verbas inscritas expressamente para pessoal no Orçamento Geral do Estado ou nos dos corpos administrativos ou serviços e organismos autónomos" (sublinhado nosso)
.
O pessoal assalariado eventual, pago por verba global, não se incluía entre os funcionários e servidores dos quadros ou entre o pessoal contratado.

O pessoal assalariado, referia Marcelo Caetano, em «Manual de Direito Administrativo», 2º vol., 10ª edição, págs. 658, 679, 683, «podia ser permanente, com quadro próprio, individualmente dotado no orçamento, que tende para a estabilidade no serviço e a quem, pelo facto verificado de longa permanência, a lei concede certas regalias dos funcionários, tais como licenças e aposentação (assalariados permanentes ou do quadro), e eventual ou adventício, que é recrutado por utilização de verbas globais consoante as necessidades de trabalho, sem qualquer compromisso ou garantia de permanência, quase sempre por mero ajuste verbal, e que por isso só conta com a proteção dada pelas leis gerais aos trabalhadores eventuais» (sublinhado nosso).

Posteriormente, o Estatuto da Aposentação, também não veio permitir que o trabalho anteriormente prestado por trabalhador eventual viesse a ser considerado (cfr, por exemplo, o estabelecido no art 25º, al d) do Estatuto da Aposentação).

O art 1º do Estatuto da Aposentação, na redação dada pelo DL nº 191-A/79, de 25.6 refere-se apenas aos funcionários e agentes para efeitos de inscrição na CGA, o autor, que não tinha essa qualidade em 1961 e 1962, não poderia ser inscrito na CGA.

O direito à aposentação carece, pois, da inscrição como subscritor na CGA [instituição de previdência do funcionalismo público em matéria de aposentação, criada em 1929, pelo Decreto 16 667, de 27.3.1929, tendo começado a funcionar em 1 de maio de 1929] e esta, por sua vez, depende da qualidade de funcionário e agente da Administração Central, Local ou Regional e, por isso, pressupõe a existência de uma relação jurídica de emprego público, constituída por (vínculo de) nomeação ou por (vínculo de) contrato administrativo de provimento (cfr arts 1º e 24º do EA). O mesmo não sucedendo com os que prestam serviços a entidades públicas mediante contrato a termo certo, sem a qualidade de funcionário ou agente. Nestes casos, não se justifica a inscrição na CGA, até pelo facto do período de vida do contrato.

O associado do autor, em 1961 e em 1962, como trabalhador eventual, prestou 335 dias de trabalho ao Município da Lousã. Por não ser subscritor, esse tempo não pode ser contado pela Caixa Geral de Aposentações. E também não faz parte da contagem de tempo de serviço do Instituto da Segurança Social, com a qual o autor se conformou no curso da instância, pese embora ter pedido, na petição inicial, a condenação da contagem dos 335 dias para o regime geral da segurança social, pretendendo para o efeito que, em vez dos 6 anos e 11 meses de descontos, fossem considerados 7 anos e 8 meses de descontos para o regime da segurança social.

Ora, nas circunstâncias do caso concreto, não vale chamar à colação o disposto no art 63º, nº 4 da CRP, nem mesmo o diploma legal que versa sobre a totalização dos períodos contributivos existentes no regime geral da segurança social e no regime da função pública, para efeitos de atribuição de uma pensão única, o DL nº 361/98, de 18.11. Porque foi aproveitado o tempo de serviço prestado pelo associado do autor como subscritor da Caixa Geral de Aposentações (26 anos, 5 meses e 7 dias de serviço à Caixa) em acumulação com o tempo de trabalho prestado como beneficiário da Segurança Social (6 anos, 11 meses e 3 dias de período contributivo para o regime geral de segurança social). O tempo de 335 dias de trabalho que não lhe foi contado advém da falta de inscrição e de descontos do associado do autor na CGA e da falta de inscrição e de descontos para o regime geral de segurança social.

Na realidade, como ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação à Constituição da República Portuguesa, 4ª edição, 1º vol., pág. 819, o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensões quer dizer «contagem de tempos de serviço juridicamente relevantes para o exercício do direito à aposentação e valor da pensão». O que não sucede com os 335 dias de trabalho que o associado do autor prestou ao Município da Lousã como trabalhador eventual, nos idos anos de 1961 e 1962.

Assim sendo e bem, a decisão recorrida concluiu que, por o associado do autor não ter adquirido, por força do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 36.610, de 24 de novembro de 1947, a qualidade de subscritor da CGA, pelo tempo de 335 dias de trabalho prestado como assalariado eventual à Câmara Municipal da Lousã, nos anos de 1961 e 1962, não pode ser satisfeita a pretensão do autor de ver contado esse tempo no cálculo da pensão do seu associado.

Pelo exposto improcedem as conclusões das als a) a g) do recurso.

Erro de julgamento de direito
O recorrente argumenta ainda que à data em que este processo de iniciou – em 23.1.2009 – enquanto associação sindical, continuava a beneficiar da isenção subjetiva absoluta do art 19º, nº 3 do DL nº 84/99, na medida em que a remissão efetuada pela 2ª parte do nº 3 do art 310º do RCTFP para o RCP não podia surtir ainda efeito pela simples razão de que o Regulamento das Custas Processuais não tinha ainda entrado em vigor. Assim, imputa à sentença recorrida errada interpretação e aplicação das normas do art 19º, nº 3 do DL nº 84/99; art 26º, nº 1 do DL nº 34/2008 na redação do art 156º da LOE/2009 e art 310º, nº 3, 2ª parte do RCTFP.

Importa aqui apreciar se a sentença recorrida errou ao condenar o sindicato, que está a agir em representação de um seu associado, nas custas processuais quando ainda não estava em vigor o Regulamento das Custas Processuais.

A lide iniciou-se em 23.1.2009.

A sentença recorrida foi proferida a 29.1.2016 e, por a ação ser julgada improcedente, o autor, Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, foi condenado no pagamento das custas do processo, nos termos do art 527º, nº 1 e nº 2 do CPC, aplicável ex vi art 1º do CPTA e art 6º, nº 1, tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais.

Mas, diz o recorrente, o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL nº 34/2008 de 26.2, entrou em vigor a 20.4.2009 (art 26º, nº 1).

No caso, nenhuma dúvida se levanta que está em causa a defesa de interesse individual de um associado do Sindicato.

O artigo 2º do CCJ estabeleceu as pessoas e entidades que estavam isentas de custas, procedendo à sua elencagem, sem prejuízo do disposto em lei especial. Estavam, portanto, isentas as pessoas elencadas mais aquelas que fossem especificamente isentadas noutras leis. Defende o recorrente que uma dessas leis especiais era o DL nº 84/99, de 19 de março, que no seu art 4º, nº 3 lhe conferia isenção subjetiva de pagamento de custas processuais.

Por força do art 4º, nº 3 do DL nº 84/99, de 16.3 é indiscutível que o recorrente estava isento de custas, face à remissão contida no art 2º, nº 1 do CCJ.

Acontece que o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11.9, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2009 (artigo 23º), veio regular de novo esta matéria, fazendo-o nos seguintes termos:
Artigo 310º

2 - É reconhecida às associações sindicais legitimidade processual para defesa dos direitos e interesses coletivos e para a defesa coletiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem.
3 - As associações sindicais beneficiam da isenção do pagamento das custas para defesa dos direitos e interesses coletivos, aplicando-se no demais o regime previsto no Regulamento das Custas Processuais.

Do transcrito resulta que este diploma regulou totalmente a matéria da legitimidade processual dos sindicatos e da sua responsabilidade em custas processuais, anteriormente prevista no DL nº 84/99, pelo que revogou, implicitamente, o art 4º, nº 3 da Lei nº 84/99 (cfr art 7º, nº 2 do Código Civil).

Em consequência, a ressalva/remissão contida no art 2º, nº 1 do CCJ passou a reportar-se ao estabelecido no RCTFP.

No entanto, o DL nº 34/2008, de 26.2, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, iniciou a sua vigência no dia 20.4.2009 e, nos termos do art 27º, nº 1 do DL nº 34/2008, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as alterações às leis de processo e o Regulamento das Custas Processuais, aplicam-se apenas aos processos iniciados a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei, respetivos incidentes, recursos e apensos.

Deste modo, neste caso, em que o processo teve início em 23.1.2009, quando já estava em vigor, desde 1.1.2009, a Lei nº 59/2008, de 11.9, mas sem estar em vigor o Regulamento das Custas Processuais, em matéria de isenção de custas, é aplicável ao presente processo, o regime que estava definido pelo Código das Custas Judiciais.

Em suma, na presente ação o Sindicato autor gozava de isenção de custas.


Decisão
Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida na parte em que julgou a ação improcedente e revogando-a na parte em que condenou o autor no pagamento das custas processuais.
Sem custas.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 10 de dezembro de 2019,


(Alda Nunes),


(Carlos Araújo),


(Ana Celeste Carvalho).