Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1085/16.3BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:TPA,
OMISSÃO DE PROVEITOS,
PROVA
Sumário:I. A sentença está ferida de nulidade quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento;
II. As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos a qual se traduz na convicção subjetiva, criada no espírito do julgador, de que aquele facto ocorreu. Não se trata de uma certeza absoluta acerca da realidade dos factos, que nunca seria alcançável, mas de um grau de convicção suficiente para as exigências da vida;
III. Não havendo meios probatórios dotados de força probatória plena, e uma vez que a lei admite a produção dos meios gerais de prova (art. 115.º, n.º 1 do CPPT), então, toda a prova deve ser valorada de forma articulada e contextualizada, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova sem desprezar as presunções simples, naturais que também são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção do julgador.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:



I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente a IMPUGNAÇÃO Judicial intentada por J..., contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra as liquidações adicionais de IVA dos anos 2010, 2011 e 2012, nos montantes de € 18.536,18, 20.296,65 e 32.290,03, no montante total de € 71.122,86.

A Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«A. As contradições salientes na sentença, ao dar por provada determinada factualidade, para a final considerar que a mesma não possui o alcance inicialmente intimado e, ao invés, acabar por vir dar como provada matéria decorrente de raciocínios dedutivos, motivados pelos depoimentos das testemunhas, traduzem vício notório de erro na apreciação da matéria de facto.

B. Outrossim, postula-se que os factos apurados no RIT e expressamente apropriados e sancionados pela sentença sindicada, deveriam conformar e fundamentar a conclusão de que foram omitidos os proveitos auferidos pelo Impugnante através dos terminais de multibanco com os n.ºs 530859 e 43728.

C. Decidir em sentido diverso vai contra a matéria que se considerou provada e relevante para a apreciação da causa, ao arrepio da Lei no que respeita à repartição do ónus da prova, contida nos artigos 74.º e 75.º da LGT.

D. Os depoimentos das testemunhas E... e T..., trabalhador do Impugnante apenas desde o mês de Setembro de 2017, cuja parcialidade é inegável, não serão suficientes para alicerçar o probatório que determinou a decisão de procedência da impugnação.

E. De igual modo se entende que não será a prova documental apresentada pelo Impugnante após a conclusão do procedimento inspectivo, em concreto os mapas de registo diários dos pagamentos, que terá o condão de firmar as conclusões decisórias que ora se refutam.

F. Porquanto, esse documento não reveste relevância contabilística ou fiscal, visto que não tem qualquer enquadramento legal nesse domínio, em particular no âmbito do artigo 46.º do Código do IVA, nem relevância factual, na medida nele não se encontra identificado qualquer pagamento efectuado a pessoa certa e determinada.

G. Só a concreta identificação pelo Impugnante das beneficiárias desses “reembolsos” ou “pagamentos” poderia conduzir, eventualmente, à prova de que os proveitos auferidos através dos terminais de multibanco com os n.ºs 530859 e 43728 não eram todos imputáveis ao Impugnante.

H. Ao fixar o probatório descrito nos pontos 1.11, 1.12, 1.14, 1.15, 1.16, 1.17, 1.18, 1.19, 1.20 e 1.21 da Parte III. 1. Factos Provados com base nos depoimentos das referidas testemunhas, e também com base na prova documental apresentada pelo impugnante, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, em concreto erro na apreciação da matéria de facto.

I. Sem prejuízo do aludido erro de julgamento, e sem conceder no que vem alegado, entende-se que o Tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia.

J. Efetivamente, tendo o Tribunal a quo atribuído credibilidade aos mapas de registos diários elaborados pelo impugnante, e sendo possível através dos mesmos alcançar os valores omitidos que alegadamente não foram considerados “empréstimos” a clientes ou pagamentos às “meninas” , o Tribunal deveria ter decidido no sentido da existência de erro parcial de qualificação e subsequente quantificação da matéria tributável.

K. Facto que deveria ter reflexo no dispositivo da sentença, com a consequente procedência parcial da impugnação.

L. Não tendo decidido no sentido da procedência parcial da Impugnação, e face ao pedido do impugnante, o Tribunal a quo incorreu no vício de excesso de pronúncia, facto que conduz à nulidade da sentença, nos termos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT.

M. Tudo razões que se reputam determinantes para a prolação dum juízo que determine a revogação da decisão aqui recorrida e, do mesmo passo, venha confirmar a valia dos actos tributários impugnados, indevidamente anulados pelo Tribunal a quo.

Nestes termos e nos restantes de Direito que o distinto Tribunal entender por bem suprir, advoga a Representação da Fazenda Pública a procedência do presente recurso jurisdicional, determinando-se a revogação da sentença do Tribunal a quo e, desse modo, julgar totalmente improcedente a impugnação judicial interposta pelo recorrido J..., com o que V. Exas. farão a almejada Justiça!»

O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, não contra-alegou.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir, consiste em aferir da nulidade por excesso de pronúncia e se errou ao julgar procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1.1. Em 2014.07.17, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças Santarém concluíram ação de inspeção ao ora impugnante, de âmbito geral, incidente nos anos de 2010, 2011 e 2012, em cujo relatório final consta, além do mais, o seguinte:
“(…) II. Objetivos, âmbito e extensão da ação de inspecção
II. 1 - Credencial e período em que decorreu a acção
(…)
III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria coletável (IRS) e ao imposto em falta (IVA).
III. a). Correções aritméticas em sede de IRS
O Sujeito passivo J..., NIF 2…, exerce a atividade a que corresponde o CAE 56305 – Estabelecimentos de bebidas com espaço de dança, encontrando-se presentemente enquadrado em sede de IRS no regime de contabilidade organizada por opção.
A ação inspetiva teve início em 10-02-2014, tendo a respetiva Ordem de Serviço sido assinada por T..., NIF 2…, TOC do sujeito passivo.
A atividade previamente indicada tem vindo a ser desenvolvida num estabelecimento noturno sito no Casal Novo, a que corresponde o nome comercial de R....
Em 20-10-2014 o sujeito passivo J..., (…) autorizou o levantamento do sigilo bancário das contas de que era titular em 2010, 2011 e 2012.
Nesse mesmo dia prestou o sujeito passivo declarações em termo assinado (vide Anexo V) onde afirmou: “A atividade exercida no estabelecimento de designação R... consiste numa casa de alterne onde é comercializado bebidas.
Quando questionado sobre os meios de pagamento aceites, declarou: “O meio de pagamento aceite consiste em cartões de débito, numerário e cheques ocasionalmente. O TPA existente na atividade está associado ao B.., atual B…”.
Foram ainda solicitados e analisados os balancetes analíticos, mapas de amortizações, bem como extratos de inventários iniciais e finais relativos à atividade exercida naquele estabelecimento durante os anos de 2010, 2011 e 2012.
Para uma melhor perceção dos valores declarados pelo sujeito passivo no âmbito da actividade descrita, juntamos o seguinte quadro recapitulativo. Quadro III.1 – Valores Declarados em 2010, 2011 e 2012



Da consulta aos sistemas informático da Autoridade Tributária e Aduaneira, confirma-se que o sujeito passivo (…) entregou declarações IES e modelo 3 de IRS para os períodos tributários em análise. Verificamos, contido, que não obstante existir um significativo volume de negócios declarado, apenas sobressai um lucro tributável de diminuta expressão, a rondar, em termos médios, os 650,00€ mensais.

Note-se que para além da fraca proporção entre o lucro tributável e volume de negócios (cerca de 11%), foram realizados durante o mesmo período, i.e., entre 2010 e 2012, suprimentos de elevado valor para a sociedade C... Discoteca-Bar Lda., NIF 5..., em nome dos seus sócios gerentes, um deles, o próprio sujeito passivo, J..., NIF 2….

Com efeito, foi apurado no âmbito da Ordem de Serviço OI201301146, que a Sociedade C... Discoteca-Bar, Lda. NIF terá recebido no mesmo período (2010, 2011 e 2012) um montante não inferior a 166.414,13 €, a título de suprimentos efetuados pelos dois sócios, correspondendo 94.331,71 € aos suprimentos realizados por J..., NIG 2... (Vide Anexo VII).

Os suprimentos referenciados encontram-se expostos na contabilidade daquela empresa, sendo possível analisar os montantes de suprimentos realizados pelo sujeito passivo(…) ao longo destes 3 anos (…).

Admitindo a veracidade dos valores declarados como suprimentos realizados pelos sócios à sociedade e que contabilizados como tal na esfera dessa mesma sociedade, fica a pergunta: Como foi possível realizar quase 100.000,00 € de suprimentos em três anos se o sócio que injetou esse capital na empresa, apenas declarou para o mesmo triénio, como rendimento coletável, apenas 23.426,31€, ou seja, cerca de 650,00 € por mês?

Quando questionado sobre os recursos financeiros que permitiram tais suprimentos, declarou o sujeito passivo no já referido termo de 20-02-2014:”As entregas são feiras principalmente em numerário, que pedia ao meu Pai, Tia e Irmãs”.

Com o intuito de aferir dos pagamentos recebidos (ou pelo menos quantificar os pagamentos que 6 foram efetuados por via eletrónica, uma vez que neste momento não é possível quantificar em termos aritméticos o total dos eventuais pagamento realizados em numerário), foram analisados os extratos bancários das contas tituladas pelo sujeito passivo, tendo sido identificados 3 TPAs associados ao estabelecimento R... no período que medeia entre 2010 e 2012 com os seguintes valores recebidos:

Quadro III.3 – Valores recebidos nos TPA de 2010, 2011 e 2002

Dos 3 TPAs onde o sujeito passivo (…) recebia pagamentos relativos à atividade exercida no R..., apenas um (TPA 530858) estava referido na contabilidade, sendo inegável que:

a) a maior parte dos recebimentos foi realizado através do TPA 530859, equipamento que não foi contabilizado pelo sujeito passivo;

b) o TPA 43728, apenas funcionou durante o mês de Janeiro de 2010 mas também não foi contabilizado pelo sujeito passivo;

c) Os valores recebidos pelo sujeito passivo através de Multibanco excedem em muito o que havia sido declarados na IES como volume total de negócios (ou seja incluindo pagamentos em dinheiro, multibanco ou cheques).

Facilmente se percebe esta divergência, pela simples comparação entre recebimentos por TPA, vulgo Multibanco, versus total de volume de negócios declarado nas Declarações IES de 2010, 2011 e 2012.

(…)

Tendo em conta que se trata de uma casa de alterne, onde a maioria dos clientes paga em numerário, a divergência real deverá ser muito superior. Ainda assim, mesmo assumindo apenas os pagamentos por Multibanco, é possível verificar uma significativa omissão declarativa em sede de IRS.

Estando o sujeito passivo no regime da contabilidade organizada, aplicar-se-ão as regras estabelecidas no Código do IRC em virtude do disposto no art.º 32.º do Código do IRS.

(…)

No caso concreto, considerar-se-á como rendimento o valor correspondente à base tributável calculada sobre o total recebido nos TPA 530859 e TPA 43728, sendo expurgado o valor referente ao IVA.

Por outro lado, dado que existem despesas de utilização desses associadas aos TPA 530859 e TPA 43728, serão as mesmas consideradas como gastos, diminuindo a matéria coletável de IRS.

(…)

Em 30-04-2014, o sujeito passivo (…) voltou a prestar declarações em termo assinado (Vide Anexo VI) procurando justificar os recebimentos por Multibanco naqueles 3 TPAs e terá afirmado: “Os 3 terminais estão efetivamente associados às contas bancárias pessoais (…) O TPA identificado com o n.º 1 (TPA 530858) está afeto à atividade, através do qual são efetuados os pagamentos das bebidas consumidas pelos clientes. Os TPAs identificados com o n.º 2 e 3 (TPA 530859 e TPA 43728) estão disponíveis para os pagamentos efetuados pelos clientes no Estabelecimento às mulheres que se encontram no local. Esses pagamentos são relativos a serviços de companhia prestados pelas referidas mulheres cujas quantias em dinheiro são devolvidas pelo declarante através de numerário, entregue em mão aquelas, normalmente no próprio dia.”.

Ora isto significa que, de acordo com o declarado pelo Sujeito Passivo, o estabelecimento R... apenas possuía um único TPA para o exercício da sua atividade: o TPA 530858.

Os outros 2 TPAs (TPA 530859 e TPA 43728) não estariam ligados à atividade do estabelecimento R... e J..., NIF 2… teria apenas funcionado como um intermediário não interessado.

Os seus clientes procurariam serviços de companhia no seu estabelecimento e pagariam tais serviços por Multibanco, utilizando os seus TPA, limitando-se a receber por Multibanco e entregar esse valor em numerário às senhoras prestadoras desse serviço.

Quanto questionado, J... (…) disse aos inspetores que já não se lembrava do nome das referidas senhoras prestadoras desse serviço, sendo impossível identifica-las, o que face aos montantes envolvidos, será pouco credível.

Mais se evidencia a falta de verosimilitude do declarado quando se verifica que só de despesas de utilização desses 2 TPA, que o sujeito passivo afirma não estarem ligados à sua atividade (TPA 530859 e TPA 43728), ascenderam a 5.000,00€ de comissões cobradas pelas respetivas instituições bancárias.

Ou seja, o sujeito passivo terá pago quase 150,00€ mensais de taxas bancárias associadas a estes 2 8 TPAs, em virtude de pagamentos que alegadamente não recebeu, ou que terá recebido e logo de seguida devolvido em numerário.

Também não é verosímil que o Sujeito Passivo tenha recebido só nestes 2 TPA (TPA 530859 e TPA 43728) mais de 465.000,00 e posteriormente devolvido o mesmo valor.

Tal esforço de tesouraria afigura-se como dificilmente contrariável para um negócio que supostamente fatura pouco mais de 5.000,00 € mensais, gerando um lucro de 650,00€ no mesmo lapso de tempo.

Se somarmos todos os recebimentos, verificamos que o valor alegadamente recebido em Multibanco através do TPA 530858 (28.317,00 €) apenas representa uma fração.

Por outro lado, é ainda notório que os valores recebidos nos TPA 530859 e TPA 43728 ao longo destes 3 anos (465.458,00 €) são muito superiores.

Salienta-se ainda que o sujeito passivo terá realizado suprimentos no valor de 94.331,71 €, alegando que a origem desse dinheiro não provém da exploração do estabelecimento R..., nem dos recebimentos relativos aos TPA 530859 e TPA 43728, tendo pelo contrário “pedido esses emprestados ao seu Pai, Tia e irmãs.

Face ao exposto, são propostas correções de natureza meramente aritmética uma vez que o sujeito passivo omitiu rendimentos, infringindo o disposto no artigo 57.º do CIRS, não tendo, para o efeito, sido estimados outros eventuais pagamentos em numerário que o sujeito passivo também tenha recebido e omitido na declaração modelo 3 de IRS.

Como se constata no quadro seguinte, para o cálculo das correções em IRS foram incluídos todos os rendimentos incluídos dos TPA 530859 e TPA 43728, sendo aceites como os gastos as despesas de utilização (comissões bancárias) patentes nos respetivos extratos.

Quadro III.8 Correções aritméticas em sede de IRS: 2010, 2011 e 2012


«Imagem no origial»

III.b) Correções aritméticas em sede de IVA.

Em sede de IVA caberá fazer, por período tributário, as correções correspondentes aos recebimentos consignados nos TPA 530859 e TPA 43728, calculando a respetiva taxa no tempo de modo a corrigir aritmeticamente o IVA que não foi entregue ao Estado:

a) 12% de 2010.01.01 até 2010.06.30;

b) 13% de 2010.07.01 até 2011.12.31;

c) 23% de 2012.01.01 até 2012.12.31.

O Sujeito passivo devia, nos termos da al. b) do artigo 29.º do CIVA), ter emitido uma fatura por casa operação realizada, e bem assim incluir tais valores nas Declarações Periódicas de IVA previstas na al. b) do artigo 41.º do mesmo diploma.

Os valores por liquidar e entregar ao Estado constituem infrações de índole contraordenacional nos períodos entre 2010/03T r 2012/06T, assumindo índole criminal nos períodos tributários de 2012/09T e 2012/12T. Existem correções a realizar em 12 periodos tributários sucessivos, que se podem resumir no quadro infra.

Quadro III.9 Resumo das correções aritméticas em sede de IVA: 2010, 2011 e 2012

Os 3 quadros seguintes permitem avaliar em cada período qual foi o valor recebido em bruto e não declarado, retirando desse valor em bruto o que corresponde ao imposto, sobejando o que corresponde à base tributável.

Quadro III.10 – IVA 2010: correções aritméticas

Quadro III.11 – IVA 2011: correções aritméticas

Quadro III.112– IVA 2012: correções aritméticas

Face ao exposto, são propostas as referidas correções de natureza meramente aritmética uma vez que o Sujeito Passivo não liquidou o respetivo IVA.

(…)

IX – Direito de Audição – Fundamentação

O sujeito passivo foi notificado nos termos do artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPIT, em 26-06- 2014 através do oficio 3734, para exercer o direito de audição por escrito ou oralmente, sobre o projeto de relatório de inspeção que seguiu anexo à notificação, não tendo exercido o mesmo, pelo que se mantêm as correções inicialmente propostas. (…).”. – (cf. fls. 325 e ss do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes autos).

1.2. Em 2014.07.21 o Diretor de Finanças de Santarém proferiu despacho de concordância e confirmação das correções propostas descritas na alínea anterior – (cf. fls. 325 do procedimento de reclamação graciosa apenso).

1.3. A Direção de Finanças de Santarém notificou o Impugnante do teor do relatório de inspeção descrito em 1.1. através do oficio n.º 4376 datado de 2014.07.22 – (cf. fls. 324 do procedimento de reclamação graciosa apenso).

1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em nome do ora Impugnante as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios n.ºs 14029732 a 140279745, 201410010962, 20142242130, 201410011073, 20142242286, 2014100110774, 20142242287, 2014100110775, 20142242288, 2014100110776 e 20142242289 respeitantes a cada um dos 4 trimestres de 2010, 2011 e 2012 – (cfr. fls. Docs. de fls. 697 a 730 dos autos, e que se dão por integralmente reproduzidos).

1.5. Em 2015.05.04 o ora Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Ourém reclamação graciosa contra os atos de liquidação de IVA dos anos de 2010 a 2012 – (cf. fls. 3 do procedimento de reclamação graciosa em apenso).

1.6. Em 2015.08.11 Autoridade Tributária e Aduaneira através do Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém proferiu decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida no número anterior – (cf. fls. 398 do procedimento de reclamação graciosa em apenso).

1.7. Na mesma data a Direção de Finanças de Santarém remeteu via postal registado com aviso de receção, oficio n.º 2156 de notificação do despacho de indeferimento referido na alínea que antecede, recebido em 2015.05.13 – (cfr. fls. 399 a 400 do procedimento de reclamação graciosa apenso).

1.8. Em 2015.08.24 o ora Impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento mencionada no número que antecede - (cf. fls. 1 do procedimento de recurso hierárquico apenso aos autos).

1.9. Em 2016.03.08 a Diretora de serviços de IRS da Autoridade Tributária e Aduaneira proferiu despacho de indeferimento do recurso hierárquico respeitante ao IVA dos anos de 2010 a 2012 em nome do ora Impugnante – (cf. fls. 361 do procedimento de recurso hierárquico apenso aos autos).

1.10. Em 2016.07.19 a Direção de Finanças de Santarém endereçou ao Impugnante o oficio n.º 1792 de notificação da decisão referida no número anterior – (cf. fls. 635 dos autos).

Encontra-se ainda provado com interesse que:

1.11. Nos anos de 2010, 2011 e 2012, o bar denominado R... tinha uma única empregada, a empregada de balcão – (cfr. depoimento das testemunhas E... e T...).

1.12. O bar R..., enquanto bar de alterne, é frequentado por clientes do sexo masculino e por senhoras denominadas “meninas”, que prestam, por conta própria, serviço de acompanhante aos clientes – (cfr. depoimento das testemunhas E... e T...).

1.13. A cada cliente que entra no bar é entregue um cartão de consumo, onde é anotado o respetivo consumo – (cfr. depoimento das testemunhas E... e T...).

1.14. Quando o cliente oferece um cocktail às “meninas” a empregada de balcão aponta o valor do cocktail na parte inferior do cartão do cliente, ao mesmo tempo aponta o valor do cocktail, e a bebida que a “menina” consumiu, à frente do nome da senhora a quem a bebida é oferecida e que consta de uma lista que se encontra junto ao balcão – (cfr. depoimento das testemunhas E... e T...).

1.15. Nessa lista, referida em 1.14, o Impugnante efetua o apontamento diário do destino de todas as quantias que lhe foram transferidas pelos TPA 530859 e 43728 – (cfr. doc. de fls. 253 a 396-v dos autos e o depoimento das testemunhas E... e T...).

1.16. Ao valor do cocktail é deduzido o valor da bebida consumida pela “menina”, sendo o valor desta proveito do impugnante e o valor restante proveito da menina – (cfr. depoimento das testemunhas E... e T...).

1.17. Nos casos em que o cliente apenas consome uma ou várias bebidas e não oferece qualquer cocktail às “meninas” e paga por multibanco é utilizado o TPA n.º 530858 – (cfr. depoimento das testemunhas E... e T...).

1.18. Quando o cliente paga um ou vários cocktails às meninas e quer efetuar o pagamento por multibanco é utilizado o TPA n.º 530859 – (cfr. depoimento das testemunhas E... e T...).

1.19. Por vezes, quando os clientes ou não têm dinheiro ou não o têm em quantidade suficiente ou pretendem obter dinheiro para seu uso exclusivo, o impugnante empresta-lhes dinheiro, sendo este reembolsado através do TPA n.º 530859 cuja quantia é levantada da conta bancária associada e regressa à esfera particular do impugnante, quantia esta designada por “trocado” – (cfr. depoimento das testemunhas E... e T...).

1.20. Quando o cliente convida uma “menina” e acorda com ela pagar-lhe um cocktail de € 25,00 e ele consome uma bebida de € 4,00, mas como o cliente não tem dinheiro, efetua o pagamento dos € 29,00 através do TPA 530859, sendo este valor levantado e a quantia de € 4,00 e do valor da bebida efetiva que a “menina” consumiu, por exemplo, € 5,00, no montante global de € 9,00 é proveito do impugnante e o remanescente (€ 20,00) são entregues à respetiva “menina” – (cfr. depoimento das testemunhas E... e T...).

1.21. O impugnante desconhece quantas meninas irão frequentar o bar R... em cada dia, sendo este número variável – (cfr. depoimento das testemunhas E... e T...).

1.22. O impugnante foi emigrante em França onde trabalhou por sua conta e obteve os rendimentos em resultado do seu trabalho – (cf. depoimento das testemunhas E..., M... e L...).

1.23. O impugnante, a par de alguns problemas psiquiátricos, tem vivido numa situação de dependência familiar dos seus pais e das suas duas irmãs – (cf. depoimento das testemunhas E..., M... e L...).

2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se vislumbram outros factos alegados cuja não prova seja relevante para a decisão dos presentes autos.

3. MOTIVAÇÃO

A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, e nos processos administrativos apensos, bem como na prova testemunhal produzida, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

No que respeita à prova testemunhal, foi ponderado e valorado o depoimento de E..., empregada de balcão em Discoteca e mãe dos filhos do aqui Impugnante (apesar de, na presente data não viver maritalmente com ele), prestado de forma clara e isenta de contradições, revelando conhecimento direto dos factos sobre que incidiu e convencendo o tribunal da sua veracidade.

Foi ponderado e valorado o depoimento de T..., barman de profissão, prestado de forma clara, sem contradições, revelando conhecimento direto dos factos sobre que incidiu, convencendo o Tribunal da sua veracidade.

Estas duas testemunhas, E... e T..., responderam de forma clara e inequívoca ao que lhes foi perguntado, explicitando a forma de funcionamento do bar de alterne, quer sobre o que respeita ao registo dos consumos, a utilização dos cartões e modo de pagamento dos mesmos, quer sobre a presença das “meninas” que o frequentam e a forma como recebem pelos “serviços” que prestam aos clientes.

Foi também ponderado e valorado o depoimento de I..., contabilista responsável pela contabilidade do Impugnante nos anos de 2007 a 2015. Todavia do mesmo não resultou qualquer facto com relevo para a decisão a proferir nos autos.

Foram ponderados e valorados os depoimentos de M..., professora de profissão e de L..., cabeleireira de profissão, irmãs do impugnante, prestados de forma isenta e sem contradições, revelando conhecimento direto dos factos sobre que incidiram, a propósito da condição pessoal do impugnante, descrevendo o seu percurso familiar e profissional, convencendo o Tribunal da sua veracidade.

Foi ainda tido em consideração o depoimento de J..., Inspetor Tributário, responsável pelo procedimento de inspeção efetuado ao ora Impugnante que confirmou, no essencial, os factos descritos no relatório de inspeção.»


****
Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra transcrita a Meritíssima Juíza do TAF de Leiria julgou procedente a impugnação judicial das liquidações de IVA de 2010, 2011, 2012, e respetivos juros compensatórios, entendo, em síntese que os valores do TPA 530859 e TPA 43728 em causa não constituem proveitos do Impugnante, não se verificando, portanto, omissão de proveitos, sendo ilegais as liquidações fundadas na correção da matéria coletável.

Efetivamente, na parte com relevo para o presente recurso é a seguinte a fundamentação da sentença recorrida:


As questões invocadas pelo Impugnante e que cumpre apreciar e decidir são as de saber se ocorre o invocado erro na qualificação e quantificação do facto tributário.
(…)
Retornemos agora à situação sub judice: os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém, no âmbito do procedimento inspetivo dirigido ao Impugnante quanto aos exercícios de 2010 a 2012 concluiu que este tinha, na sua atividade de exploração da casa de alterne denominada R..., três TPAs dos quais apenas um se encontrava associado ao exercício da sua atividade declarada para efeitos fiscais.

Os outros dois terminais TPA, apesar de terem registado pagamentos elevados, não tinham sido levados à contabilidade tratando-se, por conseguinte, de proveitos não declarados.

E justificou essa conclusão com os seguintes argumentos:
- Das declarações IES e modelo 3 de IRS do Impugnante para aqueles anos, apesar de existir um significativo volume de negócios declarado, do mesmo resulta um lucro tributável de diminuta expressão, a rondar, em termos médios, os 650,00€ mensais;
- Para além disso, o Impugnante, no mesmo período, realizou suprimentos de elevado valor quantificados em € 94.331,71 para a sociedade C... Discoteca-Bar Lda., da qual é um dos sócios gerentes, o que coloca em causa a veracidade dos valores envolvidos;

Com efeito, em principio, com um rendimento coletável anual de apenas € 23.426,31€, não é possível realizar suprimentos de tais valores, sendo certo, porém, que o impugnante, neste particular, avança com a justificação de se tratarem de valores que pedia emprestado a familiares.

Os serviços inspetivos, verificando que dos 3 TPAs onde o Impugnante recebia pagamentos relativos à atividade exercida no R..., apenas um (TPA 530858) estava referido na contabilidade, e que a maior parte dos recebimentos foi realizado através do TPA 530859, equipamento não contabilizado, e através do TPA 43728, que apenas funcionou durante o mês de Janeiro de 2010 mas também não foi contabilizado, concluem que os valores recebidos através de Multibanco excedem em muito o que havia sido declarados na IES como volume total de negócios.

Assim, consideraram como rendimento o valor correspondente à base tributável calculada sobre o total recebido nos TPA 530859 e TPA 43728, sendo expurgado o valor referente ao IVA e considerados os gastos associados respeitantes a despesas de utilização.

Destarte, a primeira questão que cumpre decidir é a de saber se todos os recebimentos efetuados através do terminais TPA 530859 e 43728, de que o impugnante é titular, revestem a natureza de proveitos obtidos, para si, na sua atividade e omitidos na sua contabilidade.

Alega o impugnante que apenas uma parte dos recebimentos feitos nos TPA n.ºs 530859 e 43728, que se destinava ao pagamento do consumo das bebidas efetivas é que são seu proveito e que, por isso, os registava na contabilidade, sendo o remanescente entregue às meninas ou, então, repunha o dinheiro que a título particular tinha adiantado aos seus clientes.

E efetuou essa prova, assistindo-lhe, nessa medida, razão como veremos de seguida.
Conforme resulta da matéria de facto assente, o Impugnante no exercício da sua atividade explora uma casa de alterne designada por R....
Por conseguinte, pese embora o Impugnante se encontrar coletado com o código CAE 56305, respeitante a estabelecimentos de bebidas com espaço de dança, o exercício da sua atividade detêm especificidades que não podem deixar de ser consideradas.
Conforme probatório supra, nos anos em causa, o bar R... tinha uma única funcionária e empregada de balcão e, como sucede com as casas de alterne, é frequentado por clientes do sexo masculino e por senhoras, designadas por “meninas”, que prestam serviço de acompanhante a estes clientes do bar, mas sem serem suas trabalhadoras ou terem para com este qualquer relação laboral, podendo afirmar-se que trabalham por conta própria.
Como resulta provado nos autos, a cada cliente que entra no bar é entregue um cartão de consumo, onde é anotado o respetivo consumo.

Quando chega ao bar uma “menina” ela identifica-se junto da empregada de balcão que toma nota do seu nome, geralmente não coincidente com o verdadeiro, numa lista que possui junto ao balcão, atribuindo-se um número.
As mencionadas “meninas”, quando solicitadas pelos clientes, recebem destes o preço do seu serviço mediante a indicação duma ou mais bebidas que aquelas escolhem, nomeadamente, um cocktail cujo preço é de € 10,00, 15,00, 20,00, 25,00, 30,00, 40,00 e 50,00.

Quando o cliente oferece um cocktail às “meninas”, a empregada de balcão aponta o valor do cocktail na parte inferior do cartão do cliente, ao mesmo tempo que aponta o valor do cocktail, e a bebida que a “menina” consumiu, à frente do nome da senhora a quem a bebida é oferecida na referida lista que se encontra junto ao balcão.

O total do valor pago pelos clientes às “meninas” é dividido, uma parte para beberem a bebida que escolhem e cujo valor é proveito exclusivo do bar, e o remanescente é proveito exclusivo das meninas.

Quando o cliente faz despesa, mas sem convidar qualquer menina, o pagamento pode ser feito a dinheiro ou por multibanco. Neste caso é utilizado o TPA n.º 530858.

Já quando o pagamento é efetuado também às “meninas”, o mesmo pode, da mesma forma, ser realizado em dinheiro ou por multibanco, sendo, neste caso, usado o TPA n.º 530859.

Sucede ainda, por vezes, que os clientes ou não têm dinheiro, ou não o têm consigo em quantidade suficiente, ou pretendem obter dinheiro para seu uso exclusivo, caso em que o impugnante empresta-lhes dinheiro, sendo este reembolsado através do TPA n.º 530859.

Exemplificando: quando o cliente convida uma “menina” e acorda com ela pagar-lhe um cocktail de € 25,00 e ele consome uma bebida de € 4,00, mas não tem dinheiro, efetua o pagamento dos € 29,00 através do TPA 530859; este valor é levantado, sendo que a quantia de € 4,00 e do valor da bebida efetiva que a “menina” consumiu, por exemplo, €5,00, no montante global de € 9,00 é proveito do impugnante, e o remanescente (€ 20,00) é entregues à respetiva “menina”.

Ou seja, no TPA 530859 foi creditada a quantia de € 29,00 mas apenas a quantia de € 9,00 foi proveito efetivo do impugnante.

Por outro lado, sucede, ocasionalmente, que o cliente solicita ao impugnante que lhe empreste (adiante), por exemplo, € 50,00, para seu uso pessoal, situação em que o cliente o reembolsa através do TPA 530859, sendo que, no dia seguinte, por indicação do impugnante, é levantada a referida quantia da conta com o TPA 530859 cujo valor volta à esfera particular do impugnante, quantia esta designada por “trocado”.

O mesmo é dizer que, dos recebimentos feitos pelos TPA 00530859, apenas a parte destinada ao pagamento do consumo das bebidas efetivas é que é proveito do impugnante e o remanescente ou é entregue às “meninas”, ou repõe o dinheiro que a título particular o impugnante tinha adiantado aos seus clientes.

Ou seja: nem o “trocado” é proveito do impugnante, nem as quantias entregues às meninas nos moldes supra descritos, constituem proveito do impugnante.

O impugnante efectuou. em cada dia em que o estabelecimento R... esteve aberto, o controlo e o apontamento do destino de todas as quantias que lhe foram transferidas pelos TPA 530859 e 43728, com base nos cartões que foram usados nesse dia, fazendo constar a data, caixas, meninas, trocados, multibanco e pagamentos às meninas.

(…)
Efetivamente, atento o probatório, é segura a conclusão de que os valores que entraram no TPA n.º 530859 não são todos proveitos do impugnante, pois a maior parte dos mesmos da oferta de um cocktail, valores que no dia seguinte o impugnante alegadamente levanta e entrega às “meninas”.
Do dever legal de procura da verdade material que recai sobre a AT decorre que esta deveria ter ido um pouco mais longe e, face à ausência de outros documentos de suporte, ou considerava como bons os mapas elaborados pelo Impugnante, apoiados pelos respetivos extratos bancários ou, desconsiderando tais mapas (até porque existirão pagamentos em numerário e em cheque não identificados), calculava a matéria coletável com recurso a métodos indiretos.
O que não se coaduna com o seu dever e procura da verdade material é fazer o fez, isto é, ignorar completamente a forma de funcionamento do “negócio”, considerando que os valores do TPA n.º 530859 são proveitos omitidos, tributando a totalidade dos valores que dele resultam em cada um dos exercícios inspecionados.
Na verdade, independentemente (…) das óbvias dificuldades de tributação dos proveitos obtidos na esfera das alternadeiras, os Serviços de Inspeção Tributária não poderiam ter ignorado por completo que o bar R... é um bar de alterne, frequentado por alternadeiras e que agem enquanto tal por motivações económicas, ou seja, procurando auferir alguma compensação.
Pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira incorreu em erro na qualificação e subsequente quantificação da matéria coletável, sendo nessa medida ilegais as consequentes liquidações de IVA aqui em causa, devendo por consequência serem anuladas, sentido em que se decidirá no segmento dispositivo da presente sentença.
Vencida, é a Fazenda Pública responsável pelas custas (artigo 527.º CPC).”


A Fazenda Pública não se conforma com o decidido, invoca nulidade da sentença por excesso de pronuncia (conclusões I) a M) das alegações de recurso) e erro de julgamento de facto de facto (conclusões A) a H) das alegações de recurso).


Apreciando.


Correu termos no TAF de Leiria o processo n.º 856/16.5 BELRA, no qual estava em causa correções em sede de IRS de 2010, 2011 e 2012, efetuadas no âmbito da mesma inspeção em causa nos presentes autos, ao mesmo impugnante, com base nas quais se efetuaram as respetivas correções em sede de IVA nesses mesmos exercícios e que estão em causa nos presentes autos (cf. ponto III.b) do relatório de inspeção tributária). A prova testemunhal produzida naquele processo foi aproveitada para os presentes autos, sendo, portanto, exatamente a mesma. A impugnação foi julgada procedente e a Fazenda Pública também apresentou recurso dessa decisão, apresentando as mesmas conclusões de recurso que são apresentadas nos presentes autos, tendo sido proferido acórdão deste TCAS de 22/10/2020 que negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida.


Por conseguinte, aqui sufragamos tal acórdão, cuja fundamentação é em tudo aplicável ao caso dos autos, mutatis mutandis, e cujo teor é o seguinte:

“O Impugnante foi sujeito a fiscalização tributária referente aos exercícios de 2010, 2011 e 2012 no âmbito da qual foi determinada a correção da matéria tributável por correções aritméticas baseadas nos seguintes factos:

O Impugnante explora um estabelecimento comercial a que corresponde o nome comercial R..., que consiste numa casa de alterne, onde são comercializadas bebidas. Da consulta aos sistemas informáticos, a AT verificou que não obstante existir um significativo volume de negócios declarado apenas sobressai um lucro tributável de diminuta expressão, a rondar, em termos médios, 650,00/mensais. Não obstante a desproporção entre o lucro tributável e o volume de negócios, no período em análise (2011 a 2013) o Impugnante efetuou suprimentos à sociedade Castel no montante de € 94.331,71. Analisados os extratos bancários das contas tituladas pelo Sujeito Passivo, identificaram-se 3 TPAs associados ao estabelecimento R..., com os n.ºs 530858; 530859; 43728. Destes, apenas o TPA 530858 estava refletido na contabilidade do sujeito passivo, o TPA 43728 não estava refletido na contabilidade mas apenas funcionou durante um mês. O TPA 530859 continha a maior parte dos recebimentos efetuados não contabilizados pelo SP. Assim sendo, a AT considerou como rendimento o valor correspondente à base tributável calculada sobre o total recebido nos TPAs 530859 e 43728, sendo expurgado o valor referente a IVA.

Foi deduzida reclamação graciosa e recurso hierárquico, ambos improcedentes, tendo o Impugnante impugnado judicialmente. Alegou, essencialmente, que as “meninas” que frequentam o estabelecimento para trabalharem por conta própria recebem dos clientes o preço do seu serviço mediante a indicação de uma ou mais bebidas que escolhem, nomeadamente cocktail, cujo preço é de € 10,00, 15,00, 20,00 25,00, 30,00, 40,00 e 50,00 Euros. Contudo, o valor pago às “meninas” tem o seguinte destino: uma parte é para beberem a bebida que escolhem e cujo preço é exclusivo do Impugnante e o remanescente é proveito exclusivo das “meninas”, que é entregue por dinheiro ou multibanco.

Por exemplo, um cliente paga um cocktail à “menina” no valor de € 25,00 e ele consome uma bebida de € 4,00, efetuando o pagamento no TPA 530859 no valor de € 29,00. Esta quantia é “distribuída” da seguinte forma: 4,00 Euros pelo valor da bebida consumida pelo cliente e 5,00 Euros pelo valor da bebida consumida pela “menina”, são proveitos do Impugnante. O remanescente (€ 20,00) é entregue à(s) menina (s).

Para além disso, por vezes o cliente pede ao Impugnante que lhe entregue determinada quantia (por ex. 50,00) para seu uso pessoal, que satisfaz através de dinheiro que tem no estabelecimento e que o cliente reembolsa através do TPA 530859. No dia seguinte, este dinheiro é levantado da conta com o TPA associado voltando à esfera particular do Impugnante, o que é designado por “trocado”.

Por todas estas razões, os valores recebidos através dos TPAs 530859 e 43728 não constituem proveitos omitidos, nem a determinação do volume de negócios poderia ter sido efetuada por avaliação direta mas sim por métodos indiretos.

Efetuada a produção da prova e demais tramitação legal, o MMº juiz julgou a ação procedente fundamentando-se, essencialmente, na circunstância de a prova produzida revelar que dos recebimentos efetuados através do TPA 530859 apenas a parte destinada ao pagamento do consumo de bebidas é proveito do Impugnante. O remanescente, ou é entregue às “meninas”, ou repõe o dinheiro que, a título particular, tinha adiantado aos seus clientes.

A Autoridade Tributária discorda por entender que a decisão errou de facto e de direito no julgamento da questão. Alega que o julgamento foi feito ao arrepio da Lei no que respeita à repartição do ónus da prova e que as testemunhas trabalham para o Impugnante apenas desde setembro de 2017 e cuja parcialidade é inegável. Além de que a prova documental apresentada pelo Impugnante após a conclusão do procedimento inspetivo não merecerá credibilidade, por falta de relevância contabilística (Conclusões A a H).


Mas também incorreu em excesso de pronúncia, pois tendo atribuído credibilidade aos mapas de registos diários elaborados pelo impugnante, e sendo possível através dos mesmos alcançar os valores omitidos que alegadamente não foram considerados “empréstimos” a clientes ou pagamentos às “meninas”, o Tribunal deveria ter decidido no sentido da existência de erro parcial de qualificação e subsequente quantificação da matéria coletável.  Facto que deveria ter reflexo no dispositivo da sentença, com a consequente procedência parcial da impugnação. (Conclusões J) e segs.)

Comecemos então por esta última questão, que vem equacionada pela AT como uma nulidade da sentença - por excesso de pronúncia.

Efetivamente, a lei fere com nulidade (o termo rigoroso seria, neste caso, anulabilidade) a sentença quando o juiz conhece de questões (1) de que não podia tomar conhecimento (art.º 615º/1-d) CPC e 125º/1 CPPT).

Assim, no entendimento da AT, se o Juiz ao atribui credibilidade aos mapas de registos diários elaborados pelo Impugnante, e sendo possível através dos mesmos alcançar os valores omitidos, então deveria ter decidido no sentido da existência de erro parcial da qualificação e subsequente quantificação da matéria tributável.


Com o devido respeito, não nos parece que tal argumentação possa remeter para o conceito de excesso de pronúncia. Desde logo, resulta claro que não havendo pronúncia sobre a matéria (anulação parcial da liquidação) também logicamente não se poderá falar em excesso. Poder-se-ia falar em omissão de pronúncia se a questão tivesse sido suscitada, mas como não foi, nem esse vício terá a mínima aplicabilidade.
Noutra perspetiva, poderia defender-se que, estando reunidas as condições para a anulação parcial da liquidação, a sua anulação total constituiria o excesso de pronúncia.
Mas mesmo com este sentido também não se pode falar em excesso de pronúncia pela simples razão de que não se está a emitir pronúncia sobre questão que não podia conhecer.
Com este sentido, haveria, quando muito, erro de julgamento mas não nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Sendo assim, facilmente podemos concluir que a sentença não enferma de qualquer nulidade, muito menos a decorrente de excesso de pronúncia que a Recorrente lhe imputa.
Para a hipótese de se defender ter havido erro de julgamento por se ter anulado totalmente as liquidações impugnadas quando a sua anulação parcial seria a mais adequada, recuperemos a matéria que deu azo às conclusões/alegações em causa e que foi exposta pelo MMº juiz em várias passagens da douta sentença, referidas pela AT nas doutas alegações, com destaque os seguintes segmentos:
“...o impugnante efetuou em cada dia em que o estabelecimento R... está aberto, o controlo e o apontamento do destino de todas as quantias que lhe foram transferidas pelos TPA 530859 e 43728, com base nos cartões que foram usados nesse dia, fazendo constar a data, caixas, meninas, trocados, multibanco e pagamentos às meninas.”
(...)
“Com efeito, atento o probatório, é segura a conclusão de que os valores que entraram no TPA n.° 530859 não são todos proveitos do impugnante, pois a maior parte dos mesmos dirão respeito aos serviços prestados pelas “meninas" aos clientes, pagos por estes através da oferta de um cocktail, valores que no dia seguinte o impugnante alegadamente levanta e entrega às “meninas".
Neste particular a AT deveria ter ido um pouco mais longe no cumprimento do dever legal de procura da verdade material e, face à ausência de outros documentos de suporte, ou considerava como bons os mapas elaborados pelo Impugnante, apoiados pelos respetivos extratos bancários ou, desconsiderando tais mapas, até porque existirão pagamento em numerário e em cheque não identificados, calculava a matéria coletável com recurso ao método indireto.
O que não poderia era fazer como fez, ignorando completamente a forma de funcionamento do “negócio", considerar que os valores do TPA n.° 530859 são proveitos omitidos, tendo efetuado a sua tributação da totalidade dos valores que nele constavam em cada um dos anos.” (sublinhado nosso para melhor identificar as passagens mais relevantes).

Como vemos, o MMº juiz não fundamenta a sua convicção nos mapas elaborados pelo Impugnante, nem sequer lhes confere fiabilidade absoluta. O que defende é que a partir dos factos provados e dos mapas em causa perfilar-se-iam dois caminhos de atuação para a AT: ou corrigia a matéria coletável por avaliação direta, com “base nos mapas” - acrescentando a condicionante apoiados pelos respetivos extratos bancários, o que para nós quer dizer “desde que apoiados pelos extratos bancários”-, ou, se os desconsiderasse, então deveria proceder à avaliação indireta (até porque existirão pagamentos em numerário e em cheque não identificados, como referiu o MMº juiz).

Se a reflexão do MM.º juiz for lida com o sentido de “apontar” dois caminhos possíveis à AT, não a sufragamos inteiramente porque não cabe aos tribunais identificar qual a metodologia que a Administração deve usar na tributação. Mas na economia da sentença percebe-se que o julgador se viu confrontado com um critério errado de avaliação que não caucionou, nem podia caucionar, e por isso argumentou em seu desabono, sem que alguma vez tenha fundamentado a fiabilidade absoluta dos mapas e a sua relevância exclusiva para a tributação.

É assim, mais como argumento que vemos o raciocínio do MM.º juiz e não como diretiva metodológica traçada à AT para a elaboração da correção fiscal, ou identificação de documento que deve suportar a correção, afastando, deste modo, qualquer erro de julgamento da sentença.

E com isto entramos na questão de saber se a sentença errou ao julgar procedente a impugnação com base em prova testemunhal e documental imprestável para o efeito, por falta de credibilidade, como seria o caso do depoimento das testemunhas E... e T..., e o documento correspondente aos mapas de registo diários efetuados pelo Impugnante por falta de relevância contabilística.

Em primeiro lugar, o Exmo. Representante da Fazenda Pública não impugnou a matéria de facto nos termos das alíneas constantes do n.º 1 do art. 640º e n.º 2 do do CPC, o que implica a rejeição do recurso, nesta parte (art.º 640º/1 CPC). E não ocorrendo as situações previstas no art.º 662º CPC, não pode esta ser modificada oficiosamente.

Depois, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (art. 341º do Código Civil). Como salienta Rita Lynce de Faria (2) a demonstração da realidade dos factos que se pretende com a prova traduz-se na convicção subjectiva, criada no espírito do julgador, de que aquele facto ocorreu. Não se trata de uma certeza absoluta acerca da realidade dos factos, que nunca seria alcançável, mas de um grau de convicção suficiente para as exigências da vida» (com o mesmo sentido e alcance, cfr. Antunes Varela e outros in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2ª ed., 1985, pp. 435 e segs.).

A prova da realidade dos factos é o resultado de uma operação complexa através da qual o julgador, em obediência ao princípio da livre apreciação da prova, forma a sua convicção, mediante análise e ponderação conjunta de toda a prova produzida, quer seja prova direta quer seja indiciária da qual infere o facto probando.

Não havendo meios probatórios dotados de força probatória plena, e uma vez que a lei admite a produção dos meios gerais de prova (art.º 115º/1 CPPT), então toda a prova deve ser valorada de forma articulada e contextualizada, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova sem desprezar as presunções simples, naturais que também são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção do julgador.

Por isso, não tem procedência a alegação de que o documento junto pelo Impugnante (mapas de registo diário) não reveste relevância contabilística ou fiscal, ou que só a identificação dos beneficiários dos “reembolsos” ou “pagamentos” poderia conduzir à prova de que os proveitos auferidos através dos TPAs 530859 e 43728 não eram todos imputáveis ao Impugnante (Conclusões E e segs.).

Sendo admissíveis os meios gerais de prova, os documentos em causa (e as testemunhas, podemos também acrescentar) não podem, em geral, ser excluídos do arsenal probatório que a lei faculta às partes. O que se poderá questionar é o modo, ou “peso”, com que tais elementos contribuem para a convicção do julgador. Mas essa operação, embora sindicável, é complexa, como deixámos referido, e exige um esforço impugnatório (cfr. art. 640º CPC) que a AT declinou.

Assim, improcedendo todas as conclusões de recurso, a sentença deverá ser confirmada.”

Portanto, também in casu, não se verifica nulidade da sentença por excesso de pronúncia, improcedendo as conclusões I) a M) das alegações de recurso, e não se verifica o invocado erro de julgamento de facto de facto, improcedendo as conclusões A) a H) das alegações de recurso, aqui se subscrevendo a fundamentação do acórdão supra transcrito.

Pelo exposto, improcedem in totum as conclusões de recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.


Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. A sentença está ferida de nulidade quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento;

II. As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos a qual se traduz na convicção subjetiva, criada no espírito do julgador, de que aquele facto ocorreu. Não se trata de uma certeza absoluta acerca da realidade dos factos, que nunca seria alcançável, mas de um grau de convicção suficiente para as exigências da vida;

III. Não havendo meios probatórios dotados de força probatória plena, e uma vez que a lei admite a produção dos meios gerais de prova (art. 115.º, n.º 1 do CPPT), então, toda a prova deve ser valorada de forma articulada e contextualizada, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova sem desprezar as presunções simples, naturais que também são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção do julgador.

II. DECISÃO


Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.



****


Custas pela recorrente.

Conforme requerido nos autos informe o Magistrado do Ministério Público da Comarca de Santarém, DIAP, secção de Ourém, da prolação da presente decisão.

D.n.

Lisboa, 19 de novembro de 2020.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora


A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.

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(1) Sendo oportuno distinguir entre “questões” e “argumentos”, remetemos para o douto Ac. do STA n.º 0245/11.8BEMDL 0579/15 de 27-11-2019 Relator: JOSÉ GOMES CORREIA
Sumário: I - A sentença ficará afectada de nulidade quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).
II - Mas, como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o «thema decidendum», ou que dele se afastam, constituem verdadeiras «questões» de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no art. 615º/1/d) do CPC.
III - Há, assim, que distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes.
IV - Quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas partes mas que são de conhecimento oficioso e prejudicam todas as demais questões colocadas, não está a agir de modo a cometer uma nulidade.
V - Assim, apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes, ou não deve conhecer na hipótese inversa, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia ou excesso de pronúncia. Obviamente, sempre salvaguardadas as situações onde seja admissível o conhecimento oficioso do tribunal.
VI - No caso em apreciação, o tribunal recorrido conheceu de questão de que devia conhecer (erro na forma do processo) em termos que geraram a impossibilidade de conhecer de todas as demais questões suscitadas nos autos.
VII - Independentemente da maior ou menor validade da argumentação seguida no aresto recorrido, o certo é que não se está em presença de excesso de pronúncia mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso a atinente à prescrição das dívidas tributárias, erradamente dada a verificação da excepção dilatória do erro da forma de processo que tornou inválida a instância para o conhecimento de todas e quaisquer outras questões.

(2) in Comentário ao Código Civil, parte geral, Universidade Católica Editora, pp. 810