Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1157/13.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:SEGURANÇA SOCIAL,
ART. 103.º, N.º 1, DO CÓDIGO CONTRIBUTIVO,
CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO POR ACORDO
Sumário:A previsão legal do art. 103.º, n.º 1, do Código Contributivo, na redação anterior à Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, não abrange a cessação a contrato de trabalho por acordo entre o empregador e o trabalhador.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A E…. – E….. S.A vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a acção administrativa especial por si deduzida contra a decisão da Unidade de Identificação e Inscrição do Núcleo de Identificação e Qualificação do Instituto da Segurança Social I.P., do Centro Distrital de Lisboa que revogou a decisão anterior de dispensa temporária de contribuições para a Segurança Social, relativas ao trabalhador C..... , com o fundamento de que, a relação de trabalho existente entre este e a Autora cessou, de acordo com o disposto no artigo 103.º do Código Contributivo e ordenou a reposição daquelas contribuições relativamente ao período em que vigorou a dispensa.

A recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«A. A Autora e o trabalhador C..... cessaram, no dia 10.05.2012, por mútuo acordo, o vínculo laboral entre ambos existente através de um Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho.
B. O Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho é uma modalidade de cessação do contrato de trabalho que pressupõe o exercício da autonomia privada e a expressão da vontade de ambos os contratantes.
C. Por essa razão, esta modalidade de cessação do contrato de trabalho distingue-se de outros tipos de cessação do vínculo laboral por iniciativa do empregador, nomeadamente o despedimento sem justa causa, despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação.
D. Esta distinção, amplamente apoiada na doutrina, resulta de forma inequívoca do Código do Trabalho, no qual o legislador reserva para o acordo de revogação do contrato de trabalho regras e procedimentos distintos dos que acomete para os casos de despedimento por iniciativa do empregador.
E. Nessa medida, não resta se não concluir que a revogação do contrato de trabalho por acordo entre as partes não se enquadra no artigo 103.º do Código Contributivo, especialmente atendendo à clara distinção feita pela lei labora lei laboral e pela lei previdencial entre revogação do contrato por acordo e cessação do mesmo por iniciativa do empregador.
F. Como tal, é contrária à lei a sentença do Tribunal a quo que confunde a revogação do contrato de trabalho por acordo das partes e a cessação do contrato de trabalho por iniciativa exclusiva do empregador.
G. Consequentemente, não poderá vigorar a decisão de cessação da dispensa do pagamento de contribuições já que, para tal, também não existe qualquer fundamento legal.
H. A posição da Autora, aliás, já foi adotada pelo Réu em processos anteriores da mesma índole, tendo havido por parte do mesmo revogação das decisões de cessação da dispensa do pagamento de contribuições (cfr. documento n.º 1).
I. Concluindo, inexistindo fundamento legal para a decisão recorrida no sentido de absolver o Réu e fazer cessar a dispensa de pagamento de contribuições desde a data da sua concessão condenando a Autora no pagamento das contribuições correspondentes ao período durante o qual vigorou a dispensa, deve a mesma ser necessariamente revogada por este Alto Tribunal, baixando estes autos à 1.ª instância para que a ação prossiga aí os seus termos normais.
Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., que se roga, deve ser dado provimento ao presente recurso, e consequentemente, revogar-se a sentença recorrida com todas as demais consequências de lei.»
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O Recorrido, devidamente notificado para o efeito não contra-alegou.
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O Magistrado do Ministério Público ofereceu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto entende a Recorrente que a revogação do contrato de trabalho por acordo em causa nos autos não se enquadra no art. 103.º, n.º 1, do Código Contributivo, atenta a distinção entre revogação do contrato por acordo e cessação do mesmo por iniciativa do empregador.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:


a) Em 30 de Junho de 2011, foi celebrado, entre a sociedade E…. – S…… S.A., com sede na rua da Guiné, n.º.., no P……., como primeiro outorgante, e C..... , como segundo outorgante, a conversão em contrato de trabalho sem termo, com efeitos a 01/07/2011, do contrato de trabalho inicialmente celebrado, a termo, entre as partes - doc., junto a fls. 82 e doc. junto a fls. 83 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

b) Na sequência da celebração do contrato de trabalho sem termo, id. em a), em 29/07/2011, a sociedade E…… S.A., deu entrada, no Instituto de Segurança Social I.P., do Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa, de um pedido de dispensa de contribuições, relativo àquele trabalhador, ao abrigo do disposto no Dec-Lei n.º 89/95 de 6 de Maio, que foi deferido, dispensando-se temporariamente, a contribuição a cargo da entidade empregadora, pelo prazo de 36 meses, com início em 01/07/2011 - pedido junto a fls. 56 e oficio junto a fls. 58 dos autos, cujos conteúdos aqui se dão por integralmente reproduzidos.

c) Em 10/05/2012, a Autora E..... S.A. e C..... assinaram um documento, com efeitos imediatos, que denominaram de acordo de revogação de contrato de trabalho, sem que fizessem constar os motivos que levaram àquela revogação - acordo de revogação, junto de fls. 17 a fls. 19 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

d) Em 15/05/2012, a Segurança Social tomou conhecimento de que, havia cessado a relação laboral entre a Autora e o trabalhador em apreço, que este requereu o respectivo subsídio de desemprego e que a cessação laboral se deveu a um acordo de revogação do contrato de trabalho, com a seguinte fundamentação: “Extinção do posto de trabalho determinado por motivos estruturais resultantes da implementação e consolidação de um projecto de criação de equipas com maior grau de autonomia.”- docs. juntos de fls. 46 a fls. 48 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, para todos os legais efeitos.

e) Pelo que, em 04/07/2012, o Instituto da Segurança Social I.P. endereçou ofício à Autora dando-lhe conhecimento de que, uma vez que, não tinha sido mantido o posto de trabalho, a intenção da Segurança Socia seria cessar a dispensa temporária do pagamento de contribuições do trabalhador em apreço, nos termos do estipulado na alínea c), do n.º1, do artigo 9.º do Decreto-lei n.º 89/95 de 6 de maio, com as demais alterações legais - ofício junto a fls. 20 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

f) Em 11/07/2012, a Autora endereçou o seguinte ofício registado à Segurança Social, donde consta além do mais, o seguinte:

“1.A E..... - S..... S.A. (…) e o trabalhador C..... (…) subscreveram um acordo de revogação do contrato de trabalho, por motivos estruturais, o que conduziu à optimização das equipas, à reorganização de serviços, levando à redução de efectivos, não existindo outro posto compatível com a categoria do trabalhador.
2. As partes acima referidas, acordaram de boa fé e de livre vontade, a revogação do contrato de trabalho, tendo sido dado a conhecer ao trabalhador, para efeitos de atribuição das prestações de desemprego, o respeito pelas quotas estabelecidas no n.º4 do artigo 10.º do DL 220/2006.
3. Nesta medida, nos termos do artigo 103.º do Código Contributivo, a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, com base em despedimento sem justa causa, despedimento colectivo, despedimento por extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação tora exigíveis as contribuições relativas ao período durante o qual tenha vigorado a dispensa quando a cessação ocorra dentro dos 24 meses seguintes ao termo do período de concessão da dispensa.
4. Ora, o acordo de revogação do contrato de trabalho, quer nos termos do artigo 103.º do Código Contributivo, quer nos termos do n.º10, do DL 89/95 de 06 e Maio, não configura nenhum destes motivos, visto que se trata de um acordo e não de um despedimento, por iniciativa do trabalhador (…).” - Ofício, junto a fls. 21 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

g) Não obstante o teor do requerimento antecedente, em 04/04/2013 o Instituto de Segurança Social I.P. proferiu decisão definitiva, no sentido de ter sido revogada a decisão antecedente e haver lugar à obrigação do pagamento das contribuições para a Segurança Social, correspondente à taxa de 23,75% e ao período de tempo de cuja isenção beneficiaram - ofício, junto a fls. 22 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integramente reproduzido.

h) O Ofício, identificado na alínea antecedente, fundamenta o indeferimento do peticionando invocando, em síntese, os seguintes argumentos:

“(…) Na sequência do deferimento de isenção contributiva, relativamente ao trabalhador identificado, foi detectado, por estes serviços, que o mesmo já não se encontra ao serviço da requerente. Em virtude da cessação do contrato de trabalho ter ocorrido em 10/05/2012, por REVOGAÇAO DO CONTRATO POR ACORDO: ACORDO DE REVOGAÇÃO NOS TERMOS DO N.º4 DO ARTIGO 10.º DO DL 220/2006 de 3 de novembro.
Sucede que, para efeitos dos incentivos ao emprego, as cessações dos contratos de trabalho, por iniciativa do empregador, com base em despedimento sem justa causa despedimento colectivo, extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação, torna exigíveis as contribuições relativas ao período durante o qual tenha vigorado a dispensa, nos termos do artigo 103.º da Lei n.º 110/2009 de 16 de setembro alterada pelo artigo 16.º da Lei n.º 20/212 de 14 de maio (…)” - citado despacho.

i) A ora Autora, não se conformando com o conteúdo da decisão administrativa, supra identificada, em 09/07/2013, deduziu a presente Acção Administrativa - carimbo do Tribunal Tributário, aposto a fls. 2 dos autos, que aqui se dá por reproduzido.

4.2.
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão a proferir.


4.3.
MOTIVAÇÃO DO TRIBUNAL
Resultou a convicção do Tribunal da análise crítica do teor dos documentos juntos aos autos, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.»

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Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra transcrita a Meritíssima Juíza do TT Lisboa que julgou improcedente a acção, entendendo, em síntese, que a cessação do contrato de trabalho deu-se por iniciativa do empregador, encontrando-se preenchida a previsão do disposto no art. 103.º, n.º 1, do Código Contributivo.



Com efeito, é a seguinte a fundamentação da sentença recorrida:

“A questão, que cumpre apreciar, em sede dos presentes autos, é a de saber se, a cessação do contrato individual de trabalho, celebrado entre as partes e revogado por acordo destas, ocorreu ou não no âmbito de um processo de redução de pessoal determinado por motivos de mercado, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n. º4 do, Decreto-Lei n.º 220/2006 de 3 de Novembro e, se integra ou não a previsão do artigo 103.º do Código Contributivo.
(…)
*
Analisemos então, o que dispõem as normas jurídicas pertinentes, atento o facto de a dispensa das contribuições em apreço ter sido conferida à Autora, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 89/95.
O Decreto-Lei n.º 89/95, de 6 de Maio disciplinava, a atribuição de incentivos à contratação de jovens, à procura do primeiro emprego e de desempregados de longa duração.
Nos termos do disposto no artigo 10.º, daquele diploma, sob a epígrafe “ Exigibilidade de Contribuições”, dispunha-se: “A cessação do contrato de trabalho, por iniciativa do empregador, com base em despedimento sem justa causa, despedimento colectivo, extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação, torna exigíveis as contribuições relativas ao período durante o qual tenha vigorado a dispensa.”
Igual dispositivo consta do artigo 103.º, n.º1 do Código Contributivo que, replicando a disposição, supra transcrita, dispõe: “a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, com base em despedimento sem justa causa, despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação, torna exigíveis as contribuições relativas ao período durante o qual tenha vigorado a dispensa.”
Alega a Autora que, o artigo 103.º do Código Contributivo preceitua que só a cessação do contrato de trabalho, por iniciativa do empregador, nas modalidades aí definidas - despedimento sem justa causa, despedimento colectivo, extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação - é que torna exigíveis as contribuições relativas ao período de dispensa.
Contudo, o artigo 103º do Código Contributivo, bem como o artigo 10.º do DL 89/95 têm que ser conjugadas com as disposições legais, que infra se analisam.
Assim, com interesse para os autos, prevê o artigo 340.º do Código do Trabalho, as várias modalidades de cessação da relação laboral, entre as quais figuram a revogação, o despedimento colectivo e o despedimento por extinção do posto de trabalho.
Regula o artigo 349.º, daquele diploma, a revogação por mútuo acordo da relação laboral e, definem os artigos 359.º e 367.º do Código do Trabalho, os conceitos de despedimento colectivo e de despedimento por extinção do posto de trabalho, respectivamente.
De acordo com a definição legal dada pelo artigo 367.º do Código de Trabalho, “considera-se despedimento por extinção de posto de trabalho, a cessação de contrato de trabalho, promovida pelo empregador e fundamentada nessa extinção, quando esta seja devida a motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa”.
Por sua vez, esclarece a alínea a), do n.º2, do artigo 359.º do Código do Trabalho o significado do conceito de Motivos de Mercado: “redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado”.
Por último, o Decreto-Lei n.º 220/2006 de 3 de Novembro estabelece, no âmbito do sistema previdencial o quadro legal da reparação da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrém, sendo que, com interesse para os autos, estabelece o artigo 10.º, nos seus n.ºs 1 e 4, o seguinte:
“n.º1 - Consideram-se desemprego involuntário, para efeitos da alínea d), do n.º1, do artigo anterior, as situações de cessação do contrato de trabalho por acordo, que se integrem num processo de redução de efectivos, quer por motivo de reestruturação, viabilização ou recuperação da empresa, quer ainda por a empresa se encontrar em situação económica difícil, independentemente da sua dimensão.
(…)
n.º4 - São, ainda, consideradas as cessações do contrato de trabalho, por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho.”
Ora, conforme resulta da alínea f) do probatório, a “revogação” do contrato de trabalho insere-se num processo de redução de pessoal, por motivos estruturais, optimização das equipas e reorganização de serviços, levando a redução de efectivos, pelo que, se encontram preenchidos os requisitos, a que alude o artigo 10.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 220/2006 de 3 de novembro.
Isto é, os motivos de cessação do contrato de trabalho enquadram-se no conceito legal de despedimento por extinção de posto de trabalho, a que alude o artigo 367.º, n.º1 do Código de Trabalho, supra transcrito, resultado assim do probatório que, o contrato de trabalho em apreço se extinguiu por iniciativa e decisão da Autora e não, obviamente, por acordo das partes, limitando-se o trabalhador a acordar com os termos da cessação do contrato e a respectiva indemnização.
Consequentemente, a cessação do contrato de trabalho deu-se por iniciativa do empregador, pela modalidade de extinção do posto de trabalho, pelo que, se encontra preenchida a previsão da norma contida no artigo 103.º, n.º1 do Código Contributivo, não sofrendo a decisão sindicada da ilegalidade que lhe é apontada.
Improcede, assim, o invocado vício de violação de Lei.”


A Recorrente não se conforma com o decidido invocando erro de julgamento de facto e de direito, porquanto a revogação do contrato de trabalho por acordo em causa nos autos não se enquadra no art. 103.º, n.º 1, do Código Contributivo, atenta a distinção entre revogação do contrato por acordo e cessação do mesmo por iniciativa do empregador.

Apreciando.

Conforme resulta dos autos, está em causa a qualificação jurídica do contrato referido na alínea c) dos factos provados, para se aferir se estão preenchidos os pressupostos para a aplicação do disposto no art. 103.º do n.º 1, do Código Contributivo, no qual assenta o despacho do Instituto da Segurança Social, IP impugnado pela A.

Ora, o contrato em causa foi designado pelas partes “acordo de revogação de contrato de trabalho”. Deste contrato resulta que a A. e o trabalhador em causa acordam, “livremente e de boa-fé”, em fazer cessar, por mútuo acordo, o contrato de trabalho celebrado entre ambos.

Portanto, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, o contexto de reestruturação empresarial da A. em que aquele contrato foi celebrado entre as partes, não sustenta o entendimento de que a cessação do contrato de trabalho deu-se por “iniciativa do empregador”, e consequentemente se encontra preenchida a previsão do art. 103.º, n.º 1 do Código Contributivo.

A verdade é que existiu um acordo escrito entre as partes, no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho celebrado entre ambos. Ora, existem duas (e não uma) declaração negocial no sentido convergente de vontade em fazer cessar o contrato de trabalho: i) a declaração do empregador; ii) a declaração do trabalhador.

Assim sendo, in casu, estamos efetivamente perante a cessão do contrato de trabalho por acordo entre trabalhador e entidade patronal. Esta é a modalidade de contrato de cessação que está em causa.

A questão que se coloca é saber se esta modalidade de pôr termo ao contrato de trabalho se subsume à previsão legal do art. 103.º, n.º 1, do Código Contributivo, no qual assenta o despacho impugnado.

Vejamos.

Dispõe aquele normativo, na redação anterior à Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, o seguinte:

“1 - A cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, com base em despedimento sem justa causa, despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação torna exigíveis as contribuições relativas ao período durante o qual tenha vigorado a dispensa, nos termos do número seguinte.
2 - O disposto no número anterior só se aplica quando a cessação ocorra dentro dos 24 meses seguintes ao termo do período de concessão da dispensa.”


Ou seja, a hipótese legal apenas abrange a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador com base em: i) despedimento sem justa causa; ii) despedimento coletivo; iii) despedimento por extinção do posto de trabalho; iv) despedimento por inadaptação.

Destarte, o âmbito normativo pressupõe sempre que a cessação do contrato de trabalho seja por iniciativa do empregador, com base numa daquelas formas de despedimento enunciados no normativo. Todas essas submodalidades de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador têm em comum tratar-se de um despedimento, ou seja, de uma declaração unilateral do empregador nos termos estabelecidos no Código do Trabalho. Claramente, não abrange outras modalidades de cessação do contrato de trabalho, como a por acordo, ou a por iniciativa do trabalhador.

Aliás, a distinção entre as modalidades de cessação do contrato de trabalho encontra-se bem estabelecida no Código do Trabalho. O “Despedimento por iniciativa do empregador” encontra-se regulada nos artigos 351.º e ss, com várias submodalidades de despedimento (despedimento por facto imputável ao trabalhador, despedimento coletivo, despedimento por extinção de posto de trabalho, despedimento por inadaptação), a “Cessação de contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador” nos artigos 394.º e ss, e a “Cessação de contrato de trabalho por acordo” nos artigos 349.º e ss.

Efetivamente, o art. 349.º, n.º 1 do Código do Trabalho prevê a modalidade de cessação de contrato de trabalho por acordo, estatuindo-se que “O empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo.”

Portanto, é para nós evidente que para a situação dos autos estar abrangida pela hipótese legal do art. 103.º, n.º 1, do Código Contributivo, teria de configurar, desde logo, a figura jurídica de despedimento, numa das submodalidades ali expressamente referidas. Não abrange, pois, a modalidade em causa nos autos, a cessação do contrato de trabalho por acordo.

In casu, existe um acordo, duas declarações de vontade (trabalhador e empregador) no sentido convergente de cessação do contrato de trabalho, e nessa medida, é manifesto que não estamos perante qualquer “cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador” com base numa das modalidades de “despedimento”, mas perante uma cessão do contrato de trabalho por mútuo acordo.

Pelo exposto, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, e nessa medida deve ser revogada, julgando-se procedente a ação, e consequentemente, anulada a decisão do Instituto da Segurança Social, IP impugnada.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrida, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Contudo, a Recorrida não tendo apresentado contra-alegações não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça – cf. acórdão do STA de 13/12/2017: “I - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigos 529.º n.º 1, do CPC, e 3º, nº 1, do RCP).
II – A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (artigos 529º, nº 2, e 6º, nº 1, do CPC) e apenas é devida no seu pagamento pela parte que demande (artigo 530.º n. 1, do CPC).


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

A previsão legal do art. 103.º, n.º 1, do Código Contributivo, na redação anterior à Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, não abrange a cessação a contrato de trabalho por acordo entre o empregador e o trabalhador.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida na parte recorrida, e consequentemente, julga-se procedente a ação administrativa especial, anulando-se a decisão do Instituto da Segurança Social, IP impugnada.
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Custas pela Recorrida, que não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça porque não contra-alegou.
D.n.
Lisboa, 17 de setembro de 2020.


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Cristina Flora

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Tânia Meireles da Cunha

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Susana Barreto