Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:967/12.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:TAXA PELO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE FORNECEDOR DE REDES E SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES ELETRÓNICAS
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
Sumário:I. A taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas tem natureza de contribuição financeira.

II. As normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação da Portaria n.º 291-A/2011, de 04 de novembro, na parte em que determinam a incidência objetiva e a taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e de comunicações eletrónicas enquadrados no “escalão 2”, padecem de inconstitucionalidade orgânica, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º e do n.º 2 do art.º 266.º da CRP.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

Z…….. T ……….. M ………… S.A. [actualmente denominada N…… M..........., Comunicações, S.A.], com os demais sinais nos autos, deduziu impugnação judicial contra a liquidação da taxa anual devida pelo exercício de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, efetuada pelo ICP- Autoridade Nacional de Comunicações (também ICP- ANACOM), referente ao ano de 2011, no valor de €169.061,66, peticionando a declaração de nulidade ou a anulação do acto de liquidação, bem como a condenação da Impugnada restituir-lhe a taxa indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, vincendos e vencidos, calculados à taxa legal e até integral pagamento.

Por sentença de 06/05/20, o Tribunal Tributário de Lisboa decidiu nos seguintes termos: “(…) julgo procedente a impugnação deduzida por Z…….. – T ……….. os SA, hoje designada por Nos M..........., Comunicações, SA, e consequência:

i) anulo o acto de liquidação impugnado, devendo ser-lhe restituído o montante indevidamente pago acrescido dos juros indemnizatórios, à taxa legal, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento;

ii) condeno o ICT-ANACOM ao pagamento de juros indemnizatórios vencidos sobre as quantias a que respeitam as notas de crédito elencadas em P);”

Inconformado com o assim decidido, o ICP-ANACOM, apelou para este Tribunal Central Administrativo Sul tendo, na sua alegação, apresentado as seguintes conclusões:

«1.ª Devem ser aditados ao probatório os factos indicados sob os nºs 32 a 36 das presentes alegações, relativos à (i) determinação dos rendimentos relevantes, aos (ii) operadores “over-the-top” (OTT), aos (iii) custos de regulação e ao financiamento da ANACOM, ao (iv) tratamento das provisões como gasto/custo administrativo de regulação e aos (v) benefícios da atividade de regulação económica desenvolvida pela ANACOM, factos que são relevantes para a decisão da causa;

2.ªA questão dos custos administrativos de regulação não se confina à temática das provisões que, no ano em causa, representaram cerca de 19,3% dos custos totais repercutidos sobre as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público (€5.564.951 / € 28.808.655);

3.ªEmbora uma provisão seja, por definição, constituída para salvaguardar riscos futuros e assente num juízo de probabilidade quanto a um eventual exfluxo de recursos, baseada numa estimativa fiável da quantia da obrigação (cf. Norma Contabilística e de Relato Financeiro [NCR21, §13]) não deixa de ser um gasto, com impacto nas demonstrações financeiras da entidade, sendo fiscalmente dedutível e afetando os resultados do exercício;

4.ª A ANACOM não só tem a necessidade de constituir provisões, como tem que assegurar ex ante os respetivos meios de financiamento, o que só pode fazer através da taxa de regulação impugnada nos presentes autos;

5.ª Num sistema de autofinanciamento (associado à independência financeira da entidade reguladora) e de partilha dos custos da regulação entre os regulados, não se vê que outra alternativa existiria ao financiamento da responsabilidade emergente de atos praticados no exercício da atividade de regulação que não fosse a taxa de regulação;

6.ª O Tribunal a quo confunde os critérios de reconhecimento e mensuração de provisões, que se colocam ex ante (em sede de interpretação e aplicação da NCRF 21), com o impacto do seu efetivo reconhecimento e registo contabilístico, que se coloca ex post, quer em sede de balanço (conta 29), como um elemento do passivo, quer em sede demonstração de resultados (conta 67), como um gasto do exercício;

7.ª O gasto (custo) das provisões para processos judiciais em curso é relevado contabilisticamente na conta “673-Processo judiciais em curso”;

8.ª Não podem existir dúvidas de que as provisões para processos judicias em curso são aceites como gastos para efeitos fiscais e como tal são deduzidas na matéria coletável em IRC;

9.ª As provisões têm um tratamento contabilístico autónomo e distinto dos demais gastos, pois todas as naturezas de gastos são discerníveis entre si, com regras contabilísticas diferentes;

10.ª No caso das provisões, o seu registo contabilístico obedece a regras próprias, devidamente explicitadas na Norma Contabilística de Relato Financeiro 21 – Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes (“NCRF 21”);

11.ª O Tribunal a quo confundiu (i) a questão do reconhecimento contabilístico das provisões para processos judiciais relacionados com a atividade de regulação do setor das comunicações eletrónicas como gasto ou custo administrativo da ANACOM, com (ii) a questão da sua elegibilidade para efeitos de apuramento dos encargos administrativos que podem ser impostos às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas;

12.ª O conceito contabilístico ou fiscal de gasto (ou custo) não exige um exfluxo financeiro atual ou presente de fundos (pagamento). Considere-se, a título de exemplo, o caso das depreciações e amortizações dos bens do ativo fixo, tangível e intangível;

13.ª De um ponto de visa contabilístico e fiscal, não são apenas gastos [custos] aqueles que envolvam um exfluxo financeiro atual ou presente, isto é, aqueles que correspondam a despesas efetivamente incorridas, por importarem a mobilização de recursos financeiros;

14.ª De um ponto de vista contabilístico e fiscal, as provisões são um custo efetivo, ainda que assentem em gastos estimados. E são um custo real, porque o seu reconhecimento tem impacto financeiro nas contas da entidade que as constitui, afetando os resultados do exercício;

15.ª Uma vez identificado o risco de exfluxo de recursos, as normas contabilísticas obrigam à constituição de provisões, pelo que não é correta a asserção constante da p. 50 da sentença recorrida, segundo a qual as provisões seriam um mero ato de gestão prudente e, aparentemente, de mera constituição facultativa;

16.ª A elegibilidade das provisões para efeitos de apuramento dos encargos administrativos que podem ser impostos às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas decorre, desde logo e em primeira linha, do referencial contabilístico aplicável à ANACOM e da utilização da respetiva contabilidade para efeitos de apuramento dos gastos [custos] administrativos de regulação do setor das comunicações eletrónicas;

17.ª O elenco de custos constante do artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização e do n.º 4 do artigo 105.º da LCE é meramente exemplificativo;

18.ª O TJUE já se pronunciou por duas vezes sobre a interpretação do artigo 12.º da Diretiva Autorização e, embora afirme a natureza limitada dos custos administrativos suscetíveis de cobertura pelas taxas de regulação (cf. considerandos 22, 23 e 27 do acórdão Telefónica proferido em 21 de julho de 2011 no processo C-284/10 e considerandos 36 e 38 a 42 do acórdão Vodafone Omnitel de 18 de julho de 2013, proferido nos processos apensos nºs C-228/12 a C-232/12 e C-254/12 a C-258/12) nunca se pronunciou explicitamente sobre a questão de saber se os custos com provisões se enquadram no conceito de custos administrativos relacionados com a adoção, gestão, controlo e aplicação do regime de autorizações gerais;

19.ª O TJUE afirmou claramente que os custos elegíveis para efeitos de financiamento através dos encargos administrativos a que se refere aquele artigo 12.º compreendem a totalidade dos custos resultantes das atividades mencionadas na alínea a) do n.º 1 daquela disposição de direito da União Europeia e não apenas uma parte (cf. considerandos 38, 41, 42 e 43 do acórdão de 18 de julho de 2013);

20.ª Mais recentemente, o TJUE teve oportunidade de confirmar que os custos com as atividades de gestão, de controlo e de aplicação do regime de autorização geral, bem como com as atividades de gestão, de controlo e de aplicação das obrigações específicas, incluindo as obrigações que podem ser impostas aos fornecedores designados para prestar o serviço universal, podem ser cobertos pelos encargos administrativos a que se refere o artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização (cf. considerandos 39 e 40 do Despacho de 29 de abril de 2020, proferido no processo n. ºC-399/19);

21.ª Se todas as atividades de regulação são suscetíveis de controlo jurisdicional (cf. artigo 4.º da Diretiva-Quadro e artigo 13.º da LCE) seria manifestamente absurdo considerar tais atividades elegíveis para efeitos de partilha dos custos administrativos da regulação entre operadores quando as mesmas se desenvolvem de modo normal, e já não as considerar elegíveis para efeitos de partilha dos custos administrativos da regulação entre operadores quando se desenvolvem de modo patológico, maxime se e quando a ANACOM fosse condenada a pagar indemnizações a terceiros por atos de regulação ilegais, sustentando que, nesses casos, deve ser a generalidade dos contribuintes a suportar tais custos;

22.ª Uma das finalidades da reforma do modelo de taxas da ANACOM foi, justamente, a de pôr termo ao financiamento dos custos administrativos da regulação através das taxas de utilização do espetro radioelétrico, internalizando no setor os custos com a respetiva regulação;

23.ª Caso a ANACOM não possa repercutir nas taxas de regulação das comunicações eletrónicas, os custos com a constituição de provisões ligadas à regulação do setor, o efeito financeiro daí adveniente projetar-se-ia nos resultados que podem ser transferidos para o Estado;

24.ª Os resultados da ANACOM são uma consequência dos excedentes gerados pelas taxas de utilização do espetro radioelétrico (que são uma receita devida pela utilização do domínio público radioelétrico que se encontra consignada à ANACOM e cujo excedente é entregue ao Estado);

25.ª A utilização dos excedentes gerados pelas taxas de utilização do espetro radioelétrico para financiar a constituição de provisões ligadas à atividade de regulação, equivaleria a transferir para outras fontes de financiamento custos que devem ser internalizados no âmbito da atividade de regulação (artigo 12.º da Diretiva Autorização e artigo 105.º, n.º 4 da LCE), implicando o regresso ao sistema anterior à Portaria n.º 1473-B/2008, em que a regulação era financiada pelo produto das taxas de utilização do espetro radioelétrico;

26.ª A exclusão das provisões da base dos gastos administrativos de regulação – como foi decidido pelo Tribunal a quo – não assegura uma correspondência integral entre os custos de regulação e a receita da taxa, pondo em causa o princípio da orientação para os custos, uma vez que todos os custos decorrentes de situações patológicas não seriam internalizados pelo setor, ficando a cargo do Estado, isto é, da generalidade dos contribuintes, quer através da mobilização das receitas da taxa de utilização do espetro radioelétrico, quer através de dotações orçamentais específicas;

27.ª A exclusão das provisões da base dos gastos administrativos de regulação não proporcionaria uma recuperação integral de todos os custos suportados com a regulação do setor, incluindo os custos decorrentes da impugnação de decisões da ARN ligadas à gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral.

28.ª A inclusão das provisões na base dos gastos administrativos de regulação é inerente aos objetivos e à teleologia dos encargos a que se refere o artigo 12.º da Diretiva Autorização, sob pena de não existir uma correspondência integral entre receitas e custos, os quais não podem resumir-se às situações normais de regulação, tendo ainda que abranger as situações patológicas que envolvem a constituição de provisões;

29.ª Os custos administrativos diretamente relacionados com a atividade de regulação do setor das comunicações eletrónicas incluem, inequivocamente, os custos suportados com a constituição de provisões, os quais são elegíveis para efeitos de distribuição pelos prestadores de redes e serviços de comunicações eletrónicas, sendo a sua consideração absolutamente essencial para assegurar a coerência e o equilíbrio do modelo de internalização dos custos de regulação subjacente ao disposto no artigo 12.º da Diretiva Autorização e no artigo 105.º, n.º 4 da LCE;

30.ª Ao instituir um sistema de partilha dos custos da regulação, o artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da diretiva autorização e o artigo 105.º, n.º 1, alínea b) e nºs 4 e 5 da Lei das Comunicações Eletrónicas, não pretende, seguramente, que seja a generalidade dos contribuintes a suportar os custos com indemnizações fundadas em responsabilidade civil por atos ou omissões de regulação imputáveis à ARN, nem se vê que tal solução seja compatível com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que vincula o legislador, nas suas opções de afetação de meios financeiros à satisfação de necessidades coletivas, ao respeito pelos modos de legitimação da tributação consentâneos com as utilidades geradas pela despesa pública;

31.ª Nestes termos e ao contrário do entendimento formulado pelo Tribunal a quo, a elegibilidade das provisões para efeitos de apuramento dos encargos administrativos que podem ser impostos às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas decorre do modelo de internalização dos custos de regulação subjacente ao disposto no artigo 12.º da Diretiva Autorização e no artigo 105.º, n.º 4 da LCE; da necessidade de assegurar uma correspondência integral entre os custos de regulação e a receita da taxa; bem como do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos;

32.ª É totalmente improcedente o alegado erro de quantificação do tributo com fundamento na integração do valor das provisões nos gastos administrativos relacionados com a atividade de regulação da ANACOM;

33.ª A sentença recorrida violou o disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização e o disposto no artigo 105.º, n.º 4 da LCE;

34.ª Existe erro de julgamento na parte dispositiva da sentença, a qual deveria ter determinado a anulação parcial da liquidação e não a anulação total, com consequências em sede de execução de sentença, uma vez que não haveria lugar à devolução do tributo pago, na sua totalidade, mas à revisão da liquidação da taxa de regulação de 2011;

35.ª A sentença recorrida incorre em erro de julgamento quanto à condenação em juros indemnizatórios porque o alegado vício considerado procedente apenas abrange um dos pressupostos da liquidação (o relativo à inclusão dos gastos com provisões) e não envolve os valores devolvidos devido à substituição de valores de orçamento por valores de execução orçamental, nem devido à correção do valor dos rendimentos relevantes indicados pela PTC e relativos à prestação do serviço universal (factos provados sob a alínea P)) do probatório), pelo que, em relação a estes, não decorre da lei a obrigação de pagamento de quaisquer juros indemnizatórios;

36.ª Os erros de julgamento invocados nas duas conclusões anteriores, apenas deverão ser apreciados pelo Tribunal ad quem, na hipótese, que não se admite, de improcedência do presente recurso;

37.ª Nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 665.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT, e na procedência do presente recurso, deverá o Tribunal ad quem conhecer as demais questões suscitadas pelas partes e substituir-se ao Tribunal recorrido na decisão da causa.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., que se pede e espera, deverá o presente recurso ser considerado procedente por provado e, em consequência, modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto e revogada a sentença recorrida, por violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização e do disposto no artigo 105.º, n.º 4 da LCE.

Na procedência do presente recurso e ouvidas as partes, deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que declare improcedente a impugnação do ato de liquidação da taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, relativa ao ano de 2011, no valor de €169.061,66, assim se fazendo Justiça!»


*


A Recorrida, N…., M........... COMUNICAÇÕES, S.A. apresentou contra-alegações ao recurso da contraparte e interpôs recurso subordinado, tendo formulado as seguintes conclusões:

I. Na presente ação peticiona-se a declaração de nulidade ou anulação do ato de liquidação pela ANACOM da quantia de 169.061,6 € a título de “Taxa Anual pela Actividade de Fornecedor Redes e Serviços Comunicações Electrónicas”, respeitante ao ano de 2010 – cfr. texto das presentes Alegações n.º 1;

II. Por douta Sentença, de 06.05.2020, foi julgado procedente o vício do erro sobre os pressupostos, com base em um dos fundamentos invocados na P.I., e, consequentemente, anulado o ato impugnado – cfr. texto das presentes Alegações n.º 1;

- RECURSO SUBORDINADO DA IMPUGNANTE

III. Conforme acima referido, a douta Sentença recorrida, apenas apreciou e decidiu um dos dois fundamentos invocados para a anulação com base em erro na quantificação do tributo em causa (erro nos pressupostos de facto e de direito) – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 1 a 4;

IV. O presente Recurso Subordinado incide sobre esse outro fundamento de erro na quantificação do tributo em causa, que, conforme abaixo referido, não foi apreciado e decidido na douta Sentença recorrida (o que, na perspetiva da Impugnante, gera, com o devido respeito, nulidade por omissão de pronúncia) – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 1 a 4;

V. Em concreto, esse outro fundamento, não apreciado e decidido na douta Sentença recorrida, é relativo ao erro na determinação dos rendimentos ou proveitos relevantes da Impugnante, NOS (anteriormente Z....), para efeitos de cálculo do tributo em causa, decorrente do facto de a ANACOM considerar, nesse cálculo, a totalidade dos rendimentos da NOS (então Z....) na sua atividade de oferta de conteúdos (televisão e vídeo), a qual não integra o âmbito regulatório da ANACOM – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 1 a 4;

VI. Trata-se de questão que foi expressa e autonomamente invocada na P.I. – v. ponto A.1. do índice do art. 6.º da P.I. e arts. 55.º a 113.º e 138.º a 228.º da P.I. – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 1 a 4;

VII. Trata-se de questão totalmente distinta da apreciada e decidida, quer quanto aos seus fundamentos e pressupostos (conforme decidido em outros processos a que respeitam as Sentenças juntas aos autos e a Sentença adiante junta), quer quanto aos seus efeitos, nomeadamente no quadro de uma eventual futura nova liquidação, na sequência do trânsito em julgado da decisão judicial, pelo que o presente Recurso Subordinado é admissível – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 1 a 5;

VIII. A douta Sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia ao não apreciar a referida questão, quer em sede de decisão de facto, quer em sede de decisão de Direito (v. arts. 124.º CPPT e dos arts. 608.º/2 e 615.º/1/d) do CPC, ex vi art. 2.º do CPPT) – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 7 a 12;

IX. Sem prejuízo do acima referido, relativamente a nulidade por omissão de pronúncia, sempre se verificaria, caso assim não se entendesse - o que não se concede -, erro de julgamento quando nada se refere na douta Sentença recorrida, nomeadamente em sede de decisão de facto, quanto aos factos alegados nos arts. 74.º a 94.º, 96.º a 98.º, 102.º, 109.º a 111.º da P.I., relativos à aludida questão do erro de se considerar a totalidade dos rendimentos da NOS (então Z....), como rendimentos / proveitos relevantes para o cálculo da “taxa” em causa (v. arts. 55.º a 113.º da P.I.) – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 13 a 16;

X. Tais factos encontram-se provados, conforme resultou dos depoimentos das testemunhas (v. n.º 14 do texto das presentes alegações com indicação das passagens da gravação), e documentos juntos aos autos – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 13 a 16;

XI. Aliás, apesar dos depoimentos na audiência de julgamento realizada, os factos considerados provados na douta Sentença apenas são relativos a documentos juntos aos autos, o que é revelador da nulidade por omissão de pronúncia, acima referida – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 7 a 16;

XII. Em sede de Direito, o que está em causa quanto à questão dos “proveitos relevantes” (erradamente) considerados pela ANACOM é o facto de a ANACOM ter considerado a totalidade (100%) dos rendimentos da então Z.... na sua atividade de oferta de conteúdos / televisão por subscrição desenvolvida pela então Z.... (incluindo o “Video on Demand”) - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 17 a 24;

XIII. Não estão aqui em causa os serviços de Internet e telefone (nos quais não há qualquer componente de conteúdos ou em que os conteúdos advém de terceiros), englobados nos 7.340.572€ “voluntariamente” declarados pela Impugnante como “proveitos relevantes” para efeitos de cálculo da “taxa” em causa - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 21 e segs;

XIV. Em primeiro lugar, ao incidir a respetiva “taxa contributiva” sobre a totalidade das receitas da NOS provenientes da assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição (STS) e Video on Demand (Vod), como se verifica in casu, a ANACOM está a tributar atividades que não regula (conteúdos televisivos) - cfr. texto das presentes Alegações n.º 24;

XV. A este respeito sublinhe-se que na interpretação das normas aplicáveis não pode deixar de ser tomado em consideração que está (supostamente) a ser liquidada uma “taxa”, a qual, necessariamente, pressupõe algum nexo sinalagmático (mesmo que difuso, para os que o admitem) - cfr. texto das presentes Alegações n.º 24;

XVI. Em segundo lugar, como invocado na P.I. e nas Alegações que antecederam a douta Sentença recorrida, e não é colocado em causa pela ANACOM, no que respeita à oferta de conteúdos pela então Z...., a mesma encontrava-se (e encontra-se) sujeita à regulação e supervisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 25 a 29;

XVII. Ora, além de estar em causa uma atividade que não está integrada no âmbito regulatório da ANACOM, o cômputo da totalidade das receitas da então Z.... no Serviço de Televisão por Subscrição (que incluem também o Serviço “Vídeo on Demand”), determina, desde logo, a existência de uma dupla tributação, pois a ANACOM está a tributar atividades que são alheias ao seu objecto regulatório e que são tributadas pela ERC – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 25 a 29;

XVIII. Em terceiro lugar, o disposto na Portaria 1473-B/2008, relativa à “taxa” em causa, também determina que não possam ser considerados a totalidade (100%) dos rendimentos da Impugnante na atividade de oferta de conteúdos, como fez a ANACOM – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 29 e 31;

XIX. Em quarto lugar, na sequência do já acima referido quanto à ANACOM estar a tributar atividades que não regula e quanto ao âmbito regulatório da ERC, sublinhe-se não cabe nas competências da ANACOM (mas sim da ERC, como vimos), fiscalizar e/ou regular os conteúdos difundidos pela então Z.... (hoje NOS), no quadro da sua atividade de televisão por subscrição – cfr. texto das presentes Alegações n.º 31 a 33;

XX. Em quinto lugar, cabia às entidades que criaram a “taxa” em causa (e não à Z..../NOS) “construir” um modelo que não englobasse receitas que manifestamente não se enquadram no âmbito regulatório da ANACOM, sendo que é a ANACOM que envia à Impugnante a Declaração para preenchimento (v. Processo Instrutor) – cfr. texto das presentes Alegações n.º 33 e 34;

XXI. Em sexto lugar, face ao que tem vindo a ser alegado pela ANACOM, cumpre sublinhar que o Direito Português - maxime a Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Eletrónicas); a Portaria 1473-B/2008, de 17 de dezembro (relativa à “taxa” em apreço); e a Lei 53/2005, de 8 de novembro, e DL 103/2006, de 7 de junho, na redação dada pelo DL 70/209, de 31 de maio (relativos à ERC e respetivas “taxas”) -, regula a matéria em causa, não se justificando in casu a forma como a ANACOM pretende centrar a questão ao nível do Direito Comunitário – cfr. texto das presentes Alegações n.º 35;

XXII. Aliás, no que tem vindo a invocar - maxime nas Alegações que antecederam a Sentença recorrida -, a ANACOM não atendeu ao que é dito na própria Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), que junta com as mesmas - É que, como se refere no Acórdão do TJUE, de 07.11.2013, Processo C-518/11: “38. (…) o NQR [novo quadro regulamentar aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas] não abrange os conteúdos dos serviços prestados através das redes de comunicações eletrónicas recorrendo a serviços de comunicações eletrónicas …” – cfr. texto das presentes Alegações n.º 35;

XXIII. No demais, o apreciado e decidido naquela Jurisprudência do TJUE (que nem sequer respeita a taxas), não é aqui aplicável, pois o que estava em causa naqueles processos era se determinadas entidades prestavam um serviço de comunicações eletrónicas e estavam sujeitas ao respetivo quadro regulatório e não se a totalidade (100%) das receitas provenientes dos conteúdos disponibilizados pode ser considerada para efeitos de cálculo de uma “taxa” a favor de uma entidade reguladora, que não regula conteúdos, como é o caso da ANACOM (que é o que está aqui em causa) - cfr. texto das presentes Alegações n.º 35;

XXIV. Finalmente, também se revela incompreensível a contabilização pela ANACOM das receitas do aluguer e instalação de equipamentos, que haviam sido excluídas pela N…. na sua declaração (v. arts. 51.º e 101.º e segs. da P.I. e Docs. aí indicados), pois o n.º 3 do Anexo II da Portaria 1473-B/2008 exclui expressamente os “proveitos relevantes” relativos à venda de equipamentos, não existindo qualquer justificação válida para não equiparar o “aluguer” desses equipamentos à respetiva venda - cfr. texto das presentes Alegações n.º 36;

XXV. Face a tudo exposto, deve ser julgado procedente o presente Recurso Subordinado, anulando-se o ato de liquidação da “taxa anual” em análise, também com base no fundamento a que se referem as Conclusões anteriores - não apreciado e decidido na douta Sentença recorrida - gerador de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e de violação, além do mais, os n.ºs 1 e 3 do Anexo II da Portaria 1473-B/2008, bem como o art.105.º/1/b) e 4, da Lei 5/2004, ao considerar como “proveitos relevantes”, sobre os quais incidiu a “percentagem contributiva”, a totalidade das receitas da então Z.... provenientes da assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição (STS), do serviço “Video on Demand” e do aluguer e instalação de equipamentos – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 37 a 39;

XXVI. No mesmo sentido, decidiu-se nas doutas Sentenças juntas aos autos em 08.02.2018 e em 17.05.2019, e na douta Sentença adiante junta, com as presentes Alegações, proferidas por diferentes Juízes – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 37 a 39;

- RECURSO DA ANACOM

XXVII. O recurso da ANACOM (relativo à questão decidida na douta Sentença recorrida - consideração pela ANACOM, no cálculo da “taxa” em causa, do valor das provisões das provisões constituídas pela ANACOM relativas a processos judiciais contra si intentados), é totalmente improcedente, não enfermando a douta Sentença recorrida, nessa parte, de qualquer erro de julgamento – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 40 e segs.;

XXVIII. Não obstante os Factos considerados provados na douta Sentença recorrida serem suficientes e suportarem plenamente o decidido quanto a esta questão, requer-se, a título subsidiário, nos termos do art. 636.º/2 do CPC, ex vi art. 2.º/e) do CPPT, o aditamento dos Factos indicados supra, no n.º 49 das presentes Contra-Alegações - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 48 e 49;

XXIX. Conforme demonstrado acima no texto das presentes Contra-Alegações, relativamente aos alegados “factos” que a ANACOM pretende aditar, os mesmos, ou (i) não são verdadeiramente factos (mas sim matéria de direito ou conclusões de factos não provados); ou (ii) são irrelevantes para a decisão da causa (aliás a ANACOM não os refere na posterior análise do Direito); ou (iii) não foram antes alegados; ou (iv) não se podem considerar provados, maxime face à prova produzida (nomeadamente a gravada), sendo, assim, totalmente improcedente o referido pela ANACOM quanto a pretensos factos a aditar - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 50 a 52;

XXX. No cálculo da taxa em causa foram consideradas pela ANACOM “provisões para processos judiciais em curso” – i.e. provisões constituídas pela ANACOM para o caso de vir a ser condenado pelos Tribunais a pagar indemnizações a terceiros, por atos ilícitos da própria ANACOM, mais concretamente, por atos ilícitos praticados por titulares de órgãos, funcionários e agentes da ANACOM – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 54 e segs.;

XXXI. Contrariamente ao que parece entender a ANACOM, o que está em causa não é o tratamento contabilístico que é feito pela ANACOM relativamente às provisões, nem o tratamento contabilístico das provisões em geral, o que está em causa nos presentes autos é a ilegalidade do tributo sub judice, maxime da consideração pela ANACOM de provisões para processos judiciais no cálculo do mesmo - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 54 e segs.;

XXXII. A contabilização pela ANACOM dessas provisões para processos judiciais no cálculo da “taxa” viola o disposto n.º 4 daquele art. 105.º da Lei 5/2004 e n.º1 do Anexo II da Portaria 1473-B/2008 (mais concretamente, o previsto em “C” da fórmula aí indicada), na redação em vigor à data da liquidação impugnada (2010), que referem apenas a contabilização de “custos administrativos” da ANACOM – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 54 e segs.;

XXXIII. As “provisões para processos judiciais em curso” claramente não são “custos administrativos”, sendo que até a própria ANACOM autonomiza as duas situações, conforme se pode verificar pelo quadro a fls. 292 do Processo Instrutor – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 54 e segs.;

XXXIV. A inclusão pela ANACOM de provisões para processos judiciais em curso nos cálculos da “taxa anual” tem ainda por efeito/objetivo de tentar desincentivar o acesso à justiça por parte dos operadores, através da repercussão nos operadores, pelo pagamento daquela “taxa”, dos montantes de indemnizações em que pode vir a ser condenada a ANACOM por atos ilegais (cfr. Ac. Tribunal Constitucional n.º 33/2018, de 31.01.2018) – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 54 e segs.;

XXXV. As devoluções que têm vindo a ser efetuadas, face ao termo de processos judiciais cujas indemnizações peticionadas estavam provisionadas, são reveladoras do absurdo da contabilização de provisões para processos judicias em curso – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 54 e segs.;

XXXVI. Por um lado, essas devoluções demonstram que eram os sujeitos passivos da “taxa” que iriam pagar essas indemnizações e que irão pagar as relativas aos restantes processos provisionados, se a ANACOM for condenado nesse pagamento – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 54 e segs.;

XXXVII. Por outro lado, a ANACOM devolve essas quantias sem juros, o que determina a existência de um enriquecimento da ANACOM sem causa justificativa (e inerente empobrecimento da Impugnante), pois teve essas quantias ao seu dispor durante vários anos sem pagar juros, ou seja, financiou-se gratuitamente à custa da Impugnante e de outros operadores e beneficiou (e continua a beneficiar) do rendimento gerado por essas quantias enquanto as teve na sua posse – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 54 e segs.;

XXXVIII. A contabilização de provisões para processos judiciais em curso no cálculo das “taxas” em causa viola, assim, o disposto no n.º 4 do art. 105.º da Lei 5/2004 e no n.º1 do Anexo II da Portaria 1473-B/2008, na redação aplicável, bem como os princípios do Estado de Direito, da legalidade, tipicidade, confiança e segurança jurídica, constitucionalmente consagrados (v. págs. 57 e 58 do Parecer da Exma. Senhora Professora Doutora Ana Paula Dourado junto aos autos), pelo que o ato sub judice é anulável por violação de lei e erro sobre os pressupostos de facto e de direito – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 67 e segs.;

XXXIX. Além disso, a argumentação da ANACOM de que, se não fossem os operadores do escalão 2 a suportarem estas provisões teriam que ser os contribuintes através do Orçamento do Estado - além de não verdadeira -, também impõe que se conclua que estamos perante um imposto e não uma taxa e que, consequentemente, os arts. 105.º/1/b)/2/4 e 5 da Lei 5/2004 e os n.ºs 1 a 3 do anexo II da Portaria 1473-B/2008, na interpretação que permitiriam a consideração de tais provisões - o que não se concede -, seriam inconstitucionais por violação dos arts. 103.º/2 e 165.º/1/i) da CRP – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 67 e segs.;

XL. O n.º 1 do anexo II da Portaria 1473-B/2008, na posterior redação da Portaria 296-A/2013, em que se passou a fazer referência às provisões para processos judiciais, não é aqui aplicável, por ser posterior ao ato de liquidação sub judice, como referido na douta Sentença recorrida – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 71 e segs.;

XLI. O referido n.º 1 do anexo II da Portaria 1473-B/2008, na posterior redação da Portaria 296-A/2013, além de ser inaplicável in casu, sempre seria ilegal por violação do art. 105.º da Lei 5/2004, bem como inconstitucional por violação do art. 112.º/1/2/5/6 e 7 da CRP - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 71 e segs.;

XLII. Além disso, o referido n.º 1 do anexo II da Portaria 1473-B/2008, na sua redação inicial e de 2009 - aqui aplicável -, também enfermaria das mesmas ilegalidades e inconstitucionalidades se interpretado no sentido de já permitir a consideração das provisões constituídas pela ANACOM para processos judiciais no cálculo das “taxas” em causa - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 71 e segs.;

XLIII. Na mesma linha, o n.º 2 do art. 105.º da Lei 5/2004 também seria inconstitucional, se interpretado no sentido de permitir a respectiva regulamentação por uma Portaria com o âmbito e alcance da Portaria 1473- B/2008, na interpretação acima referida (maxime quanto às provisões relativas a processos judiciais), por violação dos mesmos n.ºs 1, 2, 5, 5 e 7 do art. 112.º da CRP, bem como os princípios do Estado de Direito Democrático, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva e da responsabilidade das Entidades Públicas, consagrados nos arts. 2.º, 20.º e 22.º da CRP - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 67 e segs.;

XLIV. Face a tudo o exposto, não se verifica qualquer erro de julgamento na anulação da liquidação sub judice, sendo o presente recurso totalmente improcedente - cfr. texto das presentes Alegações n.º 67 e segs;

XLV. O alegado pela ANACOM quanto à anulação apenas parcial também improcede - cfr. texto das presentes Alegações n.º 75 e segs;

XLVI. Em primeiro lugar, nunca antes a ANACOM carreou para o processo qualquer elemento que pudesse suportar essa anulação apenas parcial do ato de liquidação (e também não o faz nas presentes Alegações) - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 75 e segs.;

XLVII. Em segundo lugar e mais relevante, é manifesto que os fundamentos da anulação determinam a anulação integral do ato de liquidação sub judice e não apenas parcial, pois, nomeadamente, no que respeita à errada consideração de provisões da ANACOM para processos judicias estão em causa os pretensos “custos” para o cálculo da percentagem contributiva utilizada para calcular a “taxa” - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 75 a 77 e segs.;

XLVIII. É, assim, manifesto que, contrariamente ao pretendido pela ANACOM, a liquidação sub judice tinha que ser integralmente anulada e, consequentemente, o tributo pago (ainda não devolvido) integralmente devolvido à Impugnante, não existindo qualquer fundamento para uma anulação apenas parcial - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 75 a 77;

XLIX. O alegado pela ANACOM relativamente ao juros também improcede - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 78 e segs;

L. A ANACOM não contesta que a Impugnante, ora Recorrida, tem direito ao pagamento de juros, mas invoca que, relativamente a pequenas quantias devolvidas em 2012, 2013, 2014 e 2015 não haveria lugar ao pagamento de juros - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 78 e segs.;

LI. Note-se que o que está em causa, relativamente àquelas quantias, é o pagamento de juros entre a data em que as mesmas foram pagas pela Impugnante e a sua devolução e não o pagamento de juros sobre as mesmas após aquela devolução - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 78 e segs.;

LII. Assim sendo, é totalmente improcedente o invocado pela ANACOM, que (mais uma vez) é verdadeiramente surpreendente - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 78 e segs.;

LIII. Seguindo-se a tese da ANACOM, se a alguém fosse ilegalmente liquidada uma “taxa” de 10.000€, em 2000, e em 2015 lhe fossem devolvidos 9.000€ não teria direito ao pagamento de quaisquer juros sobre esses 9.000€, o que seria totalmente inaceitável - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 78 e segs.;

LIV. Como a ora Recorrida referiu antes, maxime nas alegações que antecederam a douta Sentença recorrida, conforme requerimentos apresentados pela ANACOM e pela Impugnante, aquela efetuou diversas devoluções de pequenas partes das quantias pagas, em regra decorrentes da eliminação de algumas provisões (pelo termo dos respetivos processos judiciais), tendo a NOS, na sequência e em conformidade com essas devoluções e em honra do princípio da colaboração, reduzido o valor do pedido de restituição, abatendo, para efeitos do cálculo dos juros, as devoluções efetuadas - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 81 e segs.;

LV. Ou seja, cada vez que foi devolvida uma quantia pela ANACOM “parou-se” a contagem dos juros e reiniciou-se a contagem já deduzida do que foi devolvido, sendo que, se não existisse o pagamento de juros pelo período que a ANACOM teve as quantias na sua posse, estaríamos perante manifesto enriquecimento sem causa - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 81 e segs.;

LVI. Assim sendo, também quanto aos Juros improcede o Recurso da ANACOM - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 78 a 82;

LVII. Finalmente, caso o presente recurso da ANACOM seja julgado procedente – o que não se concede minimamente -, deve o processo baixar à primeira instância para apreciação e decisão das questões cujo conhecimento foi considerado prejudicado na douta Sentença recorrida, ou ser a Impugnante notificada por esse douto Tribunal, nos termos do art. 665.º/3 do CPC - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 83 a 84;

Termos em que deve o presente Recurso Subordinado ser julgado procedente e o Recurso da ANACOM ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se, nessa parte, a douta Sentença recorrida.”


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Atento o recurso subordinado deduzido, veio o ICP-ANACOM pronunciar-se, produzindo na sua resposta as seguintes conclusões:

«1.ª Não existe qualquer interesse processual no recurso subordinado porque, na procedência do Recurso interposto pela ANACOM, o Tribunal ad quem terá de conhecer das questões que não foram apreciadas pelo Tribunal a quo por terem sido consideradas prejudicadas pela solução dada ao litígio, ex vi artigo 665.º, n.º2 do CPC, aplicável subsidiariamente ao contencioso tributário;

2.ª A Recorrida não tem legitimidade para apresentar o presente recurso subordinado, quer à luz do disposto no artigo 141.º, n.º 2 do CPTA, que não é aplicável ao contencioso tributário (e que, de resto, a Recorrida não invoca para sustentar o presente recurso subordinado), quer a luz do disposto no artigo 633.º do CPC (em que a Recorrida baseia o presente recurso subordinado);

3.ª Não houve qualquer decaimento da Impugnante, ora Recorrida, quanto ao alegado “erro na determinação dos proveitos relevantes”, nem se verificou o decaimento de ambas as partes, na medida em que o Tribunal a quo anulou a liquidação na sua totalidade, pelo que não estão verificados os pressupostos processuais do recurso subordinado, o qual deverá ser rejeitado, por ser processualmente inadmissível;

4.ª Tendo o Tribunal a quo anulado a liquidação na sua totalidade com fundamento em erro na quantificação do tributo (erro nos pressupostos de facto e de direito) e tendo, por essa razão, considerado prejudicado o conhecimento dos demais vícios suscitados pela Impugnante, ora Recorrida, incluindo o alegado “erro na determinação dos proveitos relevantes”, não há qualquer omissão de pronúncia, mas uma relação de prejudicialidade entre a apreciação do vício julgado procedente e os demais vícios invocados pela Impugnante, pelo que não se verifica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia arguida pela Recorrida;

5.ª O facto de os restantes fundamentos/vícios invocados na petição de impugnação não terem sido apreciados pelo Tribunal a quo não significa que, quanto a eles, tenha havido decaimento para efeitos de ampliação do âmbito do recurso, já que se trata de matéria prejudicada pela solução dada à causa pela sentença recorrida;

6.ª Não tendo a Recorrida ficado vencida em qualquer dos restantes fundamentos/vícios invocados na petição de impugnação – cuja apreciação não foi sequer efetuada pelo Tribunal a quo – a ampliação do âmbito de recurso à apreciação do alegado “erro na determinação dos proveitos relevantes” é processualmente inadmissível;

7.ª A ampliação do âmbito do recurso apenas é admissível quanto à (i) alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia (nºs 7 a 12 da alegação e conclusão VIII) e quanto (ii) à impugnação da decisão quanto à matéria de facto (nºs 13 a 16 da alegação e conclusões IX a XI);

8.ª Dado o pressuposto em que assenta a decisão recorrida – erro sobre a quantificação do tributo que determina a anulação da liquidação na sua totalidade – não existe omissão de pronúncia, nem tão pouco uma violação do critério de prejudicialidade constante do artigo 124.º do CPPT, por se ter entendido que a anulação da liquidação na sua totalidade proporcionava uma tutela mais estável e eficaz dos interesses da impugnante, pelo que, também sob este ângulo, improcede a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia;

9.ª A questão da insuficiente densificação da matéria de facto necessária à apreciação dos diversos vícios de violação de lei invocados pela Impugnante, ora Recorrida, constitui matéria do recurso interposto pela ANACOM, em que se requer a modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto, mediante aditamento ao probatório de um conjunto de factos relativos à (i) determinação dos rendimentos relevantes, aos (ii) operadores “over-the-top” (OTT), aos (iii) custos de regulação e ao financiamento da ANACOM, ao (iv) tratamento das provisões como gasto/custo administrativo de regulação e aos (v) benefícios da atividade de regulação económica desenvolvida pela ANACOM;

10.ª O serviço de televisão por subscrição oferecido pela Impugnante assenta e depende da rede de comunicações eletrónicas e do serviço internet oferecidos pela mesma, não havendo que autonomizar serviços apenas pelo critério da receita, sob pena se fazer recair os custos de regulação sobre os outros operadores, ganhando a Recorrida uma apreciável vantagem no plano da concorrência;

11.ª No que diz respeito às passagens da gravação em que a Recorrida procura arrumar os factos relativos à matéria dos rendimentos relevantes, importa ter em conta a impugnação da sentença quanto à matéria de facto, feita pela ANACOM nas suas alegações de recurso, em que se pretende igualmente o aditamento de factos relativos a esta matéria (cf. factos F1 a F12 cujo aditamento ao probatório foi requerido pela ANACOM);

12.ª No que diz respeito à situação dos operadores “Over the Top” (de que é exemplo a Netflix) importa ter também em conta os factos F13 a F16 cujo aditamento se requereu em sede de alegações de recurso;

13.ª No que diz respeito ao aditamento requerido sob os nºs 15 e 49 da alegação da Recorrida (neste último invocando-se, a título subsidiário, o disposto no artigo 636.º, n.º 2 do CPC 2013), a ANACOM nada tem a opor ao requerido;

14.ª O núcleo essencial dos serviços prestados pela Recorrida não está na oferta de conteúdos, nem na atividade de produção de conteúdos, mas apenas e tão só na disponibilização de serviços de comunicações eletrónicas, os quais se traduzem no fornecimento e na prestação produtos e serviços descritos no Anexo I às Condições Gerais (cf. cláusula 1.1. das condições gerais da Impugnante);

15.ª A Recorrida limita-se a disponibilizar ao público, através da sua rede de comunicações eletrónicas, programas de televisão, da mesma forma que disponibiliza o sinal da internet ou as comunicações por voz;

16.ª A Portaria n.º 1473-B/2008 veio proceder a um rebalanceamento no modelo de tributação do setor, fazendo refletir sobre este os custos reais da atividade de regulação das comunicações eletrónicas que, assim, deixaram de ser financiados pelas taxas de utilização do espectro radioelétrico;

17.ª O facto de o sinal radioelétrico transportado ser previamente definido e/ou proposto pela prestadora do serviço de comunicações eletrónicas e aceite pelo adquirente desse serviço (e.g., um canal/programa de televisão ou um filme) não permite distinguir essa atividade – que consiste na transmissão desse sinal através de uma rede de comunicações eletrónicas – da atividade que consiste na transmissão, numa rede de comunicações eletrónicas, de um sinal radioeléctrico que será definido e/ou solicitado pelo adquirente do serviço (e.g., uma conversa Telefónica, um site da internet ou outro conteúdo disponível online): tanto um como outro são simplesmente serviços de comunicações eletrónicas;

18.ª A Recorrida não produz programas ou canais de televisão, nem tem qualquer controlo editorial sobre os conteúdos transportados/distribuídos através da sua rede de comunicações eletrónicas, quando muito adquire esses conteúdos a terceiros;

19.ª A Recorrida não é um «operador de televisão» nem está licenciada como tal pela ERC;

20.ª O serviço de televisão por subscrição é oferecido ao público pela Recorrida como um serviço de comunicações eletrónicas (como aliás resulta das suas condições gerais);

21.ª A distribuição de programas de televisão, sobre os quais a Recorrida não tem controlo editorial, através de uma rede de televisão por cabo, é legalmente considerada, quer à luz da Diretiva-Quadro (artigo 2.º, alínea c)), quer à luz da LCE (artigo 2.º, n.º 1, alínea b)), quer à luz da Lei da Televisão (artigos 2.º, n.º 1, alínea l) e 25.º), um serviço de comunicações eletrónicas;

22.ª Os serviços de comunicações eletrónicas prestados pela Recorrida (entre os quais, o serviço de comunicações eletrónicas de televisão por subscrição) são prestados através de uma rede de comunicações eletrónicas e, do ponto de vista técnico, todos os sinais transportados através dessa rede são idênticos;

23.ª A televisão, tal como os dados ou a voz, são simplesmente sinais radioeléctricos transportados através de uma rede de comunicações eletrónicas;

24.ª Os serviços disponibilizados pela Recorrida baseiam-se em tecnologia IP (internet protocol), pelo que todos eles pressupõem a disponibilização da infraestrutura (rede) aos seus clientes e que estes contratem também o serviço de internet, razão pela qual a Impugnante, ora Recorrida, apresentava os seus serviços como um conjunto integrado de comunicações eletrónicas de voz, internet e televisão;

25.ª No caso UPC Nederland BV c. Gemeente Hilversum (processo n.º C-518/11) o Tribunal de Justiça da União Europeia já teve oportunidade de clarificar, sem margem para quaisquer dúvidas, que «o artigo 2.°, alínea c), da diretiva-quadro deve ser interpretado no sentido de que um serviço que consiste em proporcionar um pacote de base acessível por cabo e cuja faturação engloba os custos de transmissão bem como a remuneração dos organismos de radiotelevisão e os direitos pagos aos organismos de gestão coletiva dos direitos de autor, a título da difusão do conteúdo das obras, é abrangido pelo conceito de “serviço de comunicações eletrónicas” e, portanto, pelo âmbito de aplicação material tanto desta diretiva como das diretivas específicas que constituem o NQR, aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas, desde que esse serviço compreenda principalmente a transmissão dos conteúdos televisivos mediante a rede de teledistribuição por cabo até ao terminal de receção do utilizador final» (cons. 47 e n.º 1 da parte deliberativa, ênfase aditada);

26.ª O facto de a Recorrida estar sujeita à supervisão e à taxa de regulação da ERC não contende com o facto de também estar sujeita à supervisão da ANACOM, na medida em que exerce a atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público;

27.ª Por respeitar ao fornecimento de redes e serviços de comunicações eletrónicas ao público, a atividade da Recorrida não se confunde com a atividade dos operadores Over The Top, isto é, prestadores de serviços de media on-line, que não fornecem redes ou serviços de comunicações eletrónicas aos seus clientes;

28.ª Os operadores Over The Top não estão sujeitos a taxa de regulação porque apenas disponibilizam conteúdos on-line aos seus clientes, desligados da oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas;

29.ª O acesso aos serviços digitais de televisão por subscrição e videoclube prestado pela Recorrida depende da aquisição de uma Set Top Box que apenas aquela ou os seus agentes vendem, instalam e configuram, de tal modo que não é possível aos seus clientes adquirir esses dispositivos doutra forma ou utilizá-los para usufruir dos serviços da Impugnante noutro local ou dos serviços de outros operadores de redes de comunicações eletrónicas;

30.ª Por isso, as Set Top Boxes disponibilizadas pela Recorrida são equipamentos de rede, indissociáveis da prestação do serviço de comunicações eletrónicas pela mesma;

31.ª As receitas provenientes (i) do serviço de televisão por subscrição (ii) do aluguer de Set Top Boxes e (iii) da instalação ativação e outros serviços conexos com o serviço de televisão por subscrição, auferidas pela Recorrida, advém do exercício da atividade de fornecimento de redes e serviços de comunicações eletrónicas, pelo que devem ser consideradas para o apuramento da correspondente taxa anual de regulação.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., que se pede e espera:

a) Deverá ser considerado inadmissível o recurso subordinado, bem como a requerida ampliação do âmbito do recurso quanto a questões que não foram objeto de apreciação e decisão na sentença recorrida, por terem sido consideradas prejudicadas pela solução dada ao litígio;

b) Deverá igualmente ser considerada improcedente a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia;

c) Na procedência do recurso e ouvidas as partes, deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que declare improcedente a impugnação do ato de liquidação da taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, relativa ao ano de 2011;

d) assim se fazendo JUSTIÇA


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da ser negado provimento ao recurso.

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Por despacho datado de 12/03/23, as partes foram notificadas para oferecerem, querendo, alegações complementares, ao abrigo do artigo 665, nº3do CPC. Quer a recorrente, ANACOM, em requerimento incorporado nos autos em 12/03/23, quer a N…… M........... COMUNICAÇÕES, S.A., em requerimento inserto no dia 13/03/23, produziram alegações complementares, nas quais mantiveram as suas posições iniciais.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

É a seguinte a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) A Impugnante exerce a actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas;

B) Pelo ofício com a refª ANACOM-S048022/2011 950493, datado de 01-06-2011, o ICP-ANACOM notificou a ora Impugnante de que relativamente à taxa anual mencionada na al b) do nº 1 do artº 105º da Lei nº 5/2004 (cf. doc nº 3, da pi):

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C) Do modelo de declaração para efeitos da taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedores de redes e serviços de comunicações electrónicas, identificado na alínea anterior, transcreve-se (doc nº 3, da pi):

«Imagem no original»

D) A informação a prestar é relativa ao ano de 2010 (doc nº 3, da pi);

E) A Impugnante respondeu ao ofício identificado na alínea C) tendo indicado (doc nº 4, da pi):

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F) Conforme modelo de declaração do ICP-ANACOM, a impugnante apresentou o Anexo I à declaração relativo à Decomposição da Prestação de Serviços Provenientes de Actividade Não Relacionadas com Fornecedor de Redes e Serviços de Comunicações Electrónicas (doc nº 4, da pi):

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G) Em 07-07-2011 o ICP-ANACOM publicou no seu sítio da internet um documento intitulado “Cálculo das taxas devidas pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações acessíveis ao público nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 105º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro” segundo o qual (doc nº 5, da pi):

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H) Pelo ofício de 10-10-2011 o ICP-ANACOM comunicou à Z.... que “em 07-10-2011, o Conselho de Administração deliberou proceder à audição prévia da Z.... TV Cabo Ma.........., SA, sobre a sua intenção de proceder à revisão dos proveitos relevantes declarados, que resulta em €29.587.269, nos termos e com os fundamentos constantes do relatório da B ………….. & Associados, SROC, SA”, cuja cópia foi anexada (doc nº 6, da pi):

I) No “relatório da B …………. & Associados, SROC, SA”, anexa ao ofício referido em H), que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, refere-se designadamente (doc nº 6, da pi):

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J) Por deliberação de 10-11-2011, o Conselho de Administração da Autoridade Nacional de Comunicações, deliberou aprovar o relatório da B ………… (doc nº 7, da pi);

K) Em 30-11-2011 o ICP-ANACOM publico seu sítio o documento intitulado “Cálculo das taxas devidas pelo exercício de actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, nos termos da al b) do nº 1 do artº 105º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, no ano de 2011”, em que consta, nomeadamente (doc nº 8, da pi):

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L) Pelo ofício com a refª ANACOM-S098003/2011, datado de 29-11-2011, a impugnante foi notificada de que, por Deliberação de 25-11-2011, o Conselho de Administração do ICP-ANACOM aprovou (doc nº 1, da pi):

«Imagem no original»


M) Com o ofício identificado no ponto anterior foi remetido à impugnante a Factura/Nota Liquidação/Recibo, com o nº F211000117 (doc nº 1, da pi);

N) Em 28-12-2011 a impugnante efectuou o pagamento da quantia de €169.061,66 (doc nº 2, da pi);

O) Em 28-03-2012 foi autuada, a presente impugnação (fls 2, dos autos);

P) Em resultado da Revisão Oficiosa da taxa liquidada foram efectuados acertos, com as consequentes emissões das notas de crédito, que a seguir se descriminam:

«Imagem no original»


b) Factos não provados

Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam os elementos do caso que, em face do alegado nos autos, se mostram provado com relevância necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.

Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos, informações e pareceres constantes do processo e no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência.

Da inquirição das testemunhas resultou o seguinte:

F……………………, Eng. Referiu que a Z.... é um grupo empresarial que presta diversos serviços: telefone fixo, internet, TV e conteúdo, exibição de cinema, distribuição de filmes, publicidade, etc., no mais tomou posição quanto aos argumentos defendidos pela impugnante, confirmando a posição, por esta defendida, na pi.

R …………….., Eng., igualmente tomou posição quanto aos argumentos da Z.... infirmando-os.

D ……………., gestor na N…, e igualmente infirma a posição e argumentos defendidos na pi.

J ……………., economista, tendo exercido funções na ANACOM, tomou posição quanto ao entendimento do que são rendimentos relevantes e as provisões.

F …………………, Eng. na Anacom, pronunciou-se sobre a actividade reguladora da Anacom e pronunciou-se sobre as provisões.

P ………………, ROC da B …………., pronunciou-se sobre o trabalho de auditoria efectuado.»


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- De Direito


Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente impugnação procedente e, em consequência: anulou o ato de liquidação impugnado, determinando a restituição do montante indevidamente pago, acrescido dos juros indemnizatórios, à taxa legal, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento; condenou o ICP-ANACOM ao pagamento de juros indemnizatórios vencidos sobre as quantias a que respeitam as notas de crédito elencadas em P); reduziu o valor da causa para €129.030,08.

Diga-se, desde já, que a liquidação impugnada foi anulada com base na análise de um único vício dos vários invocados na p.i de impugnação, pelo que ficaram por “apreciar as demais questões elencadas pelo impugnante, nomeadamente se a liquidação padece do vício de violação de lei, das normas e princípios constitucionais e do direito europeu”.

O ICP/ ANACOM, como parte vencida nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença recorrida. Tal sentença – sublinhe-se – julgou procedente a impugnação judicial, apreciando apenas um dos vários fundamentos de impugnação invocados (erro na quantificação do tributo – erro nos pressupostos de facto e de direito), ficando expressamente prejudicado o conhecimento dos demais vícios alegados pela Z.... T………. M........... (atual, Nos M..........., Comunicações SA).

Não obstante, a Nos M..........., Comunicações SA, veio apresentar, a par das contra-alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção do decidido, recurso subordinado, o qual, nas suas palavras, “incide sobre esse outro fundamento de erro na quantificação do tributo em causa, que, (…), não foi apreciado e decidido na douta Sentença recorrida (o que, na perspetiva da Impugnante, gera, com o devido respeito, nulidade por omissão de pronúncia)”. Para a NOS M..........., “trata-se de questão totalmente distinta da apreciada e decidida, quer quanto aos seus fundamentos e pressupostos (conforme decidido em outros processos a que respeitam as Sentenças juntas aos autos e a Sentença adiante junta), quer quanto aos seus efeitos, nomeadamente no quadro de uma eventual futura nova liquidação, na sequência do trânsito em julgado da decisão judicial, pelo que o presente Recurso Subordinado é admissível”.

Mais sustenta a NOS M........... que, caso não seja entendido verificar-se a invocada nulidade por omissão de pronúncia, “sempre se verificaria, (…) erro de julgamento quando nada se refere na douta Sentença recorrida, nomeadamente em sede de decisão de facto, quanto aos factos alegados nos arts. 74.º a 94.º, 96.º a 98.º, 102.º, 109.º a 111.º da P.I., relativos à aludida questão do erro de se considerar a totalidade dos rendimentos da NOS (então Z....), como rendimentos / proveitos relevantes para o cálculo da “taxa” em causa”.

Considera a Anacom que “Não existe qualquer interesse processual no recurso subordinado porque, na procedência do Recurso interposto pela ANACOM, o Tribunal ad quem terá de conhecer das questões que não foram apreciadas pelo Tribunal a quo por terem sido consideradas prejudicadas pela solução dada ao litígio, ex vi artigo 665.º, n.º2 do CPC, aplicável subsidiariamente ao contencioso tributário”. Com efeito, neste entendimento, a NOS M........... carece de “legitimidade para apresentar o presente recurso subordinado, quer à luz do disposto no artigo 141.º, n.º 2 do CPTA, que não é aplicável ao contencioso tributário (e que, de resto, a Recorrida não invoca para sustentar o presente recurso subordinado), quer a luz do disposto no artigo 633.º do CPC (em que a Recorrida baseia o presente recurso subordinado). A este propósito, sublinha a Anacom que “não houve qualquer decaimento da Impugnante, ora Recorrida, quanto ao alegado “erro na determinação dos proveitos relevantes”, nem se verificou o decaimento de ambas as partes, na medida em que o Tribunal a quo anulou a liquidação na sua totalidade, pelo que não estão verificados os pressupostos processuais do recurso subordinado, o qual deverá ser rejeitado, por ser processualmente inadmissível”. Em síntese, remata a Recorrente, Anacom, dizendo que “não tendo a Recorrida ficado vencida em qualquer dos restantes fundamentos/vícios invocados na petição de impugnação – cuja apreciação não foi sequer efetuada pelo Tribunal a quo – a ampliação do âmbito de recurso à apreciação do alegado “erro na determinação dos proveitos relevantes” é processualmente inadmissível”.

É esta, pois, a primeira questão que se impõe analisar, antes de avançarmos.

Vejamos o que se nos oferece dizer, sendo que a análise do campo de aplicação do recurso subordinado (vs. recurso independente e ampliação do âmbito de recurso) nem sempre é fácil. Por razões de clareza, seguiremos jurisprudência avalizada nesta matéria.

“Efectivamente, como tem vindo a ser salientado pela doutrina, em função das circunstâncias, a impugnação das decisões perante o Tribunal Superior ou de recurso pode apresentar-se sob várias formas, sendo que, no caso do recurso subordinado, o mesmo só pode surgir na sequência de interposição de um recurso principal interposto pela outra parte (“subordinado”) e tem necessariamente que ter por objecto o segmento decisório em que a Recorrente (subordinada) ficou vencida.

Não ficando a parte vencida “em relação ao resultado declarado na sentença", não há “fundamento” para interposição de recurso subordinado ou, mais rigorosamente, não detém a parte legitimidade para a sua interposição.

Tudo quanto legitimamente pode promover (não ficando vencida na acção) é a ampliação do objecto do recurso intentado pela contraparte de modo a que este passe a abarcar também, subsidiariamente, os fundamentos da acção (ou da defesa) não apreciados e/ou não acolhidos pelo Tribunal, nos termos do artigo 684º-A do CPC (em vigor à data da interposição do recurso e a que corresponde o actual artigo 636.º do mesmo Código).

Note-se que o preceito citado, introduzido na ordem jurídica pelo DL n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, teve assumidamente um propósito: resolver a questão que se colocava relativamente ao meio processual a que a parte deveria lançar mão na situação de a sentença lhe ser favorável mas não terem nela sido acolhidos todos ou algum dos fundamentos de facto e direito por si invocados.

Para a maioria da doutrina e da jurisprudência, nessa situação, a parte não detinha legitimidade para recorrer por - do confronto entre a decisão e a acção ou defesa - resultar a conclusão de que não era parte vencida. Porém, considerando ser inequívoco que não é de todo indiferente para a manutenção do resultado expresso, o modo como o Tribunal fundamenta a sua decisão, designadamente nas situações em que, sendo interposto recurso pela parte vencida, o Tribunal ad quem concedesse provimento a alguma das questões suscitadas pela Recorrente, conduzia a que, na prática e na ausência de regulamentação expressa, aquela jurisprudência maioritária admitisse conhecer desses outros fundamentos, ainda que para uns, esse pedido de apreciação devesse ser expresso nas contra-alegações de recurso e, para outros, tivesse de ser requerido no âmbito de um recurso subordinado.

Como dissemos já, com a reforma intercalar introduzida pelo DL 39/95, o legislador decidiu a questão, optando expressa e inequivocamente pela atribuição à parte que viu a final reconhecida a sua pretensão mas não vencida no resultado final expresso de, nas contra-alegações, promover a ampliação do objecto do recurso interposto pela contraparte de modo a, sendo a esta reconhecida razão, serem apreciadas as questões, vícios ou fundamentos de facto e direito que tivesse suscitado e não tivessem sido apreciados ou acolhidos pelo Tribunal a quo.

Temos, pois, por seguro, face ao preceituado nos artigos 680º, n.º 1, 682º nº 1, 684º-A do CPC (redacção que detiveram após a entrada em vigor do DL n.º 303/2007 de 26-6), que o recurso subordinado está reservado para as situações em que a parte ficou vencida em algum dos pedidos (principal ou subsidiariamente formulados) ou em “questão marginal”, isto é, em questão que não contendendo directamente com o objecto do processo, tendo sido suscitada e apreciada, tenha sido decidida em sentido contrário ao interesse de quem a suscitou”. – cfr. acórdão deste TCA, de 05/11/15, processo nº 5681/12.

Ora, assim é, face ao atual 633º, nº1 do CPC, nos termos do qual se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.

No caso, repete-se, dos fundamentos invocados na p.i, apenas um foi apreciado, tendo sido dada integral razão à impugnante. No mais, o conhecimento ficou prejudicado, pelo que nem sequer se pode dizer que a Impugnante, N……… M..........., ficou vencida relativamente a qualquer dos demais fundamentos por si invocados (que simplesmente não foram apreciados).

Assim sendo, como é, dir-se-á que a Recorrente N…….. M........... não tem legitimidade para recorrer subordinadamente, pelo que o recurso subordinado interposto não pode ser admitido.

Isto mesmo se decidirá a final.

Com efeito, tal como a alegação se mostra formulada, o alcance da pretensão da Recorrente, N………M..........., teria cabimento, nos termos do artigo 636º do CPC, em sede de ampliação do objeto do recurso. Tenha-se presente que, nos termos dos nºs 1 e 2 do citado preceito:

1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.

2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.

3 - Na falta dos elementos de facto indispensáveis à apreciação da questão suscitada, pode o tribunal de recurso mandar baixar os autos, a fim de se proceder ao julgamento no tribunal onde a decisão foi proferida.

Acresce que, nos termos do nº 2 do artigo 665º, do CPC, se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.

No caso, porém, não sendo admitido o recurso subordinado, poder-se-ia colocar a questão de operar a convolação do mesmo em ampliação do objeto do recurso, ouvidas as partes.

Entendemos, porém, atenta a economia dos autos e a sorte do recurso interposto pela Anacom, (que o Tribunal não pode, desde já, ignorar), que tal atuação seria manifestamente inútil, sendo certo que o princípio da limitação dos atos determina que não é lícito realizar no processo atos inúteis.

Assim sendo, importa, sem ponderação adicional quanto à convolação, prosseguir com a análise que nos compete.


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Inconformada, a Autoridade Nacional de Comunicações veio interpor recurso da sentença do TT de Lisboa, com os fundamentos constantes das conclusões de recurso supra indicadas, e que, em larga medida, são idênticas às formuladas no proc. nº 968/12.4BELRS, pela ANACOM, em que está em causa matéria em tudo semelhante àquela que aqui se discute, sendo que também este processo respeitava, como no presente caso, ao ano de 2011. Também no mesmo sentido, e aderindo integralmente ao acórdão proferido no proc. nº 968/12, pode ver-se o acórdão deste TCA, de 19/01/23, proferido no processo nº 567/13.3 BELSB.

Passamos, assim, a seguir, transcrevendo, o acórdão tirado no processo nº. 968/12.4BELRS, de 24/11/22, por se concordar inteiramente com os seus fundamentos, o que fazemos com base no disposto no artigo 8º, nº 3, do CC.

Lê-se em tal aresto o seguinte:

«III.A. Da inconstitucionalidade orgânica

Nos termos do art.º 204.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), “[n]os feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.

Assim, as questões de inconstitucionalidade são de conhecimento oficioso, sendo ainda pertinente sublinhar que, com a alteração feita ao art.º 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), pela Lei n.º 9/2019, de 01 de fevereiro, a sua verificação passou a sustentar o direito ao pagamento a juros indemnizatórios [cfr. a alínea d) do seu n.º 3].

Na sua petição inicial, já a Impugnante alegara a inconstitucionalidade do tributo em causa, designadamente do ponto de vista da violação do princípio da legalidade nas suas duas vertentes (tipicidade e reserva de lei parlamentar).

Assim, e não obstante tal questão não tenha sido conhecida pelo Tribunal a quo, porque julgada prejudicada, atenta a circunstância de a mesma ser de conhecimento oficioso e considerando que foi assegurado às partes o exercício do direito ao contraditório, por força do cumprimento do disposto no art.º 665.º, n.º 3, do CPC, passar-se-á à sua apreciação em primeira linha.

Enquadrando.

A Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro [Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE), entretanto revogada pela Lei n.º 16/2022, de 16 de agosto, com efeitos a partir de 14 de novembro de 2022], veio estabelecer o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações eletrónicas e aos recursos e serviços conexos, definindo ainda as competências da entidade reguladora neste âmbito.

A mesma surge como reflexo de transposição de diretivas comunitárias, concretamente das diretivas 2002/19/CE, 2002/20/CE, 2002/21/CE e 2002/22/CE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março, e 2002/77/CE, da Comissão, de 16 de setembro.

O quadro comunitário relativo às comunicações eletrónicas surgiu num contexto de necessidade de acompanhamento da abertura do mercado das telecomunicações à concorrência (transição de mercados monopolistas para mercados de plena concorrência).

Como tal, foi aprovado um pacote de diretivas, onde se incluem as já referidas.

Centrando-nos especificamente na Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (“diretiva quadro”), como resulta do seu considerando (5), verificou-se a necessidade de “… separar a regulação da transmissão, da regulamentação dos conteúdos. Assim, este quadro não abrange os conteúdos dos serviços prestados através das redes de comunicações eletrónicas recorrendo a serviços de comunicações eletrónicas, como sejam conteúdos radiodifundidos, serviços financeiros, ou determinados serviços da sociedade da informação”.

Esta diretiva consagra um quadro harmonizado para a regulamentação das redes de comunicações eletrónicas [definidas no seu art.º 2.º, al. a)], abarcando os serviços de comunicações eletrónicas [definidos no art.º 2.º, al. c)].

Por outro lado, a Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (“diretiva autorização”), consagra um regime de autorização geral, conforme refletido designadamente no seu art.º 3.º.

Voltando à LCE e atento o quadro comunitário mencionado, deste diploma é desde logo de chamar à colação o seu título VII, com a epígrafe “Taxas, supervisão e fiscalização”.

Assim, o art.º 105.º, n.º 1, al. b), consagra que o “exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas” está sujeito a taxas de periodicidade anual.

O n.º 2 da mesma disposição legal remete para Portaria do membro do governo responsável pela área das comunicações a definição, entre outros, do montante da taxa referida.

Por seu turno, o n.º 4 do mesmo art.º 105.º refere que os montantes são determinados em função dos custos administrativos, nos seguintes termos:

“Os montantes das taxas referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 são determinados em função dos custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das condições específicas referidas no artigo 28.º, os quais podem incluir custos de cooperação internacional, harmonização e normalização, análise de mercados, vigilância do cumprimento e outros tipos de controlo do mercado, bem como trabalho de regulação que envolva a preparação e execução de legislação derivada e decisões administrativas, como decisões em matéria de acesso e interligação, devendo ser impostos às empresas de forma objetiva, transparente e proporcionada, que minimize os custos administrativos adicionais e os encargos conexos”.

Assim, é de chamar à colação a Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro (na redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 291-A/2011, de 04 de novembro, que a republicou), que aprova as taxas devidas pela emissão das declarações comprovativas dos direitos, pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, pela atribuição de direitos de utilização de frequências e de números, pela utilização do espectro radioelétrico e demais taxas devidas à Anacom.

Atento o respetivo Anexo II (na redação vigente à época), resulta que, para o cálculo do tributo ora em apreciação:

 É tido desde logo em conta o valor dos “proveitos [atualmente rendimentos] relevantes” diretamente conexos com a atividade de comunicações eletrónicas relativa ao ano anterior àquele em que é efetuada a liquidação do tributo, sendo cada entidade enquadrada em um dos três escalões definidos, de acordo com tais valores;

 São ainda considerados os custos administrativos, previstos no art.º 105.º, n.º 1, al. b), da LCE.

A taxa T0 é de 0,00 Eur. e a taxa T1 é de 2.500,00 Eur.

Já a taxa T2, aplicável a entidades como a Impugnante, enquadradas no escalão 2 [cfr. facto 37], é uma taxa variável, calculada nos seguintes termos:

t2 (Ano n) = [C (Ano n) — ΣT1n1(Ano n)] / ΣP2 (Ano n-1) [percentagem contributiva (%) das empresas do escalão 2 no Ano n].

T2 (Ano n) = t2 (Ano n) × P2 (Ano n-1).

Assim, num primeiro momento, é obtido o valor t2, que corresponde à relação entre, de um lado, a diferença entre o total de custos administrativos do ICP-Anacom referentes à al. b) do n.º 1 do art.º 105.º da LCE, a publicar nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, a considerar para o Ano n [C (Ano n)] e o somatório da taxas do escalão 1 multiplicadas pelo número de entidades do escalão 1 [ΣT1n1(Ano n)], e, de outro, o somatório dos proveitos relevantes das entidades do escalão 2 no ano -1 [ΣP2 (Ano n-1)].

Desta forma, obtém-se a percentagem contributiva (%) das empresas do escalão 2 no Ano n.

Calculada a t2, é calculada a T2, correspondente ao produto de t2 pelos proveitos relevantes das entidades do escalão 2 no ano -1.

Todos estes elementos constam, como referimos, do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro.

Feito este enquadramento, há que atentar na conformidade constitucional desta disciplina.

Cumpre, assim e antes de mais, considerar a tipologia de tributos previstos no ordenamento jurídico português.

Independentemente da nomenclatura utilizada pelo legislador para designar os tributos, a sua natureza depende das suas específicas caraterísticas.

Com efeito, o nosso ordenamento consagra um conceito amplo de tributo.

Como resulta desde logo do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, os tributos têm uma natureza tripartida:

a) Impostos;

b) Taxas; e

c) Demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas.

Este quadro tripartido surge, ao nível da lei ordinária, previsto no art.º 3.º da LGT.

Assim, esta configuração implica que cada um dos tributos tenha caraterísticas e finalidades próprias.

Quanto à sua noção, em traços largos, e começando pela de imposto, este define-se como uma prestação pecuniária unilateral, imposta coativa ou autoritariamente pelo Estado ou por uma entidade pública, sem caráter sancionatório, visando angariar receita. É ainda de atentar que, do art.º 103.º, n.º 1, da CRP, resulta igualmente que o sistema fiscal visa diminuir as desigualdades e promover a distribuição de rendimentos e riquezas, conjugando o que se poderá denominar como um interesse financeiro ou imediato com um interesse de justiça social, mediato ou metajurídico.

No que respeita às taxas as mesmas configuram-se como prestações pecuniárias impostas coativa ou autoritariamente, pelo Estado ou outro ente público, sem que tenham caráter sancionatório, pressupondo sim a existência de uma contraprestação, seja ela a prestação de um serviço público, a utilização de um bem do domínio público ou a remoção de um obstáculo jurídico.

A par das taxas e dos impostos surge a terceira categoria, a das contribuições financeiras, classificação de caráter residual, abrangendo os tributos que não são nem impostos nem taxas.

Como se refere no Acórdão n.º 539/2015, do Plenário do Tribunal Constitucional, de 20.10.2015:

“[A] revisão constitucional de 1997, introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (artigo 165.º, n.º 1, alínea i)). As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).

As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (…).

Por via da nova redação dada à norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), a Constituição autonomizou uma terceira categoria de tributos, para efeitos de reserva de lei parlamentar, relativizando as diferenças entre os tributos unilaterais e os tributos comutativos e obrigando a uma reformulação da discussão sobre a exigência da reserva de lei, relativamente às contribuições especiais que não se pudessem enquadrar no preciso conceito de taxa” (sublinhados nossos).

Nas palavras de Sérgio Vasques :

“O que (…) carateriza os tributos que hoje em dia encontramos a meio caminho entre as taxas e os impostos é o estarem voltados à compensação de prestações de que só presumivelmente se pode dizer causador ou beneficiário o sujeito passivo, sendo o seu pressuposto constituído por factos que apenas com segurança relativa permitem concluir pela provocação ou aproveitamento das prestações administrativas. Em suma, o que as define é visarem uma troca entre a administração e grupos de pessoas que se presume provocarem os mesmos custos ou aproveitarem os mesmos benefícios”.

Nos termos do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, é da competência relativa da Assembleia da República legislar em matéria de impostos e sistema fiscal e sobre o regime geral das taxas e contribuições financeiras.

Assim, e analisando a mencionada al. i) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP, lida em consonância com o n.º 2 do art.º 103.º da lei fundamental, dúvidas não há que, no que toca aos impostos, a reserva relativa de lei abrange tudo o que respeite à sua criação, determinação da incidência, da taxa, dos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes.

Quanto aos demais tributos, o princípio da reserva de lei formal não tem o mesmo alcance.

Com efeito, do disposto no art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, resulta que a reserva de lei parlamentar se circunscreve ao regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, sendo que até à presente data não foi aprovado qualquer regime geral das contribuições financeiras e, ao nível das taxas, apenas foi aprovado o regime geral das taxas das autarquias locais.

Assim, reconhece-se ao Governo uma competência concorrente em matéria de criação de contribuições financeiras individualizadas.

Chama-se a este respeito, a título exemplificativo, à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015, de 20 de outubro, onde se refere:

“A revisão constitucional de 1997 ao prever a figura das contribuições financeiras como tributo, para efeitos de definição da competência legislativa, equiparou-a às taxas e distinguiu-a dos impostos. Enquanto a criação destes se manteve na reserva relativa da Assembleia da República, relativamente às taxas e às contribuições financeiras aí se incluiu apenas a previsão de um regime geral, ficando excluída da reserva parlamentar a criação individualizada quer de taxas quer de contribuições financeiras. E a aprovação desse regime geral não surge como ato-condição ou pressuposto necessário da criação individualizada desses tributos (Cf. Blanco de Morais, em “Curso de direito constitucional”, Tomo I, pág. 273, nota 400, ed. 2008, da Coimbra Editora), não havendo razões para que se considere que a atribuição reservada daquela competência pelo legislador constitucional tenha procurado refletir uma aplicação mais rarefeita do princípio matriz do parlamentarismo “no taxation without repre-sentation”.

A opção constitucional por uma reserva parlamentar diferenciada entre impostos, por um lado, e taxas e contribuições por outro lado, teve em consideração a ausência de qualquer bilateralidade de prestações nos primeiros, não tendo o legislador constitucional relevado como fator merecedor de uma distinção em matéria competencial o facto de nas contribuições financeiras essa bilateralidade se apresentar muitas vezes como potencial e/ou difusa.

Se a jurisprudência constitucional anteriormente à Revisão de 1997, perante a ausência de previsão na Constituição dos tributos parafiscais, por cautela, preferiu equiparar as contribuições financeiras aos impostos, relevando aquela característica, outra foi a opção do legislador constituinte de 1997 que entendeu preferível tratar do mesmo modo as contribuições financeiras e as taxas, diferenciando estes dois tributos dos impostos, em matéria de reserva parlamentar.

Não sendo a existência de um regime geral pressuposto necessário da criação de taxas, nem de contribuições financeiras, não tem qualquer suporte no texto constitucional, na ausência daquele regime, estender-se a competência reservada da Assembleia da República ao ato de aprovação de contribuições financeiras individualizadas, criando-se assim uma reserva integral de regime onde esta não existe. Como afirmaram Alexandre Sousa Pinheiro e Mário João de Brito Fernandes, “na ausência de regime geral não pode o intérprete subverter a vontade do legislador (constituinte ordinário) criando uma reserva integral” (In “Comentário à IV Revisão Constitucional, pág. 417, ed. de 1999, da AAFDL).

O Tribunal Constitucional logo extraiu estas conclusões relativamente à aprovação de taxas individualizadas por ato legislativo do Governo não autorizado, sem que a Assembleia houvesse aprovado um regime geral das taxas (Acórdãos n.º 38/2000 e 333/2001), não havendo razões para que, relativamente à criação de contribuições financeiras, se estabeleça uma solução diversa, efetuando uma distinção onde o texto constitucional não distingue.

Assim, a ausência da aprovação de um regime geral das contribuições financeiras pela Assembleia da República não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais”.

Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 152/2022, de 17 de fevereiro:

“A jurisprudência constitucional em matéria de tributos comutativos e paracomutativos tem seguido uma orientação com dois traços fundamentais: a criação desses tributos pode fazer-se através de decreto-lei simples e a concretização do respetivo regime, desde que este conste essencialmente de um ato legislativo, pode ser objeto de portaria (…)

[O] Tribunal tem reconhecido ao Governo a possibilidade de exercer uma competência concorrente em matéria de contribuições financeiras, mas − como se salvaguardou no Acórdão n.º 539/2015 − «sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais». Esta salvaguarda aponta para a exigência de que os elementos essenciais das contribuições financeiras sejam definidos por ato legislativo do Parlamento ou do Governo”.

Feito este enquadramento, cumpre, então, passar à concreta situação.

Sobre a mesma, já este TCAS teve a oportunidade de se pronunciar, no Acórdão de 29.09.2022 (Processo: 21/13.3 BELRS), no qual a ora Relatora interveio na qualidade de 2.ª adjunta.

Ali se escreveu:

“Percorrido o regime normativo nos aspectos que relevam para os autos, começaremos por dizer que, não obstante o tributo impugnado tenha a designação legal de “Taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas”, propendemos para a sua caracterização como contribuição financeira.

Com efeito, estão reunidas as principais notas características desta categoria tributária: é uma prestação pecuniária (i), coactiva (ii), cujas receitas são consignadas subjectiva e materialmente a um ente público (iii), que assenta numa relação de bilateralidade genérica ou difusa – visando compensar uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada (iv) por um grupo homogéneo de contribuintes em que o sujeito passivo se integra (v) – vd. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 268/2021, de 29/04/2021.

Tratam-se, de acordo com a caracterização da doutrina, de contribuições especiais parafiscais, que financiam entidades públicas de base não territorial cuja actividade beneficia um grupo homogéneo de destinatários.

Como refere Ana Paula Dourado, “Direito Fiscal – Lições”, Almedina, 2015, a pág.67, “No quadro da parafiscalidade, são de destacar as novas taxas de regulação económica. Elas têm vindo a proliferar e podemos considerá-las essenciais para financiar as despesas e garantir a independência das entidades reguladoras em relação aos governos emanados das maiorias parlamentares. A mais recente doutrina defende a sua autonomização face aos impostos”.

Concluindo-se que a designada “Taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas”, tem natureza de contribuição financeira – realçando-se que a querela em torno da qualificação jurídica do tributo impugnado como taxa ou contribuição financeira não assume particular relevância para a decisão a proferir, daí a desnecessidade de mais extensas considerações de ordem dogmática – impõe-se a este Tribunal de apelação, nos termos do art.º 204.º da CRP [“Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”], apreciar e decidir da questão prejudicial imprópria de inconstitucionalidade (vd. Jorge Miranda, “O Regime de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade em Portugal”), arguida na impugnação da liquidação do tributo (cf. ponto VII da douta P.I.) e cujo conhecimento a sentença deu por prejudicado em vista da solução dada ao litígio (art.º 665/2 do CPC), na medida em que se constata existir um nexo incindível entre ela e a questão principal objecto do recurso, ou seja, entre a alegada interpretação não conforme à Constituição que foi feita das normas previstas na alínea b) do art.º 1.º da Portaria n.º 1473-B/2008 e das normas previstas nos n.ºs 1, 4 e 5, do seu Anexo II, em que assenta a liquidação do tributo, e o feito submetido a julgamento, qual o de indagar se os custos administrativos de regulação, que o tributo liquidado visa compensar, poderão incluir as provisões constituídas para processos judiciais pendentes.

E passando ao conhecimento da questão de constitucionalidade, em causa está a dimensão normativa dos identificados preceitos da Portaria n.º 1473-B/2008 na parte em que determinam a incidência objectiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços enquadrados no “escalão 2”, bem como a isenção prevista para certos operadores de comunicações.

Como se sabe, na ausência do enquadramento legislativo geral a que se refere a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, a jurisprudência constitucional tem reconhecido ao Governo a possibilidade de exercer uma competência concorrente em matéria de contribuições financeiras, mas − como se salvaguardou no seu Acórdão n.º 539/2015, de 20/10/2015 (cf. ponto 2 da fundamentação do acórdão, “Da alegada inconstitucionalidade orgânica”) − «sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais».

Como se refere no recente Ac. do TC n.º 152/2022, de 17/02/2022, que se debruçou sobre questão idêntica à destes autos, mas em que discutia a conformidade constitucional do acto de liquidação da “taxa anual de prestação de serviços postais” relativa ao ano de 2016, «Esta salvaguarda aponta para a exigência de que os elementos essenciais das contribuições financeiras sejam definidos por acto legislativo do Parlamento ou do Governo. Com efeito, ao determinar que o regime geral das contribuições financeiras integra a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, a Constituição atribui, pelo menos de modo implícito, natureza legislativa a toda a matéria das contribuições na ausência de um regime geral. Esta exigência de que a matéria seja regulada por acto legislativo é da maior relevância, pois não obstante o mesmo órgão − o Governo − ter simultaneamente competência legislativa e regulamentar, há diferenças significativas entre o regime constitucional dos decretos-leis e dos regulamentos, seja qual for a forma que estes revistam. Como se explica no Acórdão n.º 474/2021, a propósito da distinção entre decretos-leis e decretos regulamentares:

«A Constituição impõe que os regulamentos independentes revistam a forma de decreto regulamentar (n.º 6 do artigo 112.º), tal se devendo ao facto, não apenas de estes serem assinados pelo Primeiro-Ministro (n.º 3 do artigo 201.º) − ao contrário das portarias ou dos despachos dos membros do Governo –, como ainda − ao contrário do que sucede também com as resoluções do Conselho de Ministros com conteúdo normativo − de carecerem da promulgação do Presidente da República (alínea b) do artigo 134.º) e implicarem recurso obrigatório do Ministério Público para o Tribunal Constitucional em caso de recusa de aplicação de norma (n.º 3 do artigo 280.º). Estes traços de regime aproximam os decretos regulamentares, em boa medida, do regime constitucional dos decretos-leis; mas há certas qualidades procedimentais, relevantes do ponto de vista da legitimidade democrática e da separação de poderes, que só estes possuem. Com efeito, ao contrário dos decretos regulamentares, os decretos-leis, mormente em matéria de competência legislativa concorrencial, devem ser aprovados em Conselho Ministros (alínea d) do n.º 1 do artigo 200.º), estão sujeitos a apreciação parlamentar (artigo 169.º) e podem ser objeto de fiscalização preventiva da constitucionalidade (alínea g) do artigo 134.º)» (fim de cit.).

Ora, continuando a acompanhar, com as devidas adaptações, o raciocínio do douto Tribunal, constata-se que as normas do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008 aqui em apreço regulamentam, é certo, a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, mas em termos que, face à delimitação da incidência subjectiva e objectiva que resulta dos n.ºs 1 alínea b), 2 e 4 do art.º 105.º deste diploma, não podem deixar de ser considerados substancialmente inovatórios. No que respeita, em especial, à parte em que é determinada a incidência objectiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços de comunicações electrónicas, enquadrados no «escalão 2», que é o caso da impugnante e ora recorrida, é a Portaria que cria escalões, que define o universo de sujeitos passivos que integram o «escalão 2» e que elege como critério determinante da repartição dos custos a compensar os rendimentos relevantes directamente conexos com a actividade de serviços de comunicações electrónicas, apurados no ano anterior àquele a que a taxa se reporta, do qual resulta a taxa concretamente aplicada aos operadores enquadrados neste escalão.

Assim, forçoso é reconhecer que certos elementos da impugnada taxa de regulação, determinantes da quantificação do tributo, foram objecto de normação primária por via regulamentar, ou seja, através do exercício da função administrativa.

Acontece que esses elementos, no entendimento do Tribunal Constitucional, que aqui acompanhamos e acolhemos, «integram a reserva de função legislativa, reserva essa, cujo desiderato, na ausência de um regime geral das contribuições financeiras constante de lei parlamentar ou decreto-lei devidamente autorizado, é o de assegurar um certo nível de coerência, transparência, equidade e legitimidade na criação desses tributos. Claro está que, se a matéria em causa integra o domínio da competência legislativa concorrencial da Assembleia da República e do Governo, não está em causa simplesmente a violação da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, cujo alcance é o de delimitar o domínio reservado ao legislador parlamentar em matéria tributária. Em causa está antes a invasão pelo poder administrativo de um domínio que a ordem constitucional reserva ao poder legislativo, ou seja, em que esta não é indiferente a que a regulação da matéria – os elementos essenciais das contribuições financeiras − conste de decreto-lei ou de mero regulamento. O problema essencial, como é bom de ver, prende-se com a legalidade da Administração Pública, relevando do inciso inicial do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, não na dimensão de preferência de lei – que, por ser uma questão de legalidade, em que o parâmetro imediato de controlo é a lei ordinária, extravasa os poderes de cognição da jurisdição constitucional −, mas na dimensão de reserva de lei – que, por dizer respeito a saber se as normas regulamentares invadem um domínio que a Constituição reserva ao legislador, consubstancia uma questão de constitucionalidade» (fim de cit.).

Ora, as normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de Dezembro, na redacção da Portaria n.º 291-A/2011, de 04 de Novembro, ao regularem de forma inovatória elementos essenciais da taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços de comunicações electrónicas enquadrados no «escalão 2», violam essa reserva de função legislativa que se pode extrair das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição”.

Consideramos, pois, tal como no aresto citado, que estamos perante uma contribuição financeira, cujas normas, designadamente de incidência objetiva e taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas, concretamente do escalão 2, aqui em causa, constam não de ato legislativo (cfr. art.º 112.º, n.º 1, da CRP), mas de diploma regulamentar, infra legislativo.

Como se refere no já citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 152/2022, de 17 de fevereiro, “é a Portaria que cria escalões, que define o universo de sujeitos passivos que integram o «escalão 2» e que elege como critério determinante da repartição dos custos a compensar os rendimentos relevantes diretamente conexos com a atividade de serviços postais apurados no ano anterior àquele a que a taxa se reporta, do qual resulta a taxa concretamente aplicada” (no mesmo sentido veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 754/2022, de 9 de novembro).

Assim sendo, recusando este Tribunal aplicar as normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação da Portaria n.º 291-A/2011, de 04 de novembro, na parte em que determinam a incidência objetiva e a taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e de comunicações eletrónicas enquadrados no “escalão 2”, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º e do n.º 2 do art.º 266.º da CRP, fica sem suporte normativo a liquidação impugnada, o que determina a sua anulação.

Como tal, fica prejudicado o conhecimento das demais questões, incluindo as questões objeto do recurso.

Assim, é de negar provimento ao recurso, embora com a presente fundamentação.» - fim de citação.

Com os fundamentos do acórdão supra citado, também, no presente caso, fica sem suporte normativo a liquidação impugnada, o que determina a sua anulação, pelo que se nega provimento ao recurso jurisdicional da ANACOM e se mantém a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação.

Como tal, fica prejudicado o conhecimento das demais questões objeto de recurso.


*

III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em:

- não admitir o recurso subordinado, condenado a N… M........... pelas custas do incidente que se fixa 2 UC.

- negar provimento ao recurso interposto pela ANACOM e, em consequência, manter a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente, ANACOM.

Registe e notifique.

Lisboa, 04/05/23


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Lurdes Toscano