Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:987/12.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA.
MÉTODOS INDIRECTOS.
Sumário:Não basta ao cumprimento do ónus da demonstração do excesso na quantificação da matéria colectável a invocação de erros e imprecisões no método adoptado. Importa alegar e provar que tais erros tornam inverosímil a matéria colectável apurada.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
L....................., Lda., interpôs recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em 26/10/2022 e inserta a fls. 119 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu na sequência do acto de indeferimento do recurso hierárquico da decisão que desatendeu a reclamação graciosa que apresentara contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios referentes aos quatro trimestres do ano de 2007, no valor total €8.176,43.
Nas alegações de fls. 183 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), a sociedade impugnante, ora recorrente, formula as conclusões seguintes:
A) - A douta sentença recorrida julgou improcedente o pedido de anulação das liquidações do IVA e juros compensatórios, relativas aos períodos 07/03T, 07/06T, 07/09T e 07/12T, todas no montante global de € 8.176,43, resultantes de correções por métodos indiretos, não tendo atendido nem à causa de pedir designada por insuficiente fundamentação de facto e da violação de lei na aplicação dos métodos indiretos, nem à causa de pedir da errónea quantificação por métodos indiretos e da insuficiente fundamentação do critério da quantificação.
B) - Improcedência dos citados fundamentos, de cujo julgamento efetuado na douta sentença recorrida, a recorrente discorda.
C) – Assim e no que diz respeito à causa de pedir designada por insuficiente fundamentação de facto e da violação de lei na aplicação dos métodos indiretos, a douta sentença recorrida julgou improcedente esta causa de pedir com base no regime da alínea b) do nº 1 do artigo 87º conjugado com a alínea a) do artigo 88º da LGT, sendo que, para o Tribunal “a quo”, a Autoridade Tributária e Aduaneira (aqui abreviadamente designada por AT) efetuou uma correta aplicação da alínea a) do artigo 88º da LGT pois, no seu entender, a AT recolheu e provou as anomalias e incorreções que inviabilizam o apuramento da matéria tributável por métodos diretos.
D) - Contudo, no entendimento da recorrente, o Tribunal a quo aplicou incorretamente a alínea a) do artigo 88º conjugado com a alínea b) do nº 1 do artigo 87.º, ambos da LGT.
E) - Com efeito e tal como resulta do corpo do artigo 88º da LGT a aplicação dos métodos indiretos está dependente da demonstração, por parte da AT, e da comprovação das anomalias e incorreções que inviabilizam o apuramento da matéria tributável por métodos diretos, ou seja, não basta demonstrar a existência de anomalias e incorreções na contabilidade, mas tem ainda de se demonstrar que as anomalias e incorreções encontradas não podem ser supridas por métodos diretos.
F) - Por sua vez, há que referir que as anomalias e as incorreções detetadas na contabilidade têm de se traduzir e materializar em factos concretos e objetivos pois só estes têm efeito na determinação da base tributável para efeitos de imposto e por este motivo são suscetíveis de poder ser avaliados se são ou não possíveis de corrigir por métodos diretos ou, se pelo contrário, apenas são possíveis de ser corrigidos por métodos indiretos, ou seja, as anomalias e incorreções que sejam de natureza abstrata e que não tenham impacto direto e imediato na determinação da matéria tributável não são, por isso, suscetíveis de poder ser avaliados se são ou não possíveis de corrigir por métodos diretos ou, se pelo contrário, apenas são possíveis de ser corrigidos por métodos indiretos.
G) - Ora, tendo em conta o regime do artigo 88º da LGT, conjugado com a sua alínea a), verifica-se que os diversos motivos invocados para a aplicação dos métodos indiretos encontram-se desprovidos de qualquer tradução e materialização de factos concretos e objetivos com implicação direta na determinação da base tributável para efeitos de imposto, pelo que os referidos motivos não constituem anomalias nem incorreções que tivessem de ser corrigidas por métodos indiretos.
H) - Assim, no relatório de inspeção (aqui abreviadamente designado por RI) sob a epígrafe IV.1.1 – IVA escreve-se que a recorrente encontra-se em permanente situação de crédito, o qual tanto se verifica no exercício de 2007 e 2008, sendo que, relativamente a 2008, não foram utilizados métodos indiretos donde se conclui que este motivo não é idóneo nem adequado para terem sido aplicados métodos indiretos em 2007.
I) - Na fl. 6 do RI escreve-se que, em 2007, existe uma diferença entre o volume de negócios para efeitos de IRC e de IVA, diferença de volume de negócios que apenas justificaria uma correção técnica de igual montante e em caso algum uma correção por métodos indiretos.
J) - No capítulo IV.1.2 do RI escreve-se que é “evidente a desproporção entre os proveitos declarados e os custos suportados para o efeito o que se traduz em prejuízos consecutivos”, contudo, como a recorrente apenas iniciou a atividade, no ano de 2005, nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 87º da LGT, a apresentação de prejuízos nos primeiros três anos não justifica a aplicação de métodos indiretos, pelo que o referido motivo não pode ser invocado para a aplicação de métodos indiretos, no exercício de 2007.
L) - No capítulo IV.2 do RI escreve-se que “comparando o valor dos serviços prestados e o equipamento disponível, verificamos não haver correspondência entre aqueles e estes …”, contudo, não se escreve no relatório quais os proveitos que a recorrente obteve ou teria de ter obtido para existir correspondência uns e outros, falta de informação dos proveitos adequados que a recorrente obteve ou teria de ter obtido, que torna o referido fundamento ilegal por insuficiente fundamentação de facto.
M) - No capítulo IV.3 RI escreve-se que nem sempre os “documentos de combustíveis referem o veículo de consumo”, porém, trata-se de situação que tanto ocorre em 2007 como em 2008, sendo que em 2008 não foram aplicados métodos indiretos, pelo que fica demonstrado que este motivo não justifica a aplicação dos métodos indiretos, tanto mais que o próprio relatório de inspeção apenas incidiu sobre o exercício de 2007 e não sobre o exercício de 2008.
N) - No capítulo IV.4 do RI refere-se a “Km percorridos pelos veículos”, contudo, neste capítulo não constam identificados factos concretos pelos quais se conclua no sentido de concretizar os rendimentos obtidos e não declarados e por esta razão também não é possível avaliar sobre a exequibilidade ou não de ser feita a respetiva correção técnica e daí poder ter sido concluída a consequente inevitabilidade ou não da aplicação dos métodos indiretos.
O) - No capítulo IV.5 do RI, sobre a epígrafe “Comércio de mercadorias” não constam factos concretos pelos quais se conclua no sentido de concretizar os rendimentos obtidos e não declarados e por esta razão também não é possível avaliar sobre a exequibilidade ou não de ser feita a respetiva correção técnica e daí poder ter sido concluída a consequente inevitabilidade ou não da aplicação dos métodos indiretos.
P) - No capítulo IV.5.1 do RI, sobre a epígrafe “Controlo das existências” constam algumas diferenças entre as existências finais e o inventário, sendo que tais divergências apenas justificariam uma correção técnica de igual valor.
Q) - No capítulo IV.6 do RI, sobre a epígrafe “Meios financeiros/Contas de terceiros” não constam factos concretos pelos quais se conclua no sentido de concretizar os rendimentos obtidos e não declarados e por esta razão também não é possível avaliar sobre a exequibilidade ou não de ser feita a respetiva correção técnica e daí poder ter sido concluída a consequente inevitabilidade ou não da aplicação dos métodos indiretos.
R) - No capítulo IV.7 sobre a epígrafe “Rácios do sector/rácios declarados” consta um mapa com a descrição dos rácios nacionais para o CAE 46900 “comércio por grosso não especificado, contudo, no referido capítulo não foram mencionados os CAE da atividade “outras actividades de diversão e recreativas”, sendo que, tal como é referido na fl. 5 do relatório, a recorrente presta serviços de alojamento e de aluguer de viaturas sem condutor, atividades estas que em 2007 representaram € 27.142,92 enquanto que a atividade do comércio por grosso não especificado ascendeu € 27.049,89, ou seja, praticamente metade dos proveitos obtidos pela recorrente, em 2007.
S) - Ou seja, a atividade com o CAE de “comércio por grosso não especificado” representou apenas cerca de metade dos proveitos da recorrente em 2007, pelo que a comparação apenas do CAE desta omitindo o outro CAE torna a aplicação do referido fundamento ilegal por insuficiente e contraditória fundamentação de facto.
T) - Por outro lado, o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento de direito ao ter decretado a procedência dos sete fundamentos identificados no RI, com base no disposto na alínea a) do artigo 88º da LGT, pois e tal como resulta da alínea a) do artigo 88º da LGT, a “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal” apenas constituem fundamento para a aplicação de métodos indiretos quando não supridas no prazo legal, entendimento este que tem sido adotado nos Tribunais Superiores.
U) - Sucede, porém, que, nem nos factos provados, nem no próprio teor do relatório de inspeção, consta que o sujeito passivo tenha sido notificado para, no prazo legal, ter suprido as incorreções e ou inexatidões e ou irregularidades, pelo que, não tendo sido cumprida a referida notificação à ora recorrente, o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento ao ter mantido a decisão de aplicação dos métodos indiretos, ao abrigo da alínea a) do artigo 88º da LGT.
V) - Do mesmo modo, o Tribunal “a quo” incorreu em errado julgamento da matéria de direito, mais concretamente na violação do artigo 90º da LGT, ao ter aceite como legal e fundamentada a quantificação, efetuada pela AT, no exercício de 2007, por métodos indiretos, improcedência deste fundamento, de cujo julgamento efetuado na douta sentença recorrida, a recorrente discorda.
X) - Assim e tal como resulta do RI, o critério utilizado pela AT foi a média do rácio nacional da rentabilidade fiscal do setor de atividade de comércio por grosso não especializado, CAE 46900, de 4,74% o qual foi nomeadamente aplicado ao total dos custos de € 98.941,31, os quais se desdobram nas seguintes rubricas:
CMVMC - € 21.134,35,
FSE - € 23.114,27,
Impostos - € 1.454,65,
Custos pessoal - € 7.488,68,
Outros custos oper. - € 1.220,61,
Amortizações exerc - € 40.386,29,
Z) – Contudo, no rigor dos princípios, teriam que ter sido analisados os dois rácios dos dois sectores de atividade da recorrente e aplicar cada um deles, de forma proporcional, à parte do volume de negócios, tanto mais que a atividade principal da recorrente, no exercício de 2007,não foi a do “comércio por grosso não especializado” pois tal como consta do relatório de inspeção, o volume anual de negócios em 2007 ascendeu a € 54.192,81, subdividida em duas partes: uma, na quantia de € 27.049,89, que representa o comércio por grosso não especializado e outra parte, na quantia de € 27.142,92 que representa a prestação de serviços.
AA) – Por sua vez, a aplicação de métodos indiretos só poderia ter-se fundado nos custos da contabilidade relativos ao sector do comércio por grosso não especificado, sendo que, nada constando no RI neste sentido e cabendo à AT fazer a prova da impossibilidade da repartição dos custos pelas atividades, tal omissão tem de ser julgada contra a própria AT.
AB) - A aplicação da média do rácio da rentabilidade fiscal do sector do comércio por grosso não especializado, de 4,74% não está concreta e suficientemente fundamentada o que torna ilegal a sua aplicação, tanto mais que a obrigação da fundamentação do critério utilizado na quantificação por métodos indiretos não está excluída da obrigação de fundamentação, prevista no artigo 77º da LGT.
AC) – Nem se diga que o rácio aplicado, em 2007, de 4,74% sai reforçado pois o mesmo “se mostra muito próximo do rácio resultante dos valores declarados pelo contribuinte em 2008 (4,15) e, num e no outro ano, o equipamento disponível foi sensivelmente o mesmo”, pois a proximidade do rácio de 2008 comparativamente ao usado pela AT no exercício de 2007 resulta da circunstância da recorrente não ter efetuado amortizações em 2008 enquanto em 2007 as tinha declarado.
AD) - Ora e para que a lógica de proximidade de rácios de 2007 e 2008 que a AT alega existir, era necessário também, na quantificação por métodos indiretos utilizada pela AT, em 2007, terem sido expurgadas as amortizações, na quantia de € 41.578,25, sendo de realçar que, os rendimentos considerados omitidos em 2007, na quantia de € 48.121,72, estão muito próximos do valor das amortizações praticadas em 2007 e que não foram praticadas em 2008.
AE) - De tudo o exposto resulta que o Tribunal “a quo” efetuou errada aplicação da alínea b) do nº 1 do artigo 87º, da alínea a) do artigo 88º, do artigo 90º e do artigo 77º, todos da LGT.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e em conse-quência ser revogada a douta sentença recorrida e anuladas as liquidações de IVA e juros compensatórios dos períodos 07/03T, 07/06T, 07/09T e 07/12T.”
X
Não há registo de contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:”
1. No Diário da República, II Série, N.º 43, de 02.03.2005 foi publicado o despacho (extrato) nº 4542/2005, com o seguinte teor [cf. fls. 50 e 51 do Processo de Reclamação Graciosa (PRG) junto aos autos]:

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2. No Diário da República, II Série, N.º 43, de 02.03.2005 foi publicado o despacho (extrato) nº 4540/2005, com o seguinte teor [cf. fls. 52 e 53 do PRG junto aos autos]:

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3. No Diário da República, 2.ª Série, N.º 133, de 12.07.2007 foi publicado o Aviso (extrato) nº 12632/2007, com o seguinte teor [cf. fls. 48 do PRG junto aos autos]:
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4. No Diário da República, 2.ª Série, N.º 2, de 03.01.2008 foi publicado o Aviso (extrato) nº 72/2008, com o seguinte teor [cf. fls. 49 do PRG junto aos autos]:
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5. No Diário da República, 2.ª Série, N.º 4, de 07.01.2008 foi publicado o Aviso (extrato) nº 333/2008, com o seguinte teor [cf. fls. 37 do Processo de Recurso Hierárquico (PRH) junto aos autos]:
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6. No Diário da República, 2.ª Série, N.º 4, de 07.01.2010 foi publicado o Despacho nº 382/2010, com o seguinte teor [cf. fls. 56 e 57 do PRG junto aos autos]:

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7. Com data de 30.03.2010 foi emitido pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, por delegação do Ministro de Estado das Finanças (Despacho nº 382/2010, DR, II Série, n.º 4, de 07.01.2010, com o seguinte teor [cf. fls. 54 do PRG junto aos autos]:

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8. A lista a que se refere o despacho constante do ponto antecedente tem o seguinte teor [cf. fls. 55 do PRG junto aos autos]:

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9. Com data de 19.05.2010 foi elaborado relatório de inspeção tributária, do qual se destaca [cf. fls. 8 a 18 do PRG junto aos autos]:

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(…)
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(…)
«Imagem no original»
(…)

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10. Sobre o relatório constante do ponto antecedente recaíram parecer e despacho com o seguinte teor [cf. fls. 8 do PRG junto aos autos]:

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11. A Impugnante, discordando com as referidas correções, apresentou um pedido de revisão da matéria coletável, ao abrigo do artigo 91º da LGT [cf. fls. 19 PRG junto aos autos].
12. Em 10.08.2010 foi realizada reunião do pedido de revisão, da qual resultou a Ata nº 16/2010, com o seguinte teor [cf. fls. 21 a 23 do PRH junto aos autos]:

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13. Em 03.09.2010 foi realizada reunião do pedido de revisão, da qual resultou a Ata nº 16/2010 (2ª reunião), com o seguinte teor [cf. fls. 19 do PRG junto aos autos]:

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14. Com data de 09.09.2010 foi emitido “Laudo Pericial do Perito da Administração Fiscal”, com o seguinte teor [cf. fls. 26 a 33 do PRH junto aos autos]:

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15. Com data de entrada na Direção de Finanças de Leiria em 09.09.2010, foi emitido parecer pelo Perito do Contribuinte, com o seguinte teor [cf. fls. 34 e 35 do PRH junto aos autos]:

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16. Com data de 10.09.2010 foi emitido pelo Diretor de Finanças de Leiria em regime de substituição decisão com o seguinte teor [cf. fls. 36 do PA junto aos autos]:
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17. Foram emitidas em nome da Impugnante as seguintes liquidações [cf. fl. 2 do PRG junto aos autos]:

Descrição
Período
Valor
IVA 0703 € 1.849,20
JC 0703 € 222,92
IVA 0706 € 1.849,19
JC 0706 € 204,07
IVA 0709 € 1.849,21
JC 0709 € 185,63
IVA 0712 € 1.849,20
JC 0712 € 166,99

18. Em 30.03.2011 a Impugnante apresentou reclamação graciosa [cf. fls. 23 do PRG junto aos autos].
19. Por despacho de 14.06.2011 proferido pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Leiria 2 foi indeferida a reclamação graciosa [cf. fls. 66 do PRG junto aos autos].
20. Em 07.07.2011 a Impugnante apresentou recurso hierárquico [cf. fls. 2 do PRH junto aos autos].
21. Por despacho de 10.05.2012 proferido pelo Subdiretor-Geral da Direção de Serviços do IVA foi indeferido o recurso hierárquico, do qual a Impugnante foi notificada em 06.06.2012 [cf. fls. 38 e ss. do PRH junto aos autos].
22. A presente impugnação judicial deu entrada neste Tribunal em 14.08.2012 [cf. fls. 1 do processo físico].
X
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos.
X
Motivação da decisão sobre a matéria de facto: A decisão da matéria de facto efetuou-se mediante o recorte dos factos pertinentes para o julgamento da presente causa em função da sua relevância jurídica, atentas as várias soluções plausíveis de direito, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, e sobretudo com base no exame dos documentos juntos aos autos e dos elementos que se encontram integrados no processo administrativo, cuja veracidade não foi colocada em causa, conforme se indicou ao longo dos factos provados//No que respeita à prova documental, a sua valoração foi feita atendendo ao seu valor probatório, ao seu teor e aos factos que a mesma comprova, em si mesmos ou em conjugação com os demais. Em relação a este aspeto, cumpre ainda destacar que as informações oficiais, em que se integra o Relatório de Inspeção Tributária (e respetivos anexos), fazem fé, quando devidamente fundamentadas, como sucede in casu (cf. artigos 76º, nº 1 da LGT e 115º, nº 2 do CPPT).//Já quanto à prova testemunhal, este Tribunal entendeu que, ainda que testemunha efetivamente inquirida do rol apresentado pela Impugnante, M ………………………., técnico oficial de contas da Impugnante desde 2005, tenha prestado um depoimento credível, o seu testemunho não é de valorar por nada ter acrescentado ao apuramento da factualidade revelante para a decisão da causa.// Com efeito, a referida testemunha limitou-se a referir que a sociedade Impugnante tinha como objeto social a compra e venda de todo género para exportação e outra atividade que é de alojamento e aluguer de equipamentos (essencialmente de transporte, motas de água, tem um barco, viaturas, moto 4). Mais referiu que, inicialmente dedicava-se apenas à prestação de serviços, sendo que, só mais tarde (em finais do ano de 2007) dedicou-se também à compra e venda de produtos, referindo que o sócio reside em França e vem cá uma vez por mês, comprar produtos para levá-los para França em veículo que é da sociedade. Questionado sobre a representatividade da atividade de compra e venda, referiu que inicialmente era a prestação de serviços, e que a partir de finais de 2007 passou a ser a principal. //Ora, perante este depoimento, resta concluir que o mesmo não se revelou suficiente para abalar as conclusões vertidas no Relatório de Inspeção dos Serviços de Inspeção Tributária.»
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes: i) erro de julgamento quanto ao preenchimento dos pressupostos do recurso aos métodos indirectos na avaliação da matéria colectável [conclusões A) a U)]; ii) erro de julgamento quanto à quantificação da matéria colectável através do recurso aos métodos indirectos [demais conclusões do recurso].
A sentença julgou improcedente a impugnação e manteve na ordem jurídica as liquidações adicionais de IVA de 2007 (ponto 17 do probatório). Considerou, entre o mais, que a argumentação da impugnante centrada sobre o alegado erro nos pressupostos do recurso à avaliação indireta da matéria colectável, bem como do excesso na quantificação da matéria coletável não era de acolher, por não fundamentado.
2.2.2. No que respeita ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente invoca que não existem elementos recolhidos pelo pelo relatório inspectivo que justifiquem o recurso à avaliação indirecta. Mais invoca que não foi notificada para esclarecer as imprecisões detectadas na contabilidade.
Consta da sentença recorrida o seguinte:
«(…) decorre dos autos que a Autoridade Tributária fundamentou o recurso a métodos indiretos, no disposto nos artigos 87º, nº 1, alínea b), e 88º, alínea a), ambos da LGT, e transcritos supra. // Com efeito, no ponto IV do Relatório de Inspeção Tributária são os seguintes os argumentos utilizados pela Autoridade Tributária para recorrer à avaliação por métodos indiretos (cfr. ponto 9. do probatório): // 1) Rentabilidade fiscal das vendas negativa no ano de 2007; // 2) Desproporção entre o equipamento disponível e os proveitos através dos mesmos gerados, em resultado da comparação estabelecida entre os valores de serviços prestados e o equipamento disponível; // 3) Ao nível do controlo efetivado às quantidades de determinados artigos comercializados pela sociedade, apuramento de diferenças positivas e negativas em certos artigos, indiciando omissões quanto às compras e vendas; // 4) Entradas em numerário, sem qualquer identificação quanto à sua origem, indiciando a realização de vendas/prestações de serviços sem emissão da correspondente fatura; // 5) Custos com combustível registados contabilisticamente sem identificação positiva das viaturas associadas a tais consumos. // Pelos motivos expostos, a Autoridade Tributária concluiu que a contabilidade não refletia todas as operações efetuadas, quer pela insuficiência de elementos de contabilidade quer pelas divergências detetadas, tornando impossível a comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de imposto. // De facto, os indícios recolhidos pela Autoridade Tributária apresentam-se consistentes e, desta feita, atendendo aos elementos à sua disposição, temos que não seria possível de quantificação correta e exata da matéria coletável através da avaliação direta».
Apreciação.
Os elementos relevantes para justificar o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável decorrem do ponto IV do relatório inspectivo (“Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos”). Destacam-se, em síntese, os elementos seguintes:
IV.1.1. e IV.1.2.
Em 2007, existe uma diferença entre o volume de negócios para efeitos de IRC e a base tributável para efeitos de IVA.
Existe desproporção entre os proveitos declarados e os custos suportados para o efeito, o que se traduz em prejuízos consecutivos.
IV.4 - Km percorridos pelos veículos
Tendo em conta o reduzido valor dos serviços prestados facturados pela utilização do equipamento disponível foi, em 01-03-2010, verificado o equipamento motorizado ao serviço da empresa que se encontrava nas instalações da sede (também residência do sócio gerente e local que é alugado aos turistas) no sentido de verificar os km percorridos pelo mesmo. Foi lavrado um “Auto de verificação de imobilizado” que foi assinado por mim, pelo sócio gerente e pelo TOC. A pretensão de comparar quilómetros percorridos com os proveitos gerados não foi possível, não só porque nem todo o equipamento estava nas instalações como também algum dele não tem conta-quilómetros. Também não é possível saber os quilómetros que cada veículo tinha no início e no fim de cada ano. O quadro que se apresenta a seguir evidencia a informação contida no conta-quilómetros de cada viatura em 01-03-2010:

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IV:5. Comércio de mercadorias
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IV.6. Meios financeiros/contas de terceiros
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A este propósito, cumpre ter presente o seguinte:
i) A aplicação de métodos indirectos de tributação, de acordo com o previsto nos artigos 87.º e ss. da LGT, pressupõe que: i) o sujeito passivo não tenha cumprido os deveres de declaração e de documentação; ii) ou que tenha cumprido estes deveres de forma defeituosa, tendo sido verificados vícios formais ou materiais da declaração ou da documentação; iii) ou que, tendo sido notificado para o efeito, não tenha prestado os esclarecimentos que a Administração Fiscal lhe solicitou (1).
ii) A determinação da matéria tributável por métodos indirectos distingue-se da tributação do rendimento real, tributação directa, de acordo com os rendimentos declarados. O recurso subsidiário àquela (art.º 85.º, n.º 1, da LGT) deve ser considerado de forma restritiva (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) (2).
iii) O ónus da prova dos factos constitutivos do afastamento da presunção de verdade é da Administração Tributária, isto é, a demonstração de que estão verificados os pressupostos de aplicação de métodos indirectos, no caso de os vícios tornarem impossível o apuramento da matéria colectável. Depois de comprovados os vícios da documentação ou da declaração de rendimentos, deve ser demonstrado através de um juízo de prognose póstuma, com base em regras de experiência comum, que o vício detectado é causa directa e necessária da impossibilidade de apuramento da matéria colectável com recurso a métodos directos (3).
iv) A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos para a correcta determinação da matéria tributável do imposto resulta, designadamente, dos vícios formais ou materiais assacáveis à declaração de rendimentos e escrita do contribuinte, sendo que a aplicação de métodos indirectos só é possível quando inviabilizem tal comprovação e quantificação (4).
No caso em exame, os elementos recolhidos pelos serviços inspectivos demonstram que a contabilidade da recorrente não tem aderência à realidade, havendo omissão de proveitos e indistinção patrimonial com a esfera do seu sócio-gerente. Os vícios e as omissões da contabilidade não permitem a avaliação directa da matéria colectável, dadas as omissões e imprecisões da mesma. Pelo que o recurso à avaliação indireta não merece censura. Através da audição prévia da contribuinte, a mesma podia ter junto elementos que lograssem reverter a decisão em causa, o que, todavia, não sucedeu. A sentença recorrida ao considerar improcedentes as alegações da recorrente, no que respeita ao preenchimento dos pressupostos da avaliação indirecta, não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente ataca o critério de quantificação da matéria colectável. Invoca que «[a] aplicação de métodos indiretos só poderia ter-se fundado nos custos da contabilidade relativos ao sector do comércio por grosso não especificado, sendo que, nada constando no RI neste sentido e cabendo à AT fazer a prova da impossibilidade da repartição dos custos pelas atividades, tal omissão tem de ser julgada contra a própria AT»; «[a] aplicação da média do rácio da rentabilidade fiscal do sector do comércio por grosso não especializado, de 4,74% não está concreta e suficientemente fundamentada o que torna ilegal a sua aplicação, tanto mais que a obrigação da fundamentação do critério utilizado na quantificação por métodos indiretos não está excluída da obrigação de fundamentação, prevista no artigo 77º da LGT»; «[n]em se diga que o rácio aplicado, em 2007, de 4,74% sai reforçado pois o mesmo “se mostra muito próximo do rácio resultante dos valores declarados pelo contribuinte em 2008 (4,15) e, num e no outro ano, o equipamento disponível foi sensivelmente o mesmo”, pois a proximidade do rácio de 2008 comparativamente ao usado pela AT no exercício de 2007 resulta da circunstância da recorrente não ter efetuado amortizações em 2008 enquanto em 2007 as tinha declarado»».
Consta da sentença recorrida o seguinte:
«(…) argumentação expendida pela aqui Impugnante desdobra-se numa dupla vertente: por um lado, defende que para o ano de 2007, para além do rácio da rentabilidade fiscal das vendas [RFV = Lucro tributável / Volume negócios X 100, sendo que VN = (vendas de mercadorias + vendas de produtos + prestações de serviços] da atividade de “comércio por grosso não especializado” – CAE 46900, deveria também ter sido considerados os rácios correspondentes às outras atividades que exerceu nesse período e, por outro, alega desconhecer o motivo pelo qual foi utilizada a média do rácio (4,74%) e não a mediana (2,18%) ou o 1º ou 3º dos quartis (1,53% ou 6,77%, respetivamente). // Ora, do relatório de inspeção (cfr. ponto 9. do probatório) consta que a sociedade Impugnante declarou como atividade principal por si exercida “outras atividades de diversão e recreativas, NE”-CAE 93294 e como atividade secundária “compra e venda de bens imobiliários” – CAE 68100, todavia, da análise contabilística empreendida pelos Serviços de Inspeção Tributária, a atividade “comércio por grosso não especializado” – CAE 46900 veio a revelar-se como a principal atividade desenvolvida, face à qual a sociedade declarava, para o ano de 2007, rácios negativos. Os rácios de atividade constituem um valor relativo entre o lucro tributável e o volume de negócios, reportando-se, in casu, à média dos valores declarados em 31.12.2007 pelas empresas do sector de atividade a que corresponde o CAE 46900, independentemente do número de meses em que a atividade se exerceu e, ao selecionar a média, aplicando-se um rácio expurgado dos valores extremos (mais baixo e mais elevado). Neste caso, os custos mencionados na contabilidade foram aceites e presumiu-se que geraram proveitos (vendas e prestações de serviços) em função do rácio aplicado ou, doutro modo, considerou-se que face ao nível de custos declarados pela sociedade, as vendas e prestações de serviço haviam sido superiores em 4,74%, corrigindo-se em consonância as comprovadas omissões. E ao não ser possível imputar os custos pelas várias atividades por si desenvolvidas, fica prejudicada uma ponderação dos rácios por cada uma dessas atividades, como parece defender a aqui Impugnante».
Apreciação. O assim decidido deve ser confirmado, dado que não enferma do erro de julgamento que lhe é apontado.
Está em causa o ponto “V – Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos”, do relatório inspectivo. Do mesmo consta o seguinte:
«Imagem no original»
A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
i) «Ainda que caiba à Administração Tributária eleger o critério conducente à determinação da matéria tributável, o mesmo tem de revelar-se adequado e racionalmente justificado, isto é, tem de revelar-se como um modo adequado de aproximação à realidade que visa tributar. // Em caso de litígio entre o contribuinte e a Administração Tributária quanto ao critério eleito e aos resultados deste, cabe ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação ao caso concreto, isto é, aferir se o “critério presuntivo eleito” se revelou nas circunstâncias concretas ajustado e adequado ao fim tido em vista e se essa adequação e justeza de mostra comprovada pelos factos apurados» (5).
ii) «O critério usado pela AT na quantificação da matéria tributável por métodos indiciários tem de revelar-se adequado e racionalmente justificado – um modo adequado de aproximação à realidade –, mas não pode ser atacado com o fundamento de que outro ou outros se revelariam mais ajustados, pois não pode perder-se de vista que a quantificação por presunção é imputável exclusivamente ao contribuinte, que se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter cumprido com as obrigações que sobre ele recaíam» (6).
iii) A AT «tem de indicar qual o critério que utilizou para a quantificação, o qual, devendo constituir um modo adequado de aproximação à realidade, tem de apresentar-se como adequado e racionalmente justificado» (7).
Compulsada a argumentação da recorrente, verifica-se que a mesma se centra na falta de fundamentação do critério de quantificação da matéria colectável e na falta de aderência à realidade do mesmo. Ambas as linhas de argumentação não podem ser aceites. O critério em causa assenta nos rácios de sector de actividade económica em causa e teve em consideração as especificidades da actividade económica da recorrente.
Importa reiterar o que foi escrito pelos serviços inspectivos, em sede de “IV – Direito de Audição – Fundamentação”, do relatório inspectivo:
«Imagem no original»

Elementos e asserções que a recorrente não logra reverter e que depõem no sentido da plausibilidade e da fundamentação do critério de quantificação adoptado. É que a imputação de proveitos, associada à ponderação de custos da actividade, teve em conta dos dados disponíveis, sem que a recorrente logre impugnar a veracidade dos mesmos.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, devendo ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

X
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)

(2.º Adjunto – Vital Lopes)
(1) Elisabete Louro Martins, O ónus da prova no Direito Fiscal, Coimbra Editora, 2010, p. 131.
(2) Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, 2.ª Edição, Almedina, 2018, p.212.
(3) Acórdão do TCAS, de 21.05.2015 P. 07637/14.
(4) Acórdão do TCAS, de 10.07.2014, P. 07149/13.
(5) Acórdão do TCAS, 05.09.2019; P. 454/04.6BESNT.
(6) Acórdão do STA, de 19/11/2014, P. 0407/12.
(7) Acórdão do STA, de 24/02/2016, P. 0329/14.