Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1017/20.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
REVERSÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO
Sumário:I. De acordo com o disposto no art.º 23/3 da LGT, «Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei».
II. Cabe ao responsável subsidiário fazer prova dos pressupostos de que depende a suspensão da execução contra si, nomeadamente, que à data do pedido a SDO tem património susceptível de excussão.
III. Porém, se sobre pedido dirigido pelo revertido à execução para suspensão do processo contra si com fundamento na pendência de insolvência para liquidação da SDO, a AT se limita a comunicar que ele, revertido, só logra a suspensão da execução na pendência de oposição ou impugnação nos termos do art.º 169.º do CPPT, a alegação da Fazenda Pública na reclamação judicial de que a prova que acompanhou o pedido do revertido é insuficiente ao deferimento da pretensão, não pode ser tomada em consideração pelo tribunal na decisão sobre a reclamação posto que não integra os pressupostos do acto reclamado.
IV. Tal é um corolário do contencioso de mera anulação em que se inserem as reclamações judiciais interpostas ao abrigo do disposto no art.º 276.º e ss. do CPPT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO


J..., com os demais sinais nos autos, invocando o disposto no artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou para o Tribunal Tributário de Lisboa pedindo a anulação da decisão proferida em 13/11/19, pelo Serviço de Finanças de Lisboa – 3, que lhe indeferiu o pedido de suspensão da cobrança e de não aplicação de medidas cautelares, até à excussão do património do devedor originário, formulado no âmbito do processo de execução fiscal nº 3085 2015 0..., contra si revertido, depois de instaurado contra a sociedade de direito alemão B... I... GMBH & Co KG, para cobrança coerciva de uma dívida de IVA e juros compensatórios, no montante de € 843.768,55, (apensado ao processo principal nº308520140...), e impôs a prestação de garantia no valor em 1.319.281,23€.

O Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, por sentença de 2 de Fevereiro de 2021, julgou procedente a reclamação apresentada.

Inconformada, o Representante da Fazenda Pública (FP) veio recorrer da sentença, apresentando alegações que concluiu nos seguintes termos:

A - Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos à margem melhor identificados, que julgou procedente a reclamação apresentada por J..., anulando o despacho reclamado, com a consequente suspensão dos efeitos da reversão enquanto não estiverem executados todos os bens da sociedade devedora originária.

B - Discorda a Fazenda Publica, com o devido respeito, do entendimento sufragado na douta sentença, e com o mesmo não se conforma, porquanto padece, a douta sentença, de erro de julgamento de facto [por ter errado na seleção e valoração da prova] e de direito [por não ter feito uma correta interpretação e aplicação das normas estabelecidas mormente aos artigos 36º nº3; 52º e 74º nº 1 todos da LGT e artigos 85º nº 3; 169º e 170º todos do CPPT e ainda artigo 342º do CC.].

C – Ora, entende a Fazenda Pública que a D. Sentença está inquinada de ilegalidade porquanto assenta, fundamentalmente, o seu juízo de valor tendo em consideração factos que não levou ao probatório, isto é, valorizou determinados factos constantes de documentos, nomeadamente a certidão junta pelo reclamante em 19-08-2020, a fls. 565 e ss do SITAF.

D - Constando da motivação da mesma [sentença] “O documento junto pelo Reclamante, com o requerimento apresentado nos autos em 19/08/2020 [certidão], consta do processo de execução fiscal [apesar de não se tratar de um documento oficial] e, nesse sentido, integra a instrução do PEF e valorado enquanto tal.”, fl. 7 da mencionada sentença.

E - O referido documento acaba por ser fundamentador da decisão na apreciação do mérito da mesma porquanto [fls. 12 e ss. da sentença] leva crer ao tribunal a quo a existência de património na esfera da devedora originária, o que, pela pesquisa lavrada pela Administração Tributária, não se verifica.

F – Ora, trata o referido documento de uma certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3, donde constam prints retirados do google, aquando das pesquisas efetuadas para instruir o processo em termos administrativos, e não qualquer informação oficial acerca da alegada insolvência da devedora originária, ou os bens de que é detentora.

G - Foi o reclamante, ora recorrido, que veio alegar a existência de uma insolvência e a existência de bens, logo é ao mesmo que compete fazer a respetiva prova, ao abrigo do plasmado no art.º 342 do Código Civil e art.º 74º da LGT.

H - Salvo o devido respeito, tal facto / documento [leia-se certidão], não deveria ter sido valorada da forma que o foi, desde logo por não constar do probatório, e por não consistir num documento oficial que ateste a situação patrimonial da devedora originária, e por isso certamente não levado à matéria assente pelo d. tribunal a quo.

I - O tribunal a quo assenta a sua convicção na ideia de que existe um processo de insolvência e que este ainda está em curso, com base numa certidão que o reclamante, ora recorrido, juntou, mas que apenas se trata de um aglomerado de papeis (ditos prints) retirados do google.

J - Perante esta inexistência de bens e na ausência da indicação por parte do recorrido de outros bens (ele melhor que ninguém estaria na condição de obter quaisquer documentos que atestassem que a devedora originária era detentora de quaisquer outros bens), a suspensão da execução só poderia operar-se pela apresentação de garantia ou na sua dispensa, conforme despacho reclamado.

K - Ao que acresce o facto de nos termos do disposto no artigo 36.º, n.º 3 da LGT, a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, nem suspender o processo de execução fiscal, salvo nos casos expressamente previstos na lei.

L - O Reclamante requereu, junto do órgão de execução fiscal, a suspensão do processo de execução fiscal com fundamento na falta de excussão prévia do património da sociedade devedora originaria, requereu ainda a indicação do valor da garantia a prestar e sem prejuízo do exposto, requereu, antecipadamente, a dispensa da prestação de garantia, por o valor da dívida exequenda ser muitíssimo elevado, conforme facto provado F.

M - E que, nesta sequência, o órgão de execução fiscal notificou o Reclamante do ato reclamado, o ofício em que lhe comunica que o processo de execução fiscal só pode ser suspenso com a prestação de garantia idónea, fixando, para o efeito, o valor de 1.319.281,23€, cfr. facto provado G.

N - Acrescente-se que, importa referir que o benefício da excussão prévia dos bens penhoráveis do património da sociedade devedora originária não obsta à concretização da reversão, impondo apenas que a execução dos bens da titularidade do revertido, na qualidade de responsável subsidiário, só possa prosseguir depois de terem sido penhorados e vendidos todos os bens da sociedade devedora originária.

O - Pois que o objetivo imediato da reversão não é cobrança coerciva da dívida tributária através do património deste, mas, outrossim, o de o chamar à execução e de ver assim garantida a possibilidade de posteriormente executar o respetivo património, com a finalidade de solver a dívida tributária.

P - Motivo pelo qual não é fundamento suscetível de providenciar pela suspensão do processo de execução fiscal, podendo o mesmo ser aventado em sede de oposição à execução fiscal.

Q - Ora, perante a não indicação de bens da devedora originária, não tendo apresentado garantia conforme acima exaustivamente descrito, ou não requerendo a sua dispensa, não pode, salvo o devido respeito, o processo de execução fiscal ser suspenso.

R - Perante o discorrido, concluímos que não sofre o despacho reclamado de qualquer censura, violando a D. Sentença o disposto nos artigos 36º nº3; 52º e 74º nº 1 todos da LGT e artigos 85º nº 3; 169º e 170º todos do CPPT e ainda artigo 342º do CC.

S – Mais se acrescenta que, a par da necessária limitação do valor da taxa de justiça por força dos princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito e aos tribunais, entendem-se reunidos os pressupostos que sustentam a aplicação do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP.

T - Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis, se requer a V. Exa., pela verificação dos pressupostos suscetíveis de fundamentar a dispensa prevista na norma do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, se digne dispensar, nos presentes autos, as de pagamento da taxa de justiça correspondente ao valor superior a € 275.000,00.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, quanto à matéria aqui discutida.

E, dispensar – se o pagamento da taxa de justiça correspondente ao valor superior a €275.000,00.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO

A COSTUMADA JUSTIÇA



*

O Recorrido, contra-alegou e concluiu assim:

A) O Recurso apresentado pela Fazenda Pública tem por objeto a douta Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 2 de fevereiro de 2021 no Processo n°1017/20. 4BELRS, a qual julgou procedente a Reclamação Judicial apresentada pelo RECORRIDO e anulou o Despacho do órgão de execução fiscal que, havia indeferido o pedido de suspensão da cobrança contra o RECORRIDO (devedor subsidiário) da dívida exequenda e acrescido do processo de execução fiscal n°308520150... (apenso ao processo n°308520140...) até à excussão do património da devedora originária.

B) O referido processo n°308520140... foi instaurado pelo Serviço de Finanças DE LISBOA - 3 contra a sociedade de direito alemão B... I... GMBH & Co KG, titular do número de identificação fiscal português 9... (e entretanto incorporada na sociedade E...) para cobrança coerciva de uma dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado ("IVA") e juros compensatórios no montante total de €843.768,55 (oitocentos e quarenta e três mil, setecentos e sessenta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos).

C) Uma vez citado na qualidade de devedor subsidiário, o RECORRIDO: (i) contestou administrativamente a legalidade das liquidações subjacentes à execução fiscal, ao abrigo do disposto no artigo 22°, n°5, da Lei Geral Tributária; e (ii) contestou a legalidade do despacho de reversão, através de uma Oposição à Execução. Ambos os processos estão pendentes de decisão.

D) Para além daquelas duas diligências, o RECORRIDO fez uma análise detalhada do extenso processo de execução e tomou conhecimento - através dos próprios Autos de execução fiscal - de que a devedora originária se encontrava em processo de insolvência no Reino Unido desde junho de 2017 e que detinha património (de valor ainda indeterminado), por distribuir aos credores.

E) Neste contexto, em 24 de outubro de 2019, o RECORRIDO apresentou um requerimento junto do órgão de execução fiscal, solicitando, ao abrigo do regime do benefício da excussão prévia, consagrado nos nº2 3 do artigo 23º da Lei Geral Tributária, que a Administração Tributária averbasse nos Autos de execução a suspensão da cobrança contra ele (devedor subsidiário) com fundamento no facto -demonstrado documentalmente no próprio processo executivo - de a devedora originária ainda ter um património significativo, em liquidação no âmbito de um processo de insolvência no Reino Unido.

F) Sucede que, através do Despacho de 13 de novembro de 2019 (o Despacho objeto da Reclamação Judicial), a Senhora CHEFE DO SERVIÇO DE FINANÇAS DE LISBOA - 3 indeferiu o pedido apresentado, limitando-se a indicar, sem sequer se referir aos fundamentos invocados pelo Requerido, nem aos elementos documentais que os sustentam, que:
"Tendo sido deduzida oposição à reversão do processo executivo só poderá (...) ficar suspenso de acordo com o n°1 do art°169°, nomeadamente n.°s 2, 6 e 7 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), mediante apresentação de garantia idónea que reúna os requisitos constantes do art°199° do mesmo código, conjuntamente com essa declaração".

G) Discordando desta decisão infundada e ilegal, o RECORRIDO apresentou Reclamação Judicial contra a mesma, sustentando que, por efeito da aplicação do disposto no artigo 23º, nº3, da Lei Geral Tributária, o processo deve manter-se suspenso até à completa excussão do património da devedora originária.

H) Na Sentença objeto do recurso apresentado pela Administração Tributária, o Tribunal Tributário de Lisboa considerou procedente a Reclamação Judicial apresentada pelo RECORRIDO contra aquele despacho e anulou-o por considerar que, tendo a reversão sido fundamentada na insuficiência de bens da devedora originária e não na sua inexistência [o que é indesmentível e consta do ponto a) do probatório, não impugnado pela RECORRENTE], o artigo 23°, n°3, da Lei Geral Tributária determina, ope legis, a suspensão do processo de execução fiscal contra o revertido até que se demonstre a completa excussão do património da devedora originária (cf. p. 13 da Sentença recorrida).

I) Nas suas alegações de recurso, a Fazenda Pública contesta a decisão do Tribunal Tributário de Lisboa por considerar, em substância:

(i) Que o Tribunal a quo "assenta, fundamentalmente, o seu juízo de valor tendo em consideração factos que não levou ao probatório, i.e., valorizou determinados factos constantes de documentos, nomeadamente a certidão junta pelo reclamante em 19-08-2020, a fls. 565 do SITAF"; e

(ii) Que a Sentença padece de erro de direito por, de acordo com a sua interpretação, apresentados meios de reação contra os atos de liquidação e/ou contra os atos de reversão, a execução só pode ser suspensa mediante a apresentação de garantia ou da sua dispensa por parte do órgão de execução fiscal.

J) Todavia, a Sentença aqui recorrida não padece dos erros de julgamento que a Fazenda Pública lhe imputa, sendo absolutamente claro que o Despacho objeto da Reclamação Judicial é ilegal, tal como os Despachos de igual teor dirigidos a outros revertidos no âmbito da mesma execução fiscal e que o Tribunal Central Administrativo Sul declarou ilegais nos Acórdãos proferidos em 25 e 11 de fevereiro de 2021, nos processos n°1016/20.6BELRS e n°1019/20.0BELRS.

K) Quanto ao primeiro argumento, a Fazenda Pública sustenta, nas suas alegações de recurso, que a Sentença recorrida padece de erro porquanto, muito embora não tenha incluído no probatório os factos que resultam da análise da Certidão de 27 folhas, extraída do Volume IV do processo de execução fiscal e junta ao processo de Imposto sobre o Valor Acrescentado ("IVA") e juros compensatórios no montante total de € 843.768,55 (oitocentos e quarenta e três mil, setecentos e sessenta e oito decisão nesses factos;

L) Sucede, contudo, que - como resulta claramente da página 13 da Sentença recorrida - o julgamento feito em primeira instância não assentou na análise da documentação a que se refere a Fazenda Pública, mas sim no facto (não impugnado) de, apesar de (agora) defender que não encontrou património na esfera da devedora originária, a Administração Tributária ter fundamentado o despacho de reversão do processo de execução contra o REQUERIDO na insuficiência de bens da devedora originária e não na sua inexistência.

M) Como se lê na p. 13 da Sentença recorrida, no trecho imediatamente seguinte ao acima transcrito (com realce acrescentado pelo RECORRIDO):

"Contudo, resulta expressamente do despacho de reversão [cfr. alínea a) do probatório], que a reversão do processo de execução fiscal contra o Reclamante teve como fundamento a "Insuficiência dos bens do devedor originário [art. 23.°/n.°s l a 3 da LGT e art. 153,°/n.°s 1/2/b do CPPT], decorrente do resultado de penhoras efetuadas por este órgão de execução fiscal, sobre os potenciais bens conhecidos do devedor originário, nomeadamente créditos, rendas, contas bancárias, imóveis."

Donde, não obstante as diligências efetuadas, o órgão de execução fiscal concluiu pela insuficiência de bens da devedora originária e não pela sua inexistência, pelo que, seguindo a jurisprudência citada supra, com a qual concordamos [independentemente de ter sido já apresentada Oposição à execução], por força do disposto do artigo 23°, n°3 da LGT, após a reversão, o processo de execução fiscal é suspenso, automaticamente, ope legis.

Assim sendo, o ato reclamado padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, porquanto, in casu, se encontram preenchidas as condições para a suspensão ope legis do processo de execução fiscal".

N) Não é certo, portanto, que os factos relativos decorrentes da certidão junta aos Autos de Reclamação Judicial constituam o fundamento da decisão recorrida - esta assenta, de forma muito clara e exclusiva, no facto de "não obstante as diligências efetuadas, o órgão de execução fiscal concluiu pela insuficiência de bens da devedora originária e não pela sua inexistência" (realce acrescentado pelo RECORRIDO);

O) Nestes termos, a Sentença não padece do primeiro vício que a Fazenda Pública lhe procura imputar e não deve ser revogada com esse fundamento;

P) Ao exposto acresce que, ao contrário do que defende a Fazenda Pública, está demonstrado no próprio processo de execução fiscal que a sociedade que incorporou a devedora originária tem património penhorável ainda não excutido;

Q) Quanto a este aspeto, sublinha-se, em primeiro lugar, que, enquanto que na contestação apresentada em primeira instância a Fazenda Pública alegava que o RECORRIDO não tinha feito prova dos factos alegados, depois de apresentada em juízo a Certidão da documentação relativa à insolvência da sociedade que incorporou a devedora originária, que integra o Vol. IV do processo de execução fiscal, a Administração Tributária passou basear a sua argumentação apenas na degradação da Reclamação Judicial), a Senhora CHEFE DO SERVIÇO DE FINANÇAS DE LISBOA – 3 trata de "prints retirados do google";

R) Adicionalmente, cumpre recordar que, como é claro para qualquer utilizador da internet, o motor de pesquisa google é apenas isso mesmo - um motor de pesquisa - que permite encontrar sítios com informação – oficial ou não.

S) A relevância probatória dos elementos que a própria Administração tributária carreou para o processo de execução fiscal não depende do motor de pesquisa utilizado, mas do sítio de onde foram descarregados.

T) Ora, no presente, os elementos de prova aqui em discussão foram descarregados do portal oficial do Registo Comercial do Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Note (a "Companies House"), acessível em www.companieshouse.gov.uk, sendo a respetiva veracidade muito fácil de comprovar pela Administração Tributária (que os recolheu) e pelo próprio Tribunal.

U) Recorda-se, a este respeito, que a documentação que aqui está em causa é a que consta da Certidão de 27 folhas extraída do Volume IV do processo de execução fiscal, a fls 575 e ss. dos Autos no SITAF. A origem destes documentos está claramente identificada nos rodapés das fls 3, 4 e 5 da Certidão, que indicam o endereço: https://beta. companieshouse.gov.uk/company/FCO32423/filling-history devedora originária e não pela sua inexistência" (realce acrescentado pelo processuais, em formulário da Companies House.

V) Por outro lado, sublinha-se que a Certidão inclui:

(i) Uma informação do Registo Comercial Britânico comprovativa de que a sociedade que incorporou a devedora originária se encontra em insolvência para liquidação no Reino Unido desde 16 de junho de 2017 (cf. folha 3 da Certidão, na qual se lê: insolvency case: case number 1 - creditors voluntary liquidation; commencement of winding up 16 June 2017); e

(ii) Um relatório oficial do Administrador de Insolvência, dando conta do estado do procedimento e reportando a existência de património penhorável muito relevante, designadamente depósitos bancários (estimados em £292.281,00), compensações por contribuições sociais (estimadas em £ 32.959,00) e juros bancários (estimados em £ 158,96) [cf. folha 10 da Certidão, na qual se lê: (i) a respeito dos depósitos bancários, que "The company operated two bank accounts with Barclays Bank; a Sterling account and a euro account, wich were estimated to realise £ 199,000 and £ 62,543. I would advise that the closing balances in both were £ 197,451 and £ 94,830, totalling £ 292,281,00. However, I would comment that these are provisional figures (subject to future reconciliation of the pension contributions made by Generali)"; (ii) a respeito das contribuições sociais que "the amount of £ 32,959 hás been received in this regard and was transferred over to me by Barclays on November 2017. As stated above, this figure is subject to reconcialiation"; e (iii) a propósito dos juros bancários, que "Estate funds are held in an interest bearing account at the Insolvency Service Accounts. Gross interst totalling £ 158.96 was received in the reporting period"].

W) Em face do exposto, e precavendo a hipótese de, ao contrário do Tribunal a quo, o Tribunal Central Administrativo Sul considerar esta matéria relevante para a decisão da causa, o RECORRIDO impugna a matéria de facto considerada provada na Sentença recorrida, o que faz a título subsidiário e nos termos previstos no artigo 636°, n°2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 281° do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

X) Concretizando, o Tribunal a quo devia ter incluído na matéria de facto provada os seguintes factos - que aqui se identificam para efeitos do disposto no artigo 640°, n°l, alíneas a) e c), do Código de Processo Civil:

(i) A Administração Tributária tinha conhecimento, antes de proferir os despachos de reversão, de que a sociedade que incorporou a devedora originária «B... I... GMBH & Co KG», encontrava-se, em 10-08-2018, em processo de insolvência para liquidação no Reino Unido desde 16-07-2017; e

(ii) No âmbito do processo de insolvência que corre termos no Reino Unido, não foram apurados definitivamente todos os créditos, obrigações e bens penhoráveis da sociedade que incorporou a devedora originária, estando identificado património penhorável de valor muito relevante.

Y) Para efeitos do disposto no artigo 640°, n° l, alínea b), do Código de Processo Civil, indica-se que estes factos - alegados no artigo 27° da p.i. no requerimento de 19 de agosto de 2020 - resultam inequivocamente provados da documentação do Registo Comercial Britânico (Companies' House), nas partes e excertos acima transcritas;

Z) Adicionalmente, o RECORRIDO não pode deixar de recordar que, nos termos do disposto nos artigos 55° e 58° da Lei Geral Tributária, a descoberta da verdade material (subjacente ao principio do inquisitório), a boa-fé e, a justiça, a imparcialidade e a prossecução do interesse público devem nortear toda a atividade da Administração tributária, cuja função não é maximizar a receita fiscal a qualquer custo, mas gerir os tributos de acordo com a lei;

AA) Neste sentido, mesmo que os elementos recolhidos no processo de execução fiscal não fossem suficientemente claros para demonstrar a existência de património e de um processo de insolvência no Reino Unido (no qual o órgão de execução fiscal deve procurar participar), cabia à Administração tributária levar a cabo todas as diligências necessárias a confirmar o conteúdo desses elementos (cujo conhecimento é claramente admitido pela Fazendo Pública);

BB) Todavia, na presente situação, a Administração Tributária: (i) não só não procurou esclarecer as dúvidas que agora manifesta sobre os elementos que ela própria carreou para o processo de execução fiscal; (ii) como (lamentavelmente) omitiu esses elementos em todos os contactos que fez com o RECORRIDO, que só tomou conhecimento da situação de facto depois de uma análise exaustiva do extensíssimo processo de execução;

CC) Com o seu segundo argumento, a Fazenda Pública sustenta que a Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa padece de erro de julgamento por "não ter feito uma correta interpretação e aplicação das normas referentes ao ónus da prova bem como aos requisitos para a suspensão do processo de execução fiscal". E concluí, concretizando que "perante a não indicação de bens da devedora originária, não tendo apresentado garantia conforme acima exaustivamente descrito, ou não requerendo a sua dispensa, não pode, salvo o devido respeito, o processo de execução fiscal ser suspenso";

DD) Sucede, contudo, que os n°s 2 e 3 do artigo 23° da Lei Geral Tributária (que também integra o regime legal relevante para este efeito) prevê um caso específico de suspensão da cobrança da dívida executiva e acrescido conta os responsáveis subsidiários, que não pode ser ignorado pela Administração Tributária.

EE) Como a este respeito vêm decidindo os tribunais superiores, o "benefício da excussão traduz-se no direito do responsável subsidiário de se opor a que a execução dos seus bens se efetue enquanto não forem penhorados e vendidos todos os bens do devedor principal" o que "assegura ao responsável subsidiário o benefício da excussão mediante a suspensão do processo executivo, desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado" (cf. Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 25 de janeiro de 2017, no Processo 0286/16, disponível, como os demais arestos aqui referidos, em www.dgsi.pt; realce acrescentado);

FF) Ainda de acordo com a jurisprudência dos Tribunais superiores a "execução fiscal não prosseguirá contra o revertido enquanto não findar o processo de insolvência e se tiver apurado se, e em que medida, os bens da sociedade originária devedora são insuficientes para o pagamento da dívida exequenda, assim se assegurando o benefício da excussão prévia (cfr. art. 23.°, n.°s 2 e 3, da LGT)" (cf. Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12 de julho de 2018, no processo 0789/17, realce acrescentado);

GG) E tal sucede mesmo que a Administração Tributária não tenha reclamado os seus créditos no âmbito do processo de insolvência (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 27 de setembro de 1995, no processo n°16069, citado em Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, ... cit, página 229);

HH) Diga-se, aliás, que se assim não se entendesse - i. e., se se considerasse que o benefício da excussão prévia não garante o direito à suspensão da cobrança contro o devedor subsidiário enquanto não for esgotado o património do devedor originário - então ter-se-ia de concluir que o regime permitiria à Administração tributária escolher arbitrariamente a forma mais simples de cobrar os seus créditos, transformando o devedor subsidiário em devedor solidário e violando (sem justificação) o principio do estado de direito democrático, o principio da legalidade e o direito à propriedade privada, previstos nos artigos 2°, 3° n° 2 e 62° da Constituição da República Portuguesa;

II) Transpondo este entendimento para o presente caso, verifica-se que a Administração tributária está inequivocamente obrigada pelo disposto no artigo 23°, n°s 2 e 3, da Lei Geral Tributária, a suspender a cobrança da dívida exequenda e acrescido contra o RECORRIDO porque a devedora originária se encontra em processo de Insolvência no qual não foram apurados definitivamente todos os seus créditos e obrigações e está demonstrado que detém depósito bancários de valor muito significativo;

JJ) Ao exposto acresce que, como o Tribunal Central Administrativo Sul deixou muito claro nos Acórdãos proferidos em 25 e 11 de fevereiro de 2021, nos processos n°1016/20.6BELRS e n.° 1019/20.OBELRS, independentemente do juízo que se faça quanto à matéria de facto, o certo é que o Despacho reclamado pelo Recorrido (como os despachos exatamente iguais que foram apreciados naqueles outros processos, relativos a outros revertidos no âmbito da mesma execução fiscal não fez qualquer apreciação (nern sequer se refere) à (in)existência de património na esfera da devedora originária, limitando-se a sustentar que, uma vez apresentados os meios de reação contra a liquidação e a reversão, a suspensão só podia ser admitida por via da apresentação de garantia idónea;

KK) Como se lê naqueles dois arestos

"Revertendo aos autos, o que se constata é que a Administração tributária alega não estarem reunidos os pressupostos de que depende a suspensão da execução na medida em que não há prova - que ao reclamante, ora recorrido, incumbia fazer - de que a sociedade devedora originária (sociedade de direito alemão B... I... GMBH & CO KG, NIF 9...), possui património susceptível de excussão.

Sucede, porém, salvo o devido respeito, que essa narrativa da Fazenda Pública não tem aderência à realidade que sobressai do probatório e dos autos.

Com efeito, o que se verifica é que invocando a pendência de um processo de insolvência para liquidação da sociedade E... GMBH incorporante da sociedade devedora originária, o ora recorrido dirigiu à execução um pedido de suspensão do processo contra si, nos termos do disposto no art°23/3 da Lei Geral Tributária.

E a AT, silenciando qualquer pronúncia sobre esse particular fundamento do pedido de suspensão, nomeadamente, quanto à validade ou suficiência probatória do documento apresentado (a que se refere o ponto L) do probatório), respondeu unicamente no sentido de se impor como necessária a prestação de garantia nos termos do art°169° do CPPT caso o revertido, aqui recorrido, pretendesse obter a suspensão da execução na pendência dos processos de oposição ou impugnação judicial"',

LL) Nestes termos, como foi decidiu naqueles Acórdãos, "sem prejuízo das diligências complementares que entenda pertinentes empreender no sentido da obtenção de informação actualizada sobre o estado do processo de insolvência da S…, (...), certo é que o acto reclamado (...) não pode manter-se na ordem jurídica na medida em que se limitou a demandar ao revertido a prestação de garantia ao abrigo do disposto no art.° 169.° do CPPT como se essa fosse a única possibilidade de suspensão da execução, sem ter ponderado a possibilidade da sua suspensão ao abrigo do disposto no art.° 23/3 da LGT, ainda que para concluir, (bem ou mal, não interessa agora), pelo indeferimento do pedido à luz do que, na óptica da AT deverá ser a exigência probatória relativamente aos pressupostos de facto enunciados naquele art.° 23/3 da Lei Geral Tributária para suspensão da execução contra o revertido após o termo do prazo de oposição".

TERMOS EM QUE,

DEVE O RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, QUER QUANTO À MATÉRIA DE FACTO, QUER QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO, MANTENDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A DECISÃO ANULATÓRIA DO DESPACHO RECLAMADO PELO RECORRIDO.


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Neste TCA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso, “devendo a douta sentença sob recurso ser mantida na esfera jurídica, uma vez que não sofre de qualquer vício”.

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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO


- De facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:


a) O Reclamante é executado, na qualidade de responsável subsidiário, no processo de execução fiscal n.º 308520150... [apenso ao processo n.º 308520140...], originariamente instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3, contra a sociedade B... I... GMBH & Co KG, titular do número de identificação fiscal português n.º 9..., para cobrança coerciva de uma dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado ["IVA"] e juros compensatórios, no montante total de € 843.768,55 [oitocentos e quarenta e três mil, setecentos e sessenta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos], com fundamento no artigo 24.º, n.º1, al. b) da LGT e 153.º, n.º 1 e 2, alínea b) do CPPT - cfr. despacho de reversão junto com a Reclamação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a fls. 42 a 61 e 62 a 295, do SITAF.


b) A devedora originária mencionada na alínea a) foi extinta e incorporada pela sociedade E... GmbH, a qual transferiu o seu ativo e passivo, relações laborais e contratuais para a empresa B... T… GmBH – cfr. pág. 61/81 do documento a fls. 653-733, do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


c) O Órgão de Execução Fiscal realizou diligências para apurar a existência de bens da devedora originária [B... I... GMBH & Co KG], bem como da sociedade E... GmbH, junto da Autoridade Tributária Alemã, em resultado das quais não foram encontrados bens suscetíveis de penhora – cfr. documentos juntos com a petição inicial, a fls. 4 a 14 e 29 a 39, do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


d) O Reclamante apresentou reclamação graciosa contra os atos de liquidação subjacentes ao processo de execução fiscal – cfr. doc. junto com a reclamação, fls. 62 a 295 do SITAF.


e) Em 09/10/2019, o Reclamante apresentou Oposição à Execução, peticionando a revogação do despacho de reversão e a consequente extinção [contra ele] do processo de execução identificado na alínea a) anterior – cfr. doc.3, junto com a Reclamação, a fls. 62 a 295 do SITAF.


f) Em 24/10/2019, o Reclamante solicitou ao Órgão de Execução Fiscal a suspensão do processo de execução, por não se encontrar excutido o património da devedora originária e, subsidiariamente, a notificação do valor da garantia a prestar e, em caso de valor elevado, a dispensa de prestação de garantia - cfr. requerimento junto com a Reclamação, como doc. n.º 4, a fls. 62 a 295 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


g) Em 18/11/2019, o Reclamante foi notificado do despacho, proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa – 3, que indeferiu o requerimento mencionado na alínea f) anterior, com os seguintes fundamentos:



«Imagem no original»







– cfr. doc. junto com a reclamação, a fls. 40- 41 dos autos.



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Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão.



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Motivação


Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa [ou causas] de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor e consignar se a considera provada ou não provada [cfr. artigos 94.º do CPTA e artigo 607.º, n.º 3 e 4 do CPC, ex vi do artigo 2.º, alíneas c) e e) do CPPT].


Face à questão a decidir, a convicção do Tribunal resultou da análise dos documentos juntos aos autos com os respetivos articulados, supra id., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes”.


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- De Direito

Conforme decorre das conclusões da alegação de recurso, vêm-nos dirigidas duas questões diferentes, tal como sintetizadas na conclusão B) – uma questão de facto e uma questão de direito.

Começando pelo primeiro vector de discordância com a sentença, temos que, para a Recorrente, houve uma errada “seleção e valoração da prova”, destacando-se que a sentença teve em “consideração factos que não levou ao probatório, isto é, valorizou determinados factos constantes de documentos, nomeadamente a certidão junta pelo reclamante em 19-08-2020, a fls. 565 e ss do SITAF”. Salienta a FP que o referido documento corresponde a “certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3, donde constam prints retirados do google, aquando das pesquisas efetuadas para instruir o processo em termos administrativos, e não qualquer informação oficial acerca da alegada insolvência da devedora originária, ou os bens de que é detentora”. Para a Recorrente, “tal facto / documento [leia-se certidão], não deveria ter sido valorada da forma que o foi, desde logo por não constar do probatório, e por não consistir num documento oficial que ateste a situação patrimonial da devedora originária, e por isso certamente não levado à matéria assente pelo d. tribunal a quo”.

Vejamos, então, começando por deixar claro que, como consta da sentença, estamos a falar do “documento junto pelo Reclamante, com o requerimento apresentado nos autos em 19/08/2020 [certidão]”, que “consta do processo de execução fiscal [apesar de não se tratar de um documento oficial] e, nesse sentido, integra a instrução do PEF e valorado enquanto tal”.

Como por diversas ocasiões temos dito, a sentença, na sua elaboração, não tem que seguir um modelo desenhado a régua e esquadro, sendo imperioso, porém, no que à matéria facto respeita, que dela conste a base fundamentadora da respectiva decisão e o circunstancialismo factual relativamente ao qual foi convocado o quadro normativo aplicável.

No caso concreto, temos que a Mma. Juíza, na parte reservada à motivação do julgamento de facto, expressamente se referiu à “valoração” do documento integrante da “instrução do PEF”, correspondente ao “documento junto pelo Reclamante, com o requerimento apresentado nos autos em 19/08/2020 [certidão]”. Mais adiante, já na análise jurídica, dele retirou as partes que integram o seu conteúdo, aí se referindo que:

“De acordo com o documento [certidão] junto pelo Reclamante, através do requerimento apresentado nos autos em 19/08/2020 [ainda que se trate de documento não oficial, foi extraído do PEF e, por isso, do conhecimento do Órgão de Execução Fiscal], a sociedade E... GmbH:

a) Em 31/08/2014, transferiu todos os seus ativos, contas a receber, passivo, relações laborais e demais relações contratuais para uma sociedade recém-constituída, a B... T… GmBt;

b) No início de 2015, transferiu as suas operações para o Reino Unido, o que culminou com a criação de uma sociedade no Reino Unido, no início de 2015;

c) Fruto das dificuldades financeiras, o Conselho de Administração da E... GmbH considerou a sociedade insolvente e aprovou uma deliberação para proceder à liquidação voluntária em Benefício dos Credores;

d) Em 2017, foi nomeado o liquidatário da sociedade [que elaborou o relatório constante do PEF e que constitui o documento junto pelo Reclamante];

e) À data da nomeação do liquidatário, a sociedade possuía um único ativo “caixa”- Banco [que o liquidatário tentou realizar], possuía credores fiscais e o balanço indicava 11 credores não garantidos, com um passivo estimado em £3.536.934.”;

Ainda que se admita que a técnica utilizada para efeitos do julgamento da matéria de facto não é a mais escorreita e apreensível, a verdade é que não restam dúvidas sobre a convocação e valoração do apontado documento.

De todo o modo, entendemos ser útil à correcta apreensão da base documental/factual que serve de apoio à análise jurídica, deixar consignado, ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC, na matéria de facto seguinte:

h) Consta dos autos um documento em língua inglesa designado “E... GMBH (in Liquidation) – Liquidator´s Progress Report to Members and Creditors for the year ending 15 June 2018”, através do qual o liquidatário da insolvência que o subscreve (“liquidator”) relata os progressos conseguidos, no período de 16/06/2017 a 15/06/2018, na liquidação de bens daquela sociedade (doc. junto com a certidão anexa ao requerimento de 19/08/20).


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Estabilizada a matéria de facto, importa avançar.

No essencial, o que importa aqui decidir é saber se a sentença errou ao julgar que, no caso, estão reunidos os pressupostos de que depende a suspensão do processo de execução fiscal contra o responsável subsidiário, nos termos previstos no artigo 23º, nº3 da LGT.

A sentença respondeu afirmativamente a tal questão e, nos termos que resultam das conclusões, tal decisão suscita a firme discordância da Fazenda Pública, como resulta das conclusões da alegação de recurso.

Lembremos, em resumo, o entendimento do TT a este propósito. Escreveu-se, na sentença, além do mais, o seguinte:

“Contudo, resulta expressamente do despacho de reversão [cfr. alínea a) do probatório], que a reversão do processo de execução fiscal contra o Reclamante teve como fundamento a “Insuficiência dos bens do devedor originário [art. 23.º/n.ºs 1 a 3 da LGT e art. 153.º/n.ºs 1/2/b do CPPT], decorrente do resultado de penhoras efetuadas por este órgão de execução fiscal, sobre os potenciais bens conhecidos do devedor originário, nomeadamente créditos, rendas, contas bancárias, imóveis.”

Donde, não obstante as diligências efetuadas, o órgão de execução fiscal concluiu pela insuficiência de bens da devedora originária e não pela sua inexistência, pelo que, seguindo a jurisprudência citada supra, com a qual concordamos [independentemente de ter sido já apresentada Oposição à execução], por força do disposto do artigo 23.º, n.º 3 da LGT, após a reversão, o processo de execução fiscal é suspenso, automaticamente, ope legis.

Assim sendo, o ato reclamado padece de vicio de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, porquanto, in casu, se encontram preenchidas as condições para a suspensão ope legis do processo de execução fiscal”.

A questão aqui em análise foi já apreciada e decidida neste TCA em duas ocasiões, a saber: no acórdão proferido em 11/02/2021, no proc. nº 1019/20.0BELRS, e no acórdão proferido em 25/02/2021, no proc. nº 1016/20.6BELRS. Em qualquer destes arestos, estamos perante casos absolutamente idênticos, relativos à mesma questão, ao mesmo PEF. Diferem, nos diferentes processos, os responsáveis subsidiários. Por estarmos inteiramente de acordo com o decidido e com os fundamentos convocados – que aqui recuperamos - passamos a transcrever excerto do acórdão datado de 11/02/21. Aí se deixou dito, além do mais, o seguinte

«Como referimos já, a questão a dirimir apresenta-se relativamente simples e, essencialmente, reconduz-se a indagar se estão reunidos os pressupostos de que depende a suspensão do processo de execução fiscal contra o responsável subsidiário, nos termos previsto no art.º 23/3 da Lei Geral Tributária.

De acordo com o disposto nesse art.º 23/3, «Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei».

Como escreve Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado e Comentado”, vol. III, 6.ª ed., Áreas Ed., 2011, a pág.66, «efectuada a reversão, a execução fica suspensa desde o termo do prazo da oposição até à completa excussão do património, o que significa que a reversão não tem como objectivo imediato a cobrança coerciva da dívida tributária através do património do responsável subsidiário, mas apenas garantir a possibilidade de ulteriormente vir a efectuar, eventualmente, essa cobrança coerciva (…)».

E no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12/07/2018, tirado no proc.º 0789/17, deixou-se consignado: «a execução fiscal não prosseguirá contra o revertido enquanto não findar o processo de insolvência e se tiver apurado se, e em que medida, os bens da sociedade originária devedora são insuficientes para o pagamento da dívida exequenda, assim se assegurando o benefício da excussão prévia».

Revertendo aos autos, o que se constata é que a Administração tributária alega não estarem reunidos os pressupostos de que depende a suspensão da execução na medida em que não há prova – que ao reclamante, ora recorrido, incumbia fazer – de que a sociedade devedora originária (sociedade de direito alemão B... I... GMBH & CO GB, NIF 9...), possui património susceptível de excussão.

Sucede, porém, salvo o devido respeito, que essa narrativa da Fazenda Pública não tem aderência à realidade que sobressai do probatório e dos autos.

Com efeito, o que se verifica é que invocando a pendência de um processo de insolvência para liquidação da sociedade E... GMBH incorporante da sociedade devedora originária, o ora recorrido dirigiu à execução um pedido de suspensão do processo contra si, nos termos do disposto no art.º 23/3 da Lei Geral Tributária.

E a AT, silenciando qualquer pronúncia sobre esse particular fundamento do pedido de suspensão, nomeadamente, quanto à validade ou suficiência probatória do documento apresentado (a que se refere o ponto L) do probatório – aqui, ponto H), respondeu unicamente no sentido de se impor como necessária a prestação de garantia nos termos do art.º 169.º do CPPT caso o revertido, aqui recorrido, pretendesse obter a suspensão da execução na pendencia dos processos de oposição ou impugnação judicial.

Portanto, a questão da validade probatória do documento oferecido pelo recorrido para fundar o pedido de suspensão da execução contra si nos termos do art.º 23/3 da LGT não chegou sequer a ser equacionada no acto notificado ao aqui recorrido por ofício de 13/11/2019, a que se refere o ponto I) do probatório (aqui ponto g) do probatório).

Salienta-se que, muito embora não se alcance nos autos nem conste do probatório, o teor do acto notificado por aquele ofício, a verdade é que a recorrente, como seria do seu decisivo interesse processual, que há mais fundamentação relevante para além da vertida na notificação.

Assim, sem prejuízo das diligências complementares que entenda pertinentes empreender no sentido da obtenção de informação actualizada sobre o estado do processo de insolvência da SDO, nomeadamente em vista do alterado ponto L) do probatório (aqui, ponto h do probatório), certo é que o acto reclamado, comunicado ao aqui recorrido por ofício n.º 12.799, de 13/11/2019 (cf. ponto I) do probatório; aqui, ponto g) do probatório), não pode manter-se na ordem jurídica na medida em que se limitou a demandar ao revertido a prestação de garantia ao abrigo do disposto no art.º 169.º do CPPT como se essa fosse a única possibilidade de suspensão da execução, sem ter ponderado a possibilidade da sua suspensão ao abrigo do disposto no art.º 23/3 da LGT, ainda que para concluir, (bem ou mal, não interessa agora), pelo indeferimento do pedido à luz do que, na óptica da AT deverá ser a exigência probatória relativamente aos pressupostos de facto enunciados naquele art.º 23/3 da Lei Geral Tributária para suspensão da execução contra o revertido após o termo do prazo de oposição.» - fim de citação.

Na esteira do acórdão supra transcrito, também se pronunciou o acórdão do TCA a que fizemos referência de 25/02/21, dizendo que “a AT não emitiu qualquer pronúncia sobre esse particular fundamento do pedido de suspensão (art. 23º, nº 3, da LGT), nem tão pouco quanto à validade ou suficiência probatória do documento apresentado (a que se referem os números 28., 29. e 30. do probatório), respondeu unicamente no sentido de se impor como necessária a prestação de garantia nos termos do art.º 169.º do CPPT caso o revertido, aqui recorrente, pretendesse obter a suspensão da execução na pendencia dos processos de oposição ou impugnação judicial.

Portanto, a questão da validade probatória do documento oferecido pelo recorrente para fundar o pedido de suspensão da execução contra si nos termos do art.º 23º, nº 3 da LGT não chegou sequer a ser equacionada no acto notificado por ofício de 18/11/2019, a que se refere o nº 26. do probatório.

Deste modo, e sem prejuízo das diligências complementares que a AT entenda pertinentes empreender no sentido da obtenção de informação actualizada sobre o estado do processo de insolvência da SDO, certo é que o acto reclamado, não pode manter-se na ordem jurídica na medida em que se limitou a demandar ao revertido a prestação de garantia ao abrigo do disposto no art.º 169.º do CPPT como se essa fosse a única possibilidade de suspensão da execução, sem ter ponderado a possibilidade da sua suspensão ao abrigo do disposto no art.º 23º, nº 3 da LGT, ainda que para concluir, (bem ou mal, não interessa agora), pelo indeferimento do pedido à luz do que, na óptica da AT deverá ser a exigência probatória relativamente aos pressupostos de facto enunciados naquele art.º 23º, nº 3 da Lei Geral Tributária para suspensão da execução contra o revertido após o termo do prazo de oposição.

Termos em que procede o presente recurso”.

A questão é, pois, precisamente a mesma e não merece resposta diferente.

Temos assim que, com esta fundamentação, não inteiramente coincidente com a da sentença, confirma-se o sentido da mesma, isto é, de procedência da reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT

Face ao agora decidido, nada mais há para apreciar e nega-se provimento ao recurso.


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A circunstância de o recurso não envolver especial complexidade na solução jurídica das questões colocadas, conjugada com o facto de o montante da taxa de justiça devida (nos termos da tabela I-B anexa ao Regulamento das Custas Processuais) ser manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, quebrando a relação sinalagmática inculcada no pagamento da taxa, justifica a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça (cf. artigo 6.º n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais), o que se determinará no dispositivo do acórdão.

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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo da dispensa total de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Registe e Notifique.

Lisboa, 27/05/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Hélia Gameiro e Ana Cristina Carvalho]



Catarina Almeida e Sousa