Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1740/09.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO;
LIQUIDATÁRIO NOMEADO;
NOTIFICAÇÃO.
Sumário:Encontrando-se a sociedade dissolvida e tendo sido nomeada liquidatária, as notificações devem ser dirigidas ao liquidatário nos termos do nº 3 do art. 41º do CPPT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição à execução deduzida por A............ e J............ contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº ............, instaurado originariamente contra a sociedade “E……….., Lda.”, por dívidas tributárias de IRS dos anos de 2002 a 2004 no montante total de € 41.093,40.

A Recorrente, após notificação para aperfeiçoamento das suas alegações, formulou conclusões, como consta de fls. 400 a 403, nos seguintes termos:

“I - Considerou o Meritíssimo Juiz do tribunal “a quo”, na douta sentença em apreço, que a devedora originária foi dissolvida e, consequentemente nomeada uma liquidatária, (com registo definitivo em 04.11.2005) o que implicava que os oponentes tivessem deixado de representar a devedora originária durante o período de liquidação da sociedade.

II - Por sua vez a sentença, objecto de recurso, cita os artigos 146.°, 151.°, 152.°, n.1 e 252.°, todos do Código das Sociedades Comerciais (CSC), contudo, só são de aplicação supletiva ao procedimento e processo judicial tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos.

III - Prossegue, ainda, a douta sentença que nos termos do disposto no art. 41.°, n.° 3, do CPPT, que no caso da sociedade se encontrar em liquidação, a notificação deve ser efectuada na pessoa do liquidatário.

IV - Concluindo, assim, que assiste razão aos recorridos, uma vez que a falta de notificação, provoca a ineficácia do acto tributário de liquidação, o que torna a dívida inexigível, e consequentemente, considerou prejudicada a análise dos demais fundamentos invocados (art. 124.°, ex vi art. 211.°, n,° 1, ambos do CPPT, e art. 660.°, n.° 2, do CPC/1961, ex vi art. 2.° e) do CPP).

V -Nesse circunspecto, julgou a presente oposição procedente e, em consequência julgou extinto, quanto aos oponentes, o processo de execução fiscal n.°……………., condenado a Fazenda Pública ao pagamento de custas e, com a qual não concordamos.

VI - Salvo o devido respeito pela decisão sufragada, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim, doutamente, decidido, porquanto, a sentença recorrida fez um errado enquadramento dos factos à luz dos normativos vigentes, quando decidiu que a AT tinha de ter notificado a liquidatária (art. 41.°, n.° 3, do CPPT).

VII -Ora analisando a sentença em crise, constitui objecto do presente recurso, saber se é ou não admissível, reverter as dívidas contra os responsáveis subsidiários, se existir declaração de insolvência da devedora originária, ou ao invés, se deve ser notificada a liquidatária nomeada.

VIII - Salvo o devido respeito pelo douto entendimento, entende esta Representação que, pese embora a devedora originária tenha sido declarada insolvente, tal facto não impede que o órgão de execução fiscal averigue sobre a admissibilidade legal de chamar à execução os responsáveis subsidiários (art. 23.°, n.° 7 da LGT), caso se verifiquem os respectivos pressupostos legais, impondo-se, contudo, que a AT respeite os limites de excussão prévia impostos pelo art. 23.°, n.° 2 do mesmo Compendio Normativo.

IX - Efectivamente, tal facto só será possível caso se verifiquem os pressupostos legais para o seu chamamento e, em caso afirmativo irá responder com o seu património pessoal, relativamente a dívidas da devedora originária por insuficiência patrimonial desta (art. 24.°, n.° 1 da LGT), o que por si só, em nada afecta os bens da massa insolvente.

X - Assim, no caso “sub judice” e, face à insuficiência dos bens da devedora originária para pagamento da dívida exequenda, prosseguiu a reversão contra os ora Recorridos, não merecendo o despacho de reversão qualquer censura e, consequentemente, as liquidações que foram enviadas à devedora originária foram validamente notificadas, como se pode constatar pelos documentos protestados juntar em sede de contestação, e juntos através do requerimento com entrada no tribunal “a quo” n.° 269409 de 24.NOV.2014.

XI - Aliás posição, também, perfilhada pelo Ministério Público, já que no seu douto parecer defendeu a improcedência da presente oposição. 

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.”

* *
Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado que a dívida exequenda era inexigível em virtude de a notificação da liquidação não ter sido efectuada à liquidatária, nos termos do art. 41º, nº 3 do CPPT.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
1) Pela inscrição 1, foi registado, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, o contrato social da sociedade E……………, Lda (doravante E............) sendo sócios e gerentes designados os oponentes (cfr. fls. 65 a 68).

2) Pelo av. 1, à inscrição 1, correspondente à Ap. 3/910326, foi registada a mudança da sede da sociedade mencionada em 1) para a Praça …………., Lisboa (cfr. fls. 65 a 68).

3) Durante os exercícios compreendidos entre 2002 e 2004, foi declarado o pagamento aos oponentes, pela sociedade mencionada em 1), de rendimentos da categoria A (cfr. fls. 207 a 212).

4) A partir de 2001/2002, o mercado gráfico sofreu alterações em virtude da existência da concorrência de empresas de grande dimensão e do uso de computadores em maior escala, situações com as quais a sociedade mencionada em 1) revelou não conseguir competir, tendo perdido clientes.

5) Pela ap. 20/041018, foi registada a dissolução da sociedade mencionada em 1) e a designação como liquidatária de M............, com a natureza de provisória por dúvidas, convertida, pelo av. 1 – ap. 11/041105, indicando-se como residência da referida liquidatária a Praça ……………………….., Varge Mondar, Albarraque, Rio de Mouro (cfr. fls. 65 a 68).

6) Foi apresentada, junto dos serviços da AT, declaração de cessação de atividade da E............, datada de 21.01.2005, referindo-se na mesma como data de cessação, para efeitos de IVA, 30.09.2004 e, para efeitos de IRC, 18.10.2004 (cfr. fls. 69 e 70).

7) No âmbito dos autos n.º 14/2012, da então 12.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, foi proferida sentença, na qual foi condenada a sociedade T............, Lda, a pagar à sociedade mencionada em 1) a quantia de 22.447,40 Eur. acrescida de juros legais (cfr. fls. 74 a 81).

8) Não foram encontrados bens suscetíveis de penhora à sociedade T............, Lda.

9) A 28.04.2006, foi homologada transação, no âmbito dos autos n.º 254-A/2002, do 4.º Juízo – Tribunal do Trabalho de Lisboa, na qual a sociedade mencionada em 1), representada pela liquidatária mencionada em 5), e A............, acordaram em que a primeira pagaria ao segundo o valor de 32.000,00 Eur., acrescido de 70,75 Eur. (cfr. fls. 171 a 174).

10) Foram emitidos cheques, da sociedade mencionada em 1), à ordem do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, durante o ano de 2006, no valor de 13.870,13 Eur. e de 8.706,80 Eur. (cfr. fls. 176 a 179).

11) Foram emitidos cheques, da sociedade mencionada em 1), à ordem de trabalhadores seus, durante o ano de 2006, no valor de 9.000,00 Eur., 4.000,00 Eur., 12.750,00 Eur., 6.000,00 Eur. e 2.850,00 Eur. (cfr. fls. 180 a 189).

12) Foram emitidas, pela AT, em nome da sociedade E............, as seguintes liquidações relativas a retenções na fonte de IRS:
Ano N.º liquidação Data da Valor do Imposto Valor dos Juros Total
liquidação compensatórios

2004 ………………. 07-12-2006 2.965,00 217,70 3.182,70
2003 ……………. 07-12-2006 16.014,00 1.818,13 17.832,13
2002 ……………. 07-12-2006 17.283,00 2.795,57 20.078,57
(cfr. fls. 313 a 315).

13) Na sequência do mencionado em 12), foram elaborados ofícios, pela AT, designados de “demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR” e dirigidos à sociedade E............ e à morada “Pr …………………….Lisboa” (cfr. fls. 313 a 315).

14) As liquidações mencionadas em 12) não foram notificadas à liquidatária mencionada em 5).

15) Foram emitidas, pelos serviços da AT, certidões de dívida respeitantes às liquidações mencionadas em 12) (cfr. fls. 91 e 92).

16) Na sequência do mencionado em 15), foi instaurado, a 07.02.2007, no SF de Lisboa 13, contra a sociedade E............, o PEF n.º ……………… (cfr. fls. 4, 91 e 92).

17) No âmbito do PEF mencionado em 16) e na sequência de mandado de penhora, foi emitido auto de diligências, datado de 03.10.2007, no qual se menciona a impossibilidade de cumprimento do mandado, por não serem encontrados no local mencionado em 2) bens da sociedade mencionada em 1) nem esta se encontrar no local (cfr. fls. 95 e 95 verso).

18) No âmbito do PEF mencionado em 16), foram proferidos despachos, para efeitos de audição prévia, de preparação para reversão, contra os oponentes, que lhe foram remetidos via correio postal registado (cfr. fls. 100 a 102 verso).

19) Na sequência do mencionado em 18), os oponentes apresentaram, junto do SF de Lisboa 13, documentos, para efeitos de exercício do direito de audição (cfr. fls. 103 a 112).

20) Na sequência do referido em 19), foi elaborada, a 09.05.2008, no SF de Lisboa 13, informação, da qual consta designadamente o seguinte:
Vêm os dois oponentes responder à notificação de Audição Prévia, com vista à responsabilização subsidiária, das dívidas de IRS dos anos de 2002, 2003 e 2004, provenientes de retenções na fonte, liquidadas oficiosamente pelos serviços, arguindo que nunca foram notificados das liquidações, que a firma se encontra cessada em sede de IVA desde 18/10/2004 e dissolvida desde Junho de 2005 e ainda que àquelas datas não existiam quaisquer dívidas.
Quanto a isso tenho a informar que:
- As dívidas são provenientes de IRS, retenções na fonte, logo do conhecimento dos gerentes a falta da sua entrega
- Por falta de entrega voluntária das mesmas (o acto declarativo e pagamento deve surgir espontaneamente por partes dos executados) foi efectuada a liquidação oficiosa por parte dos serviços, após verificação da falta
- A falta de notificação é condição para reclamação graciosa ou impugnação, após efectivação da reversão, nos termos do art. 22.º da LGT n.º 4, recurso a que os mesmos poderão recorrer, quando citados
- O facto de não haver dívidas à altura da cessação e dissolução não invalida que as mesmas surjam após (desde que no decurso da caducidade dos impostos) quando verificada pela A. Fiscal a sua existência.
Assim, sou de opinião que se deverá efectivar a reversão contra os dois notificados…” (cfr. fls. 122 e 122 verso).

21) Na sequência do mencionado em 20), foi proferido despacho de reversão, pela chefe do SF de Lisboa 13, a 09.05.2008, do qual consta designadamente o seguinte:
Concordo com a informação que antecede e com os fundamentos ali mencionados reverta-se a execução contra os responsáveis subsidiários” (cfr. fls. 123 a 124 verso).

22) Na sequência do mencionado em 21), foram remetidos, via correio postal com aviso de receção, ofícios, designados “Citação (Reversão)”, dirigidos aos oponentes (cfr. fls. 125 a 126 verso).

23) Pela inscrição 3, Ap. 131/20090928, foi registado o encerramento da liquidação da sociedade mencionada em 1) (cfr. fls. 293 e 294).
*
DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão, considera-se não provado o seguinte facto:
A) Foram enviadas à devedora originária e por esta recebidas, diretamente ou através de terceiros, ou não reclamadas notificações relativas às liquidações mencionadas em 12).
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Não existem outros factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.
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MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou, desde logo, na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.
Quanto ao facto 4), a convicção do tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas M............, liquidatária judicial, que foi a liquidatária da sociedade devedora originária, e de M............, revisora oficial de contas e irmã do oponente A............, tendo ambas confirmado as dificuldades da devedora originária em adaptar-se às mudanças no setor, a primeira por força quer da sua experiência com empresas do setor quer do seu contacto com a devedora originária em concreto e a segunda por força de o próprio irmão e o oponente J............ lhe terem pedido a opinião profissional, em termos de destino da sociedade, face às mencionadas mudanças do setor.
No que respeita ao facto 8), trata-se de facto alegado nos art.ºs 12.º a 14.º, da petição inicial, não posto em causa pela Fazenda Pública.
No tocante aos factos 10) e 11), os mesmos foram ainda confirmados pela testemunha M............, com a razão de ciência já mencionada, tendo afirmado tratar-se de pagamentos já feitos por si.
Quanto ao facto 14), trata-se de facto alegado pelos oponentes, não contestado, não tendo sido demonstrado pela Fazenda Pública, a quem competia tal ónus e não obstante notificação para o efeito, que tenha sido feita qualquer notificação à liquidatária. Por outro lado, a própria liquidatária, M............, no seu depoimento, afirmou não ter recebido qualquer liquidação.
Quanto ao facto não provado, sendo certo que, dos autos, consta uma guia de expedição de registos dos CTT e impressões do sistema informático da administração tributária, com indicação de números de registo postal – cfr. fls. 309 a 317–, não consta dos mesmos qualquer elemento que permita associar a informação constante do sistema informático às liquidações em causa nem qualquer comprovativo da efetiva entrega ou de não ter sido reclamada a correspondência – designadamente comprovativos emitidos pelo operador de serviços postais CTT. A impressão do sistema informático, sendo da própria autoridade administrativa, não constitui prova bastante, provando meramente um registo feito em tal sistema. A guia de expedição de registo é meramente global (respeita a 7.845 registos), não permitindo qualquer ligação com os documentos mencionados em 13).


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal a quo julgou a oposição procedente tendo considerado, em síntese, que a dívida era inexigível porquanto a notificação da liquidação não foi efectuada à liquidatária, nos termos do art. 41º, nº 3 do CPPT.

A Recorrente não se conforma com o decidido invocando, também em síntese, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito quando decidiu que a AT tinha de ter notificado a liquidatária. Mais conclui que o objecto do presente recurso, é saber se é ou não admissível, reverter as dívidas contra os responsáveis subsidiários, se existir declaração de insolvência da devedora originária, ou ao invés, se deve ser notificada a liquidatária nomeada. Mais entende que, pese embora a devedora originária tenha sido declarada insolvente, tal facto não impede que o órgão de execução fiscal averigue sobre a admissibilidade legal de chamar à execução os responsáveis subsidiários (art. 23.°, n.° 7 da LGT), caso se verifiquem os respectivos pressupostos legais, impondo-se, contudo, que a AT respeite os limites de excussão prévia impostos pelo art. 23.°, n.° 2. Assim, no caso “sub judice” e, face à insuficiência dos bens da devedora originária para pagamento da dívida exequenda, prosseguiu a reversão contra os ora Recorridos, não merecendo o despacho de reversão qualquer censura e, consequentemente, as liquidações que foram enviadas à devedora originária foram validamente notificadas (cfr. conclusões VI a X das alegações de recurso).

Em sede de alegações afirma ainda a Recorrente que, a dívida exequenda resulta de quantias retidas e não entregues nos cofres do Estado pelo que não se pode falar de liquidação mas sim numa exigência de cumprimento de uma obrigação imposta ao substituto a título de devedor principal (cfr. ponto 15 das alegações). Mais acrescenta que o facto tributário ocorreu, tratando-se de retenção na fonte, no momento em que a mesma foi feita, ou seja, no momento em que o rendimento objecto de retenção foi pago ou colocado à disposição dos titulares e, tendo presente que foi a devedora originária que entregou o anexo J/modelo 10, mencionando os rendimentos auferidos e o imposto retido referente aos anos de 2002, 2003 e 2004, tendo como únicos sócios e gerentes os ora recorridos, é a devedora originária que deveria ter sido notificada, como foi, e não a liquidatária da devedora originária.

Vejamos então.

Desde já se afirma que a Recorrente, nas suas conclusões de recurso, incorre em lapso quando menciona que a devedora originária foi julgada insolvente.

Do probatório e da consulta ao processo resulta que, não existe qualquer declaração de insolvência. A nomeação da liquidatária decorre da dissolução da sociedade e respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial (cfr. ponto 5 do probatório). Assim, as considerações tecidas pela Recorrente nas conclusões a propósito da insolvência não são tidas em consideração porquanto não correspondem à verdade material da situação em apreço.

No caso sub judice o tribunal a quo, atenta a prova produzida nos autos, concluiu que a notificação da liquidação que deu origem à dívida exequenda deveria ter sido efectuada, não à devedora originária porquanto esta já se encontrava dissolvida, mas sim à liquidatária nomeada. E, perante a falta de cumprimento do disposto no nº 3 do art. 41º do CPPT, considerou que a dívida era inexigível tendo em consequência, determinado a extinção da execução fiscal quanto aos revertidos, ora recorridos.

Desde já se afirma a nossa concordância com o decidido.

Resultou do probatório supra que em 18/10/2004, foi registada a dissolução da sociedade devedora originária e a designação da liquidatária (cfr. ponto 5 do probatório).

Face a essa dissolução, foi analisada pelo tribunal a quo a questão da representação da
sociedade dissolvida tendo sido feita a referência aos artigos 145º, 151º, 152º, nº 1 e 252º do Código das Sociedades Comerciais, não se entendendo o que pretende a Recorrente invocar na conclusão II das suas alegações. Na verdade, na falta de disposição própria no direito tributário sobre a matéria importa recorrer a outros diplomas legais no sentido de enquadrar juridicamente as questões, e foi isso que o tribunal a quo efectuou.

Estando assente que a designação da liquidatária ocorreu em data anterior à liquidação do tributo, a notificação dessa liquidação deveria ter sido efectuada, não à sociedade mas sim à liquidatária nomeada. E tal notificação decorria do art. 41º do CPPT que, na redacção aplicável à data, consagrava o seguinte:

Artigo 41.º
Notificação ou citação das pessoas colectivas ou sociedades
1 - As pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.
2 - Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade.
3 - O disposto no número anterior não se aplica se a pessoa colectiva ou sociedade se encontrar em fase de liquidação ou falência, caso em que a diligência será efectuada na pessoa do liquidatário.”.

A propósito do art. 41º do CPPT e da liquidação das sociedades comerciais, Jorge Lopes de Sousa in CPPT Anotado, vol. I, 6ª ed., pág 402, afirma o seguinte: “As sociedades comerciais entram em liquidação com a sua dissolução, que ocorre nos casos previstos no contrato, ou pelo decurso do prazo nele fixado, por deliberação dos sócios, pela realização completa do objecto contratual, pela ilicitude superveniente do objecto contratual e pela declaração de falência da sociedade (art. 141º do CSC).
A dissolução pode também ser deliberada pelos sócios ou decidida judicialmente quando, por período superior a um ano, o número de sócios for inferior ao mínimo exigido por lei (excepto se um dos sócios for o Estado ou entidade a ele equiparada por lei para esse efeito), quando a actividade que constitui o objecto contratual se torne de facto impossível, quando a sociedade não tenha exercido qualquer actividade durante cinco anos consecutivos e quando a sociedade exerça de facto uma actividade não compreendida no objecto contratual (art. 142º do mesmo Código).
As sociedades em liquidação mantêm a personalidade jurídica e continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas (art. 146º do mesmo Código).

Ora no caso em apreço estando provada a dissolução da sociedade e a consequente liquidação, a notificação efectuada pela AT deveria ter cumprido o disposto no art. 41º, nº 3 do CPPT.

Vem a Recorrente, nas suas alegações, invocar que não estamos perante uma verdadeira liquidação defendendo que “… pese embora a devedora originária tenha retido o imposto, não o entregou nos cofres do Estado, já que a retenção na fonte não é um imposto mas um mecanismo de cobrança, instituído pelo sistema fiscal português com o objectivo de aumentar a eficácia na cobrança do imposto (IRS), que no caso em apreço o Estado saiu duplamente prejudicado.
Assim e em rigor, o facto tributário ocorreu tratando-se de retenção na fonte, no momento em que a mesma foi feita, ou seja no momento em que o rendimento, objecto de retenção, foi pago ou colocado à disposição dos seus titulares.” (cfr. alegações 28 e 29).

Sobre esta matéria se debruçou o Acórdão do STA de 01/02/2017 – proc. 085/16 – tendo sido entendido o seguinte: “I - No caso do IRS, a natureza de pagamentos por conta da retenção na fonte está genericamente prevista no n.º 1 do artigo 98.º do CIRS, apenas não tendo tal natureza os rendimentos sujeitos a taxas liberatórias especiais (artigo 71.º CIRS), mas mesmos estes passarão a ter tal natureza se o contribuinte optar pelo seu englobamento no rendimento total.
II - Daí que nestas situações se não possa falar ainda em liquidação efectuada pela AF nem mesmo em autoliquidação, entendendo-se esta como a liquidação feita pelo sujeito passivo, seja ele o contribuinte directo, o substituto legal ou o responsável legal, pois o procedimento de liquidação só se há-de instaurar com as declarações dos contribuintes (artigo 59.º CPPT).(…)”.

Seguindo este entendimento jurisprudencial pode entender-se que efectivamente não existe um verdadeiro acto de liquidação, contudo, nas situações em que, tendo ocorrido a retenção na fonte de IRS mas não a sua entrega nos cofres do Estado, e tendo a AT detectado a falta dessa entrega, efectua o apuramento dos valores retidos e que deveriam ter sido entregues nos cofres do Estado. E designa esse apuramento como liquidação, com um número autónomo, com o respectivo montante apurado e mencionando a data limite de pagamento à semelhança do que se verifica numa liquidação de imposto (como consta do ponto 12 do probatório e fls. 313 a 315 dos autos).

Assim, mesmo entendendo-se que não estamos perante uma liquidação de imposto mas sim numa ordem de pagamento como defende a Recorrente, a questão da notificação continua a colocar-se porquanto, quer seja entendida como liquidação ou como ordem de pagamento, a notificação deve ser dirigida, no caso de sociedades em liquidação, à liquidatária nomeada, o que não ocorreu no caso em apreço.

Como releva da decisão recorrida “ …à data da emissão das liquidações que consubstanciam a dívida exequenda, a devedora originária era representada pela mencionada liquidatária.
Por seu turno, é ainda de atentar no disposto no art.º 41.º, n.º 3, do CPPT, que determina que, no caso de a sociedade se encontrar em liquidação, a notificação deve ser efetuada na pessoa do liquidatário.
Ora, in casu, ainda que tivesse sido demonstrado que as liquidações em causa foram remetidas para a morada mencionada em 2) do probatório, atento o facto de estarmos perante liquidações emitidas em 2006, nessa altura as notificações à sociedade deveriam ter sido feitas na pessoa da sua liquidatária, o que não ocorreu, tal como alegado pelos oponentes.
Como tal, face aos elementos constantes dos autos, não foi efetivada a notificação das liquidações que consubstanciam a dívida exequenda (cfr., v.g., os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25 de fevereiro de 2010 – Processo: 00054/07.9BEBRG – e de 22 de janeiro de 2009 – Processo: 00497/07.8BEPNF – e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 7 de maio de 2002 – Processo: 5839/01).
Face ao exposto, decorre que as liquidações que originaram a dívida exequenda não foram validamente notificadas.
A falta de notificação da liquidação constitui, como referido, fundamento de oposição, enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art.º 204.º, do CPPT.
Como tal, assiste razão aos oponentes, uma vez que a falta de notificação, provocando a ineficácia do ato tributário de liquidação, torna a dívida inexigível.”.

Considerando que a notificação não foi validamente efectuada, a dívida torna-se efectivamente inexigível como foi decidido.

Em face do exposto conclui-se que o presente recurso não merece provimento sendo de manter a decisão recorrida.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2021
[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Patrícia Manuel Pires].
Luisa Soares