Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2310/11.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:GERÊNCIA
RENÚNCIA
PROCURAÇÃO
Sumário:Mesmo que se entenda que a existência de uma procuração é considerada uma forma indirecta do exercício da gerência de facto, como alega a recorrente, no caso concreto, tem de se considerar que a referida procuração caducou no final de 2005, aquando da cessão da quota pertencente à oponente, bem como, da sua renúncia à gerência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública, com os sinais nos autos, veio, em conformidade com o artigo 283.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 16 de abril de 2020, a qual julgou procedente a oposição deduzida por A..., com os sinais nos autos, ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 3328200601... e apensos, instaurado para cobrança da quantia exequenda de €7.133,46, proveniente de dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), dos anos de 2004 e 2005, das quais foi devedora originária P... - PUBLICIDADE, LDA. Mais, aquela sentença, determinou a extinção da suprarreferida execução fiscal, fixou à causa o valor de em €7.133,46 e condenou a Fazenda Pública nas custas.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:
“I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a oposição judicial, intentada por A..., já devidamente identificada nos autos e que, em consequência, ordenou a extinção da execução por dívidas da sociedade “«P... - PUBLICIDADE, LDA.», que reverteram contra si na qualidade de responsável subsidiário, relativamente ao processo de execução fiscal n.º 3328200601... e apensos, na parte em que dizia respeito a retenções na fonte de IRS dos exercícios de 2004 e 2005. Entende a Fazenda Pública que mal esteve o Tribunal a quo na douta sentença proferida porquanto, existindo elementos nos autos que impunham decisão diversa na apreciação dos factos relevantes, promoveu uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos, ao ignorar circunstancias factuais que, constantes da matéria de facto dada como provada, denunciam o exercício da gerência de facto por parte do Oponente;
circunstancias estas que, tendo sido ignoradas, impõem, salvo melhor opinião, a anulação da sentença recorrida.
II. Estatuindo que art.º 250º do Código Civil que “O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”, cumpre ter presente que, atuando na qualidade de gerente da devedora originária, a outorga de uma procuração exprimiu a vontade da Oponente recorrida em continuar à frente dos destinos da devedora originária, na medida em que através desta consentiu que os atos praticados pelos seus procuradores se refletissem na sua esfera jurídica como se tivessem sido praticados pessoalmente pela própria. Deste modo, mesmo que a Oponente não tenha assumido ela própria de forma direta a gerência de facto da sociedade, mas delegado em outrem essa função através de procuração, é responsável pelo destino da sociedade e por todos os atos de gestão da mesma.
III. No caso sub judice, respeitando a dívida exequenda a créditos resultantes de tributo cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício da administração/gerência por parte do Oponente, a disciplina a ter em consideração será a estabelecida no artigo 24.º, n.º 1, al. b), da LGT. Sendo que o ónus da prova da gerência de facto, conforme já reiterado pela inúmera doutrina e jurisprudência que se debruça sobre a matéria, cabe à Administração Fiscal. Assim, do que vem acima explanado, “a existência de uma procuração enquadra-se no apuramento do exercício de facto da gerência, pois pode ser considerada como uma forma indirecta desse exercício”, ilação esta que é mesmo uma exigência das regras da experiência comum, pois quem confere um mandato instrui os seus representantes sobre o rumo que pretende imprimir sobre o negócio, não constando da matéria de facto provada elementos que indiciem um uso contrário da procuração em sentido divergente da presumível vontade da Oponente. E, com base nesta comprovada gerência de direito e facto, cabe, pois, ao julgador utilizar as diversas presunções judiciais ao seu alcance, nomeadamente as posições assumidas no processo, as provas produzidas e as regras da experiência para concluir a gerência de facto.
IV. Do que vem exposto resulta que a Oponente recorrida era gerente de direito e de facto, sendo responsável pelo não cumprimento do dever fundamental de pagar os impostos por parte da devedora originária, não obstante ter conferido procuração a terceiros para a prática de atos de gerência. Em suma, com o devido e muito respeito, o Tribunal a quo, ao decidir como efetivamente o fez, menosprezou o entendimento consolidado e reiterado da jurisprudência emanada pelos Tribunais Superiores, estribando o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto na al. b) do n.º1 do art.º 24º da Lei Geral Tributária.

Termos em que, e com o douto suprimento de vossas excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença ora recorrida, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!.”
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A Oponente, aqui Recorrida, notificada, apresentou contra-alegações nas quais alcança as seguintes conclusões:
“A – Ficou provada a total ausência da prática pela oponente de actos de gestão de facto da sociedade devedora originária enquanto a mesma foi gerente “in nomine” da referida sociedade.
B – Tal facto nem sequer é questionado pela AT recorrente, a qual se limita a repisar com insistência que a outorga pela oponente de uma procuração implicaria a pretendida gerência de facto.
C – Contudo, de forma alguma se pode retirar tal ilação, quando se conclui dos autos – prova documental e testemunhal – que na verdade foi a filha da oponente que foi sempre a sócia “real” da P..., Ldª e dela gerente de facto juntamente com o outro sócio gerente, J..., tendo-se a oponente limitado a fazer o favor a sua filha de ser, em lugar dela, sócia gerente “in nomine” por motivos pessoais respeitantes a sua filha.
D – De qualquer modo, a verdade é que a oponente nem sequer já era sócia gerente “in nomine” da sociedade devedora originária quando terminaram os prazos legais de pagamento das dívidas fiscais revertidas.
E – Com efeito, constata-se pelo mapa anexo ao despacho que determinou a reversão, que os prazos legais de pagamento das dívidas revertidas terminaram entre Novembro de 2008 e Janeiro de 2009.
F – Isto é, quando há muito a oponente deixara de estar inscrita como gerente da P..., Ldª (cfr, certidão do registo comercial junta aos autos, pela qual se verifica que a oponente cessou a gerência de direito em 30 de Novembro de 2005, tendo a apresentação a registo tido lugar em 23 de Dezembro de 2005).
G – Mais: a oponente deixou de ser sócia da dita P..., Ldª em Dezembro de 2005, por ter cedido a quota que se encontrava na sua titularidade nominal (cfr. certidão do registo comercial).
H – A reversão foi instaurada, segundo o despacho que a determinou, ao abrigo do artigo 24º, nº 1, alínea b) da Lei Geral Tributária.
I – Nos termos de tal norma, os gerentes são subsidiariamente responsáveis pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
J – Ora, como se viu, in casu os prazos legais de pagamento das dívidas revertidas, terminaram três anos depois de a oponente ter deixado de ser gerente e sócia da sociedade devedora originária.
K – De que o foi apenas, repete-se, “in nomine”.
L – Isto é, gerente de facto daquela sociedade nunca foi e gerente de direito tão-pouco o era há largo tempo quando terminaram os prazos legais de pagamento das dívidas tributárias revertidas.
M – Nunca podendo sustentar-se que a outorga da procuração vincularia “ad aeternum” a oponente a uma gerência de facto da P..., Ldª, possibilitando a reversão contra ela de dívidas tributárias cuja data limite de pagamento terminou anos depois de a oponente se ter total e absolutamente desligado da referida sociedade.

Por tudo isto e pelo que doutamente se suprirá, deve ser mantida a sentença recorrida, assim se fazendo Justiça”.
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Tendo sido o recurso interposto, e admitido, para o Supremo Tribunal Administrativo, veio o Colendo STA, por decisão sumária datada de 28 de maio de 2021, decidir julgar procedente a excepção de incompetência absoluta do mesmo, em razão da hierarquia, mais indicando como competente a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul.

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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, o objecto do mesmo está circunscrito à questão de saber se ocorre o alegado erro de julgamento quanto à subsunção dos factos provados ao regime do artigo 24º da LGT, no tocante à questão da gerência de facto.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:
A) Em 16/05/2003 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, através da apresentação …/20030516, a constituição da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA., com o objeto social de produção e transmissão de publicidade para televisão, imprensa, rádio e outros meios de comunicação e tendo como sócios-gerentes J... e M... – cf. cópia da certidão da Conservatória de Registo Comercial de Lisboa a fls. 90 da cópia certificada do PEF apensa aos autos;
B) Em 06/05/2004 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, através da apresentação …/040506, a cessão da quota no valor de €2.500,00, de M..., na sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA., para a Oponente - cf. cópia da certidão da Conservatória de Registo Comercial de Lisboa a fls. 90 da cópia certificada do PEF apensa aos autos;
C) Em 19/08/2003 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, através da apresentação …/030819, a cessação de funções da gerente M..., por renúncia em 19/08/2003 - cf. cópia da certidão da Conservatória de Registo Comercial de Lisboa a fls. 90 da cópia certificada do PEF apensa aos autos;
D) Em 06/05/2004 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, através da apresentação …/040506, a alteração do contrato da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA., no qual passou a constar que a Oponente foi designada gerente da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA. em 11/03/2004 – cf. certidão da Conservatória de Registo Comercial de Lisboa a fls. 91 da cópia certificada do PEF apensa aos autos;
E) Em 31/08/2005 foi passada procuração pelos sócios da P... - PUBLICIDADE, LDA., J... e a Oponente, a M... e C..., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e na qual pode ler-se:
«Imagem no original»
(Cf. Cópia da procuração a fls. 17-19 do SITAF);
F) Em 23/12/2005 foi registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, através das apresentações 20//051223 e 21/051223, a cessão de uma quota no valor de €2.500,00 pertencente à Oponente, para Z... COMPANY LIMITED e a cessação de funções de gerente da Oponente, por renúncia em 30/11/2005 – cf. cópia da certidão da Conservatória de Registo Comercial de Lisboa a fls. 91 da cópia certificada do PEF apensa aos autos;
G) Nos anos de 2004 e de 2005 quem tratava da contabilidade, da segurança social e dos impostos da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA. era o Sócio J... e quem tratava do maketing, dos orçamentos, das cobranças e da contratação de seguros para os trabalhadores era M... – cf. depoimentos das testemunhas;
H) A Oponente não exerceu quaisquer funções na sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA., nos anos de 2004 e de 2005, nem assinou cheques, contratos, declarações fiscais ou para a segurança social, à exceção da procuração referida na alínea E) supra e não tratou de orçamentos, não contactou com trabalhadores, nem com clientes, nem se deslocou às instalações da sociedade – cf. depoimentos das testemunhas;
I) Em 08/08/2006 foi instaurado o PEF n.º 3328200601..., pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 9, contra P... - PUBLICIDADE, LDA., por falta de pagamento da dívida de €14.473,37, referente a IVA do 1.º trimestre de 2006 – cf. autuação e certidão de dívida a fls. 1-2 da cópia certificada do PEF apensa aos autos;
J) Em 24/01/2011 foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças Adjunto, no PEF referido na alínea anterior, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e no qual pode ler-se:
Face às diligências de fls. 112, determino a preparação do processo para efeitos de reversão da (s) execução (ões) contra A... (…) na qualidade de responsável subsidiário, pela dívida abaixo discriminada. (…)
PROJECTO DA REVERSÃO
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT].
IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA
N.º PROCESSO PRINCIPAL: 3328200601...
TOTAL DA QUANTIA EXEQUENDA: 7.133,46 EUR”.
(cf. fls. 133 da cópia certificada do PEF apensa aos autos);
K) Em 25/01/2011 foi enviado à Oponente o ofício n.º 647, pelo Serviço de Finanças de Lisboa – 9, no âmbito do PEF n.º 3328200601..., dando-lhe conhecimento do despacho referido na alínea anterior, para se pronunciar, em sede de audição prévia – cf. ofício e registo CTT a fls. 140-141 da cópia certificada do PEF apensa aos autos;
L) Em 02/06/2011 foi proferido despacho de reversão do PEF n.º 3328200601... e apensos, pelo Chefe de Serviço de Finanças Adjunto, do Serviço de Finanças de Lisboa – 9, contra a Oponente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e no qual pode ler-se:
Face às diligências de fls. 196, e estando concretizada a audição do (s) responsável (veis) subsidiário (s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra A... (…) na qualidade de responsável subsidiário, pela dívida abaixo discriminada. (…)
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT].
IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA
N.º PROCESSO PRINCIPAL: 3328200601...
TOTAL DA QUANTIA EXEQUENDA: 7.133,46 EUR”.
(cf. despacho a fls. 198 da cópia certificada do PEF apensa aos autos);
M) Foi junto ao despacho referido na alínea anterior o seguinte anexo:
«Imagem no original»
(cf. fls. 199-200 da cópia certificada do PEF apensa aos autos);
N) Em 16/06/2011 foi dirigida citação à Oponente, no âmbito do PEF n.º 3328200601... e apensos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e na qual pode ler-se: “Pelo presente fica citado (a) de que é EXECUTADO(A) POR REVERSÃO, nos termos do artigo 160º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, PAGAR a quantia exequenda de 7.133,46 EUR de que era devedor(a) o(a) executado(a) infra indicado(a), ficando ciente de que nos termos do n.º 5 do artigo 23º da Lei Geral Tributária (LGT), se o pagamento se verificar no prazo acima referido não lhe serão exigidos juros de mora nem custas.
Mais, fica CITADO de que, no mesmo prazo, poderá requerer o PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES, nos termos do artigo 196º do CPPT, e/ou a DAÇÃO EM PAGAMENTO, nos termos do artigo 201º do mesmo código, ou então deduzir OPOSIÇÃO JUDICIAL com base nos fundamentos prescritos no artigo 204º do CPPT. (…)
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23º/nº 2 da LGT):
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b LGT].
(cf. citação a fls. 214 da cópia certificada do PEF apensa aos autos);
O) Em 20/06/2011 foi recebida pela Oponente a citação referida na alínea anterior– cf. aviso de receção a fls. 217 da cópia certificada do PEF apensa aos autos.”
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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte: “(...) não existem quaisquer outros factos, atento o objeto do litígio, com relevância para a decisão da causa.”.
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Em matéria de motivação, consta da sentença que:
“A decisão da matéria de facto provada nas alíneas A) a F) e I) a O) do ponto 1.1. supra, efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e da cópia certificada do PEF apensa aos autos, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.
No que concerne aos factos provados nas alíneas G) e H) do probatório o Tribunal formou a sua convicção com base nos depoimentos prestados pelas testemunhas M... e V....
A testemunha M... depôs de forma muito clara, assertiva e objetiva, apesar de ser filha da Oponente, quanto ao exercício do cargo de gerência da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA., nos anos de 2004 e de 2005, afirmando perentoriamente que durante o tempo em que a Oponente foi sócia da Sociedade nunca exerceu a gerência de facto.
Esta testemunha declarou de forma consistente, sem hesitações ou incoerência no seu depoimento, que a Oponente acedeu a adquirir a sua quota na sociedade em causa por sua insistência e devido a problemas pessoais que atravessou nesse período, mas que foi ela que continuou a exercer de facto as funções de sócia-gerente da sociedade em causa tratando das áreas do marketing, dos orçamentos e da cobrança e que o sócio-gerente, J..., responsável pelas áreas da contabilidade, dos impostos e segurança social, sendo este que assinava os cheques.
Esta testemunha declarou de forma incisiva que a Oponente exercia a atividade de enfermagem, que nunca exerceu funções de gerência na sociedade, que não se deslocou às instalações da sociedade, nem tratou de qualquer assunto relacionado com a sociedade.
Confrontada esta testemunha, durante o seu depoimento, com a procuração a fls. 17-21 do suporte físico dos autos (fls. 17-19 do SITAF), através da qual a Oponente e o Sócio-Gerente J... transferiram poderes de gerência da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA., para si e para C..., a mesma afirmou, de forma acutilante, que a outorga dessa procuração traduziu uma situação pré-existente quanto à gerência de facto da sociedade por si desde a cessão da sua quota para a sua mãe, demonstrado que esta última não era, nem foi, nos anos de 2004 e de 2005, gerente de facto da sociedade.
Por seu turno a testemunha V... afirmou que nunca ouviu falar na Oponente e que quando se deslocava às instalações da sociedade, uma vez por semana, recebia indicações de M..., para cobrança dos serviços faturados e quando esta saiu da empresa passou a receber essas ordens do sócio J....
Resultou assim do depoimento destas duas testemunhas que a Oponente não exerceu as funções de gerente de facto da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA., nos anos de 2004 e de 2005.”

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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente oposição procedente por provada e, em consequência, determinou a extinção do processo de execução fiscal nº 3328200601... e apensos quanto à Oponente.
Para tal, apresentou a seguinte fundamentação, em síntese:
«E, resulta do facto provado na alínea D) do probatório, que em 06/05/2004 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, através da apresentação 38/040506, a alteração do contrato da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA., no qual passou a constar que a Oponente foi designada gerente da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA., em 11/03/2004.

Advém ainda da matéria de facto provada na alínea E) do probatório que foi passada procuração pelos sócios da P... - PUBLICIDADE, LDA., J... e a Oponente, em 31/08/2005, através da qual constituíram procuradores da sociedade M... e C....

Ora, apesar de a Oponente constar do registo a Conservatória do Registo Comercial de Lisboa como tendo sido designada gerente da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA., com efeitos a 11/03/2004, importa aferir se a mesma exerceu quaisquer funções de gerente de facto na sociedade em questão.

Com este desiderato recorda-se a fundamentação de direito do mencionado acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 03/10/2018, processo n.º 00279/12: “para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo pacto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros”.

E, assim sendo, a circunstância de ter sido outorgada pela Oponente, em conjunto com o sócio da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA., J..., através da qual constituíram procuradores da sociedade M... e C..., não permite sustentar, por si só, o exercício de facto de funções de gerência pela Oponente naquela sociedade.

Acresce que, tal como resulta da matéria de facto provada na alínea G) do probatório, nos anos de 2004 e de 2005 quem tratava da contabilidade, da segurança social e dos impostos da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA. era o Sócio J... e quem tratava do maketing, dos orçamentos, das cobranças e da contratação de seguros para os trabalhadores era M....

Resulta ainda da matéria de facto provada na alínea H) do probatório que nos anos de 2004 e de 2005 a Oponente não tratou de qualquer assunto relacionado com a atividade da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA., nem exerceu na mesma quaisquer funções ou assinou qualquer documento relacionado com a gestão dessa sociedade, não tendo contactado com trabalhadores ou clientes, nem efetuado qualquer deslocação ás instalações dessa sociedade.

Deste modo, resulta da prova produzida nos presentes autos que a Oponente logrou provar que não exerceu as funções de gerente de facto da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA., nos anos de 2004 e de 2004, à luz do disposto nos artigos 74.º, da LGT e 342.º e seguintes do Código Civil.

Conclui-se, pois, pela verificação do fundamento de oposição à execução fiscal previsto no artigo 204.°, n.° 1, alínea b), do CPPT, de ilegitimidade da pessoa citada, devendo a oposição ser julgada totalmente procedente, por provada.»

Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso da referida decisão alegando que entende a Fazenda Pública que mal esteve o Tribunal a quo na douta sentença proferida porquanto, existindo elementos nos autos que impunham decisão diversa na apreciação dos factos relevantes, promoveu uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos, ao ignorar circunstancias factuais que, constantes da matéria de facto dada como provada, denunciam o exercício da gerência de facto por parte do Oponente; circunstancias estas que, tendo sido ignoradas, impõem, salvo melhor opinião, a anulação da sentença recorrida. (conclusão I do recurso).
Julgamos, pois, que a recorrente vem invocar erro de julgamento, sendo que, na eventualidade, do mesmo proceder conduziria à revogação da sentença recorrida.
Pelo que importa apreciar e decidir.
Em defesa do seu entendimento, a recorrente alegou que a outorga de uma procuração exprimiu a vontade da Oponente recorrida em continuar à frente dos destinos da devedora originária, na medida em que através desta consentiu que os atos praticados pelos seus procuradores se refletissem na sua esfera jurídica como se tivessem sido praticados pessoalmente pela própria. Deste modo, mesmo que a Oponente não tenha assumido ela própria de forma direta a gerência de facto da sociedade, mas delegado em outrem essa função através de procuração, é responsável pelo destino da sociedade e por todos os atos de gestão da mesma. (conclusão II. do recurso).
Vejamos.
Conforme al.D) do probatório, em 06/05/2004, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, através da apresentação 38/040506, a alteração do contrato da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA., no qual passou a constar que a Oponente foi designada gerente da sociedade P... - PUBLICIDADE, LDA. em 11/03/2004.
Deste modo, é facto não controvertido nos autos, que a oponente, ora recorrida, em 06/05/2004 foi designada gerente de direito da sociedade devedora originária.
Importa ter presente que as dívidas exequendas dizem respeito a IRS de 2004 e 2005, cujos prazos de pagamento voluntário ocorreram em Novembro de 2008 e Janeiro de 2009, conforme anexo ao despacho de reversão, constante na alínea M) do probatório.
Em 31/08/2005 foi passada procuração pelos sócios da P... - PUBLICIDADE, LDA., J... e a Oponente, a M... e C..., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e consta da alínea E) do probatório.
Em 30/11/2005 a oponente, ora recorrida, cedeu a sua quota e cessou as funções de gerência da sociedade devedora originária, cfr. al.F) do probatório.

Analisemos agora o regime aqui aplicável.
“Artigo. 24º da LGT
Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al. a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al. b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr. alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al. b), do normativo em exame).

Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da LGT, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor.
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als. a) e b), do artº.24, da LGT, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al. c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T.

Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13.
Comecemos então por verificar se dos autos resulta provado, antes de mais, que a Recorrida preenche o primeiro pressuposto da responsabilidade subsidiária isto é, se a Fazenda Publica logrou provar que a Recorrente exerceu de facto as funções de gerente efectivo da sociedade executada, no período das dívidas exequendas.
Vejamos.

Invoca a recorrente que “a existência de uma procuração enquadra-se no apuramento do exercício de facto da gerência, pois pode ser considerada como uma forma indirecta desse exercício”, ilação esta que é mesmo uma exigência das regras da experiência comum, pois quem confere um mandato instrui os seus representantes sobre o rumo que pretende imprimir sobre o negócio, não constando da matéria de facto provada elementos que indiciem um uso contrário da procuração em sentido divergente da presumível vontade da Oponente. E, com base nesta comprovada gerência de direito e facto, cabe, pois, ao julgador utilizar as diversas presunções judiciais ao seu alcance, nomeadamente as posições assumidas no processo, as provas produzidas e as regras da experiência para concluir a gerência de facto. Do que vem exposto resulta que a Oponente recorrida era gerente de direito e de facto, sendo responsável pelo não cumprimento do dever fundamental de pagar os impostos por parte da devedora originária, não obstante ter conferido procuração a terceiros para a prática de atos de gerência. Em suma, com o devido e muito respeito, o Tribunal a quo, ao decidir como efetivamente o fez, menosprezou o entendimento consolidado e reiterado da jurisprudência emanada pelos Tribunais Superiores, estribando o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto na al. b) do n.º1 do art.º 24º da Lei Geral Tributária. (conclusões III. e IV. do recurso)

É entendimento da recorrente que a existência de uma procuração enquadra-se no apuramento do exercício de facto da gerência, pois pode ser considerada como uma forma indirecta desse exercício.
Como supra referimos, os sócios da da sociedade devedora originária, entre os quais, a oponente, em 31/08/2005, passaram uma procuração a M... e C....
E é com base na outorga dessa procuração que a recorrente invoca a gerência de facto da oponente.
Mas mesmo que se entenda que a existência de uma procuração é considerada uma forma indirecta do exercício da gerência de facto, como alega a recorrente, no caso concreto, tem de se considerar que a referida procuração caducou no final de 2005, aquando da cessão da quota pertencente à oponente, bem como, da sua renúncia à gerência, cfr. alínea F) do probatório.
Face ao enquadramento factual supra referido uma conclusão pode, desde já, extrair-se, e que é o seguinte: nas datas em que terminou o prazo legal de pagamento da dívida exequenda - Novembro de 2008 e Janeiro de 2009 – a oponente já tinha cedido a sua quota e renunciado à gerência da sociedade devedora originária, pois renunciou em 30/11/2005.
Por outro lado, a recorrente não refere ou indica qualquer outra factualidade que prove a gerência de facto da oponente, quer antes, quer após a renúncia à gerência de direito.
Assim, não tem razão a recorrente, quando na conclusão III. do recurso alega:
No caso sub judice, respeitando a dívida exequenda a créditos resultantes de tributo cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício da administração/gerência por parte do Oponente, a disciplina a ter em consideração será a estabelecida no artigo 24.º, n.º 1, al. b), da LGT.
Deste modo, nunca se poderia ter em consideração a disciplina estabelecida no artigo 24º, nº 1, al.b), da LGT, pois o prazo legal de pagamento da dívida exequenda não terminou no período do exercício do seu cargo.
Ainda que se entenda que, no presente caso, se deve ter em consideração a disciplina estabelecida no artigo 24º, nº 1, al.a) da LGT - dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste – sempre o presente recurso estaria condenado ao insucesso pois competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa da oponente que o património da sociedade devedora originária se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, a recorrente nada invocou ou provou.

Termos em que improcede o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, mas com a presente fundamentação.

***

III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida, com a presente fundamentação.

Custas pelo Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Setembro de 2021


[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Maria Cardoso e Catarina Almeida e Sousa]