Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:572/10.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:PRESCRIÇÃO;
PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL;
CAUSAS DE INTERRUPÇÃO E DE SUSPENSÃO.
Sumário:I.Na análise da prescrição do procedimento contra-ordenacional importa ter presente o disposto o art. 33º do RGIT, tomando-se em consideração as causas de interrupção e de suspensão nele previstas, bem como as previstas na lei geral (RGCO).

II. É de aplicar ao procedimento contra-ordenacional tributário o disposto no nº 3 do art. 28º do RGCO, quando determina que “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO


Vem a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que, em sede de recurso de contra-ordenação julgou procedente o recurso apresentado por L............, Lda., e, aplicou nos termos do nº 2 do art. 32º do RGIT a coima mínima de € 8.347,44.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“I. Condenada a Recorrente pela prática de infracção ao disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 40.° e no n.° 1 do artigo 26.° do Código do IVA, por entrega de declaração periódica de IVA referente ao período de 2002/10 no prazo legal sem meio de pagamento, no valor de €83.474,40, punível nos termos dos n.° 2 do artigo 114.° e n.° 4 do artigo 26 ° do RGIT, invoca em sede de recurso contraordenacional a não verificação do facto típico, ilícito e culposo previsto pela norma contida no n.° 2 do artigo 114.° do RGIT, face ao não enquadramento do seu comportamento no tipo legal de contraordenação, e pedindo absolvição dos autos com arquivamento dos mesmos, alegando, ademais e subsidiariamente, factos reconduzíveis à aplicação do instituto da dispensa de coima previsto no nº 1 do artigo 32.° do RGIT.

II. Não obstante o peticionado, veio o Tribunal a quo a determinar na douta sentença julgar-se o recurso de contraordenação procedente, revogar a decisão recorrida e aplicar em sua substituição e pela prática da infracção imputada coima de €8.347,44, por aplicação da atenuação especial da coima de acordo com o previsto no n.° 2 do artigo 32.° do RGIT.

III- Ora, decorre do exposto notório excesso de pronúncia do Tribunal a quo, atento se mostrar o peticionado pela Recorrente restrito à sua absolvição face ao alegado não preenchimento do tipo, ou em alternativa, à aplicação da dispensa de pena por via do preenchimento dos pressupostos ínsitos no n.° 1 do artigo 32 ° do RGIT.

IV. Efectivamente, o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões, de acordo com o previsto no n.° 1 do artigo 412° do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto no n.° 4 do artigo 74.° do Regime Geral das Contra-Ordenações, por sua vez aplicável ex vi do artigo 3.°, sua alínea b). do RGIT, excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso, e ainda que o pedido da Recorrente não contenha as conclusões, das alegações e pedido adjacente decorre com clarividência bastante que a mesma alega a violação do disposto no n.° 2 do artigo 114.° do RGIT pelo não preenchimento do facto típico que lhe é imputado, e a violação do n.° 1 do artigo 32.° do RGIT por entender verificados os pressupostos da dispensa de coima.

V. Não alega factos concernentes à atenuação especial da coima, ou a aplicação do n.° 2 do artigo 32.° do RGIT, mostrando-se por essa via ao Tribunal a quo vedado o conhecimento de questões que extravasam o pedido formulado, com subsequente vício da sentença que com tal excesso de pronúncia se configura, por violação da norma do n.° 1 do artigo 412º do CPP.

VI. E ainda que se conformasse a aplicação da coima nos termos do artigo n.° 2 do artigo 32 ° RGIT com o poder jurisdicional, sempre a mesma se mostraria precludida face à não recondução da situação fáctica trazida aos autos com o disposto na referida norma, pois que não verificado, a par da regularização da situação tributária, o requisito cumulativo relativo ao reconhecimento da responsabilidade pela infractora.

VII. Com efeito, alegando a Recorrente que o seu comportamento é atípico, não se subsumindo no tipo legal de infracção que lhe foi imputada, assume expressamente a inexistência de responsabilidade com referência â prática da infracção de entrega da declaração periódica de IVA no prazo legal sem meio de pagamento, atribuindo antes o ocorrido a causas acidentais consubstanciadas em lapso escrito que retiram a conduta ab initio da esfera de comportamento típico à luz do artigo 114.°, seu n.° 2, do RGIT.

VIII. Não resulta, pois, da factualidade julgada provada nem de adicionais elementos dos autos a evidência do requisito do reconhecimento da responsabilidade, por parte da infractora, sendo que, por esta via e em face da violação do disposto na norma do n.° 2 do artigo 32,° do RGIT, se mostra a sentença ferida de vício determinado por errónea apreciação da matéria de facto.

IX. Atento o exposto, à Fazenda Pública não resta senão concluir que a douta sentença proferida pelo tribunal a quo se mostra ferida por excesso de pronúncia ante a violação do n.° 1 do artigo 412.° do CPP, ou, caso assim doutamente se não entenda, sempre a mesma padecerá de vício de violação de lei, por errónea apreciação da matéria de facto provada nos autos, com violação da norma do n.° 2 do artigo 32.° do RGIT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada e o recurso interposto da decisão de aplicação da coima ser julgado improcedente.
PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”.

* *
A Recorrida apresentou resposta formulando as seguintes conclusões:

“I. Vem a AT, recorrente nestes autos, requerer a revogação da Sentença do Tribunal a quo, o qual decidiu dar provimento ao recurso interposto pela ora Recorrida, reduzindo para metade a decisão proferida pela AT no âmbito da contra-ordenação subjacente aos presentes autos, o que fez por verificação dos pressupostos a que alude o n.° 2 do artigo 32° do RGIT.

II. Para o efeito, invoca a AT Recorrente que a sentença em causa decidiu em violação do disposto no artigo 412º n.° 1 do CPP, uma vez que o Tribunal a quo conheceu de questões de que não poderia tomar conhecimento e, ainda,

III. Que a sentença em causa padece de vício de violação de lei por errónea apreciação da matéria de facto provada nos autos, com violação da norma do n.° 2 do artigo 32° do RGIT.

IV. Omite a AT Recorrente que a ora Recorrida efetuou a final, o pedido subsidiário de verificação dos pressupostos que conduziriam à atenuação especial da pena (artigo 32° n.° 2 do RGIT).

V. Nesse sentido, o Tribunal a quo, segundo o princípio da livre apreciação da prova, baseou a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que fez dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas, decidindo pela verificação dos requisitos do n.° 2 do artigo 32° do RGIT.

VI. Porquanto a ora Recorrida pagou o imposto em (falta al. C) dos factos assentes) e, bem assim, retirando das alegações constantes da impugnação judicial que esta reconheceu a falta cometida;

VII. Ou seja, a Recorrida liquidou o imposto em falta e reconhece pelas declarações por si prestadas nos próprios autos o seu erro, tendo toda a sua conduta sido dirigida à reparação de tal erro, conforme o douto Tribunal a quo apreciou;

VIII. Veja-se a este propósito “Ricardo Vitorino e Nuno Victorino in Regime Geral das Infrações Tributárias, anotado, Vislis 2002, na anotação 7 ao artigo 32º, pág. 192, onde afirmam que tal requisito terá de considerar- se verificado “a partir dos actos e declarações que o arguido pratique no processo e na conduta que com elas evidencie concretamente assumir”.

IX. Assim, a douta sentença não padece de vicio de violação de lei, por errónea apreciação da matéria de facto provada nos autos, com violação do n.° 2 do art. 32° do RGIT;

X. De igual forma não se verifica excesso de pronúncia como invocado pela AT Recorrente, porquanto, como nestas conclusões se faz referência a verificação dos factos conducentes à decisão de atenuação especial da coima encontram-se nos próprios autos e consta do pedido formulado pela ora Recorrida.

Termos em que, deve a douta sentença recorrida ser mantida por não verificação dos vícios alegados pela Recorrente.
Assim se fazendo Justiça!”
* *
A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
* *
Foi suscitada a questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional e as partes sido notificadas para, querendo, se pronunciarem, tendo permanecido silentes.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II- OBJECTO DO RECURSO

Nos presentes autos importa desde logo decidir da questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional suscitada oficiosamente.
E não se verificando a prescrição do procedimento, aferir, como alega a Recorrente, se a sentença recorrida decidiu em violação do disposto no artigo 412º n.° 1 do CPP, uma vez que o Tribunal a quo conheceu de questões de que não poderia tomar conhecimento e, ainda, que a sentença padece de vício de violação de lei por errónea apreciação da matéria de facto provada nos autos, com violação da norma do n.° 2 do artigo 32° do RGIT.

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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova documental encontram-se assentes, por provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:

A) A 10.12.2002 a arguida remeteu a declaração periódica de IVA, referente ao período 2002/10 (Mod. A n.º 101268655766), conjuntamente com o cheque n.º ………… do Banco ….., resultando em IVA a pagar no montante de €83.474,40 [cf. fls. 17 e 18 dos autos].

B) No cheque identificado em A) foi inscrito o valor numérico de €83.474,40, e o valor por extenso de €84.474,40, pelo que foi recusado o seu pagamento pela entidade bancária [cf. fls. 18 a 19, 22 a 24 dos autos].

C) A 03.01.2003 foi entregue nos cofres do Estado o montante de €83.474,40, nos termos do Decreto-Lei n.º 248-A/2002, de 14 de Novembro, referente ao IVA de 2002/10 [cf. fls. 20 e 21 dos autos].

D) A 15.07.2003, foi levantado à arguida o auto de notícia n.º 0184604/2003, pela prática de infracção ao disposto no artigo 40.º, n.º 1, alínea a) e n.º 1 do artigo 26.º, ambos do CIVA, por entrega de declaração periódica de IVA no prazo legal sem meio de pagamento, no montante de €83.474,40, relativo ao período 2002/10, cujo prazo terminou em 10.12.2002, punível nos termos dos artigos 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT [cf. fls. 6 dos autos].

E) Com base no auto de notícia indicado em D) dos factos assentes, foi instaurado contra a arguida, a 14.10.2003, processo de contra-ordenação n.º 3611-03/602178.6, a correr termos no Serviço de Finanças de Amadora 3 [cf. fls. 5 dos autos].

F) Por despacho do Sra. Chefe de Finanças de Amadora 3, a fls. 124 a 127 dos autos, de 08.03.2010, foi aplicada à arguida a coima de €16.694,88, (acto recorrido), que aqui consideramos integralmente reproduzido, onde consta, nomeadamente:
“(…)
Descrição Sumária dos Factos
Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos:
Declaração periódica do IVA (imposto s/ valor acrescentado), referente ao período de 0210, apresentada no prazo legal sem meio de pagamento;
Valor da prestação em falta - €83.474,40;
Data do cumprimento da obrigação (data da apresentação da declaração periódica mas sem meio de pagamento) – 2002-12-10;
Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2002-12-10.
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação dos artigos abaixo indicados, punidos pelos artigos da Lei n.º 15/2001, de 05/07 (RGIT – Regime Geral das Infracções Tributárias), constituindo contra-ordenação.
(Imagem)
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Art. 7.º do Dec.Lei n.º 433/82, de 27/10, aplicável por força do Art. 3.º do RGIT concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da coima
Em abstracto, a medida da coima aplicável ao(s) arguido(s), em relação à(s) contra-ordenação(ões) tem como limite mínimo o valor de €16.694,88 e limite máximo o montante de €30.000,00, dado tratar(em)-se de pessoas colectivas.
Para a fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contraordenação(ões) praticada(s) para tanto importa ter presente o seguinte (art.27.º do RGIT)
- Não houve actos de ocultação;
- A frequência da prática é acidental;
- Especial obrigação de não cometer a infracção;
- O benefício económico foi de €83.474,40;
- A conduta é negligente;
- O tempo decorrido desde a prática da infracção (à data do levantamento do auto de notícia) ser superior a 6 meses;
- A infracção foi regularizada em 2003-01-03 com o pagamento do imposto nos termos do Dec. Lei 248A/2002, de 14 Novembro;
- Uma vez que o imposto foi pago antes do levantamento do auto de notícia, foi o sujeito passivo notificado nos termos do n.º 5 do art. 30.º do RGIT para pagamento da coima nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 29.º do RGIT, no valor de €4.173,72, uma vez que a entrega da prestação tributária, vale como pedido de redução de coima de acordo com o n.º 4 do art. 30.º do RGIT.
- Trata-se de um contribuinte que tem uma situação económica e financeira média;
Despacho
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art. 79.º do RGIT aplico ao(s) arguido(s) o mínimo da coima, ou seja, €16.694,88 cominada no art. n.º 114 n.º 2 do RGIT, com respeito pelos limites do Art.26.º do RGIT, sendo ainda devidas custas nos termos do n.º 2 do Dec-Lei n.º 29/96, de 11 de Fevereiro, no montante de €51,00.
Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se cópia, para efectuar o pagamento da coima ou deduzir recurso judicial no prazo de 20 dias, sob pena de cobrança coerciva, advertindo-o de que vigora o Princípio de “Reformatio in Pejus” (em caso de recurso não é susceptível de agravamento, excepto se a situação económica e financeira tiver melhorado de forma sensível).
(…) [cf. fls. 124 a 127 dos autos].

G) A decisão identificada no ponto anterior foi notificada à arguida a 12.03.2010, através do ofício n.º 2613 do Serviço de Finanças de Amadora 3 [cf. fls. 128 e 129 dos autos].

H) O presente recurso foi apresentado a 05.04.2010 [cf. carimbo dos CTT aposto do recurso a fls. 130 dos autos].
*
Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.
Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório”.
* *
Por se mostrarem relevantes para a decisão da causa e resultarem da prova documental junta aos presentes autos, nos termos do art, 431º, alínea a) do CPP, aplicável por remissão do nº 1 do art. 41º do RGCO ex vi da alínea b) do art. 3º do RGIT, importa fixar as seguintes ocorrências processuais:
I) Em 09/12/2003 a arguida foi notificada da instauração do processo de contra-ordenação nº 3611-03/602178.6 bem como para apresentar defesa, tendo-o feito a 22/12/2003 (cfr. fls. 11/16 dos autos).

J) Em 03/02/2004 foi proferido despacho de fixação da coima no montante de € 19.199,11 (cfr. fls. 29).

K) Em 02/03/2004 a arguida foi notificada da decisão mencionada na alínea anterior (cfr. fls. 30/31).

L) Em 19/11/2004 foi apresentado recurso da decisão de aplicação da coima mencionada em J) como consta de fls. 33/37.

M) Em 14/01/2005 foi proferido despacho de aperfeiçoamento da petição de recurso mencionada na alínea anterior (cfr. fls. 66).

N) Em 18/01/2005 foi enviada por registo postal a notificação do despacho mencionado na alínea anterior à mandatária da recorrente (cfr. fls. 67 dos autos).

O) Em 15/07/2009 foi proferida sentença a declarar a nulidade insuprível da decisão de aplicação da coima (cfr. 88/93).

P) Em 08/03/2010 foi proferida nova decisão de aplicação da coima no montante de € 16.694,88 como consta de fls. 125/127.

Q) Em 13/03/2010 foi a arguida notificada da decisão mencionada na alínea anterior (cfr. 128/129).

R) Em 06/04/2010 apresenta recurso da decisão mencionada na alínea P) como consta de fls. 130/137.

S) Em 29/09/2010 é proferido despacho de admissão do recurso e enviada a respectiva notificação às partes (cfr. fls. 156/162 dos autos).

T) Em 27/11/2014 foi proferido despacho decisório do recurso de decisão de aplicação da coima mencionado em R) como consta de fls. 178/187 dos autos.

U) Em 02/12/2014 foram emitidas as notificações às partes da decisão mencionada na alínea anterior (cfr. fls. 189/192 dos autos).

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Tendo sido apresentado no âmbito do processo de contra-ordenação nº 3611-03/602178.6 recurso da decisão de aplicação da coima no montante de € 16.694,88, por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi o recurso julgado procedente, revogada a decisão recorrida e aplicada à arguida a coima mínima nos termos do nº 2 do art. 32º do RGIT, no montante de € 8.347,44.

Discordando do decidido veio a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar recurso alegando em síntese que a sentença recorrida decidiu em violação do disposto no artigo 412º n.° 1 do CPP, uma vez que o Tribunal a quo conheceu de questões de que não poderia tomar conhecimento e, ainda, que a sentença em causa padece de vício de violação de lei por errónea apreciação da matéria de facto provada nos autos, com violação da norma do n.° 2 do artigo 32° do RGIT.

Tendo sido suscitada oficiosamente a questão da prescrição do procedimento prescricional, e sendo esta questão de conhecimento oficioso, a sua análise irá preceder o conhecimento dos demais fundamentos do presente recurso.

Consagra o art. 33º do RGIT sob a epígrafe “Prescrição do procedimento” o seguinte:
“1 - O procedimento por contra-ordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.
2 - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.”

No caso em apreço foi levantado, à ora Recorrida, auto de notícia pela prática de infracção ao disposto no art. 40º, nº 1, alínea a) e nº 1 do art. 26º do Código do IVA, por entrega de declaração periódica de IVA no prazo legal sem meio de pagamento, no montante de € 83.474.40 relativa ao período 2002/10 cujo prazo terminou em 10/12/2002 punível nos termos dos artigos 114º, nº 2 e 26º, nº 4 do RGIT, tendo a infracção sido praticada em 10/12/2002 como decorre das alíneas D) e F) do probatório.

Mais ficou provado que em 03/01/2003 o montante de € 83.474,40 referente ao IVA do período de 2002/10 foi entregue nos cofres do Estado nos termos do Decreto-Lei nº 248-A/2002 de 14 de Novembro (diploma que aprovou um regime excepcional de regularização de dívidas fiscais e à segurança social) (cfr. alínea C) do probatório).

Por força do nº 1 do art. 33º do RGIT, o procedimento por contra-ordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos. Contudo o nº 2 desta disposição legal prevê que esse prazo seja reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção dependa da liquidação.

Ora no caso em apreço, estamos perante uma infracção prevista no art. 114º do RGIT que “depende de liquidação na medida em que a determinação do tipo de infração ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação, o meio de determinar esse valor” (cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in RGIT Anotado, 4ª ed. pag. 323).

Desta forma o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional será de 4 anos, prazo este previsto no nº 1 do art. 45º, nº 1 da LGT, para efeitos de caducidade do direito à liquidação, que no caso do IVA serão contados a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto como determina o nº 4 do art. 45º da LGT.

Destarte resulta que o prazo de prescrição teve início a 01/01/2003 e terminaria a 31/12/2006.

Contudo, importa aferir se, no decurso desse prazo, ocorreram causas de suspensão ou de interrupção nos termos do nº 3 do transcrito art. 33º do RGIT.

Assim, são causas de interrupção da prescrição, as previstas na lei geral, ou seja, no art.º 28.º do RGCO, nos termos do qual:
A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima”.

Assim, face à factualidade assente, resulta que, antes de decorridos os quatro anos do prazo de prescrição, ocorreram diversas causas de interrupção, a saber: a notificação da ora recorrida para o exercício do direito de defesa e esse mesmo exercício (al. c) daquela disposição legal) como consta da alínea I) do probatório, bem como a prolação da decisão da autoridade administrativa (alínea d) daquela disposição legal) que ocorreu a 03/02/2004 e notificada a 02/03/2004 (cfr. alíneas J) e K) do probatório).

Ocorrendo várias causas de interrupção, importa atender à que ocorreu em último, que tem como efeito a desconsideração do período de tempo já decorrido (art.º 121.º, n.º 2, do Código Penal, ex vi art.º 32.º do RGCO).

Considerando que a 03/02/2004 foi proferida decisão de aplicação de coima (cfr. alínea J) do probatório), notificada a 02/03/2004 (cfr. alínea K) do probatório), será este último o facto interruptivo mais recente. Assim, nessa data reinicia-se o decurso do prazo de 4 anos referido supra.

Destarte a não ocorrer qualquer causa de suspensão, o prazo de prescrição terminaria a 02/03/2008.

Quanto às causas de suspensão, atendendo ao já mencionado n.º 3 do art.º 33.º, do RGIT, as mesmas consubstanciam-se em:
· As previstas no regime geral – art.º 27.º-A, n.º 1, do RGCO, ou seja:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.°;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso”.
· As previstas no n.º 2 do art.º 42.º, no art.º 47.º e no art.º 74.º, todos do RGIT, e no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação.

No caso em apreço importa considerar a existência de causa de suspensão do procedimento decorrente da alínea c) do nº 1 do art. 27º-A do RGCO - desde a data da notificação do despacho de aperfeiçoamento (21/01/2005), até à data da decisão do recurso (15/07/2009), (cfr. alíneas M), N) e O) do probatório).
No entanto ressalta-se que o nº 2 do art. 27º-A do RGCO consagra um limite de 6 meses para essa suspensão.

Do probatório supra resulta que em 21/01/2005 (3º dia útil posterior ao registo) foi efectuada a notificação do despacho de aperfeiçoamento (cfr. alíneas M) e N) do probatório) e em 15/07/2009 foi proferida decisão do recurso de aplicação da coima e notificada às partes (cfr. alíneas O) do probatório), pelo que a partir de 22/01/2005 (1º dia útil seguinte) o procedimento esteve suspenso, contudo, esta causa de suspensão tem o limite de 6 meses.

Finalmente salienta-se que na análise da prescrição do procedimento contra-ordenacional importa ainda atender ao disposto no nº 3 do art. 28º do RGCO, quando determina que “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade”.

Sobre esta matéria veja-se o entendimento vertido no Acórdão do STA de 17/12/2019- proc. 451/13 quando se afirma “A prescrição do procedimento contra-ordenacional é um instituto que se encontra previsto no art. 27.º do RGCO e, relativamente às contra-ordenações tributárias, no art. 33.º do RGIT. Em síntese, significa que o decurso do tempo extingue o procedimento contra-ordenacional; o Estado, por efeito do não exercício do direito de perseguir o agente de uma contra-ordenação em tempo considerado útil, perde esse direito.
Atenta a natureza do instituto e os fins que prossegue (Quanto à natureza jurídica da prescrição, vide MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, Vislis Editores, 2011, 6.ª edição, nota 4 ao art. 27.º, pág. 251.), o legislador entendeu estipular causas de suspensão e de interrupção da prescrição do procedimento, as primeiras no art. 27.º-A e as segundas no art. 28.º, ambos do RGCO. No n.º 3 do art. 33.º do RGIT estabelece-se que as contra-ordenações tributárias ficam sujeitas, não só às causas de suspensão e de interrupção previstas na lei geral (leia-se, no RGCO), como também a causas de suspensão próprias. Como é sabido, a suspensão impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou, sendo que, para efeitos da contagem da prescrição se soma o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão ao tempo decorrido depois de essa causa ter cessado [cfr. art. 120.º, n.º 3, do Código Penal (CP)]; por seu turno, a interrupção anula o prazo prescricional decorrido até a verificação da causa que a determinou: o tempo entretanto decorrido fica sem efeito e conta-se novo prazo após cessar a causa de interrupção (art. 121.º, n.º 2, do CP).
O n.º 3 do art. 28.º do RGCO consagra, relativamente às contra-ordenações, uma regra que consta também do art. 121.º, n.º 3 do CP, relativamente aos crimes: «A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade». A teleologia desta norma é evidente: «[a] renovação do prazo de prescrição depois de cada interrupção conduziria a que pudesse eternizar-se a possibilidade de prosseguir processo de contra-ordenações contra o arguido» (Cfr. MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., nota 5 ao art. 28.º, pág. 271. ) e, assim, a que pudesse torpedear-se facilmente a razão que levou a consagrar o instituto da prescrição no regime do ilícito contra-ordenacional.
Sustenta a Recorrente que esta norma não logra aplicação em sede de contra-ordenações tributárias porque não foi transposta para o RGIT norma equivalente ao n.º 3 do art. 28.º do RGCO e porque não existe no RGIT caso omisso, que demande a aplicação subsidiária daquele norma ex vi da alínea b) do seu art. 3.º
Salvo o devido respeito, não é assim.
Desde logo, porque o n.º 3 do art. 33.º do RGIT, ao referir que «[o] prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral», remete expressamente para o regime dos referidos arts. 27.º-A e 28.º do RGCO, onde estão previstas, respectivamente, a suspensão e a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação, bem como, no n.º 3 deste último artigo, o limite máximo da prescrição do procedimento. Ora, essa remissão para o regime da interrupção da lei geral não exceptua o n.º 3 do art. 28.º do RGCO – que visa obstar ao efeito que poderia advir de sucessivas causas de interrupção –, o que permite sustentar que a aplicação da regra nele prevista às contra-ordenações tributárias se faz por remissão directa do n.º 3 do art. 33.º do RGIT.
Mas, ainda que assim não fosse, essa regra sempre lograria aplicação subsidiária, nos termos da alínea b) do art. 3.º do RGIT, pois nada permite concluir que o legislador tenha pretendido excluir a sua aplicação às contra-ordenações tributárias.
Nem essa exclusão faria sentido. Na verdade, a prescrição é um instituto transversal a todo o direito sancionatório moderno. Por isso, não é aceitável a possibilidade de se proceder criminalmente e, por maioria de razão, contra-ordenacionalmente, a todo o tempo contra o agente da infracção.
Foi esse princípio da relevância do decurso do tempo sobre o direito do Estado de perseguir o infractor, não só em sede criminal como em sede contra-ordenacional, que levou a que, ainda antes da introdução do n.º 3 no art. 28.º do RGCO – que aconteceu através da Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro ( https://data.dre.pt/eli/lei/109/2001/12/24/p/dre/pt/html.) –, o Supremo Tribunal de Justiça se tenha pronunciado no sentido da aplicação subsidiária da regra n.º 3 do art. 121.º do CP ao regime prescricional do procedimento de contra-ordenação, ex vi do art. 32.º do RGCO (Cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2001, publicado no Diário da República, I Série, de 30 de Março de 2001, https://data.dre.pt/eli/jurisprud/6/2001/03/30/p/dre/pt/html, com sumário do seguinte teor:
«A regra n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal, que estatui a verificação da prescrição do procedimento quando, descontado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade, é aplicável, subsidiariamente, nos termos do artigo 32.º do regime geral das contra-ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro) ao regime prescricional do procedimento contra-ordenacional».).
Do mesmo modo, esse princípio sempre justificaria que também em sede de contra-ordenações tributárias se aplicasse subsidiariamente, nos termos da alínea b) do art. 3.º do RGIT, o disposto no n.º 3 do art. 28.º do RGCO (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracção Tributárias Anotado, 4.ª edição, 2010, nota 9 ao art. 33.º, pág. 327-328.).
Note-se que, relativamente aos crimes tributários, o legislador também não transpôs para o RGIT norma idêntica ao n.º 3 do art. 121.º do CP e nunca vimos sustentado na doutrina ou na jurisprudência que o procedimento criminal por crimes tributários não ficasse sujeito à regra aí prevista, por aplicação subsidiária do CP ao abrigo da alínea a) do art. 3.º do RGIT, antes pelo contrário (Cfr. ISABEL MARQUES DA SILVA, Regime Geral das Infracção Tributárias, Almedina, 2010, 3.ª edição, págs. 117-118.).
A Recorrente sustenta que inexiste caso omisso, a justificar o recurso à aplicação supletiva do RGCO, mas, salvo o devido respeito, não diz, nem nós vislumbramos qual a razão justificativa da não aplicação da regra em causa às contra-ordenações tributárias: por que o legislador teria considerado que as contra-ordenações tributárias deveriam ficar excluídas duma regra que é transversal aos crimes e às contra-ordenações? Note-se que os próprios crimes, infracções de natureza mais grave do que as contra-ordenações tributárias, estão sujeitas a regra idêntica, prevista no já referido n.º 3 do art. 121.º do CP.”

Na verdade, independentemente da ocorrência de eventuais causas de interrupção da prescrição, nos termos do art.º 28.º, n.º 3, do RGCO (em termos similares, veja-se o 121.º, n.º 3, do Código Penal, ex vi 32.º, do RGCO):
A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.

Desta forma, atendendo às causas de interrupção e de suspensão do procedimento de contra-ordenação acima expostas e tomando em consideração a aplicação do disposto no nº 3 do art. 28º do RGCO, conclui-se que, tendo a infração ocorrido a 01/01/2003 e atendendo ao prazo de prescrição de 4 anos, a que deve acrescer o prazo de suspensão de 6 meses, e, tendo ainda em consideração o acréscimo de 2 anos a que se refere o nº 3 do art. 28º do RGCO, conclui-se que a prescrição do procedimento contra-ordenacional ocorreu a 30/06/2009, data anterior à prolação da sentença mencionada na alínea O) do probatório.

Por tudo o que vem exposto, salienta-se que a ocorrência da prescrição do procedimento contraordenacional implica a sua extinção e subsequente arquivamento (cfr. art.º 77.º, n.º 1, do RGIT).

E, perante a prescrição do procedimento contraordenacional fica prejudicada a apreciação do erro de julgamento suscitado pela Recorrente.
* *
V- DECISÃO


Nos termos expostos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
I) Julgar extinto o processo de contraordenação, por prescrição, e, em consequência, determinar o seu arquivamento;
II) Não se conhecer, por prejudicado, o objeto do recurso interposto pela Fazenda Pública;

Sem custas.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luisa Soares