Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09395/16
Secção:CT
Data do Acordão:09/29/2016
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO/PROCEDIMENTO INTERNO/PROCEDIMENTO EXTERNO/TERCEIRO PARA EFEITOS DE PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO
Sumário:I – O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não deve aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. Dito de outro modo, da consagração da garantia de um duplo grau de jurisdição da matéria de facto não deve extrair-se o entendimento de que o legislador quis afastar ou questionar o princípio da livre apreciação da prova atribuído ao tribunal da 1ª instância, uma vez que é inequívoco que para a formação da convicção do julgador contribuem simultânea ou conjugadamente elementos racionalmente demonstráveis e elementos que dificilmente podem ser colhidos daquelas gravação ou transcrição.
II - Daí que, quando a decisão da matéria de facto assentar fulcralmente na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum ou que esse juízo assentou numa apreciação da prova absolutamente incompatível com ela (designadamente quando, assentando na prova testemunhal produzida, as declarações prestadas sejam num sentido e em sede de fundamentação lhe ser apontado outro).
III - O procedimento tributário, enquanto «conjunto de actos, formalidades e diligências, praticados pelos órgãos de inspecção tributária integrados e sequencialmente ordenados, com vista ao controlo, fiscalização e correcção dos comportamentos tributários dos contribuintes», é passível de ser classificado de várias formas, consoante tenha subjacente como critério o sujeito que o impulsiona (“ iniciativa”), os “fins” que tem em vista, o lugar da sua realização e o âmbito ou extensão do mesmo.
IV – Nos termos do preceituado no artigo 13.º do RCPITA (na redacção vigente na data de realização da inspecção), o procedimento de inspecção, quanto ao lugar do procedimento, pode classificar-se como interno ou externo, sendo que, no primeiro caso, os actos de inspecção são efectuados "[e]xclusivamente nos serviços da administração tributária, através de análise formal e de coerência dos documentos", e no segundo caso, os actos de inspecção são efectuados, "[t]otal ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso".
V – Se os documentos e informações a que a Administração Tributária “acedeu” e que estiveram – após confronto realizado com as declarações apresentadas pelo contribuinte – na origem do procedimento vieram à sua posse e por si ficaram a ser detidos após o cumprimento por parte de determinadas instituições dos deveres legais a que se encontram adstritas (previstas no artigo 119°, n°12, alínea b) do Código do IRS, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº72-A/2010, de 18 de Junho - declarações Modelo 39), não existe qualquer fundamento para concluir que esse acesso se concretizou fora das suas instalações ou que a Administração apenas teria direito a aceder a esses mesmos elementos se se deslocasse à sede dessas instituições.
VI - É absolutamente inócuo para efeitos de qualificação desta inspecção a qualidade de terceiro que, em abstracto, aquelas entidades financeiras (como quaisquer outras que obrigatoriamente devam emitir e entregar certos documentos à Administração), assumam, por a lei apenas exigir, para este concreto efeito, que a inspecção se realize exclusivamente nos serviços da administração tributária, através de análise formal e de coerência dos documentos.
VII - Nunca foi líquido, e agora é mesmo inquestionável - face à clarificação realizada pelo legislador e que se mostra vertida na alteração de redacção de que foi objecto o artigo 13.º do RCIPTA e concretizada com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 36/2016, de 1 de Julho - que um procedimento inspectivo pode ser qualificado como interno mesmo que os actos materiais nele praticados não se esgotem na análise formal e coerente de documentos que já estejam na posse da Administração Tributária no inicio da inspecção. Isto é, uma inspecção não tem que ser qualificada como externa apenas porque aquela análise também incidiu em documentos que vieram à sua posse no decurso da inspecção, como foi o caso, desde que consumados nas suas instalações.
VIII – Não existindo norma legal especial a impor que o procedimento de derrogação do sigilo fiscal se desenvolva no âmbito exclusivo de uma inspecção externa, que os actos praticados no procedimento se consubstanciaram na análise formal e coerência de documentos detidos e obtidos pela Administração Tributária no âmbito do procedimento e que todos os actos procedimentais e diligências foram integralmente concretizados nas suas instalações, importa concluir que não há fundamento algum para desqualificar o procedimento ou, o mesmo é dizer, para que o qualifiquemos como procedimento externo.
IX – A limitação temporal imposta pelo artigo 36.º, do RCPITA, para a conclusão do procedimento de inspecção (6 meses), bem como a exigência legal de notificação das ordens de Serviço constante do artigo 46.º, do mesmo diploma, apenas se aplicam aos procedimentos de inspecção externa e não aos procedimentos de inspecção interna.
X – Se o despacho de derrogação do sigilo fiscal, dirigido aos anos de 2011, 2012 e 2013, não adianta a mínima razão, que não um juízo de probabilidade sem qualquer consistência factual, que permita a qualquer pessoa compreender que circunstâncias determinam a decisão de derrogação do sigilo bancário relativamente ao ano de 2011, deve nessa parte ser anulado por absoluta falta de fundamentação formal e substancial, sendo evidente, consequentemente, que também os princípios da proporcionalidade, adequação e legalidade nunca deveriam ter sido julgados como observados no que respeita àquele hiato temporal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - Relatório
I..., residente na Avenida … inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que negou provimento ao recurso que interpôs, nos termos do disposto nos artigos 146.º-A e 146-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 63.º-B da Lei Geral Tributária, da decisão emitida pela Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 20-08-2015, que determinou o acesso directo às suas contas e documentos bancários, com referência aos anos de 2011, 2012 e 2013, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Terminou as suas alegações de recurso enunciando as seguintes conclusões:


«I. Constitui objecto do presente recurso a Sentença, proferida pelo Tribunal a quo, que decidiu «manter no ordenamento jurídico o despacho recorrido»,


II. Tal despacho, objecto da presente acção, trata-se do despacho do Senhor Director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, que autorizou que «funcionários da inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas», de que seja titular a aqui Recorrente «relativamente aos anos de 2011,2012 e 2013».


IIl. É Autora no presente processo, e aqui Recorrente, a Ex.ma Senhora D.I..., sendo ilegítimas todas as conclusões que a Sentença recorrida retira relativamente a factos pessoais da Recorrente, com base em acções e/ou omissões de seu marido, J....


IV. Apontou a Recorrente ao acto administrativo que autorizou o acesso a todas as contas e documentos bancários de que seja titular, por parte de funcionários da inspecção tributária, os seguintes vícios, aqui resumidamente expostos:

i. O despacho em causa é ilegal porque todos os actos de inspecção foram realizados fora do devido procedimento de inspecção tributária;

ii. O despacho em causa é ilegal porque foi praticado em procedimento de inspecção tributária findo;

iii. O despacho em causa é ilegal porque assenta em elementos e provas acedidos a partir de terceiro ilegitimado;

iv. o despacho em causa é ilegal porque viola grosseiramente os princípios de adequação e da proporcionalidade;

v. O despacho em causa é ilegal porque a AT não carece da derrogação do sigilo bancário da Requerente para apuramento/cálculo do valor dos acréscimos patrimoniais que parece considerar injustificados;

vi. O despacho em causa é ilegal porque não pode acobertar-se no artigo 63°, n°1, alínea b), da LGT;

vii. O despacho em causa é ilegal porque é inútil o recurso à derrogação do sigilo bancário para efeitos do artigo 63.°-B, n.° 1, alínea c), da LGT;

viii. O despacho em causa é ilegal porque padece de invalidades formais;

ix. O despacho sob censura é ilegal porque padece de erro sobre os pressupostos de facto.


V. Com relevância para o presente recurso, foi considerado como não provado pela Sentença recorrida o seguinte facto:

«1) A AT teve acesso a informação bancária da Recorrente através de terceiro não autorizado»


VI. Não pode, contudo, concordar-se com o entendimento vertido na Sentença recorrida, o qual decorre de uma incorrecta apreciação da prova e redunda numa incorrecta interpretação dos factos e aplicação do direito, culminando uma decisão ilegal e injusta.


VII. O despacho em crise deveria ter sido proferido no âmbito de um procedimento de inspecção tributária externo, sendo certo que inclusivamente foram obtidas pela AT informações sem que nenhum procedimento (interno ou externo) existisse.


VIII. «o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário», conforme referido no artigo 63º, n°1, da LGT, conjugado com as invocadas alíneas b) e c) do n°1 do artigo 63.°-B da LGT, consubstancia uma diligência que apenas pode ser desenvolvida pela Autoridade Tributária e Aduaneira quando necessária ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, designadamente para confirmação de factos tributários declarados ou não declarados pelos sujeitos passivos.


IX. Considerando o exposto, é inequívoco que para diligenciar e obter a derrogação do sigilo bancário dos contribuintes, ao abrigo do artigo 63°-B, n°2, da LGT, a Autoridade Tributária e Aduaneira carece de recorrer a um procedimento inspectivo nos termos delimitados no RCPIT.


X. No caso em concreto, verifica-se que a acção de inspecção em causa foi designada pela Autoridade Tributária e Aduaneira como interna [cfr. als. l) e T) dos factos assentes].


XI. Sendo certo que a Recorrente nunca foi notificada de qualquer daquelas ordens de serviço com os n.°s .


XII. Nos termos da referida alínea a) do artigo 13° do RCPIT o procedimento classifica-se de interno quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos.


XIII.A classificação do procedimento como interno depende, assim, da verificação de dois requisitos cumulativos: (i) que os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária e (ii) através da análise formal e de coerência dos documentos.


XIV. No caso da derrogação do sigilo bancário verifica-se, desde logo, que o acto de inspecção não é efectuado nos serviços da administração tributária.


XV. Com efeito, os documentos e informações bancárias em causa encontram-se, naturalmente, na posse e nas instalações de instituições financeiras, sendo nessas instalações onde, em princípio, a administração tributária tem o direito de aceder aos documentos e informações.


XVI. O facto de circunstancialmente o acto de inspecção poder ser materializado e executado por terceiros - bancos e outras entidades financeiras -, não altera a sua natureza quanto a ser efectuado fora das instalações da administração tributária.


XVII. Sendo que o facto de a sua recolha, i.é, o acto de inspecção, poder ou não ser executado por terceiros, estranhos à administração tributária, não altera a sua natureza externa.


XVIII. A isto acresce que o acesso às informações e documentos bancários dos contribuintes extravasa, igualmente, a «análise formal e de coerência de documentos» referida na alínea a) do artigo 13° do RCPIT, estando-se, antes, perante uma verdadeira investigação, de recolha de documentos e informações bancárias em poder de terceiros, por forma a aferir se o contribuinte declarou, ou não, todos os rendimentos que legalmente estava obrigado.


XIX. Mal andou, assim, a Sentença recorrida ao não reconhecer tal ilegalidade, em violação, designadamente, dos artigos 44º, n°2, do CPPT e 2° e 13° do RCPIT, pelo que deve a mesma ser revogada e reconhecida a ilegalidade do despacho em causa por ter sido emitido fora do âmbito do devido procedimento de inspecção externo.


XX. Acresce que o acto de derrogação de sigilo bancário em crise é também ilegal, por não poder já ser praticado em sede de processo de inspecção, vício que a Sentença recorrida considerou não verificado em consequência do entendimento de que tal acto não tem que ser praticado no âmbito de procedimento de inspecção externo.


XXI. Devendo entender-se que o acto em apreço só pode ser praticado no âmbito de procedimento de inspecção externo, o mesmo já não poderia ter sido praticado por ultrapassado o prazo máximo de seis meses, de duração das acções de inspecção externas, estabelecido no n°2 do artigo 36° do RCPIT.


XXII. Nos termos do disposto no n°7 do artigo 36º do RCPIT «O decurso do prazo do procedimento de inspecção determina o fim dos actos externos de inspecção, não afectando, porém, o direito à liquidação dos tributos»,


XXIII. Termos em que mal andou a Sentença recorrida ao não ter considerado o despacho em causa ilegal, em manifesta violação do artigo 36° do RCPIT, pelo que deve a mesma ser revogada e o despacho em crise anulado.


XXIV. O despacho sob censura é também ilegal uma vez que toda a informação recolhida pela administração tributária no âmbito do procedimento de inspecção em causa foi obtida ilicitamente e não pode, por isso, ser utilizada para qualquer efeito, incluindo com vista à derrogação do sigilo bancário da Recorrente.


XXV. Com o advento da notificação do despacho de derrogação do sigilo bancário, ficou a Recorrente a saber que o seu Filho, L..., manteve troca de correspondência com os serviços de inspecção tributária, no desconhecimento da Recorrente, tendo fornecido informação referente aos anos de 2011 e 2012.


XXVI. Tal concreta informação foi revelada na ausência de mandato - ou sequer gestão de negócios - da aqui Recorrente.


XXVII. Considerou, porém, indevidamente, a Sentença recorrida como não provado que:

«1) A AT teve acesso a informação bancária da Recorrente através de terceiro não autorizado».


XXVIII. A administração tributária esteve sempre plenamente ciente de que contactava com um terceiro - L... - e não com a aqui Recorrente.


XXIX. Tal facto resulta evidente das alíneas L), M), N), O), P), Q), R) e S) dos factos assentes, e bem assim do depoimento das testemunhas R... e A....


XXX. A própria Sentença recorrida assenta no pressuposto de que as informações em que se sustenta o despacho em crise foram fornecidas pelo referido L..., considerando, contudo, que «não resulta prova dos autos que a informação prestada por este tenha sido efectuada sem o consentimento dos seus pais».


XXXI. A este respeito, é, desde logo de referir a inexistência de qualquer presunção legal de que os filhos actuam em nome e representação de seus Pais.


XXXII. Ademais, L... não foi nem pode ser havido como "representante para as relações com a administração tributária" da Recorrente - artigo 52° do RCPIT -, porque a aqui Recorrente nunca o designou como seu representante, sendo certo que tal designação tem que ser feita expressamente pelos sujeitos passivos.


XXXIII. Tendo ficando demonstrado, e provado, que a informação obtida pela administração tributária o foi através de uma terceira pessoa que não a Recorrente, era a esta que incumbia o ónus de provar que tal pessoa agiu em nome e em representação da Recorrente, nos termos do artigo 342° do C.C.


XXXIV. a Sentença recorrida, ao considerar que «a Recorrente não fez prova que a AT teve acesso a informação bancária da Recorrente através de terceiro não autorizado» - negrito e sublinhado nosso - é frontalmente violadora do artigo 342° do C.C.


XXXV. Nem, aliás, consta como facto provado que L... tenha agido em nome e em representação da aqui Recorrente.


XXXVI. A conclusão que vem de se expor sai reforçada pela conclusão constante da Sentença recorrida, que não se admite, de que o depoimento de L... «não parece credível».


XXXVII. Ora, se tal depoimento «não parece credível», não pode ser considerado credível para prova de determinados factos, mas já não credível para prova de outros, sem, pelo menos, tal divergência de critério na avaliação da prova ser especificamente fundamentada na Sentença, o que manifestamente não sucede, existindo, aqui, manifesta obscuridade da Sentença recorrida.


XXXVIII. Acresce que, os documentos e informações em questão encontram-se sujeitos a sigilo bancário, pelo que não poderia a AT obtê-los junto de qualquer outra pessoa que não a própria Recorrente ou da instituição bancária a que respeitam.


XXXIX. Na verdade, o acesso a informações e documentos bancários sem dependência do consentimento do respectivo titular apenas pode ser obtido desde que devidamente fundamentado, com expressa menção dos motivos concretos que o justificam e notificada aos interessados no prazo de 30 dias após a sua emissão, sendo da competência do Director Geral dos Impostos ou substituto legal, sem possibilidade de delegação e sendo susceptível de recurso (artigo 63°-B, nrs. 4 e 5, da Lei Geral Tributária).


XL. Assim, ao recolher os documentos e informações em questão junto de um terceiro, a AT bem sabia que estava perante uma situação de violação do dever de segredo.


XLI. A AT teve, portanto, acesso aos dados bancários da Recorrente de forma absolutamente ilegal, em violação do artigo 63°-B da LGT.


XLII. Quanto à afirmação da Sentença recorrida de que «não parece crível que J..., alguém que estava tão preocupado com o encerramento da acção de inspecção, e que ligava amiúde para a inspectora responsável pela acção de inspecção de repente, e após a intervenção do seu filho do procedimento, tenha perdido interesse no mesmo, não voltando a questionar nem o filho, nem a AT, quanto ao resultado da acção de inspecção» a mesma incorre num erro incontornável para as conclusões que a Sentença daí pretende retirar, é que, NOS PRESENTES AUTOS, NÃO É RECORRENTE J..., MAS SIM I....


XLIIl. Sem prescindir, sempre se dirá que não foi «de repente e após a intervenção do seu filho do procedimento» que J... perdeu o interesse no mesmo, mas sim porque estava convencido de que o procedimento estava encerrado.


XLIV. quanto à afirmação constante da Sentença recorrida de que «Da troca de emails vertidas nos factos assentes, bem como da ausência de testemunho de J... face ao seu estado de saúde, e possível concluir que estamos perante um casal de idade e com problemas de saúde, tendo delegado no seu filho a interacção com a inspecção tributária», mais uma vez se repete que não é possível retirar que a aqui Recorrente tenha incumbido L... de a representar perante a administração fiscal.


XLV. Nenhuma prova existe nos presentes autos de que a Recorrente de quaisquer problemas de saúde, muito menos que determinem que tenha delegado em L... a interacção com a inspecção tributária.


XLVI. Conclui-se que da análise do depoimento das testemunhas L... (gravação áudio de 2-12-2015, de 14:51:04 a 15:49:50) e A... (gravação áudio de 2-12-2015, de 15:49:50 a 16:06:52), deveria ter sido dado como provado que:


«A AT teve acesso a informação bancária da Recorrente através de terceiro não autorizado»


XLVIl. Também por isso, mal andou a Sentença recorrida ao não ter considerado o despacho em causa ilegal, em manifesta violação do artigo 63°-B da LGT e do artigo 52° do RCPIT, pelo que deve a mesma ser revogada e o despacho em crise anulado.


XLVIII. O despacho em crise é ilegal porque não pode acobertar-se no artigo 63°, n°1, alínea B), da LGT, já que no caso da aqui Recorrente, os indícios invocados pela AT referem-se todos a acréscimos patrimoniais putativamente revelados por certos depósitos bancários.


XLIX. Acresce que nos casos do artigo 87°, n.º1, f), da LGT o acréscimo patrimonial de € 100.000,00 deve ser aferido por sujeito passivo individualmente considerado e não por agregado familiar, sendo certo que perante uma conta bancária colectiva (conjunta), como é o caso, presume-se que cada um dos depositantes é proprietário de metade dos fundos nela existentes (cfr. artigo 516° do Código Civil).


L. Consequentemente, apenas caso se verificasse uma situação em que as contas bancárias em causa revelassem um acréscimo de património superior a € 200.000,00, poderia concluir-se, sem prejuízo do direito de elisão, que cada um dos contribuintes titulares daquelas contas bancárias teve um acréscimo de património superior a €100.000,00.


LI. no caso concretamente em apreço, mesmo na tese da AT, que não se admite, as quantias depositadas nas contas bancárias tituladas pela Recorrente e seu cônjuge, consideradas como não justificadas, ascendem, apenas, a € 172.681,33, pelo que tais quantias apenas podem ser imputadas a cada um dos cônjuges em 50% do seu valor, ou seja, € 86.340,67.


LIl. Sobre esta matéria considerou, erradamente, a Sentença recorrida que «Da leitura no citado artigo 87°, n°1, al. f) da LCT não e possível extrair que o valor nele indicado tenha de ser aplicado por cada sujeito passivo que compõe o agregado familiar, contudo mesmo que assim fosse, este valor sempre teria sido alcançado, uma vez que parte do valor indicado pelo sujeito passivo de €172.681,33, correspondente ao recebimento de juros no montante arredondado de €160.000,00 [confronto entre as alíneas C) e D) dos factos assentes]. Ora tratando-se de juros, ou seja rendimentos de capital, os mesmos indiciam um aumento de capital de cerca de €3.750.000,09, considerando a taxa estimada pela AT de 4%. Valor que preenche integralmente o requisito previsto no artigo 87°, n°1, al. f), da LGT.».


Llll. Contudo, os factos constantes das alíneas C) e D) dos factos assentes reportam-se ao momento em que foram pedidos os primeiros esclarecimentos pela administração tributária.


LIV. Em face dos esclarecimentos prestados, porém, a questão dos juros ficou totalmente esclarecida, e, por isso mesmo, não é referida no despacho de derrogação de sigilo bancário em crise [cf. Al. U) dos factos assentes].


LV. Da análise de tal despacho, verifica-se que o que ali está em causa são cerca de €172.000.00 de CAPITAL e não de juros.


LVI. Termos em que, também por isso, deve a Sentença recorrida ser revogada e o despacho em crise anulado, por violação do artigo 87°, n°1, alínea f), da LGT e dos artigos 13° e 36°, n°1, da CRP.


LVll. Finalmente, a Recorrente nunca recusou prestar eventuais informações atinentes à sua situação tributária.


LVIII. A Recorrente foi apenas notificada para prestar esclarecimentos relativamente ao ano de 2012.


LIX. E, surpreendentemente, pretende a AT aceder à informação bancária relativa ao ano de 2013 porque «é admissível suporá existência no ano de 2013 de depósitos idênticos»,


LX. A AT não tem um direito à curiosidade.


LXI. A recorrente nunca sequer foi notificada sobre o que quer que fosse relativamente aos anos de 2012 e 2013, muito menos para permitir o acesso a elementos bancários.


LXII. O despacho em causa viola ainda os princípios da proporcionalidade e da adequação, já que determina o acesso a «todas as contas e documentos bancários» da Recorrente, quando resulta do próprio relatório de inspecção que a AT se refere a movimentos no Banco... e não a outros bancos, como por exemplo, o … BANCO... ou o ....


LXIII. A AT não tem, por isso, qualquer necessidade de aceder ao descritivo dos movimentos a débito das contas bancárias da Recorrente.


LXIV. Sendo evidente a inexistência de fundamentação do despacho em crise que justifique o acesso às informações e documentação bancária da Requerente relativamente aos anos de 2011 e 2013, especialmente porque, relativamente a tais anos, nunca a Requerente foi notificada - e validamente notificada - para prestar quaisquer esclarecimentos ou permitir o acesso às suas informações bancárias.


LXV. A obliteração dessa densificação por via interpretativa do artigo 63.°-B, n°4, da LGT - no sentido de que a fundamentação ali exigida mais não é do que a mesma ou idêntica à que consta do artigo 77°, da LGT- agride tal equilíbrio e vulnera de forma intolerável o direito constitucionalmente reconhecido à reserva da intimidade da vida privada e familiar, assim violando os artigos 18° e 26°, ambos da Constituição.


LXVI. Afigura-se, assim, evidente, que a Sentença recorrida incorre em evidentes erros de julgamento, pelo que não pode manter-se, devendo, por isso, ser revogada, e o despacho em crise anulado, com todas as consequências legais daí decorrentes.

PEDIDO

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, REQUER-SE QUE O PRESENTE RECURSO SEJA DECLARADO TOTALMENTE PROCEDENTE, A SENTENÇA RECORRIDA REVOGADA E, EM CONSEQUÊNCIA, ANULADO O DESPACHO DE DERROGAÇÃO DE SIGILO BANCÁRIO EM CRISE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DAÍ DECORRENTE, FAZENDO V. EXAS. A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA».

A Recorrida, Fazenda Pública, notificada da admissão do recurso, apresentou contra-alegações, defendendo, em conclusão, que:


«I. A douta Sentença recorrida - cujos fundamentos e sentido a Entidade Recorrida subscreve inteiramente - não só não enferma de qualquer vício, como procedeu a um julgamento verdadeiramente exemplar da questão a decidir e está devidamente sustentada e fundamentada.


II. Na realidade, a Recorrente não requer qualquer reapreciação ou alteração da decisão da matéria de facto, pois não junta qualquer documento superveniente que possa determinar decisão diferente.


III. A Recorrente invoca que a decisão de acesso directo às informações e aos documentos bancários foi efectuada sem que tivessem sido iniciados procedimentos de inspecção externa relativos aos anos de 2011, 2012 e 2013.


IV. Sustenta que a decisão de derrogação do sigilo bancário foi praticada num procedimento de inspecção já findo, na medida em que estaria ultrapassado o prazo de seis meses.


V. A decisão de derrogação do sigilo bancário assenta em ordens de serviço emitidas em data anterior: a decisão da Directora-Geral da AT foi proferida em 20/08/2015 e as ordens de serviço foram emitidas em 26/06/2014, para o ano de 2012 (…), e em 02/06/2015, para o ano de 2011 (…), e para o ano de 2013 (…).


VI. Não resulta do texto da Lei que a decisão de derrogação do sigilo bancário deva ser proferida no âmbito de um procedimento de inspecção externa.


VII. A actuação da AT deve obedecer aos princípios da adequação e proporcionalidade, como resulta do artigo 7° do RCPITA, pelo que caberá aos serviços de inspecção avaliar a necessidade de iniciar um procedimento inspectivo interno ou externo, consoante os concretos actos a praticar e os elementos a averiguar.


VIII. No caso em apreço, a informação disponibilizada à AT pelas instituições bancárias resultou do cumprimento de uma obrigação declarativa prevista no n°12 do artigo 119° do CIRS, pelo que não se subsume à natureza de um acto externo de inspecção.


IX. A informação recolhida junto dos próprios sujeitos passivos ao abrigo do dever de colaboração também não consubstancia um acto externo de inspecção.


X. Não é pelo facto de a informação proveniente de um procedimento de derrogação do sigilo bancário se encontrar na posse de terceiros que o procedimento inspectivo passa a ter a natureza de procedimento externo.


XI. A informação aí recolhida poderá legitimar a abertura de um procedimento de inspecção externo, cujos actos inspectivos se poderão efectuar nas instalações dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, bem como de terceiros.


XII. Consequentemente, não faria qualquer sentido obrigar a AT a iniciar um procedimento de inspecção externa, apenas para efeitos de derrogação do sigilo bancário quando os actos de inspecção se concretizam meramente na análise formal e de coerência de documentos ainda que solicitados a terceiros (in casu, às entidades bancárias).


XIII. Tal obrigatoriedade prejudicaria inclusivamente o disposto no n°4 do artigo 63° da LGT, em que se determina a possibilidade de haver apenas um procedimento de inspecção externo relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, exceptuados os casos em que se apure a existência de factos novos.


XIV. No presente caso não se verificou qualquer alteração do âmbito e extensão do procedimento inspectivo, tendo-se apurado a necessidade de estabelecer uma comparação entre os rendimentos provenientes de juros nos anos de 2011 e 2013, motivo pelo qual a AT iniciou procedimentos de inspecção internos também relativamente a esses anos.


XV. Tais procedimentos inspectivos não carecem de qualquer notificação à Recorrente, na medida em que estamos perante procedimentos de inspecção interna, de mera análise formal e de coerência de documentos.


XVI. Importa evidenciar que apenas os procedimentos de inspecção externa exigem uma notificação prévia do sujeito passivo ou do obrigado tributário, como resulta do n°1 do artigo 49° do RCPITA, havendo, inclusivamente, casos em que se dispensa esta notificação prévia, cfr. alínea a) do n°1 do artigo 50° do RCPITA.


XVII. Pelo que, ainda que estivéssemos perante um procedimento de inspecção externo - o que não sucede - o vício invocado de falta de notificação prévia não se verificaria.


XVIII. A Recorrente demonstra conhecimento do procedimento inspectivo, como se comprova pelas respostas remetidas à AT (anexos IV e VI do PA).


XIX. O despacho de derrogação fundamenta-se nas alíneas b) e c) do n°1 do artigo 63°-B da LGT, onde se afirma expressamente que o acto pode ser praticado "sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos."


XX. Também não colhe o argumento aduzido pela Recorrente de que a decisão de derrogação foi praticada num procedimento de inspecção já findo, por posterior ao decurso do prazo de seis meses.


XXI. O legislador estabelece um prazo de seis meses para o procedimento inspectivo no artigo 36º do RCPITA, prazo que pode ser prorrogado por mais dois períodos de três meses (assim se cumprindo um ano).


XXII. Na verdade, e à luz do disposto no n°1 do artigo 46° da LGT, o legislador atribui um efeito suspensivo da contagem do prazo de caducidade de liquidação dos tributos nos casos em que a AT inicie um procedimento de inspecção externa, quando a sua duração não seja superior a 6 meses (Acórdão do STA de 29/11/2006, processo n° 0695/06).


XXIII. Tal efeito suspensivo resulta da necessidade de os actos de inspecção se efectuarem em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou terceiros (cfr. alínea b) do artigo 13°do RCPITA) o que não se verifica nos procedimentos de inspecção internos, onde não existe qualquer efeito suspensivo.


XXIV. Não se verificam, pois, quaisquer vícios invalidantes no procedimento inspectivo com reflexos na legalidade da decisão proferida.


XXV. Alega a Recorrente que o seu filho manteve troca de correspondência com a AT, tendo fornecido parte de informação bancária respeitante à Recorrente quanto aos anos de 2011 e 2012 e o mesmo carecia de autorização.


XXVI. Sobre os contribuintes impende um dever de colaboração com a AT por força do disposto no n° 4 do artigo 59° da LGT, que compreende, não só o cumprimento de obrigações acessórias previstas na lei como também a prestação de esclarecimentos que a AT lhes solicitar sobre a sua situação tributária.


XXVII. Importa esclarecer que há respostas dadas pela Recorrente no processo, quer por carta, quer por e-mail.


XXVIII. Após o conhecimento de elementos que se pretendem obter na inspecção interna poderá a AT (se entender justificado) iniciar a inspecção externa à contribuinte, respeitante aos anos que se revelem passíveis de tal análise e onde se mostre necessária essa actuação.


XXIX. A razão-base da derrogação do sigilo bancário está identificada: houve um aumento de €188.978,01 de rendimento de juros em 2012, face ao ano anterior, indiciando um aumento de capital investido que não aparece inteiramente justificado.


XXX. Tal informação foi fornecida pelas entidades bancárias à AT (através do envio da declaração Modelo 39, obrigação imposta pelo n°12 do artigo 119° do Código do IRS), e não pela Recorrente, pelo marido, filho ou por qualquer outra pessoa, podendo e devendo ser utilizada para apurar o rendimento real da contribuinte.


XXXI. Alega a Recorrente que nunca recusou colaborar com a AT no que diz respeito ao acesso a documentação bancária e que forneceu todos os extractos bancários das contas à ordem relativas aos anos de 2011, 2012 e 2013.


XXXII. Mais defende que, ainda que estivessem demonstrados os acréscimos patrimoniais injustificados, estes seriam inferiores a €100.000,00 por sujeito passivo individualmente considerado, não se podendo considerar neste âmbito o valor de tais acréscimos no património do casal, apenas se devendo relevar os acréscimos na esfera individual de cada um dos cônjuges.


XXXIII. No que concerne aos acréscimos patrimoniais injustificados, admite a Recorrente possuir um património vasto, que lhe assegura um rendimento considerável e afirma que também a AT conhece tal situação, pelo que pugna pela não verificação dos pressupostos de que depende a aplicação das alíneas b) e c) do n°1 do artigo 63°-B da LGT.


XXXIV. A alínea f) do n° 1 do artigo 87° da LGT não distingue se essa comparação é efectuada por cada cônjuge, se pelo conjunto dos rendimentos do agregado familiar, pelo que a solução se encontra na definição de "sujeito passivo" dada pelo artigo 13° do CIRS.


XXXV. Em relação ao ano de 2012, a AT comprovou a existência de acréscimos patrimoniais no valor de €172.681,33 (depósitos bancários) não justificados pelos rendimentos da Recorrente (de pensões e de juros) que são conhecidos, era a seguinte a redacção daquele preceito: "existindo agregado familiar, o imposto 6 devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direcção."


XXXVI. Pelo que se deve entender que está ultrapassado o limite de €100.000,00 referido na alínea f) do n°1 do artigo 87° da LGT, justificativo da utilização da avaliação indirecta, sendo certo que para aferir a diferença também foram considerados os rendimentos somados do agregado familiar.


XXXVII. Ainda que assim não se entenda, sublinha-se que o despacho de derrogação do sigilo bancário não se sustenta apenas na alínea c) do n°1 do artigo 63°-B da LGT, mas também na alínea b).


XXXVIII. Defende a Recorrente que não estão reunidos os pressupostos para a aplicação da alínea b), na medida em que é evidente a fonte do rendimento.


XXXIX. A AT conhece efectivamente o seu rendimento expresso de juros, mas a sua significativa variação, no prazo de um ano, carece de justificação completa, o que se pretende obter com o despacho que a Recorrente pretende afastar da ordem jurídica.


XL. Desde logo, a Recorrente não provou qual a fonte de rendimento que permitiu o apuramento dos juros vencidos.


XLI. Não colhe, pois, o argumento aduzido pela Recorrente de que os seus rendimentos são sobretudo advenientes de juros bancários e de títulos, que não estão sujeitos a declaração.


XLII. A variação dos juros auferidos (com um acréscimo na ordem dos €188.978,01) indicia a existência de aumentos de capital depositado, o que necessariamente tem de ser explicado pela Recorrente pois tal aumento não pode ser atribuído apenas à capitalização de juros ou a depósito do rendimento da pensão da Recorrente e seu cônjuge.


XLIII. O valor de capital investido, calculado pelos serviços de inspecção da AT, tem por base uma taxa de juro média de 4% (assim se apurando um acréscimo patrimonial de €4.724.450,25.


XLIV. A Recorrente não logrou provar que a totalidade do acréscimo de juros recebidos não resulta de qualquer aumento de capital depositado e também não se encontra demonstrada a proveniência dos incrementos de capital que possam ter originado o acréscimo do valor de juros.


XLV. Verificam-se fortes indícios da falta de veracidade do declarado, pelo que tem plena justificação a decisão de derrogação do sigilo bancário, à luz da alínea b) do n°1 do artigo 63º- B da LGT.


XLVI. A Recorrente alega que o despacho é ilegal, pois viola os princípios da adequação e proporcionalidade, entendendo que, tendo apenas os movimentos no Banco... suscitado dúvidas, a derrogação do sigilo bancário se deveria cingir a essa entidade bancária.


XLVII. O que se indica, de forma expressa, é que no Banco... os montantes dos juros demonstrados no procedimento inspectivo ficam aquém do que a AT conhecia pela comunicação do próprio Banco.


XLVIII. Tal facto pode indiciar a existência de outras contas nessa entidade bancária tituladas pela Recorrente, onde possam ter sido lançados os rendimentos de juros que o Banco declara ter creditado, pois tais juros não aparecem evidenciados nas contas conhecidas pela AT.


XLIX. Não afasta (e até confirma) a necessidade de se perceber as razões da flutuação acentuada do rendimento de capitais da Recorrente questão transversal a todos os Bancos com que se relaciona.


L. Não pode ter-se por verificada qualquer violação dos princípios da adequação e proporcionalidade.


LI. A Recorrente invoca um vício de falta de fundamentação, o que não se verifica.


Lll. Resulta do teor do despacho em causa que a decisão ser alicerça "Nos termos e com os fundamentos constantes da presente Informação da Divisão de Inspecção Tributária IV, da Direcção de Finanças de ..., bem como com os pareceres e despacho nela exarados (...)".


Llll. Na referida Informação, que acompanha e fundamenta o despacho, encontram-se elencados os motivos concretos que justificam a derrogação do sigilo bancário.


Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis e com o douto suprimento de V. Exas., não deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, devendo em consequência manter-se a sentença recorrida que não merece qualquer censura, tudo com as devidas e legais consequências aplicáveis».

Neste Tribunal Central, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no qual se pronunciou, a final, no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza do processo, cumpre agora apreciar e decidir.

II – Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode ser expressa ou tacitamente restringido nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°). Pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos por seguro que, in casu, o objecto do mesmo está circunscrito às seguintes questões:

A) Errou o Tribunal a quo ao ter declarado na sentença como não provado que «A Administração Tributária teve acesso a informação bancária da Recorrente através de terceiro não autorizado», porquanto da prova testemunhal produzida, concretamente dos depoimentos prestados por L... e A..., conjugado com o constante, designadamente, nas alíneas M), N), O), P), R) e S), resulta provado precisamente o contrário, isto é, que «A Administração Tributária teve acesso a informação bancária da Recorrente através de terceiro não autorizado».

B) A sentença recorrida errou de direito ao ter julgado que o despacho impugnado é legal, porquanto:

- Todos os actos de inspecção foram realizados fora do procedimento de inspecção exigível – procedimento de inspecção externa - e a decisão de derrogação do sigilo bancário foi proferida já depois de findo esse mesmo procedimento;

- Assenta em elementos e provas a que a Administração Tributária acedeu através de terceiro ao procedimento e ao qual a recorrente nunca deu autorização para a representar e/ou os facultar ou nesse procedimento ter qualquer tipo de intervenção;

- Não se mostra adequado, nem proporcional, sendo mesmo desnecessário para o apuramento/cálculo do valor de acréscimos patrimoniais que a Administração Tributária entende como injustificados;

- Porquanto aquele se louvou, e não podia, no preceituado no artigo 63.º, n.º 1, alínea b), da Lei Geral Tributária e, ainda, por ser inútil in casu o recurso à derrogação do sigilo bancário para efeitos de se verificar a existência de indícios de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º;

- Assentou em erro sobre os pressupostos de facto e não se encontra suficientemente fundamentado, especialmente no que concerne aos anos de 2011 e 2013 relativamente aos quais a recorrente nunca foi notificada para prestar esclarecimentos ou permitir o acesso a informação bancária.

III – Fundamentação de Facto

3.1. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou como provada e com relevo para a apreciação do mérito dos autos a seguinte factualidade:


A. No ano de 2009 foi declarado pelas instituições bancárias à AT, a colocação à disposição da Recorrente e do seu marido da quantia de €140.804,39, a título de juros [cf. fls. 258 a 265 e fls. 288 a 293 dos autos].


B. No ano de 2010 foi declarado pelas instituições bancárias à AT a colocação à disposição da Recorrente e do seu marido da quantia de €108.588,83, a título de juros [cf. fls. 271 a 275 e fls. 294 a 399 dos autos].


C. No ano de 2011 foi declarado pelas instituições bancárias à AT a colocação à disposição da Recorrente e do seu marido da quantia de €235.694,49, a título de juros [cf. fls. 276 a 280 e fls. 300 a 309 dos autos].


D. No ano de 2012 foi declarado pelas instituições bancárias à AT a colocação à disposição da Recorrente e do seu marido da quantia de €392.436,75, a título de juros [cf. fls. 266 a 270 e fls. 281 a 287 dos autos],


E. Foi emitido um documento com a menção - informação reportada na declaração modelo 39, relativo ao ano de 2012, referente à Recorrente, onde consta que foram colocados à sua disposição rendimentos derivados de juros de cupões obrigações, dividendos, juros corridos de venda e juros de depósito [cf. fls. 223 a 224 dos autos].


F. Entre os anos de 2008 e 2012 o cônjuge da Recorrente efectuou o levantamento, entre outros valores, de vários montantes que perfazem a soma valor de €158.750,00 [cf. fls. 226 a 252 dos autos].


G. Através do ofício n°, de 19-6-2014, da Direcção de Finanças de ... -Inspecção Tributária, dirigido à Recorrente, foi remetida notificação onde constava, nomeadamente que "[d]a análise e cruzamentos efectuados às declarações enviadas pelas entidades competentes, para o ano de 2012, relativa a juros de depósitos bancários a prazo e à ordem, verificou-se existirem acréscimos de rendimentos, em 2012, resultantes de aplicações de capitais, que indiciam um correspondente aumento do capital investido e que se estima discrepante com os valores constantes das declarações de IRS entregues para os anos supra referidos", pelo que foi dado o prazo de 30 dias para que a Recorrente fizesse prova da fonte de rendimentos que justificasse o aumento patrimonial [cf. fls. 55 a 57 dos autos].


H. Em resposta à notificação identificado no ponto anterior, foi apresentado por J..., marido da Recorrente, uma carta manuscrita, onde informava que a esposa não tinha contas bancárias, só as por si tituladas, que era proprietário de um vasto património imobiliário, que costumava comprar e vender acções na bolsa, e que o incremento patrimonial podia justificar-se face a certos investimentos bancários, juntando para o efeito extractos bancários do S..., M..., extractos de contas aforro, resgates e certificados de aforro [cf. fls. 58 a 77 dos autos].


I. A 26-6-2014 foi instaurado procedimento de inspecção interna, através da emissão de ordem de serviço n°…, referente à Recorrente e ao seu marido [cf. fls. do PAT em apenso].


J. Através do ofício n°…, de 12-11-2014, da Direcção de Finanças de ... -Inspecção Tributária, dirigido à Recorrente, foi a mesma notificada da detecção de uma divergência de cerca de €40.655,41 relativamente ao montante de juros auferidos em 2012 em comparação com os auferidos no ano de 2011, discrepante com os rendimentos constantes nas declarações de rendimentos de IRS dos referidos anos de 2011 e 2012, pelo que devia ser apresentada prova da fonte do acréscimo de património que permitiu efectuar as aplicações financeiras que geraram o aumento de juros em 2012; mais foi a Recorrente notificada de que poderia autorizar a consulta pela AT da informação relevante junto das instituições financeiras; informando ainda que a acção interna estava a ser efectuada ao abrigo da ordem de serviço , de 2014.06.26 [cf. fls. 78 a 81 dos autos].


K. A 18.12.2014 foi recepcionado requerimento assinado pela Recorrente onde reitera que não se verificou qualquer aumento de capital depositado nas suas contas bancárias, apenas um aumento dos juros sobre o capital investido, juntando para o efeito declarações emitidas pelos bancos e nas quais constam os valores por si detidos à data de 31.12.2011 e 31.12.2012 [cf. fls. 82 a 98 dos autos].


L. A 2-1-2015 foi remetido pela inspectora tributária A..., via correio electrónico, para o endereço @gmail.com, do filho da Recorrente, onde foi concedido novo prazo de 15 dias para a apresentação de extractos com os movimentos das contas de depósitos tituladas junto dos bancos a fim de justificar o acréscimo de juros ocorrido em 2012 [cf. fls. 99 dos autos].


M. A 30-1-2015 foi remetido através do endereço electrónico @gmail.com, um e-mail para a inspectora tributária A..., com a menção " a) I...", onde consta, nomeadamente: " É importante salientar que sou casada em regime de comunhão geral de bens com J... (…). Como sabe, não entendi necessário autorizar a derrogação de sibilo bancário relativamente ao ano de causa – 2012 (...)", remetendo ainda extractos das contas bancárias do M... BANCO..., S..., Banco ..., S.A., contas aforro, BANCO..., B..., ..., bem como um quadro elaborado com base da informação bancária remetida, e com as justificações de certos movimentos bancários [cf. fls. 100 a 1% dos autos].


N. A 28-2-2015 foi remetido através do endereço electrónico …@gmml.com, um e-mail para a inspectora tributaria A..., onde L... vem apresentar novos elementos de prova, e onde consta, nomeadamente "[e]spero que possamos finalmente encerrar este processo, que tem perturbado imenso a minha Mãe, provocando-lhe inclusive, alguns problemas de saúde adicionais. Como sempre tem acontecido, encontro-me naturalmente ao seu inteiro dispor para quaisquer esclarecimentos, solicitando que os eventuais pedidos de esclarecimentos respeitem o princípio da proporcionalidade. Por último, quero reiterar o meu agradecimento por toda a disponibilidade e boa vontade sempre demonstradas por si ao longo deste processo" [cf. fls. 202 dos autos].


O. A 23-3-2015 foi remetido pela inspectora tributária A..., via correio electrónico, para o endereço de L..., solicitando o envio de extractos bancários reportados a 2011 e 2012, das contas domiciliadas no ..., ..., BANCO... e BANCO..., sem ocultação da descrição, dos valores a débito a crédito e do saldo [cf. fls. 200 e 201 dos autos].


P. A 10-4-2015, foi remetido por L... um e-mail para A..., em resposta ao e-mail identificado no ponto anterior, apresentando justificações adicionais aos movimentos financeiros nas contas dos seus pais, e requerendo o envio da declaração modelo 39, para mais facilmente tentar justificar as divergências detectadas [cf. fls. 208 dos autos].


Q. A 20-4-2015 foi remetido por L... um e-mail para os inspectores tributários A... e P... [cf. fls. 206 dos autos].


R. Em resposta ao e-mail identificado no ponto anterior foi remetido e-mail a 22-4-2015, de A... para L... [cf. fls. 204 a 206 dos autos].


S. A 15-5-2015, foi remetido por L... um e-mail para A..., apresentando justificações adicionais aos movimentos financeiros nas contas dos seus pais [cf. fls. 217 a 219 dos autos].


T. A 2-6-2015 foram emitidas as ordens de serviço n°… e …, referentes à Recorrente relativas aos anos de 2011 e 2013, respectivamente [cf. fls. não numeradas do P AT em apenso].


U. A 12-6-2015 foi elaborada informação por técnico da Inspecção Tributária de Direcção de Finanças de ..., onde consta, nomeadamente o seguinte:

“(…)

I - DERROGAÇÃO DO DEVER DE SIGILO BANCÁRIO AO ABRIGO DAS ALÍNEAS B) E C) DO Nº1 DO ARTIGO 63.°-B DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT)

No âmbito da ação inspetiva ao ano de 2012, que decorre ao abrigo da ordem de serviço n.°, dirigida aos sujeitos passivos I..., NIF , e J..., NIF , ambos com domicílio fiscal na Av. ..., foram analisados os elementos juntos ao procedimento pelos sujeitos passivos, visando-se a deteção dos motivos subjacentes ao acréscimo de rendimentos obtidos em 2012, tributados a taxas liberatórias, comunicados pelas entidades bancárias nas declarações Modelo 39, previstas no artigo 119°, n°12, alínea b) do Código do IRS, na redação dada pelo Decreto-Lei nº72-A/2010, de 18 de junho.

De acordo com informação constante nas declarações Modelo 39 que as entidades bancárias, anualmente e por imposição legal, apresentam junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), verificou-se que, relativamente aos sujeitos passivos acima identificados, foram creditados nas contas bancárias de que eram titulares, nos anos de 2011 e 2012 os seguintes montantes:

Descrição
Juros(2011)
Juros (2012)
Variação
Acréscimo meios financeiros
Rendimento

colectável (201 2) x2

Acréscimo Patrimonial (eventual)
A
B
C
D=C-B
E=D/4%
F
G=E-F
Juros obtidos
145.164,98
334.142,99
188.978,01
4.724.450,25
16.336,72
4.708.113,53

Quadro l

Os valores constantes na Modelo 39 enviada pelas entidades bancárias como tendo sido pagos aos sujeitos passivos a título de juros de depósitos à ordem / prazo e outros rendimentos, com o código de rendimentos 03 - constam da tabela que se segue, com discriminação da entidade bancária:
Entidade Declarante
2011
2012
Variação

(2012-2011)

CAIXA..., NIF …
52.245,02
16.685,14
-6.859,89
BANCO..., S.A., ….
18.735,89
-18.763,89
BANCO... S.A., NIF…
17.153,80
131.765,65
114.684,75
BANCO ..., SA., NIF…
9.270,80
42.186,88
32.93,38
BANCO..., S.A., NIF…
26.559,55
110.603,32
86.933.67
BANCO..., S.A.,NIF ….
12.673,62
-12.673,62
A..., NIF …
5.349,39
-8.549,39
TOTAL
145.154.98
334.142,99
188.273,01
Quadro 2


De acordo com o constante das tabelas que antecedem, verifica-se um acentuado acréscimo de juros obtidos em 2012 (valor indicado na coluna D), comparativamente com os do ano anterior. Atento tal acréscimo de juros, foi estimado, tendo em conta uma taxa média de juros de 4%, que lhe corresponderia uma aplicação de meios financeiros de montante elevado (valor indicado na coluna E). Essa estimativa não se revela compatível com o dobro do rendimento coletável correspondente aos rendimentos declarados pelos contribuintes no ano de 2012 (valor indicado na coluna F).

Consultada a Modelo 3 de IRS referente aos rendimentos do ano de 2012, constatou-se que aqueles declararam um rendimento bruto no montante de €12.272,36, a que corresponde um rendimento colectável de € 8.168,36.

Pelo que se considerou existirem indícios de acréscimos de património não justificados (valor indicado na coluna G), tal como são definidos na alínea f) do nº1 do artigo 87 da Lei Geral Tributaria (LGT).

Consequentemente, procedeu-se ao envio de notificação, através do ofício n°, de 19-06-2014 (Anexo I) para o domicílio fiscal do sujeito passivo, para vir comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e que é outra a fonte dos acréscimos patrimoniais estimados, tendo em conta os rendimentos de juros comunicados pelas entidades bancárias, através da Modelo 39.

Em resposta foram enviados alguns elementos, nomeadamente, extratos de contas aforro e documentos de resgate, extratos de contas poupança tituladas no ..., e ainda um extrato de conta de depósitos à ordem detida no Banco... e referente ao mês de julho de 2010 (Anexo II, processo GPS n°, entrada n°).

Da análise desses elementos, concluiu-se serem os mesmos insuficientes para demonstrar a razão do acréscimo de rendimentos de juros pagos pelos Bancos aos sujeitos passivos, em 2012, comparativamente com os pagos no ano anterior.

Face a tal, em 2014-11-12, foi enviado o ofício n° (Anexo 111) à contribuinte, através do qual foram solicitados extratos bancários com os movimentos das contas de depósitos domiciliadas junto das entidades bancárias em causa, com referência ao período compreendido entre 2011-01-01 e 2012-12-31.

Em 2014-12-18 foram juntos novos elementos (Anexo IV, entrada GPS n°), nomeadamente, uma exposição subscrita pela contribuinte, na qual informa, em síntese, que "No ano de 2012, não se verificou aumento do capital investido nesses bancos em conjunto" (...) "Verifica-se, pois que o capital investido aumentou em 2012 no valor de € 19.744,05, valor este atribuível ao pagamento de juros remuneratórios capitalizados. De todos estes elementos resulta, pois que, contrariamente ao afirmado nas notificações a que se responde, não ocorreu qualquer acréscimo do capital investido ano de 2012, mas apenas aumento dos juros remuneratórios sobre o capital investido."

Juntou, para tanto, declarações emitidas pelos bancos e das quais constam os valores detidos pela contribuinte I... nos referidos bancos à data de 31-12-2011 e 31-12-2012.

Mais uma vez se considerou que os elementos adicionais enviados não eram passíveis de demonstrar a conexão entre os meios financeiros e o aumento dos juros pagos pelos bancos em 2012, comparativamente com os pagos no anterior.

Nesse seguimento, foi enviado e-mail em 2015-01-02 (Anexo V) a insistir na junção ao procedimento inspetivo de extratos com os movimentos das contas de depósitos à ordem tituladas junto dos bancos em causa e referentes ao período temporal supra indicado, a fim de nos ser possível apurar a razão do acréscimo de juros ocorrido em 2012.

Em resposta, rececionámos, em 2015-01-30, extratos das contas de depósitos à ordem domiciliadas nas instituições bancárias constantes no Quadro 2 que antecede, com referência a 2012 (Anexo VI, entrada GPS n.° ).

Analisados os elementos enviados, mais uma vez se constatou que, pese embora necessários ã análise em curso, tais elementos revelam-se insuficientemente esclarecedores da razão do significativo aumento dos juros obtidos pelo casal em 2012, dado que se pôde verificar que os depósitos que geraram rendimentos em 2012 foram constituídos no ano anterior.

Face a tal, solicitámos novamente aos sujeitos passivos, através de mail de 2015-02-06 (Anexo VII), extratos das mesmas contas, mas reportados a 2011, visando-se detetar se os meios financeiros aplicados na constituição dos depósitos existentes e que geraram juros em 2012 já existiam na esfera patrimonial do casal em 2011-01-01 ou se correspondiam a incrementos de capital ocorridos nas contas ao longo dos anos de 2011/2012.

II - CONCLUSÕES DA ANÁLISE EFECTUADA AOS EXTRACTOS BANCÁRIOS ENVIADOS A RESPEITO DO AUMENTO DOS RENDIMENTOS OBTIDOS

De referir que, antes de mais, para além dos extratos das contas tituladas nos Bancos que comunicaram, em 2012, rendimentos superiores aos comunicados no ano anterior, foram ainda juntos ao procedimento extratos das contas detidas junto da CAIXA..., Banco..., S.A e B....

Acrescente-se, porém, que relativamente a estes Bancos, apenas o ... comunicou o pagamento de rendimentos aos sujeitos passivos em 2012, os quais, no entanto, foram inferiores aos obtidos em 2011.

Não obstante, analisados os sobreditos extratos, não foram assinalados quaisquer factos materialmente relevantes para a análise em causa,

Foram objeto de análise os elementos bancários enviados, nomeadamente, os referentes as contas tituladas no Banco..., SA, ..., S.A. e BANCO..., S.A. (BANCO...), entidades que comunicaram o pagamento de rendimentos (juros) em 2012 de montante superior ao que havia sido pago no ano anterior, e que resultaram no acentuado acréscimo de rendimentos constante do Quadro 2 que antecede.

Da análise dos extratos bancários enviados e relativos ao BANCO... (Anexo VI, fls. 3/94 a 28/94) e ... (Anexo VI, fls. 37/94 a 55/94), verificou-se o crédito dos rendimentos comunicados e conclui-se que os meios financeiros que os geraram já eram detidos pelos sujeitos passivos em anos anteriores.

Na análise dos extratos bancários das contas tituladas pelo casal junto do Banco..., S.A (Anexo VI, fls. 62/94 a 81/94), não se conseguiu identificar a totalidade dos rendimentos comunicados na declaração Modelo 39, conforme se passa a demonstrar:

Data movimento
Rend. bruto
ISR retido
Rend.líquido
29-02-2012
16,76
4,19
12,57
06-04-2012
515,55
128,89
386,67
06-04-2012
44,44
11,11
33,33
22-08-2012
34.026,29
8.506,37
25.519,72
22-08-2012
23.576,50
5,894,13
17.682,37
22-08-2012
47.492,11
11.873,03
35.619,08
27-10-2012
2.636,11
659,03
1.977,08
27-10-2012
262,51
55,53
196,88
Total
108.570,20
27.142,58
81.427,70
Modelo 39 - Cód. 03 NIF
129.521,31
32.677,32
Modelo 39 - Cód. 03 NIF
2.247,24
559,51
Total Modelo 39
131.768,55
-35,246,89
Divergência
-23.198,27
-6.104,25

Quadro 3


Conforme evidencia a tabela que antecede, do confronto dos valores apurados, tendo em conta os extratos enviados, com os rendimentos do tipo 03 comunicados por esta instituição, através da Modelo 39, foi apurada uma divergência fixada em €23.198,27.

De notar que, da análise aos sobreditos extratos, pode concluir-se que não foram juntos ao procedimento os extratos mensais completos, mas apenas algumas páginas dos mesmos.

Dado que os montantes apurados ficaram aquém dos comunicados pela instituição, poder-se-á aventar a possibilidade de existência de outras contas tituladas nesta instituição nas quais pudessem ter sido creditados rendimentos.

Por outro lado, a divergência pode dever-se ao facto de o descritivo da grande maioria dos movimentos a crédito evidenciados nos extratos em análise ter sido ocultada, o que poderá ter determinado a não deteção de valores que possam ter sido creditados a titulo de juros e outros rendimentos.

Nesse seguimento, solicitou-se ao sujeito passivo, por e-mail datado de 2015-03-23 (Anexo VIII), o envio dos extratos mensais com todas as páginas que os integram, contudo, sem sucesso.

No decurso da referida análise aos extratos referentes a 2012, verificou-se que os sujeitos passivos já titulavam as seguintes contas de depósitos a prazo:

Aplicações a prazo Saldo
DP normal €514,899,78
DP normal €356.769,27
DP normal €712.827,12
DP normal €40.000,00


Quadro 4



Analisado o extrato da conta à ordem, relativo ao mês de agosto de 2012 (fls. 76/94), constata-se que se venceram as aplicações a prazo de maior valor e que constam da tabela anterior. Do descritivo dos movimentos de crédito dos juros respeitantes a tais aplicações, retira-se que estas foram constituídas em agosto de 2011, o que, aliás, é referido nas explicações juntas ao procedimento (Anexo VI fls. 8/94).

No que toca ao depósito a prazo no montante de €40.000,00, afirmaram, que este foi "( ... ) constituído em 2011-10-28 (...). Os meios financeiros que permitiram a constituição deste DP provieram do saldo à ordem existente á data (juros entretanto vencidos) + depósito de um cheque, no valor de €25.795,00, sacado sobre a conta do .... Esta conta no ... é a conta na qual é paga a pensão e onde o casal vai aplicando eventuais poupanças" (fls. 8/94). Os extratos do BANCO... e ... carreados para o procedimento confirmam o esclarecimento prestado.

Face aos esclarecimentos obtidos, considerou-se demonstrada a proveniência dos meios financeiros que os sujeitos passivos aplicaram na constituição, em 2011, da generalidade dos depósitos a prazo que deram origem aos rendimentos de juros pagos pelo BANCO... em 2012.

No entanto, quanto ao depósito a prazo de € 40.000,00, tal como adiante se descreve (ver ponto 2 do capitulo IV - CONCLUSÕES I PROPOSTAS), não se encontra justificada a origem dos meios financeiros aplicados, o que também fundamenta a necessidade de acesso à informação bancária.

III - FUNDAMENTAÇÃO DA DERROGAÇÃO DO DEVER DE SIGILO BANCÁRIO -ALÍNEAS B) E C) DO Nº1 DO ARTIGO 63.°- B DA LGT

Para além dos movimentos a crédito considerados justificados, dado que provêm do vencimento de aplicações ou de valores detidos noutras contas bancárias, foram ainda identificados inúmeros outros efetuados com carácter sistemático ao longo de todo o ano de 2012, os quais, pese embora pouco avultados quando considerados isoladamente, ascendem ao valor anual total de €172.681,33.

Observou-se, contudo, que a descrição de tais movimentos a crédito foi deliberadamente ocultada, desconhecendo-se assim a origem de tais montantes, os quais fizemos constar da tabela que constitui o Anexo XII.

De referir que, relativamente aos valores evidenciados com a descrição "Depósito de numerário", limitaram-se a informar que respeitam a poupanças do casal (Anexo VI, fls. 4/94).

Através de e-mail de 2015-02-06, foram pedidos esclarecimentos aos sujeitos passivos com vista a revelarem a proveniência de todos os valores creditados com o descritivo ocultado e novamente em 2015-03-23, pela mesma via. Reiterou-se o pedido em 2015-04-22, porém, sem êxito (Anexos VII ,VIII e IX).

Instados a tal, por inúmeras vezes, os sujeitos passivos não esclareceram a origem dos valores detetados, nem deram consentimento à Autoridade Tributária para acesso a informação bancária de que são titulares junto das entidades bancárias (cfr. Anexo VI, 1/94 e 2/94, Anexo X e Anexo XI).

Perante a factualidade exposta, considera-se que os movimentos a crédito assinalados nas contas detidas pelo casal em regime de contitularidade e que ascendem ao montante global supra descrito, porque não justificada a respetiva origem, encontram acolhimento na norma contida na alínea f) do nº1 do artigo 87° da LGT, consubstanciando uma divergência não Justificada superior a €100.000,00 entre o acréscimo de património evidenciado e os rendimentos declarados:

Descrição
Valores
Valores creditados no BANCO...
138.473,95
Valores creditados no ...
29.071,50
Valores creditados no ...
1.000,00
Valores creditados no BANCO...
4,135,88
Total dos valores creditados
172,681,33
Rend líquido declarado pelo agregado familiar (casal)
8,168,36
Acréscimos de património não justificados
164,512,97


Quadro 5



Consideram-se, assim, reunidos os pressupostos da aludida norma para recurso à avaliação indireta, pelo que, nesta situação, consigna o n°3 do artigo 89.°-A da LGT, que cabe ao sujeito passivo comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e que é outra a fonte do acréscimo de património evidenciado.

E mais dispõe o n°11 do art.89°-A da LGT que a avaliação indireta no caso da alínea f) do n°1 do artigo 87° deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária.

Perante o acréscimo de património evidenciado nos extratos bancários Juntos ao procedimento inspetivo, é manifesta a incongruência face ao rendimento coletável do casal com referência ao mesmo ano (2012).

Desta forma, face aos rendimentos declarados, não parece justificação suficiente de per si que para alguns dos valores depositados refiram simplesmente que se trata de "Depósito de poupanças do casal (cfr. Anexo VI, folhas 3/94 verso e 4/94, a titulo exemplificativo), quando estamos na presença de depósito de valores que ascendem a € 14.400,00, € 3.000.00. € 5.595,00 e € 11.500,00, nada dizendo relativamente aos demais valores detetados.

Ora, em conformidade com o que dispõe a alínea c) do nº1 do artigo 63.°-B da LGT, a administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do nº1 do artigo 87°.

Afigura-se-nos assim que a situação factual supra exposta se enquadra na alínea f) do nº1 do artigo 87.° da LGT. e por consequência, segundo estatui a aludida norma contida na alínea c) do nº1 do artigo 63.°-B da LGT, encontra-se a Autoridade Tributária (AT) legitimada a aceder à informação bancária titulada pelo casal, sem dependência do seu consentimento.

Confrontado o Sr. L..., filho do casal e nosso interlocutor nesta ação de inspeção, com este enquadramento, considerou que a al. f) do nº1 do artigo 87° da LGT não é aplicável a este caso concreto, dado que, se estamos na presença de depósitos não justificados de valor total inferior a €200.000,00.nas contas co-tituladas pelos seus pais (2 titulares), entende ser imputável, a cada um, quantia inferior a €100.000,00. Deste modo, em sua opinião, não resulta a deteção de acréscimos de património superiores a € 100.000,00, face aos rendimentos declarados, pelo que não é aplicável a citada al. f) (Anexo X).

Da parte da Inspeção Tributária não foi dado acolhimento a este entendimento, em virtude de considerarmos que a diferença entre os valores depositados e os rendimentos declarados é superior a €100.000,00, sendo que a apreciação deve ser aferida em relação ao casal. Por um lado, estamos na presença de depósitos de capital imputáveis ao casal e, por outro lado, na determinação do suposto acréscimo não justificado, também estamos a considerar os rendimentos declarados por ambos os titulares.

Acresce ainda referir, a este propósito, que a análise de extratos bancários que revelem todos os movimentos e respetivas descrições sem rasuras ou ocultações pode ainda revelar a existência de outros incrementos de capital e, por esta via, o total dos valores não justificados poder ascender a valores superiores ao mencionado no Quadro 5.

De qualquer modo, também se entende que sempre assiste à AT o poder de aceder a informação bancária respeitante ao casal sem dependência do seu consentimento, ao abrigo da alínea b) do citado nº1 do artigo 63°-B, quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado1 ou esteja em falta declaração legalmente exigível.

Os factos vertidos supra legitimam-nos a concluir pela existência de indícios concretos de falta de veracidade do declarado na Modelo 3 de IRS de 2012, porquanto os valores creditados nas contas tituladas pelo casal e constantes do Quadro 5 - e cuja origem se desconhece - revelam uma capacidade financeira do casal que não é justificada pelo rendimento anual declarado à AT no ano de 2012 (rendimento coletável de €8.168,36).

Analisados os rendimentos declarados pelo casal na declaração Modelo 3 de IRS desde o ano de 2007, conclui-se que tais rendimentos correspondem unicamente a pensões auferidas pelo Sr. J..., os quais não justificam os valores depositados em 2012:

Descrição
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
Rendimentos Sr. J...
13.293,84
13.623,44
13.908,16
14.047,18
14,047,18
12,272,36
14,047,14
Rendimentos Sra. I...
Total dos rendimentos declarados
13,223,84
13.623,44
13.908,16
14.047,18
14.047,18
12,272,36
14.047,14
Rendimento colectável
7.133,84
7.623,44
7.908,16
8.047,18
8.047,18
8.168,36
9.943,14


Quadro 6



Tratar-se-á, assim, de se aferir, a coberto da citada al. b) do nº1 do art. 63º-B da LGT, da veracidade dos rendimentos declarados na Modelo 3 de I RS apresentada pelo casal relativamente a 2012.

Aquando do envio do Oficio n°, de 19/06/2014, a acompanhar o referido ofício foi remetida aos sujeitos passivos uma declaração para o efeito de autorizar ou não a AT a aceder a informação bancária aos mesmos respeitantes, porém, a dita declaração não foi remetida a estes Serviços.

Perante a recusa dos sujeitos passivos na prestação de esclarecimentos acerca da origem dos valores creditados nas contas e cuja descrição deliberadamente ocultaram, bem como a não autorização à AT para acesso a informação bancária de que sejam titulares, considera-se que só através da análise dos extratos bancários integrais será passível determinar a origem dos referidos montantes creditados, alcançando-se dessa forma a verdade material acerca da situação tributária dos sujeitos passivos.

IV - CONCLUSÕES/PROPOSTAS

Face ao descrito no ponto anterior, somos do entendimento de que o mecanismo da derrogação do sigilo bancário se revela, in casu, indispensável pala a descoberta da verdade material acerca da real situação tributária do casal.

De acordo com o consagrado no artigo 58º da LGT, de que a administração tributária deverá "(...) no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material,(... )" propõe-se que seja solicitado junto da Exma. Sr.ª Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, autorização para aceder a todas as Informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento dos titulares dos elementos protegidos, nos termos do artigo 63.°-B, n°4 da LGT, relativamente aos anos de 2011, 2012 e 2013, pelos seguintes motivos:

1. Nas contas analisadas foram detetados depósitos de montantes passíveis de serem qualificados como acréscimos patrimoniais não justificados, tal como são definidos na al. f) do nº1 do artigo 87°, da LGT;

2. Que ao realizar aplicações financeiras com a mobilização, ainda que parcial, do respetivo saldo da conta à ordem, são aplicados os meios financeiros depositados, cuja origem não foi justificada. De facto, embora o depósito a prazo no montante de €40.000,00, antes referido, constituído no BANCO... e que resulta da aplicação de valores provenientes da conta no ... e de parte do saldo da conta à ordem detida no BANCO..., tenha sido constituído em 2011-10-26, conforme acima se referiu, deduz-se que em 2011 existam idênticos depósitos aos efectuados em 2012, para os quais não foi dada justificação. A confirmar-se a existência desses depósitos em 2011, obviamente que se concluiria que aquela aplicação resulta de acréscimos de património não justificado.

3. Que a análise dos rendimentos comunicados pelo BANCO... na Modelo 39 não se encontra concluída pelo facto de não terem sido fornecidos todos os extratos bancários de 2012, de modo a confirmarmos o crédito de todos os rendimentos comunicados e sua conexão com os meios financeiros que os geraram;

4. Que a não justificação do deposito de valores não compatíveis com os rendimentos declarados em sede de IRS, ano de 2012, também é passível de ser considerada como indicio de falta de veracidade do declarado, nos termos da al. b) do nº1do artigo 63.°-B da LGT, dado que os rendimentos declarados resumem -se a pensões de valor reduzido, conforme anteriormente evidenciado;

5. Não obstante termos solicitado por diversas vezes o envio de extratos bancários integrais referentes aos anos de 2011 e 2012 para suportar a análise que se impunha, os sujeitos passivos apenas juntaram extratos bancários de 2012 com ocultação parcial do seu teor, estando em falta, ainda assim, alguns dos extratos relativos ao BANCO..., enviaram ainda, da forma avulsa, algumas das folhas integrantes de extractos bancários de 2011;

6. Cremos, ainda, que as anomalias detetadas em relação aos valores depositados no ano de 2012 se verificam igualmente nos anos de 2011 e 2013, pelo que, em nosso entender, se Justifica a derrogação do dever de sigilo relativamente a informação bancária respeitante aos contribuintes em análise, para os anos de 2011, 2012 e 2013;

7. Para efeitos de Justificação do acesso a dados bancários de 2011 e 2013, foram emitidas as ordens de serviço internas com os n.°s , para esses anos, respetivamente.

[cf. fls. 49 a 63 dos autos].


V. A 20.08.2015, foi proferido despacho assinado por H…, na qualidade de Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, onde consta, nomeadamente, o seguinte:

"Nos termos e com os fundamentos constantes da presente Informação da Divisão de Inspeção Tributária IV, da Direção de Finanças de ..., bem como com os pareceres e despacho nela exarados, verificando-se os condicionalismos previstos nas alínea b) e c) do nº1 do artigo 63.° - B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo n°4 do citado normativo, autorizo que funcionários da Inspeção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que sejam titulares os sujeitos passivos l, com o NIF e J..., com o NIF , relativamente aos anos de 2011, 2012 e 2013.» [cf. fls. 52 dos autos]


W. O despacho identificado no ponto anterior, bem como a informação, despacho e pareceres para que o mesmo remete, foram notificados à Recorrente através do ofício n°, de 28.08.2015, da Direcção de Finanças de ... [cf. fls. 40 dos autos do processo principal].


X. A 18.09.2015 foi interposto recurso contra a decisão identificada no ponto anterior [cf. informação do SITAF a fls. 3 dos autos do processo principal]»

3.2 Mais ficou consignado, a título de «Factos não provados» que:

«1. A AT teve acesso a informação bancária da Recorrente através de terceiro não autorizado [fundamentação adiante].

Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir»

3.2. Em sede de «Motivação da decisão de facto» ficou consignado que a convicção do Tribunal assentou «no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.

A prova testemunhal produzida nos presentes autos centrou-se na questão de saber se a informação prestada no procedimento de inspecção tributária por L..., filho da Recorrente, foi efectuado à margem do conhecimento dos seus pais, ou se em representação dos mesmos.

Assim, foram ouvidos L..., A... - a inspectora tributária responsável pelo procedimento de inspecção, e P - o inspector tributário chefe de equipa de inspecção. Embora tivesse sido arrolado como testemunha o marido da Recorrente, o mesmo apresentou requerimento onde exerceu o seu direito de recusa de testemunho, nos termos do artigo 497°, nº1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT, apresentando ainda atestado médico com vista a justificar a sua não comparência em tribunal.

Dos testemunhos produzidos fomos confrontados com duas versões dos acontecimentos, a referente a L... que afirmou que os seus pais (e a sua mãe em particular no que concerne aos presentes autos) nunca souberam que ele se encontrava a trocar correspondência com a inspecção tributária. Disse que a primeira intervenção que teve no procedimento, data de Junho de 2014, decorreu no facto do seu pai lhe ter pedido para ligar à inspectora responsável pela acção de inspecção, com vista a saber o ponto de situação daquele procedimento, uma vez que ele já tinha ligado várias vezes e que apesar de lhe informarem que o procedimento iria ser concluído em breve, tal ainda não tinha acontecido, o que lhe causava grande ansiedade. Após essa data, e a partir de Novembro de 2014 começou a trocar uma série de emails com a inspectora A..., com vista a apresentar explicações quanto à proveniência dos montantes questionados pela AT, sempre utilizado informação bancária que havia solicitado ao seu pai, mas sem que este soubesse para que efeito.

Por outro lado, testemunharam os inspectores tributários, e em particular A..., uma vez que era a técnica responsável pelo procedimento, e que interagiu de perto com L..., que a intervenção deste decorreu do facto dos seus pais terem já alguma idade e serem ambos doentes, pelo que aquele procedimento de inspecção lhes trazia bastante ansiedade. Disseram que era normal ser indicado um interlocutor nos procedimentos de inspecção que podia não ser o próprio contribuinte inspecionado (p.e., um contabilista), e que aceitaram a intervenção de L... para facilitar o diálogo, uma vez que este revelava ter todos os conhecimentos necessários para responder às questões colocadas, apresentando ao processo extratos bancários e explicações de tal forma pormenorizadas que nunca consideraram que pudessem ser obtidas sem o conhecimento da Recorrente e do seu marido.

Do confronto entre os testemunhos prestados e os documentos constantes nos autos, concluímos que a versão apresentada por L..., filho da Recorrente, não parece credível. Face ao detalhe da informação bancária prestada e das explicações quanto aos movimentos financeiros, seria pouco credível que a mesma pudesse ser prestada sem a colaboração dos seus titulares. É certo que L explicou que pediu toda a informação bancária ao seu pai, a pretexto de a ter disponível caso fosse necessário em sede do procedimento de inspecção, contudo, pelas regras da experiência, tal explicação não parece crível. Da mesma forma que não parece crível que J..., alguém que estava tão preocupado com o encerramento da acção de inspecção, e que ligava amiúde para a inspectora responsável pela acção de inspecção de repente, e após a intervenção do seu filho do procedimento, tenha perdido interesse no mesmo, não voltando a questionar nem o filho, nem a AT, quanto ao resultado da acção de inspecção.

Da troca de emails vertidas nos factos assentes, bem como da ausência de testemunho de J... face ao seu estado de saúde, é possível concluir que estamos perante um casal de idade e com problemas de saúde, tendo delegado no seu filho a interação com a inspecção tributária, pelo que não resulta prova dos autos que a informação prestada por este tenha sido efectuada sem o consentimento dos seus pais».

Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662,º do código de processo Civil, acorda-se em aditar ao probatório a seguinte factualidade:

Z) Após ter sido notificado para estar presente em Tribunal no dia 2 de Dezembro de 2015, a fim de prestar depoimento, J... veio apresentar requerimento onde, para além do mais, expressamente declarou o seguinte: «Acresce salientar que o ora Requerente padece de doença cardiovascular grave, estando proibido pelo seu médico de submeter-se a situações de elevada carga emocional, conforme, incontestavelmente, ocorreria, caso tivesse que deslocar-se a esse Tribunal para prestar depoimento(cfr. fls. 367 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

AA) A 14 de Junho de 2014, L..., filho de J... e da Recorrente, e nessa qualidade, telefonou para a Inspectora que à data era a responsável pela condução do procedimento inspectivo em apreço nestes autos, tendo em vista informar-se sobre o estado do mesmo procedimento, data após a qual passou a interagir com a Administração fiscal nos termos apurados nos factos antecedentes (Depoimento de L...).

IV. Fundamentação de Direito

Como deixámos devidamente identificado na delimitação que realizámos do objecto do presente recurso, as questões ou erros que se mostram imputados ao julgado são nuclearmente de dois tipos: erro no julgamento realizado sobre a matéria de facto e erro de direito.

4.1. Considerando que só a devida estabilização da matéria de facto permitirá com segurança aferir do acerto do julgamento de direito realizado, será, pois, pelas questões colocadas sobre o probatório que iniciaremos a apreciação do presente recurso.

Nesse sentido, comecemos por consignar que a sindicância da matéria de facto em sede de recurso e o “controlo” que o Tribunal ad quem pode e deve realizar da convicção formada pelo julgador, cingida, como é sabido, à prova produzida na instrução e julgamento da causa, tem diversos limites, relevando dentro destes, e para efeitos da questão que agora enfrentamos, os que decorrem da falta de oralidade e de imediação - o Tribunal ad quem, no que concerne à prova testemunhal produzida, está limitado ao que consta das gravações – e o dever imposto ao Tribunal de 2.ª instância de apenas alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo Recorrente impuserem decisão diversa da proferida (artigo 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil).

A propósito dessa “imposição” e tendo em vista um esclarecimento rigoroso do alcance que a este conceito deve ser atribuído, a jurisprudência tem vindo a salientar que “impor decisão diversa da recorrida” não significa admitir uma decisão diversa da recorrida, possuindo um alcance mais preciso e impositivo «no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto, sendo necessária uma efectiva demonstração, através da argumentação deduzida e da análise das provas convocadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente à matéria impugnada é impossível ou desprovida de razoabilidade.». Ou seja, é necessário que «dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa», sendo «por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”».(1)

Desde logo, porque o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não deve aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. Dito de outro modo, da consagração da garantia de um duplo grau de jurisdição da matéria de facto não deve extrair-se o entendimento de que o legislador quis afastar ou questionar o princípio da livre apreciação da prova atribuído ao tribunal da 1ª instância, uma vez que é inequívoco que para a formação da convicção do julgador contribuem simultânea ou conjugadamente elementos racionalmente demonstráveis e elementos que dificilmente podem «ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.».

Aliás, como lapidarmente vem afirmando a nossa doutrina, «tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.», sendo manifesto que «a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância», havendo «aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores». (2)

No mesmo sentido tem avançado a jurisprudência: «a gravação da prova, pela sua própria natureza não pode reproduzir todas as circunstâncias em que um determinado depoimento se processou, não podendo assim evidenciar tudo aquilo que é perceptível apenas através do concretizar do principio da imediação, não tornando assim acessível ao tribunal superior o controlo de todo o processo que habilitou o tribunal "a quo" a decidir como decidiu, o que tudo aconselha um particular cuidado aquando do uso pelo tribunal "ad quem" dos poderes de reapreciação dos pontos controvertidos da matéria de facto». (3)

Tudo, porque num sistema de livre apreciação da prova (contrariamente ao que ocorre no sistema da prova legal, em que a conclusão a extrair da prova está legalmente predeterminada) «o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.». (4)

Necessário e imprescindível é, pois, que nesse seu livre exercício de convicção, o Tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado», devendo para o efeito analisar criticamente as provas e especificar quais os fundamentos que foram decisivos para que formasse a sua convicção. Isto é, exigível e inultrapassável, é que o Tribunal indique concretamente as razões que o determinaram a fixar a factualidade nos termos e sentido em que o fez (artigo 607.º n.º 4, 1ª parte do Código de Processo Civil), o que pressupõe que seja exteriorizado «o fio condutor entre a decisão da matéria de facto (resultado) e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção (fundamentos), fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes». (5)

É neste contexto que deve ser entendida a tese - que partilhamos - de que, estando a decisão da matéria de facto devidamente fundamentada e personificando uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, a mesma, por força do princípio do julgamento segundo a livre convicção do juiz que vigora no nosso ordenamento jurídico (6) - ressalvadas as situações que o legislador expressamente subtraiu a essa regra, como sejam os casos em que é exigido, para prova de um facto determinada formalidade especial (7) -, é inatacável. (8)

São estas as razões que estão na base da orientação que a jurisprudência maioritariamente acolhe de que «o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição», por ser evidente que «só perante tal situação [de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão] é que haverá erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não compete a este tribunal ad quem sindicar». (9)

Daí que, quando a decisão da matéria de facto assentar fulcralmente na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum ou que esse juízo assentou numa apreciação da prova absolutamente incompatível com ela (designadamente quando, assentando na prova testemunhal produzida, as declarações prestadas sejam num sentido e em sede de fundamentação lhe ser apontado outro).

Em suma, para que seja realizada uma alteração da matéria de facto, quando esta assentou na livre convicção do julgador objectivamente exteriorizada, não é suficiente a invocação de uma divergência em relação ao que naqueles termos foi decidido, antes sendo essencial que se alegue e demonstre através da concreta prova produzida que houve erro manifesto na apreciação do seu valor probatório, porque «o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si». (10)

No fundo, é a ideia, que não pode deixar de se ter presente, de que nos casos em que os factos tem como principal fonte probatória a prova testemunhal, a alteração da factualidade apurada só deve realizar-se quando os elementos fornecidos pela análise do processo, incluindo os concernentes à prova testemunhal que haja sido gravada, imponham de forma clara, decisiva e forçosamente essa alteração e não quando a análise dessa prova possa apenas sugerir ou possibilitar decisão diversa da matéria de facto. (11).

Assim, ao Tribunal de recurso, observados que estejam os requisitos formais de impugnação legalmente fixados, impõe-se a reapreciação da matéria de facto na parte questionada, atendendo nessa reapreciação a toda a prova invocada [seja qual for a sua natureza: documental, pericial ou testemunhal (reduzida a escrito ou registada sob o sistema áudio ou vídeo), o que deverá fazer independentemente da maior ou menor extensão da fundamentação que o Tribunal a quo haja aduzido como suporte da sua convicção, por não ser legitimo ao Tribunal de recurso prescindir dessa análise com o argumento de que a fundamentação exteriorizada pelo Tribunal de 1ª instância é extensa e rigorosa. (12)

Foi, pois, perante a questão que nos foi colocada, tendo presentes as referidas imposições legais e os ensinamentos jurisprudenciais e doutrinais que à sua luz têm sido desenvolvidos - e por ser evidente que os termos em que a impugnação da matéria de facto foi apresentada em recurso observou as exigências de forma impostas pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil - que partimos para a apreciação e decisão da questão do “erro manifesto” na valoração dos depoimentos prestados que estiveram na base da formação da convicção do julgador, procedendo, para esse efeito, à audição dos referidos depoimentos.

Antes, porém, de salientarmos o que deles colhemos, importa recordar que o concreto ponto da matéria de facto que vem questionado, e por cuja alteração e fixação em sentido inverso a Recorrente pugna, está integrado no probatório na parte relativa aos factos não provados e tem a seguinte redacção:

«1. A AT teve acesso a informação bancária da Recorrente através de terceiro não autorizado [fundamentação adiante].»

E que a convicção do Tribunal subjacente a essa consagração foi exteriorizada nos seguintes termos:

«A prova testemunhal produzida nos presentes autos centrou-se na questão de saber se a informação prestada no procedimento de inspecção tributária por L..., filho da Recorrente, foi efectuado à margem do conhecimento dos seus pais, ou se em representação dos mesmos.

Assim, foram ouvidos L..., A... - a inspectora tributária responsável pelo procedimento de inspecção, e P - o inspector tributário chefe de equipa de inspecção. Embora tivesse sido arrolado como testemunha o marido da Recorrente, o mesmo apresentou requerimento onde exerceu o seu direito de recusa de testemunho, nos termos do artigo 497°, nº1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT, apresentando ainda atestado médico com vista a justificar a sua não comparência em tribunal.

Dos testemunhos produzidos fomos confrontados com duas versões dos acontecimentos, a referente a L... que afirmou que os seus pais (e a sua mãe em particular no que concerne aos presentes autos) nunca souberam que ele se encontrava a trocar correspondência com a inspecção tributária. Disse que a primeira intervenção que teve no procedimento, data de Junho de 2014, decorreu no facto do seu pai lhe ter pedido para ligar à inspectora responsável pela acção de inspecção, com vista a saber o ponto de situação daquele procedimento, uma vez que ele já tinha ligado várias vezes e que apesar de lhe informarem que o procedimento iria ser concluído em breve, tal ainda não tinha acontecido, o que lhe causava grande ansiedade. Após essa data, e a partir de Novembro de 2014 começou a trocar uma série de emails com a inspectora A..., com vista a apresentar explicações quanto à proveniência dos montantes questionados pela AT, sempre utilizado informação bancária que havia solicitado ao seu pai, mas sem que este soubesse para que efeito.

Por outro lado, testemunharam os inspectores tributários, e em particular A..., uma vez que era a técnica responsável pelo procedimento, e que interagiu de perto com L..., que a intervenção deste decorreu do facto dos seus pais terem já alguma idade e serem ambos doentes, pelo que aquele procedimento de inspecção lhes trazia bastante ansiedade. Disseram que era normal ser indicado um interlocutor nos procedimentos de inspecção que podia não ser o próprio contribuinte inspecionado (p.e., um contabilista), e que aceitaram a intervenção de L... para facilitar o diálogo, uma vez que este revelava ter todos os conhecimentos necessários para responder às questões colocadas, apresentando ao processo extratos bancários e explicações de tal forma pormenorizadas que nunca consideraram que pudessem ser obtidas sem o conhecimento da Recorrente e do seu marido.

Do confronto entre os testemunhos prestados e os documentos constantes nos autos, concluímos que a versão apresentada por L..., filho da Recorrente, não parece credível. Face ao detalhe da informação bancária prestada e das explicações quanto aos movimentos financeiros, seria pouco credível que a mesma pudesse ser prestada sem a colaboração dos seus titulares. É certo que L explicou que pediu toda a informação bancária ao seu pai, a pretexto de a ter disponível caso fosse necessário em sede do procedimento de inspecção, contudo, pelas regras da experiência, tal explicação não parece crível. Da mesma forma que não parece crível que J..., alguém que estava tão preocupado com o encerramento da acção de inspecção, e que ligava amiúde para a inspectora responsável pela acção de inspecção de repente, e após a intervenção do seu filho do procedimento, tenha perdido interesse no mesmo, não voltando a questionar nem o filho, nem a AT, quanto ao resultado da acção de inspecção.

Da troca de emails vertidas nos factos assentes, bem como da ausência de testemunho de J... face ao seu estado de saúde, é possível concluir que estamos perante um casal de idade e com problemas de saúde, tendo delegado no seu filho a interação com a inspecção tributária, pelo que não resulta prova dos autos que a informação prestada por este tenha sido efectuada sem o consentimento dos seus pais».

Da audição dos depoimentos indicados pela Recorrente não resulta, de forma alguma, que a interpretação, ou se preferirmos, a contextualização das declarações de qualquer uma das testemunhas cujo depoimento foi invocado – o referido L... (filho da recorrente) e A... (inspectora responsável pelo procedimento) consubstancie uma “flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão” da matéria de facto, revelando, aliás, a forma como se mostra impugnada a matéria de facto exclusivamente o desacordo por parte da recorrente quanto à convicção do Tribunal, que está inserida na liberdade de julgamento daquele - porque objectiva e solidamente suportada na prova criticamente analisada e, consequentemente, insindicável por este Tribunal.

Em suma, os concretos meios de prova «indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto» não impõem, contrariamente ao que vem defendido pela Recorrente que devesse ter sido dada decisão diversa quanto à factualidade concretamente em apreço, sendo manifesto que a decisão da matéria de facto está devidamente fundamentada e personifica uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência. E, sendo assim, por força do princípio do julgamento segundo a livre convicção do juiz que vigora no nosso ordenamento jurídico, é inatacável.

Questão distinta é a de saber se a matéria de facto integrada no probatório é a suficiente para que o Tribunal conclua pela legalidade do procedimento, designadamente por não ter ficado assente que a Administração Tributária acedeu a informação bancária através de terceiro autorizado ou que legalmente representasse a Recorrente

Ora, não obstante esta questão ainda tenha subjacente uma questão de facto - saber se o Tribunal andou mal ao não dar como provado que a Administração Tributária não acedeu a informação bancária através de terceiro não autorizado – adiantamos, desde já, embora com dúvidas, que não se nos afigura legalmente admissível que este Tribunal Central, ainda que num contexto de impugnação da matéria de facto e com base nos depoimentos convocados pela própria Recorrente, proceda a uma alteração da matéria de facto num sentido por ela nunca equacionado, sobretudo quando é questionável que essa alteração obtenha suporte bastante na prova produzida e deva ser reconduzida, face aos termos em que vem discutida em recurso, a mera questão de erro de julgamento de direito.

Efectivamente, se bem atentarmos na forma como a impugnação do julgamento de facto vem impugnada, facilmente concluímos que o que na mesma se defende é que deve ser dado como provado que a Administração Tributária acedeu a informação bancária através de terceiro, sem que para tanto o tivesse consentido ou o nomeasse como representante.

O Tribunal a quo julgou que esse facto, invocado pela Recorrente para questionar a legalidade do procedimento, deveria ser dado como não provado, adiantando expressamente que «não resulta prova dos autos que a informação prestada por este tenha sido efectuada sem o consentimento dos seus pais.».

E se é certo que o darmos como provado um facto significa que não há dúvidas que ele se verificou e que o dar-se como não provado um facto significa tão só que esse facto negativo ficou por apurar, e não necessariamente que o seu contrário se provou (ainda que a idêntico resultado se possa chegar através de outro facto dado como provado ou pela conjugação de vários factos ou até presunções judiciais ou legais), temos para nós por seguro, face ao que supra ficou decidido no que respeita à matéria de facto impugnada, que esta segunda questão se reconduz a uma questão de direito - saber se face aos factos apurados e tendo em consideração os vícios imputados na petição inicial ao despacho recorrido, o Tribunal a quo andou bem ao declarar esse despacho e o procedimento em que o mesmo se integra não padecem de qualquer ilegalidade – que, na sede própria, do mérito da pretensão, se apreciará.

E, sendo assim, impõe-se concluir, nesta parte ou com este fundamento, pela improcedência do recurso jurisdicional.

4.2. Avançando no recurso, apreciemos, agora, cada uma das questões suscitadas e de cuja decisão resulta, no entender da recorrente, os erros de direito de que padece o julgado.

Vejamos.

4.2.1. No que respeita à primeira questão - que, como veremos, verdadeiramente se subdivide em várias a exigir a nossa decisão - podemos afirmar, de forma segura, que à mesma deve ser dada resposta negativa, isto é, nem os actos de inspecção foram realizados fora do devido procedimento de inspecção tributário, nem em procedimento de inspecção findo.


Senão, vejamos, começando por recordar que para a Recorrente essa conclusão deve ser retirada (em resumo nosso) das seguintes premissas que tem por certas:


- O acesso à informação protegida pelo sigilo bancário conforme referido no artigo 63º, n°1, da LGT, conjugado com as invocadas alíneas b) e c) do n°1 do artigo 63.°-B da LGT, consubstancia uma diligência que apenas pode ser desenvolvida pela Autoridade Tributária e Aduaneira quando necessária ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, designadamente para confirmação de factos tributários declarados ou não declarados pelos sujeitos passivos, pelo que, por força do n.º 2 do mesmo preceito legal, para esse efeito a Administração Tributária tem que recorrer a um procedimento inspectivo nos termos delimitados no RCPIT.


- No caso da derrogação do sigilo bancário, o acto de inspecção não é efectuado nos serviços da Administração Tributária, uma vez que os documentos e informações bancárias em causa se encontram na posse e nas instalações de instituições financeiras, sendo nessas instalações onde, em princípio, aquela Entidade tem o direito de aceder aos documentos e informações, pelo que, só no âmbito de uma inspecção externa, e não interna, como foi o caso, esse acto ou actos poderiam materializar-se, donde resulta, por força do preceituado nos artigos 44.º, n.º 2, do CPPT e 2.º e 13.º do RCIPT, a ilegalidade do procedimento e do despacho de derrogação do sigilo fiscal em que culminou;


- Tendo aquela decisão de derrogação sido proferida decorridos mais de 6 meses do início do procedimento externo inspectivo é, ainda, o mesmo ilegal, por força do preceituado no artigo 36.º do RCPIT.


Ou seja, e se bem entendemos as conclusões do recurso nesta parte, o que a Recorrente defende, em suma, é que o procedimento de derrogação do sigilo bancário apenas pode ser realizado no âmbito de uma inspecção externa pelo que, tendo sido no caso concreto os actos inspectivos desenvolvidos numa inspecção interna, os mesmos e o despacho de derrogação são ilegais, sendo que a sua validade nunca poderá ser reconhecida, nem qualificando a referida inspecção como externa, por, de todo o modo, aquele despacho ter sido proferido fora do prazo máximo legalmente previsto para a sua prolação.


Tendo nós já adiantado qual a nossa posição quanto a estas duas questões, importa agora, fundamentar a mesma, começando por adiantar que concordamos integralmente com a Recorrente na primeira premissa de que parte: o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário, consubstancia efectivamente uma diligência que apenas pode ser desenvolvida pela Autoridade Tributária e Aduaneira quando necessária ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, designadamente para confirmação de factos tributários declarados ou não declarados pelos sujeitos passivos, devendo, para esse efeito, a Administração Tributária recorrer a um procedimento inspectivo nos termos delimitados no RCPIT.


Acontece, porém, que contrariamente às conclusões que desta premissa extrai, designadamente para efeitos de qualificação do tipo de procedimento exigível no caso concreto e ao tipo de actos que foram praticados, a Recorrente incorre em erro.

Efectivamente, o procedimento tributário de inspecção, que pode ser definido como «o conjunto de actos, formalidades e diligências, praticados pelos órgãos de inspecção tributária integrados e sequencialmente ordenados, com vista ao controlo, fiscalização e correcção dos comportamentos tributários dos contribuintes» (13), é passível de ser classificado de várias formas, consoante tenha subjacente como critério o sujeito que o impulsiona (“ iniciativa”), os “fins” que tem em vista, o lugar da sua realização e o âmbito ou extensão do mesmo.

Para o que ora releva - atento o probatório, o circunstancialismo que vem posto em causa pela Recorrente (os autos não revelam desacordo das partes quanto ao procedimento inspectivo ter sido instaurado por iniciativa da Administração Tributária tendo em vista a cabal confirmação e verificação das obrigações tributárias da Recorrente e a eventual derrogação do sigilo bancário relativo a contas de que é titular) e a inexistência de qualquer normativo legal que expressamente determine que o procedimento de derrogação do sigilo bancário deva ocorrer no âmbito de uma inspecção interna ou de uma inspecção externa, tudo se resume a saber que tipo de inspecção foi realizada no caso concreto, sendo certo que, como é sabido, são os actos e/ou diligências que materialmente aí foram praticados e o local onde foram realizados que o definirá e não a qualificação ou designação que pela Administração Tributária lhe foi atribuído (no caso, de “Inspecção Interna” – cfr. factualidade apurada nas alíneas I) e T), do ponto III do presente acórdão).

Tudo porque, como determinava o artigo 13° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (doravante RCIPTA) na redacção vigente à data em que ocorreu a inspecção, quanto ao lugar do procedimento de inspecção este pode classificar-se em interno ou externo, sendo que no primeiro caso os actos de inspecção são efectuados "[e]xclusivamente nos serviços da administração tributária, através de análise formal e de coerência dos documentos", e no segundo caso, os actos de inspecção são efectuados, "[t]otal ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso".

O procedimento interno é, assim, «uma espécie de inspecção cadastral, efectuada dentro dos próprios serviços de inspecção, com recurso aos elementos declarados pelos sujeitos passivos, e engloba actividades de mera constatação em que a Administração se limita a verificar o cumprimento por parte dos sujeitos passivos dos seus deveres declarativos. Nestes casos a Administração tributária limita-se particularmente a confrontar, através do cruzamento de informação disponível nas suas bases de dados, se o sujeito passivo cumpriu ou não com os seus deveres e se os elementos declarados coincidem com os elementos fornecidos pelas declarações entregues por outros obrigados tributários com quem o sujeito passivo mantém ou manteve relações. Não se trata portanto de uma actividade propriamente fiscalizadora, em sentido estrito, trata-se de uma actividade de comprovação formal para verificação da exactidão do formalmente declarado pelo sujeito passivo. No quadro desse procedimento interno pode a inspecção tributária solicitar informações e esclarecimentos aos sujeitos passivos, podendo ser feitas correcções em resultado do que for apurado.». (14)


Revertendo agora ao probatório, temos que, para a Recorrente, a Administração Fiscal, pese embora haja classificado o procedimento de inspecção como interno, praticou actos fora dos seus serviços porque os documentos e informações a que acedeu se encontram na posse e nas instalações das instituições financeiras, sendo nestas onde “em princípio” teria o direito a eles aceder, não sendo o facto de esses actos serem materializados por essas terceiras instituições financeiras que altera a sua natureza quanto a ser efectuado fora das suas instalações.

Não é verdade.

Desde logo, porque os documentos e informações a que a Administração Tributária “acedeu” por via das instituições financeira vieram à sua posse e por si ficaram a ser detidos no escrupuloso cumprimento por parte dessas instituições dos deveres legais a que se encontram adstritas, previstas no artigo 119°, n°12, alínea b) do Código do IRS, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº72-A/2010, de 18 de Junho (declarações Modelo 39), normativo integrado num conjunto de diplomas que têm como escopo, precisamente, e para o que agora nos importa, obstar à fuga e evasão fiscais

Ou seja, no que respeita aos elementos documentais que estiveram - após confronto com as declarações de rendimentos apresentadas pela Recorrente - na origem do procedimento, é manifesto que a Administração Tributária a eles não “acedeu” fora das suas instalações, nem a eles apenas teria direito a aceder se a essas instalações se deslocasse, sendo absolutamente inócuo para efeitos de qualificação desta inspecção a qualidade de terceiro que, em abstracto, aquelas entidades financeiras, como qualquer outras que emitam documentos em posse da Administração, assumam por a lei apenas exigir, para este concreto efeito, como bem referiu a Recorrente, que a inspecção se realize exclusivamente nos serviços da administração tributária, através de análise formal e de coerência dos documentos.

Acresce que, contrariamente ao que parece resultar suficientemente indicado das conclusões de recurso, nunca foi líquido, e agora é mesmo claro, que um procedimento inspectivo pode ser qualificado como interno mesmo que os actos materiais nele praticados não se esgotem na análise formal e coerente de documentos que já estejam na posse da Administração Tributária no início da inspecção. Isto é, uma inspecção não tem que ser qualificada como externa apenas porque aquela análise também incidiu em documentos que vieram à sua posse no decurso da inspecção, como foi o caso, desde que consumados nas suas instalações.

Na verdade, ainda que a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tendesse, em casos contados, a defender essa posição, circunscrevia, claramente, às situações em que esses actos inspectivos resultavam de uma actividade totalmente investigatória e de recolha de elementos perante terceiros a que, não fora essa actividade investigatória e o envolvimento voluntário desses terceiros, nunca teria possibilidade de aceder.

Ora, no caso concreto, não foi isso, como vimos, que sucedeu, circunscrevendo-se os actos praticados a essa análise formal e coerente de documentos que, no caso das declarações emanadas pelas instituições financeiras, invocados pela Recorrente como traduzindo actos típicos de uma inspecção externa, lhe foram remetidos.

E não se diga, ainda - o que apenas por dever de esgotar a fundamentação da presente decisão adiantamos, já que a recorrente, nesse sentido e nesta parte do recurso, o não alegou expressamente – que, para além daqueles documentos detidos pela Administração Fiscal e remetidos pelas instituições financeiras, foram analisados e aferida a coerência declarativa do sujeito passivo através de outros documentos que apenas vieram à posse da Administração Fiscal no decurso de inspecção por aquele último, sem que para tanto se encontrasse obrigado, e que essa obtenção ainda traduz uma actividade investigatória externa incompatível com uma classificação do procedimento como interno.

É que, como deixámos já firmado, nada na lei obsta a que, no quadro desse procedimento interno a inspecção tributária solicite informações e esclarecimentos aos sujeitos passivos, designadamente para efeitos de serem realizadas as correcções que aquela entenda como devidas em função do resultado que for apurado, informações e esclarecimentos esses, de resto, a que se encontra obrigado pelo dever de colaboração legalmente consagrado e de que é, nestas situações, destinatário privilegiado.

Note-se, aliás, que se esta conclusão a que chegámos quanto a estarmos perante uma efectiva inspecção interna é, para nós, a mais acertada face à redacção que detinha o normativo que regulamenta esta distinção/classificação entre procedimento interno e externo no momento em que este procedimento inspectivo se realizou, ela surge mesmo como inquestionável perante a alteração que o artigo 13.º, do RCPITA, acolheu na sequência da entrada em vigor do DL n.º 36/2016, de 1 de Julho

Na verdade, com a Lei do Orçamento de Estado para 2016 foram aprovadas um conjunto de autorizações legislativas em matéria de Justiça Tributária, sendo que, com relevo no contexto dos nossos autos, aí ficou autorizado que o Governo procedesse a alteração, designadamente, do artigo 13.º, com a expressa menção de que essa alteração tinha em vista (sentido e extensão da alteração) «a) Clarificar que o procedimento de inspeção interno compreende a análise formal e de coerência de documentos detidos pela AT ou obtidos no âmbito do referido procedimento;» (artigo 180.º, n.ºs 1 e 2 da referida Lei do Orçamento de Estado para 2016).

Foi precisamente essa clarificação que o legislador realizou pelo identificado Decreto-Lei n.º 36/2016, passando do artigo 13.º - que manteve a epígrafe e no mais a mesma redacção, a constar o seguinte:

«Artigo 13.º

Lugar do procedimento de inspecção

Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:

a) Interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento

b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.».

Ou seja, afigura-se-nos hoje inquestionável que o procedimento inspectivo interno, tal como ele se mostrava já definido antes pelo legislador – e hoje clarificado pela alteração de redacção realizada à norma em apreço – comporta a análise formal e de coerência dos documentos detidos pela Administração Fiscal. (15)

E, sendo assim, isto é, não existindo norma legal especial a impor que o procedimento de derrogação do sigilo fiscal se desenvolva no âmbito exclusivo de uma inspecção externa e que no caso concreto os actos praticados naquele procedimento se consubstanciaram na análise formal e na coerência de documentos detidos e obtidos pela Administração Tributária no âmbito do procedimento e foram integralmente concretizados nas suas instalações, não há fundamento algum que permita sustentar a conclusão da Recorrente de desqualificação do procedimento.

E, consequentemente, também o não há para confirmar a segunda conclusão que das suas alegações a Recorrente extrai, isto é, que tendo já decorrido o prazo limite de 6 meses, previsto no artigo 36.º, do RCPITA, para a conclusão do procedimento de inspecção externa, o despacho recorrido deve ser declarado inválido, uma vez que, como é sabido, tal limitação só existe quanto aos procedimentos de inspecção externa e não interna como é aquele com que aqui nos deparamos.

Nem, por fim, existe qualquer fundamento, atento o afastamento realizado de existência de um procedimento de inspecção externa, para se concluir por uma qualquer invalidade do procedimento por falta de notificação das Ordens de Serviço extensível ao despacho impugnado (questão que a recorrente não autonomizou mas que surge suscitada também nesta parte das suas conclusões – cfr. conclusão XI) - porquanto aquelas só ocorrem o caso dos procedimentos de inspecção externa, em que essas Ordens servem simultaneamente de credencial (artigo 46.º do RCPITA), e para determinação da data de início do procedimento, enquanto nos procedimentos de inspecção interna é suficiente a sua menção, que no caso, face ao apurado, é indiscutível – nem para que se julguem verificados, pelos mesmos motivos, as alegadas preterições de formalidades relativas a alteração do âmbito do procedimento, tudo, nesta última parte, sem prejuízo da apreciação que se irá realizar quanto à necessária fundamentação substancial desse mesmo alargamento, também esta questionada pela Recorrente.

Improcede, pois, também, nesta parte o recurso jurisdicional interposto.

4.2.3. Questão distinta, também suscitada pela Recorrente, é a de saber se o despacho impugnado é ilegal porque assenta em elementos e provas a que a Administração Tributária acedeu através de terceiro ao procedimento e ao qual a Recorrente não deu autorização para os facultar nem a representar.

A este propósito importa começar por salientar que esta questão apenas será apreciada nos termos em que ficou balizada pela decisão por nós dada à questão da impugnação da matéria de facto, recordando-se, aqui, que este Tribunal de recurso julgou já que é inatacável o probatório na parte em que deu como não provado que a Administração Tributária acedeu a informação bancária da Recorrente através de terceiro não autorizado.

Mas importa também deixar bem claro que nesta apreciação nos afastamos parcialmente do fundamento aduzido pelo Tribunal recorrido, por aí se ter lançado mão de ilações dessa matéria de facto não provada, o que julgamos não consentâneo com um rigoroso cumprimento dos ditames legais.

Na verdade, se bem atentarmos na decisão recorrida nesta parte, facilmente depreendemos que, pelo menos parcialmente, o Tribunal a quo julgou o procedimento e o despacho em que culminou válido porquanto «a Recorrente não fez prova que a AT teve acesso a informação bancária da Recorrente através de terceiro não autorizado», mais adiantando que «Conforme se disse na fundamentação da matéria de facto, do confronto entre os testemunhos prestados e os documentos constantes nos autos, face ao detalhe da informação bancária prestada e das explicações quanto aos movimentos financeiros, seria pouco credível que a mesma pudesse ser prestada sem a colaboração dos seus titulares. É certo que L… explicou que pediu toda a informação bancária ao seu pai, a pretexto de a ter disponível caso fosse necessário em sede do procedimento de inspecção, contudo, pelas regras da experiência, tal explicação não parece crível. Da mesma forma que não parece crível que J..., alguém que estava tão preocupado com o encerramento da acção de inspecção, e que ligava amiúde para a inspectora responsável pela acção de inspecção de repente, e após a intervenção do seu filho do procedimento, tenha perdido interesse no mesmo, não voltando a questionar nem o filho, nem a AT, quanto ao resultado da acção de inspecção.

Ou seja, pelo menos numa primeira parte – e veremos que, num segundo momento da fundamentação desta parte da decisão o Tribunal a quo acaba por efectuar uma fundamentação acrescida – o que a Meritíssima Juíza fez foi sustentar a validade do procedimento e do despacho impugnado na resposta negativanão provadadada à matéria de facto em questão.

Ora, tivemos já oportunidade de adiantar, aquando da apreciação da questão suscitada a propósito do julgamento de facto, que o dar-se como não provado um facto, isto é, a resposta negativa a uma determinada realidade da vida com que o julgador se mostra confrontado e que está controvertida, salvo casos absolutamente excepcionais (de absoluta impossibilidade de não verificação do seu contrário, como seja, por exemplo máximo, o dar-se como não provada a presença de determinada pessoa num determinado lugar, de que não pode retirar-se outra conclusão que não seja de que noutro lugar, qualquer que ele seja, teria necessariamente que estar) apenas se pode extrair a conclusão de que se não provou se esse facto se verificou ou não e não o seu contrário.

A doutrina, unânime a perfilhar este entendimento, vem precisamente salientando isso mesmo: «São inúmeros os arestos dos tribunais superiores que têm realçado aquilo que nos parece uma constatação lógica: a resposta negativa a um determinado facto (ou quesito) apenas significa que o mesmo não se provou, o que não determina que tenha de dar-se por provado o facto inverso», pelo que, «não pode extrair-se de uma determinada resposta inteiramente negativa, ainda que por dedução lógica, a conclusão da afirmação da realidade contrária à que se encontrava quesitada». (16)

Mas, e este é que constitui o aspecto relevante para a nossa decisão, firmando posição quanto a, nessa situação «nem sequer pode recorrer-se à motivação da decisão sobre a matéria de facto para justificar a extrapolação que a lei adjectiva não consente», o que significa que os efeitos da decisão negativa apenas se devem repercutir «no campo do ónus da prova», isto é, no desfecho da decisão que naquele facto (constitutivo ou impeditivo) assentava.

Resulta, assim, do que ficou exposto, que subscrevemos, que o tribunal a quo não andou bem ao julgar que o procedimento e o despacho recorrido eram válidos porque a Recorrente não tinha provado que a Administração Tributária acedera a informação bancária através de terceiro não autorizado e ao assentar nos depoimentos que fundaram essa decisão ou resposta negativa.

Porém, como já o dissemos, o julgado não assentou exclusivamente nessa argumentação, já que, como se vê do discurso lógico jurídico aí plasmado, o Tribunal foi mais além, ao afirmar que «Da troca de emails vertidas nos factos assentes, bem como da ausência de testemunho de J... face ao seu estado de saúde, é possível concluir que estamos perante um casal de idade e com problemas de saúde, tendo delegado no seu filho a interacção com a inspecção tributária (…)».

Ou seja, para além de suportar a validade do procedimento, no que concerne aos actos praticados tendo em vista os esclarecimentos solicitados, especialmente a informação bancária a que a Administração Tributária acedeu através do filho da Recorrente no facto de esta não ter logrado fazer prova do seu desconhecimento na transmissão dessa informação e/ou autorização, o Tribunal a quo extraiu dos factos provados conclusões de facto que são inteiramente legitimas e suportadas, ainda, nas regras lógicas e da experiência de que, bem, lançou mão.


Efectivamente, resultou provado que, após a Administração Tributária tomar conhecimento, por documentos que lhe foram remetidos por diversas instituições bancárias, que tinham sido colocados à disposição da Recorrente e do seu marido, nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, determinados montantes a título de juros, que aquela julgou incompatíveis com os rendimentos e levantamentos percebidos nesses mesmos anos e anterior (2008) – cfr. alíneas A) a F) do ponto III supra – foi aquela Recorrente notificada para, no prazo de 30 dias, fazer prova da fonte de rendimentos que justificasse o aumento patrimonial [cfr. alíneas F) e G) do mesmo probatório].


Mais ficou provado que, na sequência dessa notificação foi emitida e enviada uma declaração do marido da Recorrente informando que a esposa não tinha contas bancárias, só as por si tituladas, que era proprietário de um vasto património imobiliário, que costumava comprar e vender acções na bolsa, e que o incremento patrimonial podia justificar-se face a certos investimentos bancários, juntando para o efeito extractos bancários do S..., M..., extractos de contas aforro, resgates e certificados de aforro [cf. alínea H) dos factos provados] e que, por aquela resposta não ter sido considerada suficiente ao esclarecimento das discrepâncias registadas, foi instaurado procedimento de inspecção interna, e novamente notificada a Recorrente dessa divergência – entre o montante de juros auferidos em 2012 em comparação com os auferidos no ano de 2011 e os rendimentos constantes nas declarações de rendimentos de IRS dos referidos anos de 2011 e 2012 – e para apresentar prova da fonte do acréscimo de património que lhe permitiu efectuar as aplicações financeiras que geraram o aumento de juros em 2012 ou autorizar a consulta pela AT da informação relevante junto das instituições financeiras [alíneas I) e J) do mesmo ponto III supra]


É, então, no recebimento desta última notificação, embora por si todas as demais tenham sido recebidas (como faz questão de informar) e respondidas em conformidade ou no contexto do solicitado – independentemente da sua valia para os efeitos pretendidos pela Administração Tributária – que a Recorrente opta pela primeira vez por intervir pessoalmente no procedimento, e não, como até então, por intermédio do seu marido, reiterando que não se verificou qualquer aumento de capital depositado nas suas contas bancárias, apenas um aumento dos juros sobre o capital investido e juntando diversa documentação bancária [cfr. alínea K) dos factos assentes]. Intervenção que novamente vem pessoalmente a realizar a 30 de Janeiro de 2015, através do e-mail do seu filho, após àquele terem sido enviados pela Administração Fiscal novos pedidos de esclarecimento e em resposta a estes, informando que era importante salientar, designadamente, que é casada em regime de comunhão geral de bens com J..., que não tinha entendido necessário autorizar a derrogação de sibilo bancário relativamente ao ano de 2012 pelas razões adiantadas e remetendo mais documentação, mais concretamente, extractos das contas bancárias do M... BANCO..., S..., Banco ..., S.A., contas aforro, BANCO..., B..., ..., bem como um quadro elaborado com base da informação bancária remetida, e com as justificações de certos movimentos bancários [cf. alíneas L) e M) do probatório]


Ora, tendo ainda ficado provado que antes dessa última intervenção da Recorrente já o seu filho interagia com a Administração Fiscal – uma vez que a sua primeira intervenção em Junho de 2014 [facto dado como provado por este Tribunal Central e aditado ao probatório sob a alínea AA)] e que a mesma se prolongou até Maio de 2015 (cfr. factos assentes em L), M), N), O, P), Q), R) e S), do ponto III supra), período durante o qual lhe foram dirigidos todos os pedidos de esclarecimentos e durante o qual aquele foi facultando diversa documentação, relativa a contas tituladas exclusivamente por aquela e pelo seu marido, que estes nunca mais intervieram no procedimento – que sabiam que não estava findo porque tal nunca lhes tinha sido notificado, para além de ambos serem pessoas de idade avançada e que não gozariam de boa saúde, conforme resulta da alínea N) e da alínea Z) - que é legitimo extrair-se a conclusão de facto (da conjugação de todos os factos assentes) que a Recorrente sabia e autorizou que aquelas informações/esclarecimentos e documentação fossem realizadas e facultadas pelo seu filho, como a Administração Tributária, de boa-fé, e bem, entendeu [cfr., ainda, alíneas L) a T) dos factos apurados].


Não há, pois, com todo o respeito, qualquer fundamento para, face aos factos provados, se extrair outra conclusão que não a que por nós foi extraída, estando mesmo, em nosso entender, a argumentação apresentada pela Recorrente, e a prova que em sentido oposto se tentou produzir, no limiar do aceitável em termos de observância dos princípios da colaboração, boa-fé e da justiça.

De todo o modo, sempre se diga que, ainda que os elementos ou informações bancárias obtidos através do filho (terceiro) da Recorrente não devessem ser admitidos ou valorados para efeitos de uma validação substancial do despacho recorrido (e só com esta amplitude a argumentação invocada podia ser relevada), mesmo assim, insiste-se, a decisão de derrogação do sigilo bancário, expurgada desses esclarecimentos e documentação, ainda maior consistência de facto e de direito assumiria, já que, não tendo, com essas informações e documentação, ficado a Administração Fiscal convencida da origem ou fonte dos rendimentos justificadora do incremento patrimonial (na parte em que veio a concluir não ter ficado, já que, com base nessas informações prestadas pelo filho da Recorrente e com a documentação por este apresentada entendeu justificado o aumento numa parte), muito menos se poderia julgar essa justificação realizada se os desconsiderasse.

Donde, com a fundamentação exposta, julgamos, também nesta parte, improcedente o recurso jurisdicional interposto.

4.2.4. Alega ainda a Recorrente que a sentença recorrida deve ser revogada porquanto não julgou, e devia tê-lo feito, que o despacho recorrido é ilegal por ser inútil, no caso concreto, o recurso à derrogação do sigilo bancário para efeitos de se verificar a existência de indícios de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º e porque esse mesmo despacho se acobertou, e não podia, no preceituado no artigo 63.º, n.º 1, alínea b), da Lei Geral Tributária.

Para fundamentar os erros imputados ao julgado, alegou a Recorrente (mais uma vez em síntese nossa), que:

- A “ilegalidade por inutilidade” resulta do facto de anteriormente à prolação do despacho recorrido a Administração Tributária ter já na sua posse todos os valores a crédito e a débito, bem como as datas dos referidos movimentos bancários, apenas não conhecendo a descrição destes movimentos, não conseguindo entender, pois, senão que seja por “mera coscuvilhice fiscal”, para que precisa de ter acesso a essa informação omitida;

- A “inadmissibilidade de o despacho recorrido se louvar no artigo 63°, n°1, alínea b) da LGT”, decorre do facto de a fundamentação invocada pela Administração Tributária apenas mencionar a existência de indícios referentes a "acréscimos patrimoniais putativamente revelados por certos depósitos bancários".

Vejamos, então, o que quanto a cada uma destas questões se nos oferece dizer.

4.2.4.1. Assim, relativamente à primeira questão - necessidade versus «coscuvilhice fiscal» - afirmemos, exactamente como se fez na sentença recorrida, que a “resposta parece evidente”: a Administração Fiscal necessita de saber a origem e o destino dos movimentos bancários por forma se deles resultam indícios de omissão de declaração de rendimentos tributáveis ou de acréscimo patrimonial não justificado.

Ou seja, considerando que a questão fulcral é determinar se há ou não acréscimo patrimonial não justificado, só na posse desses elementos, isto é, na posse de elementos que permitam apreender a origem e destino dos rendimentos, a Administração Tributária poderá, então, e com elevada probabilidade, concluir pela existência ou não da exigida justificação. Isto é, a prova de que os rendimentos que originaram os juros aqui em análise não estavam sujeitos a qualquer obrigação declarativa e de englobamento nos rendimentos tributáveis, e que os mesmos não consubstanciam um acréscimo não justificado, só será possível mediante a análise dos descritivos dos movimentos bancários.

E, sendo assim, isto é, sendo tais informações essenciais e não tendo a Recorrente facultado todos os elementos bancários necessários ao apuramento desses dados, nem facultado o acesso às contas bancárias por si tituladas, outra alternativa não restou à Administração Fiscal que não a de recorrer ao mecanismo que legalmente se encontra previsto para esse efeito, isto é, determinar a derrogação do sigilo bancário.

É, pois, o que vimos dizendo, quanto baste para que seja admissível reconduzir-se o despacho impugnado como uma concretização de um sentimento ilegítimo de coscuvilhice que, assim, definitivamente, se afasta.

4.2.4.2. Avançando, agora, para a questão da fundamentação jurídica do despacho, mormente no que respeita à sua sustentação no preceituado no artigo 61.º, n.º 1 b) da LGT, importa salientar, desde já, que a referência expressa a este artigo só por lapso deve ter sido realizada pela Recorrente, uma vez que não foi esse o fundamento legal adiantado no despacho em causa.

Efectivamente, o despacho recorrido, como claramente resulta da alínea V) dos factos apurados assentou nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 63.°- B da LGT, ou seja, no facto de terem sido detectados indícios de falta de veracidade do declarado e na existência de indícios de acréscimo patrimonial não justificado.

Apreciemos, pois, os seus fundamentos, recordando o que consta da informação que serviu de base ao despacho recorrido: "[o]s factos supra vertidos [movimentos bancários indiciadores de incremento patrimonial] legitimam-nos a concluir pela existência de indícios concretos de falta de veracidade do declarado na Modelo 3 de IRS de 2012, porquanto os valores creditados nas contas tituladas pelo casal e constantes do Quadro 5 - e cuja origem se desconhece - revelam uma capacidade financeira do casal que não é justificada pelo rendimento anual declarado à AT no ano de 2012 (rendimento coletável de €8.168,36)./ Analisados os rendimentos declarados pelo casal na declaração Modelo 3 de IRS desde o ano de 2007, conclui-se que tais rendimentos correspondem unicamente a pensões auferidas pelo Sr. J..., os quais não justificam os valores depositados em 2012." [cf. al. U) dos factos assentes].

Ou seja, tendo a Administração Tributária, pela análise dos valores constantes nas declarações de rendimentos Mod. 3, apresentados pelo agregado familiar em que a Recorrente se inclui, relativamente aos anos de 2007 a 2013, constatado que aquela nunca havia declarado qualquer rendimento e que o seu cônjuge apenas declarara rendimentos de pensões em montante que variavam entre €12.272,36 e €14.047,18, concluiu, perante os elementos que possuía, que estes valores declarados não eram compatíveis com os movimentos bancários identificados no decurso da acção de inspecção.

O que, aliás, para nós, é evidente, bastando, para tanto, realizar o confronto, que a Administração Tributária também fez, entre os rendimentos declarados e sujeitos a tributação ao longo dos anos identificados (2007 e 2013) e os montantes depositados nas contas tituladas pela Recorrente, constantes dos quadros anexos ao referido despacho e integrados naquela informação, e dos quais resulta uma manifesta discrepância ou, se preferirmos, uma impossibilidade de se estabelecer uma coerência lógica e justificativa entre uns e outros.

Daí a necessidade de apurar qual a origem dos rendimentos que originaram juros de montantes tão elevados e os depósitos evidenciados, sobretudo porque, como se disse na sentença recorrida, a primeira resposta dada pelo marido da Recorrente - quando questionado sobre a justificação do acréscimo de juros auferidos no ano de 2012, foi no sentido de enunciar o seu vasto património imobiliário (cerca de 7 prédios com 60 andares) e os ganhos obtidos em sede de compra e venda de acções em bolsa [cf. al. H) dos factos assentes], uma vez que, a existirem rendimentos provenientes destas fontes as mesmas teriam de ser tributadas em sede de rendas ou mais-valias, o que, mais uma vez, dos elementos detidos pela Administração Fiscal não resulta ter sucedido.

4.2.4.3. Alega ainda a Recorrente nesta sede que o artigo 87°, n°1, al. f), da LGT, deve ser interpretado no sentido de exigir a prova de acréscimo patrimonial de €100.000,00, para cada sujeito passivo que compõe o agregado familiar, pelo que, tendo sido identificado pela Administração Tributária um acréscimo patrimonial de €172.681,33, ou seja, de € 86.340,67 para cada sujeito passivo, não se encontrava reunido o pressuposto para a autorização do acesso à informação bancária nos termos da al. c) do nº1 do artigo 63.°- B da LGT.

Relativamente a estas questões, afirmou-se na sentença recorrida, em termos de que não divergimos significativamente que «Da leitura no citado artigo 87°, n°1, al. f), da LGT não é possível extrair que o valor nele indicado tenha de ser aplicado por cada sujeito passivo que compõe o agregado familiar, contudo mesmo que assim fosse, este valor sempre teria sido alcançado, uma vez que parte do valor indicado pelo sujeito passivo de €172.681,33, correspondente ao recebimento de juros no montante arredondado de €150.000,00 [confronto entre as alíneas C) e D) dos factos assentes]. Ora tratando-se de juros, ou seja rendimentos de capital, os mesmos indiciam um aumento de capital de cerca de €3.750.000,00, considerando a taxa estimada pela AT de 4%. Valor que preenche integralmente o requisito previsto no artigo 87°, n°1, al. f), da LGT.».

Defende a Recorrente que a sentença erra ao invocar como pressuposto que estão em causa no despacho recorrido valores relativos a juros por apenas estar em causa no próprio despacho o valor de € €172.681,33, relativo a capital.

Não é assim. Embora seja certo que o valor da “discrepância”, o valor patrimonial cuja justificação não foi alcançada, em termos monetários, se cifra naquele valor, já o não é que o mesmo possa com segurança ser imputado a capital ou juros, uma vez que, como resulta do despacho recorrido, mais concretamente da alínea U) dos factos assentes convocada pela Recorrente em abono da sua tese, a Administração Fiscal, inclusive por existirem indícios de que haverá instituições bancárias que não cumpriram com o seu dever declarativo (Mod. 39), de todo ou apenas parcialmente (como é o caso do BANCO...), nem consegue identificar, concluir, se esses valores parcelares que integram o referido montante sem justificação já apurado provêm de depósitos de juros (recordando-se, aqui mais uma vez, que não há apuramento dos “descritivos”).

Daí que, ainda que relativamente à quase totalidade dos valores de juros declarados a Administração Fiscal tenha ficado esclarecida, permanece por esclarecer se todos os juros foram declarados e se o valor não justificado e até ao momento encontrado tem origem em juros ou proveio de outra ordem de rendimentos.

Acresce que - ainda centrando a nossa atenção na interpretação do artigo 87.º da LGT e na necessária identificação de que rendimentos devem ser tidos em consideração para efeitos da sua aplicação - acompanhando agora a argumentação invocada pela Recorrida, na falta de menção expressa do legislador, impor-se-á que se recorra, auxiliarmente, ao disposto no artigo 13.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares - e não o artigo 516.º do Código Civil como pugnado pela Recorrente porquanto a questão não é a de uma qualquer presunção relativamente à propriedade dos fundos nas contas depositados, mas sim os rendimentos declarados para efeitos fiscais - o qual, à data, dispunha que, existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto de rendimentos das pessoas que o constituem”, reforçando, assim, a convicção do interprete e aplicador do direito que só pode ter sido essa globalidade de rendimentos a que o legislador teve em vista ou que está subjacente ao valor fixado no referido artigo 87.º, al. f), da LGT e, consequentemente, que é inequívoco que está in casu ultrapassado o valor de € 100.000,00, o mesmo é dizer, verificados os pressupostos da al. c) do artigo 63-B, n.º 1, da LGT que fundamentou a decisão.

Ainda no que respeita à questão da susceptibilidade de a alínea b) do n.º 1, do artigo 63-B da LGT sustentar uma decisão de derrogação de sigilo tendo em vista o acesso a informação bancária dos sujeitos passivos, face à identificação de aumentos significativos de juros auferidos, considerando que o nosso Supremo Tribunal tem vindo de forma recorrente a sobre ela se pronunciar de forma profunda, limitar-nos-emos, nesta parte, a proceder à transcrição dessa jurisprudência na parte pertinente para os nossos autos:

"A questão é, pois, a de saber se pode considerar-se indiciado um acréscimo patrimonial (aumento dos montantes aplicados em depósitos bancários) superior a € 100.000,00, no ano de 2011, em face do aumento (de € 63.353,29) dos juros percebidos relativamente ao ano anterior (juros do montante de € 12.942,05 no ano de 2010 e juros de € 76.295,34 no ano de 2011) e utilizando uma taxa de juros remuneratória estimada de 4% para o rendimento dos capitais aplicados. Se sim, e porque os rendimentos declarados pelo sujeito passivo relativamente ao ano de 2011 foram de €91.108,51, estará legitimada a derrogação administrativa do sigilo bancário ao abrigo do disposto na alínea c) do nº1 do art. 63.°-B, da LGT.

O facto de que o sujeito passivo no ano de 2011 logrou um aumento de € 63.353,26 relativamente ao ano anterior nos juros remuneratórios recebidos de aplicações financeiras, a nosso ver, indicia, suficiente e fundamentadamente, que, nesse ano e em ordem à obtenção desse rendimento de capitais, aquele aumentou o seu investimento naquelas aplicações num montante não inferior a € 100.000,00 (acréscimo patrimonial), que não é justificável apenas com os rendimentos declarados no ano em causa.

Ao contrário do que sustenta o acórdão, o acréscimo dos juros remuneratórios recebidos de um ano para o outro (os referidos € 63.353,26) não constitui o acréscimo patrimonial indiciado (irrelevando, por isso, que não exceda € 100.000,00); este aumento do rendimento dos capitais investidos é que é o indício de que o sujeito passivo nesse ano, e por confronto com o ano anterior, investiu pelo menos mais € 100.000,00 em aplicações financeiras, capital que, este sim, constitui o acréscimo patrimonial indiciado e que não encontra justificação bastante nos rendimentos declarados nesse ano. Como judiciosamente observou o Desembargador que votou vencido, o valor superior a € 100.000,00 «é o valor indiciado» para efeitos da derrogação do sigilo bancário.

Salvo o devido respeito, para permitir à AT quebrar o sigilo bancário, a lei não exige que o acréscimo patrimonial esteja já "manifestado" (no sentido apontado no acórdão recorrido, que é o de que o facto tenha deixado o domínio privado do sujeito para passar a ser do domínio público), mas tão-só que esteja indiciado. É o que resulta expressamente da letra da lei - após a alteração introduzida na alínea c) do n.º1 do art. 63.°-B da LGT pela Lei n.° 94/2009, de 1 de Setembro (Como deixámos já dito, a redacção anterior referia «Quando se verificar a situação prevista na alínea f) do artigo 87.°». À luz dessa redacção, a tese do acórdão recorrido faria sentido.) - e é também o que resulta da teleologia da mesma.

Na verdade, bem se compreende (à luz das opções legislativas) que, para que a AT fique legitimada, nos termos do art.87.°, n°1, alínea f), da LGT, a recorrer à avaliação indirecta, haja de se verificar um acréscimo patrimonial ou despesa efectuada, incluindo liberalidades de valor superior a € 100.000,00, em simultâneo com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.

Ou seja, bem se compreende que a lei exija como requisito para que AT possa recorrer à avaliação indirecta ao abrigo da alínea f) do nº1 do art.87° da LGT que esteja demonstrado o acréscimo patrimonial de valor superior a € 100.000,00 (e que este não esteja justificado pelos rendimentos declarados no período de tributação em causa).

Mas essa exigência, se é imprescindível para justificar a avaliação indirecta, já não o será quando o que está em causa é permitir à AT que aceda à informação e documentos bancários; neste último caso, o legislador bastou-se com a existência de indícios do acréscimo patrimonial.

E bem se compreende que assim seja: perante a existência de indícios de que, num determinado ano, o sujeito passivo teve um aumento de património que lhe terá permitido reforçar o capital aplicado em valor superior a € 100.000,00, a derrogação do sigilo bancário visa precisamente, em face da reiterada recusa do sujeito passivo em prestar os esclarecimentos pertinentes ao apuramento da sua situação tributária, indagar, primeiro, do montante exacto do aumento do capital em aplicações financeiras no ano em causa e, depois, da veracidade da declaração de rendimentos apresentada.

Só depois, se esses indícios de um acréscimo patrimonial não justificado se confirmarem, ficando demonstrada a existência do mesmo, a AT ficará autorizada a socorrer-se da avaliação indirecta ao abrigo da alínea f) do nº1 do art.87.° da LGT. Note-se que, quando na alínea c) do nº1 do art. 63.°-B da LGT se diz «nos termos da alínea f) do nº1 do artigo 87.°», não se pretendeu significar, nem faria sentido que significasse, que os requisitos para a derrogação do sigilo bancário pela AT com fundamento em indícios da existência de acréscimos patrimoniais, tais como os prevê esta última disposição legal, sejam os mesmos que aí se prevêem para permitir à AT a avaliação indirecta com base em acréscimos patrimoniais. A não ser assim, porque teria o legislador alterado a redacção da norma pela Lei n.° 94/2009, de 1 de Setembro.

Em suma, a variação positiva dos rendimentos de capitais (+ € 63.353,29) do ano de 2010 (em que os juros percepcionados foram de € 12.942,05) para o ano de 2011 (em que os juros percebidos foram de € 76.295,34), indicia um aumento do montante do capital investido superior a € 100.000,00 que, em face divergência com os rendimentos declarados e da não justificação da sua origem pelo sujeito passivo, justifica a derrogação do sigilo bancário pela AT ao abrigo do art.63.°-B, nº1, alínea c), da LGT.

No sentido de que «[c]onstitui motivo concreto de necessidade de acesso a informação e documentos bancários do contribuinte a variação de rendimentos constituídos por juros de depósitos que não possa ser justificada apenas com os rendimentos declarados no ano em causa» pronunciou-se já o Pleno desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, através de acórdão proferido em 12 de Novembro de 2014, no processo n°642/14 (Ainda não publicado no jornal oficial, disponível em http://wvw.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22eibbie68o256f8eoo3ea93i/7i2oifeiebbibeee8o257d95004cabdd.) e que, ademais, considerou, com fundamentos que ora reiteramos, que «[a] indicação pela Autoridade Tributária de uma taxa de juro "a título meramente exemplificativo" suportada em conhecimento comum e próxima da taxa de juro média praticada pelas Instituições Bancárias para a generalidade dos aforradores integra a fundamentação formal e substancial necessária e suficiente à prolação do despacho de derrogação do sigilo bancário». (17)

4.2.5. Aduz ainda a Recorrente contra a sentença sob recurso e em ordem à sua revogação os seguintes fundamentos: o despacho determinativo de derrogação do sigilo bancário é ilegal porque viola grosseiramente os princípios da adequação e da proporcionalidade; está assente em erro sobre os pressupostos de facto e não se encontra suficientemente fundamentado, especialmente no que concerne aos anos de 2011 e 2013 relativamente aos quais a Recorrente nunca foi notificada para prestar esclarecimentos ou permitir o acesso a informação bancária


Nesse sentido alega, mais uma vez em síntese nossa, que: nunca recusou prestar eventuais informações atinentes à sua situação tributária; apenas foi notificada duas vezes para as prestar relativamente ao ano de 2012 e para confirmar determinados valores relativos a este ano e para efeitos de manifestações de fortuna, tendo a ambas respondido pelo que é ilegítimo o alargamento do âmbito da inspecção aos anos de 2011 e 2013, tanto mais que a Administração Tributária não tem um “direito à curiosidade» ou o acesso a dados à sua vida quotidiana, traduzindo esse acesso ilimitado e injustificado uma violação da reserva da sua vida privada.


Mais alega que a Administração Tributária pretende aceder a dados bancários relativos ao ano de 2011 que já lhe foram facultados - ainda que por terceiros, sem a sua autorização e a título instrumental já que estavam fora da extensão do procedimento inspectivo, o qual se reportava apenas a 2012 – e relativos ao ano de 2013 tão só «porque é admissível supor a existência no ano de 2013 de depósitos idênticos».


Tudo, pois, para concluir, ser evidente a violação dos princípios da proporcionalidade, adequação, legalidade e de reserva da intimidade da vida privada e familiar, todos constitucionalmente consagrados, bem como a existência de erro nos pressupostos de facto que sustentam a decisão de derrogação de sigilo bancário e de falta de fundamentação.

4.2.5.1. Apreciemos, por partes, começando por efectuar um breve enquadramento legal do procedimento que analisamos – derrogação do sigilo bancário - e dos princípios constitucionais convocados pela Recorrente - da proporcionalidade, da adequação e de reserva da vida privada – e recorrendo, ainda, aos ensinamentos doutrinais e à jurisprudência que de forma mais incisiva se tem debruçado sobre aquele procedimento e enquadramento e a forma como o mesmo se compatibiliza ou deve ser compatibilizado com os referidos princípios invocados.

Nesse sentido, atentemos, antes de mais, que nos termos do artigo 78.°, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), o segredo bancário é um dever profissional dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas, de não revelarem ou utilizarem informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes, cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.

A este dever-regra de sigilo admitiu, porém, o legislador, excepções: pode ser afastado mediante autorização do cliente ou, na ausência desta, prestadas aquelas informações a determinadas entidades em situações especificamente elencadas, tais como, à administração tributária, no âmbito das suas atribuições (cf. artigo 79°, n° 2, alínea f) do RGICSF).

Segundo a doutrina, «o sigilo bancário visa a salvaguarda do interesse público, do interesse privado do cliente e do interesse privado da instituição bancária: do interesse público, por se entender que o segredo bancário é necessário ao regular funcionamento das instituições bancárias tal como (salvaguardadas as devidas proporções) o segredo médico é necessário ao exercício da função respectivo e o segredo profissional é necessário à actividade do advogado. Sendo que da estabilidade e a confiança nas instituições financeiras depende em grande medida a saúde financeira das economias nacionais; do interesse do cliente, desde logo porque a informação bancária contende com a tutela dos seus direitos de personalidade; do interesse da instituição bancária, porque os dados disponibilizados sobre as operações financeiras também podem contender com o seu bom nome e a sua credibilidade financeira.». (18)


Porém, o " segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional de reserva da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal" (acórdão n°42/2007) e é mais suscetível a "restrições (...) impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos" (acórdão n.° 278/95).

Por outro lado - como ainda se anotou no acórdão n.° 442/2007 - quando a quebra do sigilo bancário promana da Administração Fiscal, não pode esquecer-se que ela não implica a abertura desses dados ao conhecimento geral, visto que os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão sujeitos ao dever de confidencialidade (artigo 64.° da Lei Geral Tributária) e a sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do sigilo profissional (cfr. o artigo 91.°, n.°1, do Regime Geral das Infrações Tributárias e o artigo 195.° do Código Penal, por um lado, e artigo 383.° deste Código e os n.°s 263 daquele artigo 91.°, por outro). Nessa medida, o levantamento do sigilo bancário mantém a reserva quanto aos dados que dele são objeto, através da sua cobertura pelo sigilo fiscal, que deixa salvaguardado - ainda que com o alargamento do círculo de pessoas que tomam conhecimento dos dados protegidos - "o conteúdo essencial tanto do direito à privacidade da vida privada e familiar dos contribuintes como da dinâmica da atividade bancária" (CASALTA NABAIS, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1997, pág. 619).

Constata-se, pois, que, não só o sigilo bancário cobre uma zona de segredo francamente suscetível de limitações, como a sua quebra por iniciativa da Administração Tributária representa uma lesão diminuta do bem protegido.

Em contrapartida, em ordem à necessidade de obtenção de receitas para suporte das despesas públicas e à realização dos fins inerentes ao sistema fiscal - incluindo a tributação segundo a capacidade contributiva e a distribuição equitativa da carga fiscal -, a Administração Fiscal está sujeita a um rigoroso princípio do inquisitório, pelo qual deve, no âmbito do procedimento tributário, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. Princípio esse que é completado por um dever de colaboração recíproco entre os órgãos da administração e os contribuintes (artigos 58° e 59° da LGT). O que torna por si justificável que ao dever de averiguação oficiosa da Administração se não possa opor, em termos absolutos, o direito à privacidade relativa a elementos de informação bancária." (19)


O que vimos expondo não significa que não seja uniforme o entendimento, porque a lei e a exigência da sua conformação constitucional assim o impõem, que o levantamento ou derrogação do dever de sigilo bancário possa ir além do que se mostre necessário e adequado. E se essa proporcionalidade e adequação só perante o caso concreto podem ser aferidas, é seguro afirmar-se que só será necessário se os demais elementos/informações e suportes documentais não permitirem aferir da veracidade da situação fiscal do sujeito passivo e adequado se essa verdade fiscal, no caso concreto, passar (necessariamente) pelo acesso e análise das informações e documentações bancárias a que se pretende aceder.

Conforme ficou enunciado no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, em 27.09.2012, em sede do recurso n.°00380/12.5BEBRG, "[d]a necessidade de subordinar o levantamento do sigilo bancário a critérios de proporcionalidade decorre que o levantamento do sigilo bancário só constituirá um instrumento lícito do apuramento da situação tributária do sujeito passivo quando, em concreto, se revelar necessário (no sentido de que não existe outra forma de suplantar a falta de colaboração do contribuinte); adequado (no sentido de que a informação em falta pode ser obtida com recurso a essa informação bancária), e proporcionada em sentido estrito (no sentido de que só pode ser pretendido o levantamento do sigilo bancário quanto aos elementos e aos períodos relativamente aos quais foi verificada a falta de colaboração".

No caso concreto, a questão que de imediato importa dirimir é a de saber se no caso em apreço estavam verificados os pressupostos legitimadores do recurso por parte da Administração Fiscal à derrogação do sigilo bancário, nos termos das alíneas b) e c) do nº1 do artigo 63.°-B da LGT, e se a forma como esse acesso foi determinado deve ser julgada como tendo observado aqueles princípios da proporcionalidade e da adequação.

Entendemos que sim.

Antes, porém, de explicitarmos porque assim o entendemos, importa delimitar em duas vertentes a apreciação que iremos realizar quanto a estas mesmas questões.

A primeira delimitação diz respeito às insistentes menções da Recorrente, a propósito de todos os ataques realizados à sentença, quanto ao alegado acesso a informações e documentos por terceiro sem o seu conhecimento ou autorização, sobre as quais, nesta análise nada mais se adiantará, remetendo, para efeitos do que possa ser entendido pela Recorrente como pertinente ou com reflexos nestas questões, para o que já ficou decidido.

A segunda, bem mais relevante, é a de que a apreciação das questões ora em apreço (e identificadas supra – ponto 4.2.5.), se irá circunscrever aos anos de 2011 e 2012, por ser manifesto que no que concerne ao ano de 2013 a decisão de derrogação do sigilo bancário carece, em absoluto, de fundamentação formal e substancial capaz de a sustentar, sendo evidente que os princípios da proporcionalidade, adequação e legalidade não poderiam nunca ter sido julgados como observados no que respeita àquele hiato temporal.

Esta conclusão, como facilmente se infere do que afirmámos, não tem propriamente a ver com a alegada falta de notificação da Recorrente para prestar esclarecimentos quanto a incrementos patrimoniais não justificados ou a indícios da sua existência, ainda que assuma igualmente relevância e seja manifesto que nunca aconteceu, nem através do seu filho, mas, sobretudo, com o facto de o despacho em questão não adiantar minimamente qualquer razão, que não um juízo de probabilidade sem qualquer consistência factual, insista-se, mínima, que permita a qualquer pessoa compreender que circunstâncias de facto determinam a decisão de derrogação do sigilo bancário relativamente ao ano em referência e, em conformidade, a verificação dos pressupostos jurídicos em que se sustentou a mesma decisão.

Note-se que embora seja correcto concluir-se que foram durante todo o procedimento emitidas três ordens de serviço - a primeira referente ao ano de 2012, e a segunda e terceira referentes aos anos de 2011 e 2013 [cfr. als. I) e T) dos factos assentes] e que daí não resulta propriamente uma alteração à extensão do procedimento (mas apenas a emissão de novas ordens de serviço, com vista ao apuramento da situação tributária da contribuinte relativamente aos anos mais próximos da primeira ordem de serviço), do despacho impugnado e para justificar o acesso à informação bancária apenas consta que : «6. Cremos, ainda, que as anomalias detetadas em relação aos valores depositados no ano de 2012 se verificam igualmente nos anos de 2011 e 2013, pelo que, em nosso entender, se Justifica a derrogação do dever de sigilo relativamente a informação bancária respeitante aos contribuintes em análise, para os anos de 2011, 2012 e 2013; 7. Para efeitos de Justificação do acesso a dados bancários de 2011 e 2013, foram emitidas as ordens de serviço internas com os n.°s 0120150371415, para esses anos, respetivamente.».

Ora, salvo o devido respeito, a emissão de uma ordem de serviço e a mera “crença”, isto é, a convicção íntima (pelo menos não exteriorizada) da Administração Tributária de que em relação ao ano de 2013 é (presume-se), provável que tais discrepâncias não esclarecidas (relatadas minuciosamente relativamente aos anos de 2011 e 2012) também se terão verificado, é muitíssimo pouco para que se possa julgar como devidamente fundamentado, formal ou substancialmente, como já o dissemos, a decisão de derrogação do sigilo bancário.

Fundamentação essa que, como é por demais sabido, constitui indiscutivelmente uma exigência legal e constitucionalmente imposta relativamente a todos os actos que lesem direitos ou interesses legítimos dos particulares praticados pela Administração, incluindo a Administração Fiscal e em matéria tributária, e que essa exigência de fundamentação em matéria de derrogação do sigilo fiscal surge mesmo reforçada pela identificação expressa pelo legislador das situações em que o dever de sigilo bancário pode ser derrogado, pela exigência de identificação dos motivos concretos que justificam a derrogação e pela necessidade de avalizar da sua proporcionalidade e adequação (tudo, conforme artigos 55.º, 63.º, n.º 2, 63-B n.º 4 e 77.º da LGT e 266.º, n.º2, e 268.º n.º 3, da CRP).

Saliente-se, aliás, que a informação que sustenta o despacho de derrogação do sigilo bancário – em que culmina o procedimento em termos instrutórios – data de 12-6-2015, isto é, foi emitida numa data em que eram já, seguramente, do conhecimento da Administração Tributária as declarações de rendimentos da Recorrente relativas aos anos de 2013 e 2014 (e até 2015, ainda que se reconheça o diminuto relevo para este procedimento das declarações relativas a este último ano), bem como as declarações de rendimentos Mod. 39 relativas a esses mesmos anos. Não obstante isso, e até surpreendentemente, naquela informação não é feita qualquer referência a essas declarações ou sobre eventuais discrepâncias aí detectadas, que constituiriam, naturalmente, como ocorreu relativamente aos anos anteriores, os factos fundamentadores de eleição dum juízo de necessidade de derrogação do sigilo bancário.

Não poderá, pois, como pretendido pela Recorrente, manter-se o julgado da 1ª instância nesta parte, o que determinará, a final, a anulação parcial do despacho na parte em que decidiu pela derrogação do sigilo bancário relativamente ao ano de 2013.

Posto isto, centrando de novo a nossa apreciação na decisão recorrida, adiantamos que não julgamos que o despacho recorrido, relativamente aos anos de 2011 e 2012, viole qualquer princípio constitucional, especialmente os da proporcionalidade, da adequação e da legalidade invocados pela Recorrente, que não traduz uma ilegítima violação da reserva da vida privada e familiar daquela e que, na parte atinente aos anos em referência, não padece de qualquer erro nos pressupostos de facto e está devidamente fundamentado.

Efectivamente, e como, de resto foi já explicado, a Administração Tributária pode e deve recorrer ao procedimento tendente a aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 317/2009, de 30 de outubro, e 242/2012, de 7 de novembro, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos» sempre que se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível ou quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º (artigo 63-B, n.º 1 als. b) e c) da LGT).

Foi precisamente o que a Administração fez no caso concreto: tendo recolhido indícios de que existia uma discrepância e esta não se mostrava justificada entre os rendimentos fiscalmente declarados e os efectivamente percebidos ou detidos pela sujeita passiva, instaurou um procedimento tendente a obter uma eventual justificação para a situação anómala verificada ou a confirmação da ilegalidade indiciada.

No âmbito desse procedimento a Recorrente foi várias vezes notificada para prestar esclarecimentos relativamente a essa desconformidade financeira no que respeita aos anos de 2011 e 2012, tendo optado por prestar esclarecimentos, informações e documentação que não foi julgada suficiente para afastar as dúvidas e os indícios de verificação de uma situação de manifestação de fortuna (artigos 89-A, n.º 4 e 87.º, n.º 1, al. f), ambos da LGT), sendo que, como resulta da lei - e unanimemente é reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, àquela Recorrente cabia comprovar que correspondiam à realidade os rendimentos declarados e de que era outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada.

Diz a Recorrente que nunca foi notificada para prestar esclarecimentos relativamente ao ano de 2011 mas, tão só, relativamente ao ano de 2012 [artigos 188) a 198) das alegações de recurso]

Não é verdade, como se constata sem dificuldade do que ficou apurado, em especial do que se mostra vertido na alínea Q), do probatório, tendo tal notificação para tais esclarecimentos ocorrido 23-3-2015, alguns, inclusive, facultados por intermédio do seu filho, como a própria Recorrente reconhece, sendo despropositado a este respeito alegar-se que «a título meramente instrumental, já que se encontravam fora da extensão do procedimento material», uma vez que havia já nessa data sido proferida Ordem de Serviço a abarcá-lo.

Afirma a Recorrente que, de todo o modo, «o despacho em causa viola os princípios da proporcionalidade e da adequação, já que determina o acesso a todas as contas e documentos bancários da Recorrente, quando resulta do próprio relatório de inspecção que a AT se refere a movimentos no Banco... e não a outros bancos, como por exemplo o M... BANCO... ou o ...» [artigos 211) a 213) das suas alegações].

Também não é verdade. Embora sejam as declarações relativas aos juros e depósitos bancários identificados nas contas do Banco... (BANCO...) que maiores dúvidas suscitaram à Administração Tributária e constituem o grosso dos indícios de verificação de eventuais irregularidades, é totalmente perceptível que as discrepâncias e os indícios recolhidos no que respeita a outros depósitos e instituições, bem como a eventuais omissões de declarações de rendimentos existentes nessas outras instituições bancárias (e até uma eventual omissão destas no cumprimento do dever consagrado no artigo 119.º, n.º 12, al. b) do Código de IRS) estão bem identificadas no relatório, dado como provado na alínea U), estendo aí claramente identificadas as várias contas e instituições bancárias – e que são as mencionadas ao longo de todo o relatório, especialmente no Quadro 5 - e explicitadas de forma muito precisa as dúvidas que persistem, designadamente os esclarecimentos e os documentos que não foram apresentados ou que o foram rasurados de forma a ficar omitida a proveniência de certos valores e depósitos, bem podendo suceder, o que só a informação a colher comprovará, ou não, ter origem imediata em qualquer uma das contas e instituições bancárias cujo acesso foi determinado.

Não obstante o que dissemos e a remissão realizada para a factualidade apurada, entendemos, por uma questão de transparência da decisão, transcrever aqui apenas uma parte dessa factualidade da qual decorre, em nosso entender, em absoluto a falência do alegado quanto à violação dos citados princípios, mas também para demonstrar ou fundamentar a decisão por nós já adiantada quanto à inexistência de erro nos pressupostos de facto e de que existe, relativamente aos anos de 2011 e 2012, uma verdadeira fundamentação de facto e de direito:

« III - FUNDAMENTAÇÃO DA DERROGAÇÃO DO DEVER DE SIGILO BANCÁRIO -ALÍNEAS B) E C) DO Nº1 DO ARTIGO 63.°- B DA LGT

Para além dos movimentos a crédito considerados justificados, dado que provêm do vencimento de aplicações ou de valores detidos noutras contas bancárias, foram ainda identificados inúmeros outros efetuados com carácter sistemático ao longo de todo o ano de 2012, os quais, pese embora pouco avultados quando considerados isoladamente, ascendem ao valor anual total de €172.681,33.

Observou-se, contudo, que a descrição de tais movimentos a crédito foi deliberadamente ocultada, desconhecendo-se assim a origem de tais montantes, os quais fizemos constar da tabela que constitui o Anexo XII.

De referir que, relativamente aos valores evidenciados com a descrição "Depósito de numerário", limitaram-se a informar que respeitam a poupanças do casal (Anexo VI, fls. 4/94).

Através de e-mail de 2015-02-06, foram pedidos esclarecimentos aos sujeitos passivos com vista a revelarem a proveniência de todos os valores creditados com o descritivo ocultado e novamente em 2015-03-23, pela mesma via. Reiterou-se o pedido em 2015-04-22, porém, sem êxito (Anexos VII ,VIII e IX).

Instados a tal, por inúmeras vezes, os sujeitos passivos não esclareceram a origem dos valores detetados, nem deram consentimento à Autoridade Tributária para acesso a informação bancária de que são titulares junto das entidades bancárias (cfr. Anexo VI, 1/94 e 2/94, Anexo X e Anexo XI).


Perante a factualidade exposta, considera-se que os movimentos a crédito assinalados nas contas detidas pelo casal em regime de contitularidade e que ascendem ao montante global supra descrito, porque não justificada a respetiva origem, encontram acolhimento na norma contida na alínea f) do nº1 do artigo 87° da LGT, consubstanciando uma divergência não Justificada superior a €100.000,00 entre o acréscimo de património evidenciado e os rendimentos declarados:

Descrição
Valores
Valores creditados no BANCO...
138.473,95
Valores creditados no ...
29.071,50
Valores creditados no ...
1.000,00
Valores creditados no BANCO...
4,135,88
Total dos valores creditados
172,681,33
Rend líquido declarado pelo agregado familiar (casal)
8,168,36
Acréscimos de património não justificados
164,512,97


Quadro 5



Consideram-se, assim, reunidos os pressupostos da aludida norma para recurso à avaliação indireta, pelo que, nesta situação, consigna o n°3 do artigo 89.°-A da LGT, que cabe ao sujeito passivo comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e que é outra a fonte do acréscimo de património evidenciado.

E mais dispõe o n°11 do art.89°-A da LGT que a avaliação indireta no caso da alínea f) do n°1 do artigo 87° deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária.

Perante o acréscimo de património evidenciado nos extratos bancários juntos ao procedimento inspetivo, é manifesta a incongruência face ao rendimento coletável do casal com referência ao mesmo ano (2012).

Desta forma, face aos rendimentos declarados, não parece justificação suficiente de per si que para alguns dos valores depositados refiram simplesmente que se trata de "Depósito de poupanças do casal (cfr. Anexo VI, folhas 3/94 verso e 4/94, a titulo exemplificativo), quando estamos na presença de depósito de valores que ascendem a € 14.400,00, € 3.000.00. € 5.595,00 e € 11.500,00, nada dizendo relativamente aos demais valores detetados.

Ora, em conformidade com o que dispõe a alínea c) do nº1 do artigo 63.°-B da LGT, a administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do nº1 do artigo 87°.

Afigura-se-nos assim que a situação factual supra exposta se enquadra na alínea f) do nº1 do artigo 87.° da LGT. e por consequência, segundo estatui a aludida norma contida na alínea c) do nº1 do artigo 63.°-B da LGT, encontra-se a Autoridade Tributária (AT) legitimada a aceder à informação bancária titulada pelo casal, sem dependência do seu consentimento.

(…)

Acresce ainda referir, a este propósito, que a análise de extratos bancários que revelem todos os movimentos e respetivas descrições sem rasuras ou ocultações pode ainda revelar a existência de outros incrementos de capital e, por esta via, o total dos valores não justificados poder ascender a valores superiores ao mencionado no Quadro 5.

De qualquer modo, também se entende que sempre assiste à AT o poder de aceder a informação bancária respeitante ao casal sem dependência do seu consentimento, ao abrigo da alínea b) do citado nº1 do artigo 63°-B, quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível.

Os factos vertidos supra legitimam-nos a concluir pela existência de indícios concretos de falta de veracidade do declarado na Modelo 3 de IRS de 2012, porquanto os valores creditados nas contas tituladas pelo casal e constantes do Quadro 5 - e cuja origem se desconhece - revelam uma capacidade financeira do casal que não é justificada pelo rendimento anual declarado à AT no ano de 2012 (rendimento coletável de €8.168,36).

Analisados os rendimentos declarados pelo casal na declaração Modelo 3 de IRS desde o ano de 2007, conclui-se que tais rendimentos correspondem unicamente a pensões auferidas pelo Sr. J..., os quais não justificam os valores depositados em 2012:

Descrição
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
Rendimentos Sr. J...
13.293,84
13.623,44
13.908,16
14.047,18
14,047,18
12,272,36
14,047,14
Rendimentos Sra. I...
Total dos rendimentos declarados
13,223,84
13.623,44
13.908,16
14.047,18
14.047,18
12,272,36
14.047,14
Rendimento colectável
7.133,84
7.623,44
7.908,16
8.047,18
8.047,18
8.168,36
9.943,14


Quadro 6



Tratar-se-á, assim, de se aferir, a coberto da citada al. b) do nº1 do art. 63º-B da LGT, da veracidade dos rendimentos declarados na Modelo 3 de I RS apresentada pelo casal relativamente a 2012.

Aquando do envio do Oficio n°…, de 19/06/2014, a acompanhar o referido ofício foi remetida aos sujeitos passivos uma declaração para o efeito de autorizar ou não a AT a aceder a informação bancária aos mesmos respeitantes, porém, a dita declaração não foi remetida a estes Serviços.

Perante a recusa dos sujeitos passivos na prestação de esclarecimentos acerca da origem dos valores creditados nas contas e cuja descrição deliberadamente ocultaram, bem como a não autorização à AT para acesso a informação bancária de que sejam titulares, considera-se que só através da análise dos extratos bancários integrais será passível determinar a origem dos referidos montantes creditados, alcançando-se dessa forma a verdade material acerca da situação tributária dos sujeitos passivos.

IV - CONCLUSÕES/PROPOSTAS

Face ao descrito no ponto anterior, somos do entendimento de que o mecanismo da derrogação do sigilo bancário se revela, in casu, indispensável para a descoberta da verdade material acerca da real situação tributária do casal.

De acordo com o consagrado no artigo 58º da LGT, de que a administração tributária deverá "(...) no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material,(... )" propõe-se que seja solicitado junto da Exma. Sr.ª Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, autorização para aceder a todas as Informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento dos titulares dos elementos protegidos, nos termos do artigo 63.°-B, n°4 da LGT, relativamente aos anos de 2011, 2012 e 2013, pelos seguintes motivos:

1. Nas contas analisadas foram detetados depósitos de montantes passíveis de serem qualificados como acréscimos patrimoniais não justificados, tal como são definidos na al. f) do nº1 do artigo 87°, da LGT;

2. Que ao realizar aplicações financeiras com a mobilização, ainda que parcial, do respetivo saldo da conta à ordem, são aplicados os meios financeiros depositados, cuja origem não foi justificada. De facto, embora o depósito a prazo no montante de €40.000,00, antes referido, constituído no BANCO... e que resulta da aplicação de valores provenientes da conta no ... e de parte do saldo da conta à ordem detida no BANCO..., tenha sido constituído em 2011-10-26, conforme acima se referiu, deduz-se que em 2011 existam idênticos depósitos aos efectuados em 2012, para os quais não foi dada justificação. A confirmar-se a existência desses depósitos em 2011, obviamente que se concluiria que aquela aplicação resulta de acréscimos de património não justificado.

3. Que a análise dos rendimentos comunicados pelo BANCO... na Modelo 39 não se encontra concluída pelo facto de não terem sido fornecidos todos os extratos bancários de 2012, de modo a confirmarmos o crédito de todos os rendimentos comunicados e sua conexão com os meios financeiros que os geraram;

4. Que a não justificação do depósito de valores não compatíveis com os rendimentos declarados em sede de IRS, ano de 2012, também é passível de ser considerada como indício de falta de veracidade do declarado, nos termos da al. b) do nº1do artigo 63.°-B da LGT, dado que os rendimentos declarados resumem -se a pensões de valor reduzido, conforme anteriormente evidenciado;

5. Não obstante termos solicitado por diversas vezes o envio de extratos bancários integrais referentes aos anos de 2011 e 2012 para suportar a análise que se impunha, os sujeitos passivos apenas juntaram extratos bancários de 2012 com ocultação parcial do seu teor, estando em falta, ainda assim, alguns dos extratos relativos ao BANCO..., enviaram ainda, da forma avulsa, algumas das folhas integrantes de extractos bancários de 2011;».

Sendo, pois, para nós inequívoco, que a Administração Tributária recolheu fortes indícios da falta de veracidade do declarado e de existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º; de acréscimo de património de valor superior a os (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, para os quais a Recorrente não apresentou suficiente justificação, pelo que não merece censura, no que respeita aos anos de 2011 e 2012, o despacho recorrido que, desta forma e com este âmbito, se reconhece como válido.

E, consequentemente, nessa parte e com todos os fundamentos expostos no ponto IV deste acórdão, se confirma a decisão recorrida.

V- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar parcialmente procedente o recurso e, em conformidade:

a) Revogar a sentença recorrida na parte em que julgou válido, por devidamente fundamentado, o despacho proferido pela Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira no que respeita à derrogação do sigilo bancário relativamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas de que seja titular a Recorrente na parte respeitante ao ano de 2013;

b) Manter, no mais, com a fundamentação exposta neste acórdão, a sentença recorrida e, consequentemente, confirmar a validade do despacho recorrido e referido em a) relativamente aos anos de 2011 e 2012.

Custas pela Recorrente e Recorrida, fixando-se as mesmas em ¾ para a primeira e ¼ para a segunda.

Registe e notifique.

Lisboa, 2 de Agosto de 2016

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[Anabela Russo]

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[Catarina Jarmela]

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[Bárbara Tavares Teles]

(1)Cfr., por ordem das citações realizadas, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 15-9-2015, proferido no processo n.º 61/14.5 e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 6-7-2006, proferido no processo n.º 220/06, ambos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt.

(2)Cfr. ABRANTES GERALDES, “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Vol., 3ª ed., Janeiro de 2000, páginas 201 e 273.

(3)Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-1-2005, proferido no processo n.º 1703/02, disponível, na íntegra, em www.dgsi.pt

(4)Neste preciso sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 25-5-2004, proferido no processo nº 17/04, acolhido no segmento citado pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 14-2-2014, processo n.º 982/10.4,ambos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt.

(5)ABRANTES GERALDES, “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Vol., 3ª ed., Janeiro de 2000, páginas 256 e 259.

(6)Segundo LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO, estão submetidos a esta regra da livre apreciação da prova do julgador: a prova testemunhal (art. 396º CC), a prova por inspecção (art. 391º CC) e a prova pericial (art. 389º CC). Tem o seu valor probatório fixado legalmente os documentos escritos, autênticos (art. 371º-1 CC) ou particulares (art. 376º-1 CC); a confissão escrita ou reduzida a escrito, quer seja feita em documento autêntico ou particular, neste último caso se dirigida à parte contrária ou a quem a represente (art. 358º-2 CC), sendo que, quando não reúna os requisitos exigidos para ter força probatória legal, a confissão fica sujeita à regra da livre apreciação (art. 361º CC); as presunções legais stricto sensu (art. 350º CC) e a admissão (arts. 567.º, 574.º n.º 2, 587.º e outros semelhantes) - - Vide, autores citados em “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, 2001, página 635. Estão, igualmente, sujeitos ao princípio da livre apreciação do julgador os novos meios de prova introduzidos pelo Código de Processo Civil: as declarações de parte (art. 466.º n.º 3); a prova para verificação não judicial (art. 494.º n.º 2 - com a ressalva imposta na 1ª parte dessa mesma norma) e a prova para reconstituição de facto (pressuposta nos arts. 490.º e 494.º n.º 1).

(7)Vide, neste sentido, ANTUNES VARELA, “Manual de Processo Civil”, 1984, página 643.

(8)Cfr., neste sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 25-5-2004, integralmente disponível em www.dgsi.pt

(9)Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 25-5-2004. Ainda no sentido de que, mantendo-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e porque o julgamento se rege por padrões de probabilidade e não tendo em vista alcançar uma certeza absoluta, o Tribunal de recurso só deve proceder á alteração da matéria de facto fixada em 1ª instância nas situações de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão. Vide, ainda, os Acórdãos da Relação do Porto de 19-9-2000 (disponível na Colectânea Jurisprudência, Ano XXV - 2000, tomo 4, página 186); do Supremo Tribunal de Justiça de 21-1-2003 (processo n.º 2A4324, disponível em www.dgsi.pt), da Relação de Coimbra de 25-11-2003 e 18-8-2004 (proferidos, respectivamente, nos processos n.º 3858/03, 1937/04, ambos disponíveis em www.dgsi.pt) e da Relação de Lisboa de 4-2-2014 (processo n.º 982/10.4, igualmente disponível em www.dgsi.pt).

(10)Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 13-11-2001, disponível na Colectânea de Jurisprudência de 2001, tomo V, página 85.

(11)Neste sentido, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 10-11-2005 (proferido no proc. nº 3876/2005-6) e da Relação de Évora de 29-3-2007 (proferido no processo nº 2824/06-3), igualmente disponíveis em www.dgsi.pt.

(12)Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-5-2017 (proferido no processo nº 6B1868), integralmente disponível em www.dgsi.pt.

(13)João Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspecção – Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, pp. 91 e seguintes, integralmente disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/17995/1/Jo%C3%A3o%20Fernando%20Dami%C3%A3o%20Caldeira.pdf.

(14)Joaquim Freitas da Rocha, João Damião Caldeira, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Anotado e Comentado, Coimbra Editora, 2013, pág. 81 a 84

(15)Afigura-se-nos, mesmo, que estamos perante uma verdadeira situação de interpretação autêntica, já que a determinação do sentido desta norma ocorreu por força de outra lei de igual valor, que apresenta uma solução de direito perante a existência de uma situação controvertida, sendo que a solução definida pela nova lei se situa claramente dentro dos quadros da controvérsia e a ela o julgador ou o intérprete poderiam chegar (como chegávamos) sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, requisitos adiantados pela doutrina para que se possa ser considerada verdadeiramente interpretativa. Cfr., neste sentido, Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pp. 246/7 e Franscesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, trad. de Manuel de Andrade, p. 131.

(16)António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, II volume, 3ª Ed., revista e actualizada, pp. 227 e ss.

(17)Cfr., Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 14-10-2015, proferido no processo n.° 901/15, integralmente disponível em www.dgsi.pt.

(18)Cfr., Nuno Bastos, Derrogação do Sigilo Bancário, in Curso de Formação para os Tribunais Administrativos e Fiscais - Área de Direito Tributário Substantivo e Processual, Cadernos Centro de Estudos Judiciários, pp. 4-5.

(19)Acórdão do Tribunal Constitucional n°145/2014, de 13-2-2014, processo nº521/2013, integralmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/