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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06925/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/17/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE INSUPRÍVEL DA DECISÃO ADMINISTRATIVA DE APLICAÇÃO DE COIMA.
ARTºS.63, Nº.1, AL.D), E 79, Nº.1, AL.B), DO R.G.I.T.
“PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA DEDUZIDA” CONSTANTE DO ARTº.114, DO R.G.I.T.
CONSEQUÊNCIAS DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA DE APLICAÇÃO DE COIMA.
Sumário:1. Em regra, no procedimento e processo tributários, o Tribunal ou entidade para onde subir um processo administrativo tributário deverá tomar a iniciativa de sanar ou mandar suprir qualquer deficiência ou irregularidade que o mesmo contenha (cfr.artº.19, do C.P.P.T.).

2. No artº.63, do R.G.I.T., enumeram-se algumas deficiências de que pode padecer o processo de contra-ordenação tributário que são qualificadas como insupríveis. Tal qualificação é-lhes atribuída não por não poder haver sanação das anomalias processuais que constituem estas nulidades, mas pelo facto de elas não poderem ser consideradas como sanadas pelo mero decurso do tempo sem arguição pelos interessados ou por qualquer actuação do próprio Tribunal, como é de regra nas nulidades sanáveis ou nas meras irregularidades (cfr.artºs.120 e 123, do C.P.Penal).

3. O conhecimento oficioso das nulidades insanáveis pode ocorrer até ao trânsito em julgado da decisão final. Assim, tal conhecimento tanto pode acontecer na fase administrativa como na fase judicial e, nesta, tanto na parte que corre termos perante os Tribunais Tributários de 1ª. Instância como na fase de recurso jurisdicional, mas sempre até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo (cfr.artº.63, nº.5, do R.G.I.T).

4. Diz-nos o artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.Tributárias, que constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação fiscal, além do mais, a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima. Por sua vez, o artº.79, nº.1, do mencionado diploma (na esteira do artº.58, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10), consagra os requisitos que a decisão administrativa de aplicação de coimas deve conter e que são:
a-A identificação do arguido e eventuais comparticipantes;
b-A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas;
c-A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d-A indicação de que vigora o princípio da proibição da “reformatio in pejus”;
e-A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f-A condenação em custas.

5. A exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada. Porém, é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (cfr.artº.32, nº.10, da C.R.Portuguesa) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.T.

6. Consagra o citado artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., que a decisão administrativa de aplicação de coima deve conter a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, assim não bastando uma mera remissão para qualquer peça processual, mesmo que se trate do auto de notícia. A “descrição sumária” referida neste preceito não exige a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, conteúdo que é exigido pelo artº.374, nº.2, do C.P.P., para as sentenças proferidas em processo criminal. Trata-se, neste artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., de estabelecer um regime de menor solenidade para as decisões de aplicação de coimas comparativamente com as sentenças criminais, regime esse justificável pela menor gravidade das sanções contra-ordenacionais. O que exige esta norma, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (artº.32, nº.10, da C.R.P.) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente. Pela mesma razão, a de que é necessário assegurar que o arguido se apercebe dos factos que lhe são imputados, não pode considerar-se suficiente uma indicação factual implícita, dedutível do enquadramento jurídico que na decisão é dado à infracção. Nestes termos, a mera indicação da norma jurídica violada não pode considerar-se suficiente para preencher o requisito de descrição sumária dos factos, pois não é descrição de factos, nem o arguido tem obrigação de conhecer os diplomas legais para suprir a omissão pela Administração Tributária dos deveres de descrição factual.

7. Com a utilização da expressão “prestação tributária deduzida” no artº.114, do R.G.I.T., o legislador pretendeu aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária, isto é, uma quantia de imposto nos termos do artº.11, al.a), do R.G.I.T., pelo sujeito passivo e através de uma subtracção de uma quantia global, sendo que tal montante tem de ser entregue à A. Fiscal.

8. A infracção imputada ao arguido no artº.114, nº.2, do R.G.I.T., não se basta com uma pura omissão de um dever de agir, contém na sua descrição típica, para além disso, um elemento adicional, que, ao constituir um pressuposto da punição, tem de estar suportado em factos descritos na decisão de aplicação da coima: o de que a prestação não entregue se trate de uma “prestação tributária deduzida nos termos da lei” (cfr.artº.114, nº.1, do R.G.I.T.). Assim, a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida. Ora, compulsando a decisão administrativa de aplicação da coima (cfr.nº. nº.4 do probatório), nenhuma referência se faz a tal situação prévia. Por outras palavras, devia constar da decisão de aplicação de coima a referência ao recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica que aí vem referida, o que afasta a possibilidade de preenchimento da hipótese do artº.114, nº.2, do R.G.I.T. (a qual se reporta à conduta prevista no nº.1 do mesmo preceito).

9. Acresce que, em face das normas legais tidas como violadas na decisão de aplicação da coima - os artºs.27, nº.1 e 41, nº.1, do C.I.V.A. - não seria sequer possível concluir pelo preenchimento do tipo legal de contra-ordenação p.p. no artº.114, nºs.1 e 2, do R.G.I.T., pois no âmbito do I.V.A. os sujeitos passivos não têm de entregar à Administração Tributária a prestação que deduziram, mas, antes pelo contrário, somente têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o I.V.A. a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram, apenas se encontrando no tipo legal do artº.114, do R.G.I.T., referência compatível com o mecanismo de liquidação do I.V.A., no nº.3 do mesmo preceito e desde que o imposto tenha sido recebido, sendo que este nº.3 não foi levado em consideração na decisão de aplicação da coima que está na origem dos presentes autos.

10. O despacho de aplicação da coima examinado nos presentes autos não satisfaz o requisito da descrição sumária dos factos a que se alude o artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., assim enfermando da nulidade insuprível prevista no artº.63, nº.1, al.d), do mesmo diploma legal.

11. Se a nulidade, referente à parte administrativa do processo contraordenacional, é constatada em recurso judicial da decisão de aplicação de coima, não deve ser decidida a absolvição da instância, mas sim a remessa do processo à autoridade administrativa para eventual sanação da mesma e renovação do acto sancionatório.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto despacho proferido pela Mª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarado a fls.129 a 134 do presente processo de recurso de contra-ordenação, através do qual julgou procedente o salvatério intentado pelo recorrido “M.............. - Comércio ................., S.A.”, em consequência do que anulou a decisão administrativa de aplicação de coima.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.147 a 150 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A sentença proferida no processo em referência julgou procedente o recurso da decisão de aplicação da coima em causa, tendo considerado inadequadamente cumprido o requisito da descrição sumária dos factos a que alude a alínea b), do nº.1, do artº.79, do R.G.I.T., enfermando, assim, da nulidade insuprível prevista na alínea d), do nº.1, do artº.63, do mesmo diploma legal;
2-É o seguinte, no que ao caso importa, o teor do despacho respeitante à decisão de aplicação da coima proferido pela Directora de Finanças Adjunta, em 30/12/2010:

“1- O sujeito passivo supra identificado, em sede de IVA, relativo ao exercício de 2010, período 2010/04, não entregou simultaneamente com a declaração periódica, a prestação tributária no valor de € 909.023,31, montante necessário para satisfazer totalmente o imposto exigível.
(...) Verificando-se a existência da infracção, e tendo sido praticado um facto típico, ilícito e culposo, declarado punível pela lei tributária anterior, proceder-se-á à aplicação da coima.
(...) Dão-se como provados os factos constantes do auto de notícia, factos esses que constituem infracções aos artigos dos seguintes Códigos:
Infracção referida sob o n° 1 - Artigo(s) 27°, n° 1, 41°, n° 1 do(s) Códigos(s) do IVA Na ausência de outros elementos considerados relevantes para a graduação da coima e de acordo com o disposto no artigo 27° do Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei n° 15/2001 de 5 de Junho, aplico a coima de (Euro) 30.000 (trinta mil euros e zero cêntimos) à infracção a seguir indicada, com observância dos limites mínimos e máximos mais favoráveis previstos no artigo 26° do RGIT, (verificando-se no presente processo da aplicação do valor máximo nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 26° do RGIT), sendo ainda devidas as respectivas custas (...).
Infracção referida sob o n° 1 - A Coima de (Euro) 30.000 prevista no art°. 114°-2 do RGIT.”

3-Assim, ao invés do concluído na sentença recorrida e tendo em vista o entendimento doutrinal e jurisprudencial dominante a respeito da questão em apreço, afigura-se-nos que a questionada decisão de aplicação da coima, não obstante a alusão ao auto de notícia, contém os elementos legalmente exigidos, dela constando não só a descrição sumária dos factos, com suficiente aptidão para informar adequadamente a arguida sobre os mesmos, mas também a indicação das normas violadas bem como da norma punitiva;
4-Termos em que, tendo a sentença recorrida decidido com base em entendimento contrário ao que resulta das presentes conclusões, assim violando o artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., deverá a mesma ser revogada, com as legais consequências.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.168 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.130 e 131 dos autos):
1-Em 26/6/2010, foi levantado o auto de notícia de fls.4 contra a recorrente, imputando-lhe a prática de uma infracção prevista e punida nos artºs.27, nº.1, e 41, nº.1, al.a), do C.I.V.A., e 114, nº.2, do R.G.I.T., por entrega da declaração periódica em 11/6/2010, dentro do prazo legal para o efeito, sem meio de pagamento, sendo o valor da prestação em falta de € 909.023,31, relativo ao período de 2010/04T;
2-O referido auto foi levantado por José ............................, inspector tributário, que verificou pessoalmente na Direcção de Serviços de Cobrança do I.V.A. que a arguida não entregou, simultaneamente com a declaração periódica, a prestação tributária necessária para satisfazer totalmente o imposto exigível (cfr.documento junto a fls.4 dos presentes autos);
3-A recorrente foi notificada para apresentar a sua defesa o que veio a fazer em 26/7/2010 (cfr.documentos juntos a fls.5 e 8 e seg. dos presentes autos);
4-Por despacho de 30/12/2010, da Directora de Finanças Adjunta, foi proferida a decisão sob recurso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, aplicando a coima de € 30000,00 e da qual consta por súmula o seguinte:

DECISÃO DE FIXAÇÃO DA COIMA
Descrição Sumária dos factos
Ao(À) arguido(a) foi levantado o auto de notícia de fls.2, pelos seguintes factos a seguir indicados: o sujeito passivo supra indicado, em sede de IVA, relativo ao exercício de 2010, período 2010/04, não entregou simultaneamente com a declaração periódica, a prestação tributária no valor de € 909.023,31, montante necessário para satisfazer totalmente o imposto exigível.” (cfr.documento junto a fls.36 e 37 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Nada mais foi provado com interesse para a decisão a proferir…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, o despacho recorrido julgou o recurso deduzido procedente, anulando, em consequência, a decisão administrativa que aplicou a coima, tudo em virtude desta enfermar de nulidade insuprível prevista no artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.T., derivada da falta de descrição sumária dos factos imputados ao arguido e ora recorrido.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese e como supra se alude, que ao invés do concluído na sentença recorrida e tendo em vista o entendimento doutrinal e jurisprudencial dominante a respeito da questão em apreço, afigura-se-nos que a questionada decisão de aplicação da coima, não obstante a alusão ao auto de notícia, contém os elementos legalmente exigidos, dela constando não só a descrição sumária dos factos, com suficiente aptidão para informar adequadamente o arguido sobre os mesmos, mas também a indicação das normas violadas bem como da norma punitiva. Que tendo a sentença recorrida decidido com base em entendimento contrário ao que resulta das presentes conclusões, assim violando o artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., deverá a mesma ser revogada, com as legais consequências (cfr.conclusões 1 a 4 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Em regra, no procedimento e processo tributários, o Tribunal ou entidade para onde subir um processo administrativo tributário deverá tomar a iniciativa de sanar ou mandar suprir qualquer deficiência ou irregularidade que o mesmo contenha (cfr.artº.19, do C.P.P.T.).
Nos termos do artº.118, do C.P.Penal (aplicável “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.41, nº.1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10), a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei e, nos casos em que ela não o esteja, o acto ilegal é meramente irregular.
No artº.63, do R.G.I.T., enumeram-se algumas deficiências que são qualificadas como insupríveis. Tal qualificação é-lhes atribuída não por não poder haver sanação das anomalias processuais que constituem estas nulidades, mas pelo facto de elas não poderem ser consideradas como sanadas pelo mero decurso do tempo sem arguição pelos interessados ou por qualquer actuação do próprio Tribunal, como é de regra nas nulidades sanáveis ou nas meras irregularidades (cfr.artºs.120 e 123, do C.P.Penal).
Assim, as nulidades referidas apenas poderão ser supridas em alguns casos e, nos casos em que o podem ser, só podem considerar-se sanadas com supressão da deficiência ou irregularidade a que elas se reportam, designadamente com a prática de acordo com a lei do acto omitido ou irregularmente praticado.
Por outro lado, à semelhança do que se prevê no artº.63, nº.3, do R.G.I.T., também as nulidades previstas no C.P.Penal tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como
os actos que dele dependerem e aquelas puderem afectar, tudo sendo determinado na decisão que apreciar a existência da nulidade (cfr.artº.122, do C.P.Penal).
O conhecimento oficioso das nulidades insanáveis pode ocorrer até ao trânsito em julgado da decisão final. Assim, tal conhecimento tanto pode acontecer na fase administrativa como na fase judicial e, nesta, tanto na parte que corre termos perante os Tribunais Tributários de 1ª. Instância como na fase de recurso jurisdicional, mas sempre até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo (cfr.artº.63, nº.5, do R.G.I.T.; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.443 e seg.; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág.142 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/10/2011, proc.4883/11).
Diz-nos o artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.Tributárias, que constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação fiscal, além do mais, a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima. Por sua vez, o artº.79, nº.1, do mencionado diploma (na esteira do artº.58, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10), consagra os requisitos que a decisão administrativa de aplicação de coimas deve conter e que são:
1-A identificação do arguido e eventuais comparticipantes;
2-A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas;
3-A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
4-A indicação de que vigora o princípio da proibição da “reformatio in pejus”;
5-A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
6-A condenação em custas.
Não havendo na fase decisória do processo contra-ordenacional que corre pelas autoridades administrativas a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.
Reflexamente, a exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.
Porém, é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (cfr.artº.32, nº.10, da C.R.Portuguesa) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.T. (cfr.Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.517; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág.143 e 144; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/10/2011, proc.4883/11).
Consagra o citado artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., que a decisão administrativa de aplicação de coima deve conter a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, assim não bastando uma mera remissão para qualquer peça processual, mesmo que se trate do auto de notícia.
A “descrição sumária” referida neste preceito não exige a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, conteúdo que é exigido pelo artº.374, nº.2, do C.P.P., para as sentenças proferidas em processo criminal.
Trata-se, neste artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., de estabelecer um regime de menor solenidade para as decisões de aplicação de coimas comparativamente com as sentenças criminais, regime esse justificável pela menor gravidade das sanções contra-ordenacionais. O que exige esta norma, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (artº.32, nº.10, da C.R.P.) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente. Pela mesma razão, a de que é necessário assegurar que o arguido se apercebe dos factos que lhe são imputados, não pode considerar-se suficiente uma indicação factual implícita, dedutível do enquadramento jurídico que na decisão é dado à infracção. Nestes termos, a mera indicação da norma jurídica violada não pode considerar-se suficiente para preencher o requisito de descrição sumária dos factos, pois não é descrição de factos, nem o arguido tem obrigação de conhecer os diplomas legais para suprir a omissão pela Administração Tributária dos deveres de descrição factual (cfr.Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.518).
No caso “sub judice”, conforme se retira do probatório (cfr.nº.1 da factualidade provada), é imputado ao arguido e ora recorrido a prática de uma infracção prevista e punida nos artºs.27, nº.1, e 41, nº.1, al.a), do C.I.V.A., e 114, nº.2, do R.G.I.T., a título de negligência.
Atento o referido, a norma punitiva da conduta em causa nos presentes autos, é a constante do artº.114, nºs.1 a 3, do R.G.I.T., na versão em vigor no ano de 2010, a qual tinha o seguinte conteúdo:
Artigo 114.º
(Falta de entrega da prestação tributária)

1-A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2-Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
3-Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja.
(…).
Por prestação tributária entende-se qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.artº.11, al.a), do R.G.I.T.).
No caso de não existir dolo, a falta de entrega da prestação deduzida é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no nº.2 deste artigo, sendo esta a contra-ordenação imputada ao arguido neste processo.
No âmbito do I.V.A., fala-se de dedução de imposto relativamente ao tributo que o sujeito passivo tem a receber, nos termos dos artºs.19 a 25, do C.I.V.A., não se referindo o legislador a qualquer situação em que o contribuinte entregue imposto que tenha previamente deduzido. De facto, no âmbito do referido direito à dedução, os sujeitos passivos não têm de entregar à Fazenda Pública a prestação tributária que deduziram (o imposto que deduziram à face da definição dada no citado artº.11, al.a), do R.G.I.T.), mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer a entrega do imposto na medida em que excede o I.V.A. a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram. Nestas situações, o imposto que deve ser entregue não é o tributo que foi liquidado, mas antes o eventual saldo positivo a favor da A. Fiscal que se registe após a confrontação do volume global do imposto liquidado (recebido ou não a jusante) com o que foi pago pelo sujeito passivo aos seus fornecedores ou prestadores de serviços a montante.
Assim é de partir do pressuposto de que, com a utilização da expressão “prestação tributária deduzida” se pretendeu aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária, isto é, uma quantia de imposto nos termos do artº.11, al.a), do R.G.I.T., pelo sujeito passivo e através de uma subtracção de uma quantia global, sendo que tal montante tem de ser entregue à A. Fiscal (cfr.Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.813 e 814).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira da factualidade provada (cfr.nº.4 do probatório), do despacho de aplicação de coima consta a indicação das normas violadas, fazendo-se referência aos artºs.27, nº.1 e 41, nº.1, do C.I.V.A. Quanto à norma punitiva faz-se alusão ao artº.114, nº.2, do R.G.I.T. No que diz respeito à descrição sumária dos factos, contém o despacho de aplicação de coima a seguinte menção:
o sujeito passivo supra indicado, em sede de IVA, relativo ao exercício de 2010, período 2010/04, não entregou simultaneamente com a declaração periódica, a prestação tributária no valor de € 909.023,31, montante necessário para satisfazer totalmente o imposto exigível.”
Analisemos se tal conteúdo do despacho administrativo de aplicação de coima proferido neste processo satisfaz as exigências do examinado artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T.
Pensamos que não.
A infracção imputada ao arguido não se basta com uma pura omissão de um dever de agir, contém na sua descrição típica, para além disso, um elemento adicional, que, ao constituir um pressuposto da punição, tem de estar suportado em factos descritos na decisão de aplicação da coima: o de que a prestação não entregue se trate de uma “prestação tributária deduzida nos termos da lei” (cfr.artº.114, nº.1, do R.G.I.T.). Assim, a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida. Ora, compulsando a decisão administrativa de aplicação da coima (cfr.nº. nº.4 do probatório), nenhuma referência se faz a tal situação prévia. Por outras palavras, devia constar da decisão de aplicação de coima a referência ao recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica que aí vem referida, o que afasta a possibilidade de preenchimento da hipótese do artº.114, nº.2, do R.G.I.T. (a qual se reporta à conduta prevista no nº.1 do mesmo preceito).
Acresce que, em face das normas legais tidas como violadas na decisão de aplicação da coima - os artºs.27, nº.1 e 41, nº.1, do C.I.V.A. - não seria sequer possível concluir pelo preenchimento do tipo legal de contra-ordenação p.p. no artº.114, nºs.1 e 2, do R.G.I.T., pois, conforme mencionado supra, no âmbito do I.V.A. os sujeitos passivos não têm de entregar à Administração Tributária a prestação que deduziram, mas, antes pelo contrário, somente têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o I.V.A. a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram, apenas se encontrando no tipo legal do artº.114, do R.G.I.T., referência compatível com o mecanismo de liquidação do I.V.A., no nº.3 do mesmo preceito e desde que o imposto tenha sido recebido, sendo que este nº.3 não foi tido nem achado na decisão de aplicação da coima que está na origem dos presentes autos (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/9/2009, rec.540/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/11/2011, rec.855/11).
Importa, pois, concluir que o despacho de aplicação da coima, como bem se sentenciou na decisão recorrida não satisfaz o requisito da descrição sumária dos factos a que se alude o artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., assim enfermando da nulidade insuprível prevista no artº.63, nº.1, al.d), do mesmo diploma legal.
Haverá, agora, que examinar qual o efeito da decretada nulidade insuprível da decisão de aplicação da coima exarada nos presentes autos.
A tal questão nos responde, em primeira linha, o artº.63, nº.3, do R.G.I.T.
Na sequência da declaração de uma nulidade insuprível, o processo não é necessariamente extinto, devendo ser praticados os actos necessários para que a mesma seja sanada. É isso que se infere do preceituado no artº.63, nº.3, do R.G.I.T., ao impor o aproveitamento das peças úteis ao apuramento dos factos, sendo este regime aplicável à generalidade das nulidades previstas no nº.1, do preceito, entre os quais se inclui a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas. Assim, o efeito da declaração destas nulidades consiste na anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos, e não a absolvição da instância ou o arquivamento do processo contra-ordenacional. Os efeitos são estes mesmo que a declaração de nulidade ocorra na fase judicial do processo, após a apresentação do processo ao juiz, como evidencia a sistematização do R.G.I.T., dado que, da colocação sistemática do artº.63, deste diploma, se deve concluir que a mesma norma se aplica, tanto à fase administrativa, como à fase judicial do processo. Assim, se a nulidade, referente à parte administrativa do processo contraordenacional, é constatada em recurso judicial da decisão de aplicação de coima, não deve ser decidida a absolvição da instância, mas sim a remessa do processo à autoridade administrativa para eventual sanação da mesma e renovação do acto sancionatório. Por outras palavras, tais nulidades, na medida em que inquinam a acusação, ou seja, a decisão que aplica a coima, devem visualizar-se como excepções dilatórias que geram a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto inquinado dependam absolutamente e consequente devolução dos autos à autoridade administrativa que aplicou a coima, com vista a eventual renovação do acto sancionatório (cfr.artº.52, do R.G.I.T.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2009, rec.938/09; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/4/2010, rec.270/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/10/2011, proc.4883/11; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.447).
Arrematando, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, embora com a actual fundamentação, mais se anulando todo o processado subsequente ao despacho de aplicação de coima exarado a fls.36 e 37 dos presentes autos e devendo o processo baixar ao Tribunal “a quo” para que este o remeta à autoridade tributária que aplicou a coima, com vista a eventual renovação do acto sancionatório.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 17 de Outubro de 2013

(Joaquim Condesso - Relator)
(Pereira Gameiro - 1º. Adjunto)

(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)