Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2710/12.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2019
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:PROCESSO TÉCNICO DE CONTESTAÇÃO - OMISSÃO DE INSTRUÇÃO E DECISÃO
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE LEGAL
Sumário:Ocorrendo a omissão de instrução e decisão de processo técnico de contestação, configura-se uma preterição de formalidade legal essencial que inquina de ilegalidade a liquidação de receitas tributárias aduaneiras efectuada com base na classificação pautal adoptada pela Administração Aduaneira (arts. 6° e 10°/13° do DL n°281/91, 9 de Agosto).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, vem recorrer da sentença de fls. 297/337, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela «J...., S.A» [sociedade de direito espanhol] e por A.... [despachante oficial] contra a liquidação de receitas tributárias aduaneiras e respectivos juros compensatórios liquidados “a posteriori” pela Direcção da Alfândega Marítima de Lisboa, conforme despacho do seu Director, de 5 de Julho de 2012, exarado no Processo de Cobrança com o nº../2012.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:


«48°.
Atento as alegações de facto e de direito expendidas, deve o presente recurso ser admitido, por legal.

49°.
Deve o acto de liquidação ser considerado legal, uma vez que foi praticado em conformidade com a legislação comunitária vigente e se encontra correctamente fundamentado de fato e de direito, nos termos atrás expostos.

50°
Caso a administração procedesse de outro modo e omitisse o acto de liquidação, estaria a agir contra os normativos vigentes e a colocar o Estado Português em situação de poder vir a ser financeiramente responsável pelos Recursos Próprios Tradicionais, perante a Comissão Europeia.

51°
Atendendo ao princípio do primado do direito comunitário, as receitas próprias de países membros da Comunidade Europeia destinam-se à satisfação de interesses próprios, segundo os ditames de política económica e financeira de cada um e da satisfação das respectivas necessidades públicas, de que é base fundamental o Orçamento do Estado e as Grandes Opções do Plano. Ao passo que os recursos próprios comunitários destinam-se à satisfação de interesses próprios da Comunidade, segundo os ditames por esta estabelecidos. De modo que se trata de situações diversas, a exigir normação distinta: normação interna para aquelas, comunitária para estas.

52°.
A decisão do Processo Técnico de Contestação nº3/2012, homologado em 31 de Dezembro de 2013 pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais decidiu «atribuir à mercadoria em litigio designado por frozen big eye tuna e frozen yellow fin tuna", a classificação pelo código NC 0304 29 45 20, para a designação " filetes de atum patudo do Atlântico congelados e o código NC 0304 29 45 90, para a designação " filetes de atum de barbatanas amarelas congeladas", com fundamento nas regras gerais 1 a 6 para a interpretação da Nomenclatura Combinada, bem, como nos textos dos códigos, 0304, 03 04 29, 0304 29 45, 0304294520 e 030429 45 90", ou seja, deu razão à posição defendida pela Administração Aduaneira.

53°.
Nos termos da fundamentação aduzida, o ato de liquidação, não enferma do vício de preterição de formalidade essencial, uma vez que a Administração está vinculada ao cálculo e respectivo registo de liquidação das imposições em dívida, num prazo de dois dias após a constatação dos factos.

54°.
A interposição de qualquer tipo de recurso não tem efeito suspensivo da execução das decisões.

55°.
Não sendo reconhecido ao recurso efeito suspensivo da decisão e estando a Administração obrigada a efectuar o registo de liquidação das importâncias calculadas no relatório de inspecção, não se vislumbra como é que pode ter existido preterição de uma formalidade essencial.

56°
Neste sentido, forçoso é concluir que a liquidação oficiosa com o número de registo de liquidação nº20121/98…. de 05/07/2012 no montante de €141.607,62 (cento e quarenta e um mil, seiscentos e sete euros e sessenta e dois cêntimos) relativo a direitos aduaneiros e juros compensatórios não enferma de qualquer vício, que afecte a sua validade, devendo, por isso, ser mantida na ordem jurídica.

Nestes termos, e nos demais de direito e, com o douto suprimento de V. Exa, deve o presente recurso ser julgado procedente e, assim, será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA!»


*
Os Recorridos contra-alegaram, pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção do julgado sem, no entanto, formular conclusões.
*

O Ministério Público, junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de improceder o recurso (cf. fls.345 dos autos).

*

Colhidos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*


Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (artº639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se o acto de liquidação em causa nos autos enferma de vício de preterição de formalidade essencial, em virtude da omissão da fase de instrução do processo técnico de contestação e da decisão final do Conselho Técnico-Aduaneiro, previamente à prática do referido acto tributário.


*

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De Facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

«A) Pelo ofício nº1…, de 13 de Abril de 2011, o Director de Serviços Antifraude da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o consumo comunicou ao Director da Alfândega Marítima de Lisboa o seguinte:
“Na sequência da informação AM 0…./2010, do OLAF, foi difundida, internamente, a FIA 930201100089 e o Perfil de Risco 930201100010, alertando para o risco associado à errada classificação pautal de certas importações de filetes de atum com origem declarada Coreia do Sul, que vinham sendo declaradas na posição pautal 023 04 99 99, como outra carne de peixe, que não filetes, a que correspondia, à data, uma taxa de 7,5%, quando deveriam ser declarados na posição pautal 03 04 29 45, como Filetes (filés) congelados de atum, a que corresponde uma taxa superior, na ordem dos 18%.
(…)
Pela análise que foi possível efectuar às cópias das declarações aduaneiras, que nos foram remetidas, foi, desde logo, possível evidenciar certos aspectos que, no nosso entender, são merecedores de uma segunda e rigorosa análise, efectuada em sede de controlo a posteriori da declaração. São estes, designadamente:
• Os termos utilizados pelo vendedor para descrever para descrever as mercadorias nas facturas comerciais e demais documentação apresentada e juntas às declarações aduaneiras. Com efeito, a mercadoria vem descrita como “loin” ou “saku”, termos que se associa lombos ou filetes de atum e não a outras partes do peixe, como declarado;
• O tipo de mercadorias comercializadas pela empresa importadora J...., SA, com o NIF ESA 9663…., cujo catálogo de produtos está disponibilizado na internet, na sua página oficial;
• E, por último, mas não menos importante, o esclarecimento, relativamente aos que se deve entender como filetes congelados, constante nas Notas Explicativas da Nomenclatura Combinada (2009/C 112/02).
Tendo em conta estes elementos e em cumprimento do despacho do Exmo. Sr. Director Geral, de 13/04/2011, deve essa Alfândega proceder, ao abrigo do artigo 78º do Código Aduaneiro Comunitário, à revisão das seguintes declarações:

(“texto integral no original; imagem”)

(…)” (cfr. fls. 2 e 3 do PAT apenso);

B) As declarações aduaneiras identificadas na alínea antecedente foram elaboradas em nome da empresa importadora «J.... SA», sedeada em C…., 4…. Valência, constando das mesmas a identificação como declarante/representante aduaneiro, o Despachante Oficial A…., com domicílio no Campo Grande ……. Lisboa, as quais se dão por integralmente reproduzidas (cfr. fls. 38 a 52 do PAT apenso);

C) Em 21 de Maio de 2012, a Alfândega Marítima de Lisboa elaborou a Informação nº3…./2012, referente à acção de natureza fiscalizadora nº 204/11/40, que se dá por integralmente reproduzida, e da qual se extrai o seguinte:
“(…) 2 - Objectivo da Acção
No âmbito desta acção foi efectuado o controlo à posteriori, ao abrigo do artº78º do Código Aduaneiro Comunitário estabelecido pelo Regulamento (CEE) 2913/92 do Conselho de 12/10, das seguintes declarações:
• 200…. de 27/08/2009
• 200….. de 21/10/2009
• 200….. de 27/11/2009
• 200…… de 26/05/2010
• 200……de 17/11/2010
Tendo por objectivo:
1. Verificar a exactidão e a integralidade dos dados e documentos que constam das declarações aduaneiras;
2. Constatar se as mercadorias importadas e declaradas na posição pautal 03 04 99 99 como outra carne de peixe não deveriam ser classificados na posição pautal 03 04 29 45 como filetes (filés) congelados de Atum
(…)
4.1.- Apuramento da dívida aduaneira
Com base no mencionado no ponto 3.1. do presente relatório foi apurada a dívida aduaneira no montante de €129.397,48 (Cento e vinte e nove mil trezentos e noventa e sete euros e quarenta e oito cêntimos) referente a direitos aduaneiros, conforme consta do Mapa 1.
(…)
5 – Propostas
(…)
1.Face ao exposto propõe-se que a empresa J.... SA, sita em C……- Valência e o despachante Oficial A……, com sede Campo Grande, ……. Lisboa, sejam notificados, para efeitos de audição prévia (…). (…)” (cfr. fls. 63 a 70 do PAT apenso);

D) Em 23 de Maio de 2012, o Director da Alfândega Marítima de Lisboa proferiu o seguinte despacho, exarado sobre a informação referida na alínea antecedente: “Visto. Sanciono as conclusões provisórias. Proceda-se à audição prévia dos devedores identificados nos termos e para os efeitos do artigo 60º do RCPIT. (…)” (cfr. fls. 63 do PAT apenso);

E) Pelo ofício nº10….., de 24 de Maio de 2012, foi comunicado à ora 1ª impugnante o projecto de relatório identificado na alínea B) que antecede, “relativo à liquidação adicional no montante de €129.397,48 (cento e vinte e nove trezentos e noventa e sete euros e quarenta e oito cêntimos), relativos a direitos aduaneiros. Conforme previsto nos nº 2 e 3 do artigo 60 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo decreto-lei 413/98, de 31 de Dezembro, poderá V. Exa. pronunciar-se (…) em sede de audiência prévia, relativamente ao projecto de conclusões do relatório da Acção de Natureza Fiscalizadora (ANF) nº 2…./11/040, informação nº 3…../2012, que se junta” (cfr. fls. 75 do PAT apenso);

F) Pelo ofício nº10….., de 24 de Maio de 2012, foi comunicado ao ora 2º impugnante o projecto de relatório identificado na alínea B) que antecede, e para exercer “o direito de audição (…) de acordo com os nºs 2 e 3 do art. 60º do diploma referido, contados nos termos do art.57º da Lei Geral Tributária (LGT)” (cfr. fls. 71 a 73 do PAT apenso);

G) Em 11 de Junho de 2012, os impugnantes, através de mandatário, apresentaram uma exposição, junto da Alfândega Marítima de Lisboa, que se dá por integralmente reproduzida, e da qual se extrai o seguinte:
“(…) 26. A documentação analisada permite evidenciar o presumível erro em que labora quem inspeccionou e quem homologou o resultado da inspecção.
27. Para dirimir estas questões a lei prevê a organização de processo técnico de contestação, mesmo a posteriori.
28. Os respondentes pretendem exercitar este direito e requerem que seja organizado processo técnico de contestação, nos termos do artº10º, nº2 do Dec-lei 281/91 de 9/8.
29. Até lá, não podem nem devem ser extraídas conclusões definitivas pelo que deve ser suspenso o processo de liquidação. (…)” (cfr. fls. 80 a 88 do PAT apenso);

H) Em data não apurada, mas não posterior a 2 de Julho de 2012, a Alfândega Marítima de Lisboa elaborou a Informação nº3…./2012, referente à acção de natureza fiscalizadora nº 204/11/40, que se dá por integralmente reproduzida, e da qual se extrai o seguinte:
“(…) 27. Relativamente aos pontos 27 a 29, importa esclarecer que de acordo com o artº10º do Decreto-Lei nº281/91, relativo à criação do Conselho Técnico Aduaneiro, se existirem divergências, mesmo após o desalfandegamento das mercadorias, entre os serviços das alfândegas e o declarante, relativas a questões de classificação pautal, origem ou valor das mesmas, será organizado, por despacho do chefe da estância aduaneira, processo técnico de contestação;
28. Considerando que o processo técnico de contestação decorre de uma acção de natureza fiscalizadora, após o desalfandegamento das mercadorias importadas, não existindo, assim, qualquer garantia para o pagamento dos montantes em dívida apurada, deverá ser prestada uma garantia desses montantes, até à conclusão do processo técnico de contestação, ao abrigo do artigo 189.º do CAC, conjugado com o artigo 244.º do mesmo diploma e artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 281/91.
(…)
Propostas
1. Face ao exposto propõe-se que:
• A dívida aduaneira, no montante de € 129.397,48 (cento e vinte e nove mil trezentos e noventa e sete euros e quarenta e oito cêntimos) referente a direitos aduaneiros, seja objecto de liquidação e cobrança, pela Alfândega Marítima de Lisboa, mediante a elaboração do respectivo processo de cobrança ou
• Seja prestada garantia no mesmo montante, caso se concretize o processo técnico de contestação;(…)” (fls. 89 a 98 do PAT apenso);

I) Em 2 de Julho de 2012, o Director da Alfândega Marítima de Lisboa proferiu o seguinte despacho, exarado sobre a informação identificada na alínea antecedente:
“Sanciono as conclusões definitivas do presente relatório e dou como terminada a acção de natureza inspectiva.
Quanto às propostas, determino o seguinte:
1- Deve o sector de conferência final (N 51) proceder à abertura e instrução do processo de cobrança “a posteriori” para os devidos efeitos, designadamente, para registo da dívida da contabilidade e para certificação dos devedores identificados para efectuarem o seu pagamento;
2 - Deve ainda o mesmo sector proceder à abertura e instrução do processo técnico de contestação, conforme solicitação de um dos devedores, sendo aí tomadas as medidas adequadas designadamente a que se refere à exigência ou não de garantia” (cfr. fls. 89 do PAT apenso);

J) Em 3 de Julho de 2012, a Alfândega Marítima de Lisboa elaborou a Informação nº3…/2012, referente ao processo de cobrança nº 1…/2012, que se dá por integralmente reproduzida, e da qual se extrai o seguinte:
“(…) Assim, dispondo o nº 1 do artigo 220º, conjugado com os nºs 2 e 3 do art. 78º e art. 201º, todos do CAC, que a administração deve accionar o mecanismo de liquidação à posteriori, sempre que detectar que as disposições que regem determinado regime aduaneiro foram aplicadas com base em elementos inexactos e incompletos, tendo resultado desse facto os montantes dos direitos aduaneiros e outras imposições sido liquidados a um nível inferior ao que legalmente era devido.
Parece-nos haver fundamentos para que se proceda à liquidação da divida apurada, relativa aos montantes apurados, bem como dos respectivos juros compensatórios, nos termos do art. 35º da LGT, conforme mapa que se anexa.” (cfr. fls. 100 a 104 do PAT apenso);

K) Em 5 de Julho de 2012, o Director da Alfândega Marítima de Lisboa proferiu o seguinte despacho, exarado sobre a Informação identificada na alínea antecedente: “Concordo. Proceda-se como vem proposto.” (cfr. fls. 99 do PAT apenso);


L) Pelos ofícios nºs 13…. e 13…., de 6 de Julho de 2012, assinados pelo Director da Alfândega Marítima de Lisboa, foi comunicado, respectivamente, à ora 1ª impugnante e ao ora 2º impugnante o seguinte:
“1. No uso da competência própria, A….., na qualidade de Director da Alfândega Marítima de Lisboa, notifica V. Exa., na qualidade de Administrador e Representante Legal da empresa J.... SA, que, por seu despacho de 05/07/2012, exarado na informação nº 3…./12, de 03-07-2012, foi efectuada a liquidação oficiosa no montante total de 141.607.62 (cento quarenta e um mil, seiscentos e sete euros e sessenta e dois cêntimos), sendo 129.397,48 (cento e vinte nove mil, trezentos e noventa e sete euros e quarenta e oito cêntimos) em juros compensatórios, dado que o montante liquidado à data da importação das mercadorias foi efectuado a um nível inferior ao que legalmente era devido.
2. A dívida liquidada e registada com o nº9000….., e 05/07/2012 (…), foi apurada na acção de fiscalização interna nº294, realizada à empresa J.... SA, com início em 21/05/2012 e conclusão em 02/07/2012, tendo o relatório final que também se notifica, e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, sido precedido de audição prévia.
(…)
11. Pelo exposto, fica V. Exa. notificado que deverá efectuar o pagamento da dívida referida no ponto 1. Do presente ofício, na Tesouraria da Alfândega no prazo contínuo de dez dias a contar da recepção do presente ofício, nos termos do art.22º nº1 alínea a), 2º parágrafo do CAC. (…)” (cfr. fls. 105 a 108 e 115 a 119 do PAT apenso);

M) Em 10 de Julho de 2012, os funcionários nomeados para efectuarem a acção de natureza fiscalizadora nº2…..11/040 à empresa «J.... SA», “em cumprimento do disposto no artigo 11º do Decreto-lei nº 281/91 de 9/8/91”, procederam à elaboração do “Auto Inicial do Processo Técnico de Contestação” (cfr. fls. 263 e 264 do PAT apenso);

N) Em 16 de Julho de 2012, os funcionários nomeados para efectuarem a acção de natureza fiscalizadora nº2…/11/040, à empresa «J.... SA», “em conformidade com o artigo 12º do Decreto-Lei nº 281/91, de 9 de Agosto, e com vista ao processo técnico de contestação”, apresentaram os “fundamentos de discordância quanto à classificação pautal a atribuir às mercadorias” indicadas nas declarações aduaneiras identificadas em A) que antecede (cfr. fls. 263 e 264 do PAT apenso);

O) Pelo ofício nº14…., de 17 de Julho de 2012, assinado pelo Director da Alfândega Marítima de Lisboa, dirigido ao Presidente do Conselho Técnico e Aduaneiro, foi enviado ao Conselho Técnico e Aduaneiro o processo técnico de contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 262 a 347 do PAT apenso);

P) Através de correio electrónico de 20 de Julho de 2012, a ora 1ª impugnante apresentou requerimento, que se dá por integralmente reproduzido, no qual requereu “a concessão de prazo de 8 dias para prestação de garantia e a confirmação de que o valor de €177.500,00 é considerado suficiente para garantir a dívida” (cfr. fls. 236 a 237 v do PAT apenso);

Q) Através de correio electrónico de 23 de Julho de 2012, foi comunicado à ora 1ª impugnante, através do seu mandatário, o teor do projecto de indeferimento do pedido de prestação de garantia referido na alínea antecedente, e “para exercer o seu direito de audição prévia nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 60º da Lei Geral Tributária” (cfr. fls. 234 e 234v do PAT apenso);

R) Em 2 de Agosto de 2012 foi extraída a “certidão de dívida nº1…/2012”, em nome do ora 2º impugnante, que aqui se dá por integralmente reproduzida (cfr. fls. 131 e 132 do PAT apenso);

S)Pelo ofício nº15…., de 2 de Agosto de 2012, assinado pelo Director da Alfândega Marítima de Lisboa, dirigido ao Chefe de Serviço de Finanças de Lisboa 8, a certidão de dívida identificada na alínea antecedente foi remetida a este Serviço de Finanças, para efeitos de instauração do processo de execução fiscal (cfr. fls. 129 e 130 do PAT apenso);

T) Em 13 de Agosto de 2012, os ora impugnantes apresentaram pronúncia, que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual manifestaram “a sua discordância em relação à douta fundamentação apresentada pela Exma. Sra. Técnica Superior para sustentar a classificação que preconiza e reiterar que a classificação declarada está conforme as boas regras de hermenêutica pautal”, nos termos referidos em N) que antecede, mais requerendo “a prossecução do processo técnico” (cfr. fls. 242 a 247 do PAT apenso);

U) Pelo ofício nº15….., de 17 de Agosto de 2012, assinado pelo Director da Alfândega Marítima de Lisboa, dirigido ao Presidente do Conselho Técnico e Aduaneiro, “em cumprimento do disposto no artº 15º do DL 281/91, de 09 de Agosto”, foi enviada ao Conselho Técnico e Aduaneiro “cópia da contestação do declarante” (cfr. fls. 241 a 2 47 do PAT apenso);

V) Através de correio electrónico de 1 de Setembro de 2012, foi comunicado à ora 1ª impugnante, através do seu mandatário, a decisão de indeferimento do pedido de prestação de garantia referido em P) que antecede, que aqui se dá por integralmente reproduzida (cfr. fls. 23 3 e 233 v do PAT apenso);

W) Em 3 de Setembro de 2012, o ora 2º impugnante, enquanto executado no processo de execução fiscal nº 3107201201….., do Serviço de Finanças de Lisboa 8, apresentou neste Serviço um requerimento, que se dá por integralmente reproduzido, e de que se extrai o seguinte:
“(…)
4. (…) vem apresentar cheque visado no montante de €2.362,58 e juntar o reforço da quantia à garantia bancária entregue no dia 03/9/2012 (177.500,00€ emitida pelo Banco S….. nº96230…….) perfazendo assim o montante de €179 862.58€ respeitante ao nº de processo 3107201201…...
5. Em consequência da prestação desta garantia deve a execução ser suspensa até que seja decidido o processo técnico de contestação e sejam proferidas decisões em processos judiciais (impugnação e/ou acção administrativa especial), transitadas em julgado.” (cfr. fls. 142 e 144 do PAT apenso);

X) Pelo ofício nº81…., de 17 de Setembro de 2012, o Serviço de Finanças de Lisboa 8 solicitou à Alfândega Marítima de Lisboa que se pronunciasse sobre o requerimento referido na alínea antecedente (cfr. fls. 1 37 do PAT apenso);

Y) Em 20 de Setembro de 2012, a Alfândega Marítima de Lisboa elaborou a Informação nº 4…./2012, no âmbito do processo de cobrança nº1…./2012, sobre o pedido de pronúncia referido na alínea antecedente, que se dá por integralmente reproduzida (cfr. fls. 146 a 149 do PAT apenso);

Z) Em 21 de Setembro de 2012, o Director da Alfândega Marítima de Lisboa proferiu o seguinte despacho, exarado sobre a Informação referida na alínea antecedente: “Visto. Sanciono a presente informação. Remeta-se cópia da mesma para o Serviço de Finanças de Lisboa 8, assim como cópia das mensagens nºs 649 e 872 do processo técnico de contestação nº …../2012.” (cfr. fls.146 do PAT apenso);

AA) Pelo ofício nº1…., de 24 de Setembro de 2012, a informação referida na alínea antecedente foi remetida ao Serviço de Finanças de Lisboa 8 (cfr. fls. 150 do PAT apenso);

AB) Em 26 de Outubro de 2012, os ora impugnantes apresentaram o requerimento, dirigido à Autoridade Tributária e Aduaneira, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual requereram “a) A imediata comunicação à Agência Tributária - Delegación Especial de Valencia (…) de que deve suspender imediatamente os procedimentos de cobrança, em virtude de a dívida ter sido garantida em Portugal, junto do Serviço de Finanças de Lisboa 8; b) A imediata suspensão da execução fiscal, uma vez que se encontram preenchidos os pressupostos do art.169° do CPPT (…); c) o rápido andamento do processo técnico de contestação.” (cfr. fls. 153 a 170 do PAT apenso);

AC) Pelo ofício nº10…., de 5 de Novembro de 2012, o Serviço de Finanças de Lisboa 8 remeteu o requerimento referido na alínea antecedente à Alfândega Marítima de Lisboa, “para análise do requerido pelo executado.” (cfr. fls. 165 do PAT apenso);

AD) Em 14 de Novembro de 2012, a Alfândega Marítima de Lisboa elaborou a Informação nº5…/2012, no âmbito do processo de cobrança nº1…/2012, relativa ao pedido de análise referido na alínea antecedente, sobre a qual foi exarado o despacho do Director da Alfândega Marítima de Lisboa, da mesma data, e que se consideram integralmente reproduzidos (cfr. fls. 171 a 175 do PAT apenso);

AE) Pelo ofício nº21…., de 12 de Dezembro de 2012, a Direcção de Serviços de Tributação Aduaneira remeteu à Alfândega Marítima de Lisboa “(…) cópia do e-mail da Comissão Interministerial para a Assistência Mútua em Matéria de Cobrança de créditos recebido nestes serviços, bem como dos documentos enviados pelas autoridades espanholas, através dos quais informou que a empresa supra mencionada foi notificada para pagamento em 22/10/2012, pelo que da sua parte consideram o presente processo encerrado” (cfr. fls. 191 a 202 do PAT apenso);

AF) Pelo ofício nº2…., de 17 de Dezembro de 2012, a Alfândega Marítima de Lisboa solicitou a rectificação da certidão de dívida nº1…/2012, identificada em R) que antecede, de modo a que da mesma passem a constar ambos os devedores responsáveis e que o processo executivo prossiga também em conformidade contra ambos” (cfr. fls. 203 a 206 do PAT apenso);

AG) Em 17 de Dezembro de 2012, a “certidão de dívida nº 1…./2012” identificada em R) que antecede, foi rectificada, passando a constar da mesma os ora impugnantes (cfr. fls. 207 e 208 do PAT apenso);

AH) Pelo despacho nº 7…/2013, de 7 de Novembro de 2013, do Director- Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, proferido no âmbito do processo técnico de contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi decidido o seguinte: “atribuir à mercadoria em litígio designada por “Frozen big eye tuna e Frozen yellon fin tuna”: a classificação pelo código NC 0304 290…., para a designação, “filetes de atum patudo do Atlântico (Thunnus Obesus.), congelados" e o código NC 0304 2….., para a designação “filetes de atum de barbatanas amarelas (Thunnus Albacaris), congelados”: com fundamento nas Regras Gerais 1 e 6 para a interpretação da Nomenclatura Combinada, bem como, nos textos dos códigos 0304, 0304 29, 0304 29 45, 0304 29 45 20 e 0304 29 45 90.” (cfr. fls. 217 a 221 do PAT apenso);

AI) Em 31 de Dezembro de 2013, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais homologou o despacho referido na alínea antecedente (cfr. fls. 21 7 do PAT apenso);

AJ) Por correio electrónico de 7 de Agosto de 2012, o ora 2º impugnante dirigiu à Alfândega Marítima de Lisboa um pedido de informações solicitando “o nome dos funcionários que deram autorização de saída do palanque na Terlis dos DAU’s abaixo mencionados:
DAU nº 20… de 27/08/2009 da Marítima de Lisboa
DAU nº20…de 21/10/2009 da Marítima de Lisboa
DAU nº20…de 27/11/2009 da Marítima de Lisboa
DAU nº20…..de 26/05/2010 da Marítima de Lisboa
DAU nº 20…. de 17/11/2010 da Marítima de Lisboa.
(…)” (cfr. fls. 150 a 1 54 dos autos);

AK) Por correio electrónico de 8 de Agosto de 2012, a Alfândega Marítima de Lisboa comunicou ao ora 2º impugnante o seguinte: “(…) Informo Vexas de que o vosso pedido constante na mensagem infra obteve o registo de entrada nº 1746, de 07-08-2012 e que, após consulta aos DAU em causa, constei o seguinte:
1.Todos os DAU foram seleccionados para o canal 2 (conferência documental sem verificação física);
2. A autorização de saída foi dada pelos verificadores que executaram a conferência documental, a saber: A….. (DAU nº2009PT0….); R….. (DAU nº2009PT0000402……); L….. (DAU nº2009PT00….e DAU nº2009PT02….); Jo….. (DAU nº2009PT00004….). (…)” (cfr. fls.150 a 154 dos autos);

AL) A presente impugnação judicial foi apresentada no Tribunal Tributário de Lisboa em 16 de Outubro de 2012 (cfr. fls. 1 dos autos).»


Consta ainda da mesma sentença que «Inexistem factos não provados com relevância para a decisão em causa.» e que «A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico dos documentos, não impugnados, e informações oficiais constantes dos autos e do processo administrativo apenso, tudo conforme referido a propósito de cada alínea da matéria de facto provada.»

*

II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a impugnação judicial procedente e em, em consequência, anulou o acto de liquidação impugnado, por ter considerado, em síntese, que «(…) perante a omissão da fase de instrução do processo técnico de contestação e da decisão final do Conselho Técnico-Aduaneiro previamente à prática do acto de liquidação, há que concluir que, pelas razões acima apontadas, ocorreu a preterição de formalidades legais essenciais que inquina de ilegalidade a liquidação a posteriori de receitas tributárias aduaneiras efectuada com base na classificação pautal adoptada pela Autoridade Aduaneira.»


Inconformada, vem a Fazenda Pública (Director da Alfândega Marítima de Lisboa) interpor recurso alegando que deve o acto de liquidação ser considerado legal, uma vez que foi praticado em conformidade com a legislação comunitária vigente e se encontra correctamente fundamentado de facto e de direito. E que caso a administração procedesse de outro modo e omitisse o acto de liquidação, estaria a agir contra os normativos vigentes e a colocar o Estado Português em situação de poder vir a ser financeiramente responsável pelos Recursos Próprios Tradicionais, perante a Comissão Europeia.
Mais invoca que a decisão do Processo Técnico de Contestação nº…../2012, homologado em 31 de Dezembro de 2013 pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais decidiu «atribuir à mercadoria em litigio designado por frozen big eye tuna e frozen yellow fin tuna", a classificação pelo código NC 0304…., para a designação " filetes de atum patudo do Atlântico congelados e o código NC 0304 29…., para a designação " filetes de atum de barbatanas amarelas congeladas", com fundamento nas regras gerais 1 a 6 para a interpretação da Nomenclatura Combinada, bem, como nos textos dos códigos, 0304, 03 04 29, …., 030429…. e 03042….", ou seja, deu razão à posição defendida pela Administração Aduaneira. Nos termos da fundamentação aduzida, o ato de liquidação, não enferma do vício de preterição de formalidade essencial, uma vez que a Administração está vinculada ao cálculo e respectivo registo de liquidação das imposições em dívida, num prazo de dois dias após a constatação dos factos. A interposição de qualquer tipo de recurso não tem efeito suspensivo da execução das decisões. Não sendo reconhecido ao recurso efeito suspensivo da decisão e estando a Administração obrigada a efectuar o registo de liquidação das importâncias calculadas no relatório de inspecção, não se vislumbra como é que pode ter existido preterição de uma formalidade essencial. Neste sentido, forçoso é concluir que a liquidação oficiosa com o número de registo de liquidação nº20121/98…. de 05/07/2012 no montante de €141.607,62 (cento e quarenta e um mil, seiscentos e sete euros e sessenta e dois cêntimos) relativo a direitos aduaneiros e juros compensatórios não enferma de qualquer vício, que afecte a sua validade, devendo, por isso, ser mantida na ordem jurídica.

Vejamos.

«O processo técnico de contestação, que se encontrava previsto no Decreto-Lei (DL) nº 281/91, de 09/08, era um processo especial, com longa tradição no Direito Aduaneiro português, adotado por outros ordenamentos jurídicos, como por exemplo, dos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), adequado à resolução de conflitos em matéria, nomeadamente quando, no momento da verificação das mercadorias, ou após o seu desalfandegamento, na sequência de uma ação de controlo a posteriori ou fiscalização, os serviços aduaneiros discordassem dos elementos declarados relativos à classificação pautal, origem ou valor aduaneiro das mercadorias e o operador económico não se conformasse com a posição dos referidos serviços. A competência para decidir este procedimento estava atribuída ao Conselho Técnico Aduaneiro (CTA), pois tratava-se de uma matéria altamente complexa só acessível a especialistas.»(1)

O Decreto-Lei nº 281/91, de 9 de Agosto, que cria o Conselho Técnico Aduaneiro, em substituição dos tribunais técnico-aduaneiros, dispunha no seu art. 10º, o seguinte:
«Artigo 10.º

Momentos em que surge a contestação

1 - Quando, no momento da verificação das mercadorias, os serviços das alfândegas discordem dos elementos da declaração relativos à classificação pautal, origem ou valor das mesmas e o declarante com tal atitude se não conforme, será organizado, por despacho do chefe da estância aduaneira, processo técnico de contestação.

2 - A contestação pode ser igualmente suscitada após o desalfandegamento das mercadorias, na sequência de controlo ou fiscalização realizados nos termos da legislação em vigor.»

Efectuado estre breve enquadramento jurídico, retornemos ao caso concreto.

Conforme alíneas A) a C) do probatório, na sequência do pedido de revisão das declarações aduaneiras (i) 2009PT000040… de 27 de Agosto de 2009; (ii) 2009PT000040…. de 21 de Outubro de 2009; (iii) 2009PT0000402…. de 27 de Novembro de 2009; (iv) 2009PT0000402…. de 26 de Maio de 2010; e (v) 2009PT000040…. de 17 de Novembro de 2010, apresentado pelo Director de Serviços Antifraude da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo junto do Director da Alfândega Marítima de Lisboa, foi efectuado o controlo a posteriori, ao abrigo do artigo 78º do CAC às referidas declarações.

Conforme alíneas C), D), H) e I) do probatório, tal controlo teve como objectivos verificar a exactidão e a integralidade dos dados e documentos que constam das referidas declarações aduaneiras e constatar se as mercadorias importadas e declaradas na posição pautal 03 04 99 99 como outra carne de peixe não deveriam ser classificadas na posição pautal 03 04 29 45, como filetes (filés) congelados de Atum, tendo-se apurado, nesse âmbito, uma dívida aduaneira no montante de €129.397,48.

Conforme alínea G) do probatório, em 11 de Junho de 2012, os impugnantes, através de mandatário, apresentaram uma exposição, junto da Alfândega Marítima de Lisboa, que se dá por integralmente reproduzida, e da qual se extrai o seguinte:
“(…) 26. A documentação analisada permite evidenciar o presumível erro em que labora quem inspeccionou e quem homologou o resultado da inspecção.
27. Para dirimir estas questões a lei prevê a organização de processo técnico de contestação, mesmo a posteriori.
28. Os respondentes pretendem exercitar este direito e requerem que seja organizado processo técnico de contestação, nos termos do artº10º, nº2 do Dec-lei 281/91 de 9/8.
29. Até lá, não podem nem devem ser extraídas conclusões definitivas pelo que deve ser suspenso o processo de liquidação. (…)”
Verificamos, assim, que os impugnantes requereram a organização de processo técnico de contestação, bem como a suspensão do processo de liquidação até existir uma conclusão definitiva sobre o resultado da inspecção.
Na sequência do requerido pelos impugnantes a Alfandega Marítima de Lisboa elaborou a informação nº 3…./2012 [conforme alínea H) do probatório] onde se propõe que:
• A dívida aduaneira, no montante de € 129.397,48 (cento e vinte e nove mil trezentos e noventa e sete euros e quarenta e oito cêntimos) referente a direitos aduaneiros, seja objecto de liquidação e cobrança, pela Alfândega Marítima de Lisboa, mediante a elaboração do respectivo processo de cobrança ou
• Seja prestada garantia no mesmo montante, caso se concretize o processo técnico de contestação;(…)”

Verifica-se, assim, que logo na informação nº 3…/2012 se propunha distintamente, e em alternativa, ou efectuar a liquidação e cobrança mediante a elaboração do processo de cobrança; ou a prestação de garantia pelos impugnantes, ora recorridos, caso se concretizasse o processo técnico de contestação.

Acontece que, em 2 de Julho de 2012, o Director da Alfândega Marítima proferiu despacho sobre a informação 3…./2012, onde quanto às propostas determinou o seguinte [conforme alínea I) do probatório]:
“1- Deve o sector de conferência final (N 51) proceder à abertura e instrução do processo de cobrança “a posteriori” para os devidos efeitos, designadamente, para registo da dívida da contabilidade e para certificação dos devedores identificados para efectuarem o seu pagamento;
2 - Deve ainda o mesmo sector proceder à abertura e instrução do processo técnico de contestação, conforme solicitação de um dos devedores, sendo aí tomadas as medidas adequadas designadamente a que se refere à exigência ou não de garantia”

Verifica-se, pois, que o Director de Alfândega Marítima de Lisboa ao invés de escolher uma das propostas, decidiu determinar as duas em simultâneo, ou seja, determinou a abertura e instrução do processo de cobrança, e ao mesmo tempo, a abertura e instrução do processo técnico de contestação.

E em 5 de Julho de 2012, o Director de Alfândega Marítima de Lisboa proferiu despacho no sentido de se proceder à liquidação da dívida apurada, relativa aos montantes apurados, bem como dos respectivos juros compensatórios, nos termos do art. 35º da LGT, que teve como consequência a prática do acto impugnado nos presentes autos [conforme alíneas J), K) e L) do probatório].

E só posteriormente, em 10 de Julho de 2012, os funcionários nomeados para efectuarem a acção de natureza fiscalizadora procederam à elaboração do “Auto Inicial do Processo Técnico de Contestação”, e em 17 de Julho de 2012 o processo técnico de contestação foi enviado ao Conselho Técnico e Aduaneiro, conforme alíneas M) e O) do probatório.

Ora, da factualidade exposta, fácil é concluir que o acto impugnado foi praticado sem que o Conselho Técnico e Aduaneiro tivesse proferido qualquer decisão sobre o Processo Técnico de Contestação.

Ora, tal como doutamente decidido pelo Tribunal a quo:

«Com efeito, decorre da regulamentação legal atrás descrita (cfr. artigos 10º a 13º do Decreto-Lei nº281/91, de 9 de Agosto) que o processo técnico de contestação constitui um procedimento administrativo especial obrigatório, nos casos em que estão em causa conflitos técnicos relativos a classificações pautais. No sentido de que se trata de um processo obrigatório e vinculativo para as autoridades aduaneiras vai, aliás, toda a jurisprudência que já se pronunciou sobre esta matéria, a que acima se fez alusão, e a cuja doutrina se adere integralmente.

E a verdade é que tais conflitos (de cariz técnico) devem ser sempre dirimidos, em primeira linha, pelo Conselho Técnico-Aduaneiro instituído pelo Decreto-Lei nº 281/91, de 9 de Agosto. E isto é assim independentemente do momento em que tais conflitos surjam, i.e., no momento do desalfandegamento das mercadorias ou, posteriormente, aquando do controlo a posteriori, como sucede no caso vertente.

Tal é o que resulta expressamente do disposto nos artigos 6º e 10º, nº 2 do citado Decreto-Lei nº 281/91, de 9 de Agosto.

Ora, tratando-se de um procedimento especial obrigatório, então, naturalmente, o seu cumprimento não se pode bastar com a mera instauração do processo técnico de contestação e com a sua remessa ao Conselho Técnico- Aduaneiro, previamente à prática do acto de liquidação.

O que, na verdade, foi o que sucedeu no caso em apreço.»


Invoca a recorrente que caso a administração procedesse de outro modo e omitisse o acto de liquidação, estaria a agir contra os normativos vigentes e a colocar o Estado Português em situação de poder vir a ser financeiramente responsável pelos Recursos Próprios Tradicionais, perante a Comissão Europeia (conclusão 50º).
Mas não tem razão.

O processo técnico de contestação sendo um processo de cariz estritamente técnico tem, justamente, em vista assegurar a legalidade do procedimento respeitante à importação de bens de países terceiros em relação à Comunidade Europeia.

E é por isso, que perante o desacordo relativamente a questões de cariz técnico quanto à classificação pautal, e nos termos previstos no Decreto-Lei nº 281/91, de 9 de Agosto, se exige a intervenção obrigatória de órgão e procedimento especializados, como é o Conselho Técnico e Aduaneiro.

Ora, a liquidação em causa nos autos foi efectuada sem haver qualquer decisão do Conselho Técnico e Aduaneiro, esvaziando por completo o sentido útil do referido procedimento administrativo especial e obrigatório.

E não é pelo facto de posteriormente (já na pendência da presente impugnação) o processo técnico de contestação ter sido decidido por despacho nº 7…./2013, de 7 de Novembro de 2013, do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, e homologado por despacho de 31 de Dezembro de 2013 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que o procedimento se tornou legal. Isto porque a referida decisão e homologação foram proferidas muito posteriormente ao acto de liquidação que aqui se discute e, além do mais, a decisão não foi proferida pelo Conselho Técnico e Aduaneiro, como à data da prática do acto de liquidação se exigia.


Invoca, ainda, a recorrente que o acto de liquidação, não enferma do vício de preterição de formalidade essencial, uma vez que a Administração está vinculada ao cálculo e respectivo registo de liquidação das imposições em dívida, num prazo de dois dias após a constatação dos factos. A interposição de qualquer tipo de recurso não tem efeito suspensivo da execução das decisões. Não sendo reconhecido ao recurso efeito suspensivo da decisão e estando a Administração obrigada a efectuar o registo de liquidação das importâncias calculadas no relatório de inspecção, não se vislumbra como é que pode ter existido preterição de uma formalidade essencial. [conclusões 53º a 55º].
Vejamos.

Antes de mais, parece a recorrente fazer alguma confusão entre “acto de liquidação” e “registo de liquidação”.

«Em matéria de contencioso aduaneiro, o acto de liquidação de receitas tributárias aduaneiras não é o registo de liquidação, mas o acto de contagem dos direitos pela autoridade aduaneira, o qual é eficaz após notificação ao responsável pelo pagamento. O registo de liquidação ou inscrição contabilística da liquidação não é uma condição prévia nem necessária ao início de uma acção para cobrança a posteriori.»(2)

Pelo que improcede o alegado.

Assim, e tal como se decidiu na sentença recorrida:

«A esta solução não se opõe a dilação temporal própria das liquidações a posteriori, nem sequer o próprio CAC, que, aliás, não impede a existência de um procedimento administrativo nacional desta natureza, desde logo, atento o disposto no seu artigo 78º, nº 3, que prevê, precisamente, que a possibilidade de revisão das declarações aduaneiras e o controlo a posteriori devem ocorrer pelas autoridades aduaneiras “respeitando as disposições eventualmente fixadas”, nas quais se incluem, naturalmente, as regras relativas à tramitação dos processos de contestação sobre classificação pautal vigentes à data da prática do acto de liquidação (cfr., neste sentido, o já citado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 1 de Julho de 2003, proferido no Processo nº 308/03, integralmente disponível em www.dgsi.pt).

(…)

De facto, e na verdade, não está aqui em causa a figura jurídica da “suspensão” do procedimento de liquidação e cobrança que exija que se convoque os regimes que regulam a matéria das garantias a prestar, e, bem assim, os seus pressupostos, que subjazem ao artigo 25º do Decreto-Lei nº 281/91, de 9 de Agosto, e ao artigo 244º do CAC.

A questão em causa nos autos situa-se, antes, a montante e reclama, sim, a indagação do regime jurídico subjacente ao processo técnico de contestação e às regras de tramitação procedimental ínsito no Decreto-Lei nº 281/91, de 9 de Agosto, a que as autoridades aduaneiras nacionais estavam vinculadas à data do acto impugnado.

Regras essas que, como se concluiu, in casu, não foram respeitadas na sua plenitude, sendo certo que o regime jurídico de prestação de garantia (desde logo por referência ao disposto no citado artigo 244º do CAC) não pode servir para legitimar a prática de um acto que afronta as regras procedimentais aplicáveis ao processo técnico de contestação, nos moldes acima explicitados.

Processo este que encontra, aliás, respaldo no próprio direito comunitário, em particular no já acima citado artigo 78º, nº 3 do CAC.»

Concorda-se inteiramente com os fundamentos do Tribunal a quo.

Deste modo, conclui-se que o acto tributário foi praticado, sem que o competente processo técnico fosse organizado e, portanto, sem que os impugnantes pudessem manifestar a sua discordância com a posição assumida pela administração aduaneira relativamente à qualidade e natureza da mercadoria e à classificação pautal da mesma.

Ora, da regulamentação legal (artigos 10° a 13° do Dec.- Lei 281/91) resulta que era obrigatório para a Autoridade Aduaneira instruísse o processo de contestação (e posteriormente houvesse decisão do CTA), uma vez que foram postos em causa os elementos constantes da declaração aduaneira.

Ocorrendo a omissão de instrução e decisão de processo técnico de contestação, configura-se uma preterição de formalidade legal essencial que inquina de ilegalidade a liquidação de receitas tributárias aduaneiras efectuada com base na classificação pautal adoptada pela Administração Aduaneira (arts. 6° e 10°/13° DL n°281/91, 9 de Agosto).

Importa ainda referir, que a necessidade prática de ser eficaz no procedimento não pode funcionar de modo a atropelar os direitos legalmente estabelecidos.

Em suma, a liquidação impugnada padece de violação da lei, que consiste, neste caso, na preterição de uma formalidade procedimental legalmente estabelecida.

Termos em que improcede o presente recurso e se mantém a sentença recorrida.


***

III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
Registe e Notifique.

Notifique, também, o DIAP – 3ª Secção de Lisboa – Proc. 1/12.6AELSB – 03.04.

Lisboa, 25 de Junho de 2019

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[Lurdes Toscano]

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[Benjamim Barbosa]

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[Ana Pinhol]


(1)Excerto da Dissertação de Mestrado de Maria João Lopes Castanheira, com o título O contencioso aduaneiro: reflexão sobre as garantias conferidas ao operador económico quando dadas pela instrução e decisão do processo técnico de contestação no Conselho Técnico Aduaneiro, orgão com competência técnica na matéria e a decisão atual que é de uma pessoa só”, FDUL, disponível em http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/32214/1/ulfd132874_tese.pdf

(2)Acórdão do STA de 29/01/2003, Proc. 024643, disponível em www.dgsi.pt.