Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07568/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/22/2015
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DECISÃO DE FIXAÇÃO DA COIMA
NULIDADE INSUPRÍVEL
CONHECIMENTO OFICIOSO
NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO DE FIXAÇÃO DA COIMA
Sumário:
I. A sentença não está ferida de nulidade decorrente da apreciação de questões de que não podia tomar conhecimento, quando em causa está uma nulidade da decisão de fixação da coima, de conhecimento oficioso.
II. Efectivamente, resulta do nº 5 do artigo 63º do RGIT, conjugado com o nº 1 do mesmo preceito, que a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido, constitui uma nulidade insuprível, do conhecimento oficioso e que pode ser arguida até a decisão se tornar definitiva.
III. A decisão de fixação da coima e a sua notificação correspondem a actuações administrativas diferentes, que não se confundem e que visam diferentes objectivos. A lei, concretamente no artigo 79º do RGIT, opera uma distinção precisa entre os requisitos da decisão que aplica a coima e os elementos que devem constar da sua notificação.
IV. A nulidade da decisão que aplicou a coima, não pode ser suprida pelo teor da notificação da decisão, cujo regime está previsto no nº 2 do artigo 79º.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Relatório

A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que, em sede de recurso de contra-ordenação, declarou nula a decisão de fixação de coima, no montante de € 3.368,05, aplicada à Arguida ………………, Lda., por infracção praticada em sede de IVA, punível pelos artigos 114º, nº2 e 26º, nº4, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

I - Visa o presente Recurso reagir contra o douto Despacho Judicial que julgou procedente o Recurso de Contra-ordenação apresentado por ………….LDA. Nif: ……………., contra a decisão de fixação de Coima, no valor de € 3.368,05, no âmbito do processo de Contra-ordenação n.º …………………………...

II - Na situação “sub Júdice” está em discussão saber se a decisão de fixação da Coima descreve os factos e indica os elementos que contribuíram para a sua fixação, ou seja, se, no caso concreto, indica o valor da prestação tributária em dívida, o período a que corresponde e o termo do prazo para cumprimento da obrigação.

III - Desde logo, cumpre referir que o Sujeito Passivo não põe em causa que a decisão de fixação de Coima contenha os factos e indique os elementos que contribuíram para a sua fixação, mas tão só que lhe devia ter sido aplicado o montante mínimo legal admissível – 10% do imposto em falta nos termos do Art. 114º, nº2 do RGIT.

IV - Todavia, a douta decisão não chega a analisar esta questão, centrando-se na falta de elementos que contribuíram para a decisão de fixação de Coima, o que constitui uma nulidade insuprível no processo de Contra-ordenação, de conhecimento oficioso.

V - Assim, tal como consta dos factos considerados provados pelo Tribunal a quo, a presente Coima, no valor de € 3.368,05, foi fixada no âmbito do processo de Contra­ ordenação n.0 ……………………………., instaurado por infracção praticada em sede de IVA (falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo), em 16/02/2009, punível pelos Arts. 114.º, n.• 2 e 26.º, n.º 4 do RGIT e Arts. 270, n.º 1 e 41.º, n.º1, al. b) do CIVA.

VI - No que tange à alegada falta de indicação do período de tributação na decisão de fixação de Coima, temos que, como o próprio Tribunal a quo considerou como facto provado (cfr. al. D) da fundamentação de facto e fls. 13 dos Autos], consta expressamente no campo relativo às normas Infringidas e punitivas: - "Período de Tributação: 200812T"

VII - Da mesma forma, e tal como decorre da notificação da decisão de aplicação da Coima efectuada ao Sujeito Passivo, cuja cópia consta a fls. 23 dos Autos, para além de outros elementos, constam quer o valor do imposto em falta, quer o termo do prazo para o cumprimento da obrigação.

VIII - Efectivamente, como podemos verificar naquela notificação da decisão de aplicação da Coima efectuada ao Sujeito Passivo, no campo atinente a "Elementos que contribuíram para a fixação da coima" temos:

"(...) Valor da prestação tributária em falta: 16.723.19

(…)Período a que respeita a infracção; 2008/12T

Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2009-02-16 (…)”

IX - Desta forma, ao invés do que considerou o Tribunal a quo, da decisão de fixação de Coima notificada ao Sujeito Passivo, consta quer o valor da prestação tributária em dívida (€ 16.723,19), quer o período a que corresponde (2008/12T), quer o termo do prazo para cumprimento da obrigação (16/02/2009), estando, assim, descritos todos factos e elementos que contribuíram para a fixação da Coima, tendo sido dado cumprimento ao estabelecido no Art. 79.0, n.º 1, designadamente nas alíneas b) e c).

X - Aliás, como já referimos, o Sujeito Passivo não põe sequer em causa que a decisão de fixação de Coima contenha todos aqueles elementos que contribuíram para a sua fixação, tanto mais que todos estes elementos lhe foram fornecidos quer através do Auto de Noticia (cfr. fls. 4 dos Autos), quer através da notificação para defesa ou pagamento com redução nos termos do Art. 70.ºdo RGIT (cfr. fls. 6 dos Autos), constando, inclusivamente, desta última já quer o montante mínimo (€ 3.344,64) quer o montante máximo (E 16.723,19) da Coima em causa.

XI - Ora, o que o sujeito passivo pretendia era a aplicação do montante mínimo legal admissível - 1O% do Imposto em falta nos termos do Art. 114.0, n.0 2 do RGIT com redacção à data dos factos que prescrevia que se a conduta fosse imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapassasse os 90 dias, seria aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que pudesse ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.

XII - Porém, tal disposição tem que ser vista em conjunto com o Art. 26.º, n.º 4 do mesmo Regime, norma punitiva que também se encontra indicada, nomeadamente, na decisão de fixação da Coima em causa, já que o Sujeito Passivo é uma pessoa colectiva, isto é, os limites mínimos e máximos das Coimas previstas nos tipos legais de Contra-ordenação são elevados para o dobro, o que significa que, no caso em análise, o valor da Coima varia entre 20% e o valor do imposto em falta

XIII - Deste modo, nunca seria aplicável o limite m1mmo de 10%, porquanto o Sujeito Passivo é uma pessoa colectiva e não uma pessoa singular.

XIV - Pelo que deve o douto despacho ser revogado e substituído por outro que considere que a decisão de fixação de Coima contém todos os factos e elementos que contribuíram para a sua fixação, no caso em concreto – o valor da prestação tributária em dívida, o período a que corresponde a infracção e o termo do prazo para cumprimento da obrigação, estando, assim, cumpridos todos os requisitos exigidos pelo Art. 79º, nº1, mormente nas alíneas b) e c) do RGIT, não sofrendo o respectivo processo de contra-ordenação de qualquer nulidade insuprível contemplada no Art. 63º, nº 1, al. d) do mesmo Regime, ou de qualquer outra.

XV - A manter-se na Ordem Jurídica o douto Despacho Judicial ora recorrido revela uma inadequada apreciação dos elementos factuais constantes dos Autos, e interpretação e aplicação dos Arts. 79.0º n.º 1, als. b) e c), 63.0, n.º 1, ai. d), 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, todos do RGIT, ao que acresce que vai para além do solicitado pelo Sujeito Passivo.

Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, o douto Despacho Judicial ser revogado e substituído por outro que considere que a decisão de fixação de Coima contém todos os factos e elementos que contribuíram para a sua fixação, estando, assim, cumpridos todos os requisitos exigidos pelo Art. 79.º, n.º 1 do RGIT, não sofrendo o processo de Contra­ordenação de qualquer nulidade insuprível.


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O Exmo. Magistrado do Ministério Publico apresentou contra-alegações, tendo concluído do seguinte modo:

I – Nos termos do artigo 79º, nº1 do RGIT, a decisão que aplica a coima contém:

- A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas (alínea b));

- A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação (alínea c));

II – A sanção jurídica para a falta dos mencionados requisitos legais é a nulidade insuprível do processo de contra-ordenação tributário (artigo 63º, nº1, alínea d)).

III – A nulidade prevista no nº 1, alínea d) do artigo 63º é de conhecimento oficioso.

IV – Neste contexto, a decisão que aplicou a coima, constante de fls. 13 e 14 dos autos, não contém qualquer descrição sumária dos factos: nenhum facto é descrito nessa peça do processo contraordenacional.

V – Se nenhum facto é descrito, a violação do preceito da alínea b) do nº1 do artigo 79º é cristalina.

VI – Escrutinando a decisão que aplicou a coima, nada se refere sobre o valor da prestação em falta e sobre o termo do prazo para cumprimento da obrigação.

VII – Esta omissão não permite aferir como se fixou o valor da coima, atento o disposto no artigo 114º, nº2 do RGIT.

VIII – A nulidade da decisão que aplicou a coima, não poderá ser suprida pelo teor da notificação da decisão, cujo regime está previsto no nº 2 do artigo 79º.

IX – Assim, a conclusão é no sentido de que a douta sentença interpretou e aplicou correctamente as normas jurídicas aplicáveis, mostrando-se devidamente fundamentada de facto e de direito, no contexto, aliás, da doutrina e jurisprudência que sobre a temática vem sendo constantemente produzida sobre os requisitos legais previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 79º do RGIT.

X – Acresce que sendo a nulidade em causa de conhecimento oficioso, não se alcança como é que a douta sentença se pronunciou sobre matéria não suscitada pela arguida.

XI – O vício constante da alínea c) supra não se afigura de conhecer porquanto não constituiu objecto da sentença.

XII – Conclui-se, assim, que a douta sentença recorrida fez uma criteriosa interpretação e aplicação do direito, motivo pelo qual a mesma deverá ser mantida na ordem jurídica.

V. Exas. farão a costumada justiça.


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Neste TCA Sul, o EMMP pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

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Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

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2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Considero provados os seguintes factos, com relevância para a decisão, com base no teor dos documentos, juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório:

A) Em 18/03/2009, foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 8, o processo de contra-ordenação n.º …………………. contra ……………, LDA, NIF …………….., por infracção praticada em sede de IVA, punível pelos artigos 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) - cfr. fls. 3 e 4;

B) Em 29/04/2009, a Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8, proferiu despacho que fixou à Recorrente uma coima de € 3 368,05, por infracção praticada em IVA (falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo), em 16/02/2009, punível pelos artigos 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) – cfr. fls. 13 e 14, cujo teor integral dou aqui por reproduzido;

C) Na decisão de fixação da coima, quanto à descrição sumária dos factos consta:

“Ao (À) arguido (a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: os quais se dão como provados;”- cfr. fls. 13 e 14;

D) Na decisão de fixação da coima, quanto às normas infringidas e punitivas consta:

“Normas infringidas:

Art. 27.º n.º 1 e 41.º n.º 1, b) CIVA – Apresentação dentro prazo D.P., s/ pagamento ou c/ pagamento insuficiente;

Normas punitivas:

Art. 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4 do RGIT – Falta entrega prest. tributária dentro prazo; Período de tributação: 200812T

Data infracção: 2009-02-16”; - cfr. fls. 13 e 14;

E) Na decisão da fixação da coima quanto à responsabilidade contra-ordenacional consta: “A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Art. 7.º do Dec-Lei n.º 433/82, de 27/10, aplicável por força do Art. 3.º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação (ões) identificada(s) supra” - cfr. fls. 13 e 14;

F) Na decisão da fixação da coima, quanto à medida da coima consta:

Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (art. 27 do RGIT):

Requisitos/Contribuintes

Actos de ocultação: Não

Benefício económico: 0,00

Frequência da prática: Acidental

Negligência: Simples

Obrigação de não cometer infracção: Não

Situação económica financeira: Baixa

Tempo decorrido desde a prática da infracção: < 3 meses

DESPACHO

Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no art. 79.º do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 3 368,05 cominada no(s) art(s) 114 n.º 2 e 26 n.º 4 do RGIT, com respeito pelos limites do art. 26.º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur 48,00) nos termos do n.º 2 do Dec.- Lei n.º 29/98 de 11 de Fevereiro.

Notifique-se o arguido nos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para, efectuar o pagamento da coima aplicável, prestação tributária em falta e respectivos juros no prazo de 30 dias, sob pena de eventual instauração do processo de inquérito criminal fiscal (105.º/4b RGIT) por indícios de crime de abuso de confiança fiscal”. – cfr. fls. 13 e 14


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Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa”.

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2.2. O direito

Administração Tributária aplicou à arguida, ……………., Lda., a coima de € 3.368,05, pelo facto de não ter entregue dentro do prazo legal a prestação tributária relativa ao IVA do período de 200812T, infracção prevista nos artigos 27º, nº 1 e 41º, nº 1, al. b) do CIVA e punida nos artigos 114º, nº 2 e 26º, nº 4 do RGIT.

A arguida impugnou judicialmente tal decisão, alegando, em síntese, que “a coima a aplicar deveria tê-lo sido pelo montante mínimo legalmente admissível, ou seja, pelo valor de 10% do imposto em falta”.

A sentença recorrida considerou, porém, que a decisão sancionatória de fixação da coima impugnada é nula, pois que “não descreve os factos, nem indica os elementos que contribuíram para a sua fixação, não cumprindo com os requisitos enunciados no artigo 79.º, n.º 1, alíneas b) e c) do RGIT, constituindo nulidade insuprível, no processo de contra-ordenação, de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d) e n.º 5 do RGIT”.

A Recorrente, Fazenda Pública, insurge-se contra a sentença recorrida por entender que a mesma:

- pronunciou-se sobre matéria não suscitada pela arguida;

- violou os artigos 79º, nº 1, alíneas b) e c) e 63º, nº1 alínea d), ambos do RGIT, na medida em que a decisão de aplicação da coima não padece da falta dos requisitos legais, concretamente no que respeita ao valor da prestação tributária em dívida, ao período a que respeita a infracção e ao termo do prazo para cumprimento da obrigação;

- mais sustenta a Recorrente, contra o entendimento da Arguida, que, sendo o Sujeito Passivo uma pessoa colectiva, os limites mínimos e máximos das Coimas previstas nos tipos legais de Contra-ordenação são elevados para o dobro, o que significa que, no caso em análise, o valor da Coima varia entre 20% e o valor do imposto em falta

Vejamos, então.

A primeira questão que nos cumpre apreciar e decidir, prende-se com a alegação segundo a qual a sentença se pronunciou sobre matéria não invocada pela Arguida em sede de recurso da decisão da aplicação da coima, concretamente ao apreciar (e decidir) a nulidade da decisão recorrida, ao abrigo do disposto nos artigos 79º, nº 1, alíneas b) e c) e 63º, nº1 alínea d), ambos do RGIT

Como é evidente, nenhuma razão assiste à Recorrente.

Como resulta expressamente do nº 5 do artigo 63º do RGIT, conjugado com o nº 1 do mesmo preceito, a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido, constitui uma nulidade insuprível, do conhecimento oficioso e que pode ser arguida até a decisão se tornar definitiva. Ora, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c) do CPP (ex vi, artigo 3º, alínea b) do RGIT e artigo 41º do RGCO) é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, o que aqui, atenta a circunstância de estarmos perante questão do conhecimento oficioso, não se verifica.

Com efeito, como bem aponta o EMMP nas contra-alegações apresentadas “… sendo a nulidade em causa do conhecimento oficioso, não se alcança como é que a douta sentença recorrida se pronunciou sobre matéria não suscitada pela arguida”.

Assim, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, improcedem as conclusões da alegação de recurso atinentes a esta primeira questão.


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Prosseguindo na análise, importa apreciar e decidir se a sentença violou os artigos 79º, nº 1, alíneas b) e c) e 63º, nº1 alínea d), ambos do RGIT, na medida em que, segundo a Recorrente, a decisão de aplicação da coima não padece da falta dos requisitos legais, concretamente no que respeita ao valor da prestação tributária em dívida, ao período a que respeita a infracção e ao termo do prazo para cumprimento da obrigação.

Para decidir nos termos apontados, a Mma. Juíza a quo alinhou o seguinte discurso fundamentador:

“(…)

Nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), constituem nulidades insupríveis no processo de contra-ordenação tributário a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido.

E, o artigo 79.º do RGIT indica os requisitos legais da decisão que aplica a coima, a saber:

“a) A identidade do infractor e eventuais comparticipantes;

b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;

c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;

d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infractor tiver entretanto melhorado de forma sensível;

e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;

A condenação em custas.”

O artigo 27.º, n.º 1 do RGIT prevê que “a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e, sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação.”

No caso dos autos, a decisão de fixação da coima identifica a arguida, mas não procede a uma descrição dos factos que lhe são imputados. Pois, na decisão de fixação da coima, quanto à descrição sumária dos factos consta somente: “Ao (À) arguido (a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: os quais se dão como provados;” (cfr. facto C). Pelo que, não é indicado o valor da prestação tributária em falta, nem o período a que respeita a infracção, nem o termo do prazo para cumprimento da obrigação. Pois, nos termos do citado artigo 79.º, n.º 1, alínea b) do RGIT, “é necessário incluir na decisão a descrição factual sumária e a indicação das normas violadas e punitivas, não bastando uma mera remissão para qualquer outra peça processual, mesmo que se trate de auto de notícia” (cfr. Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, por Jorge Lopes de Sousa, 2001, Áreas Editora, página 435). Também é este o entendimento jurisprudencial, como por exemplo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 00252/04, de 19-10-2004, disponível na internet, no endereço: www.dgsi.pt.

A decisão refere que, a infracção consistiu na falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo, punível pelo artigo 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT, mas não quantifica o valor da prestação tributária em dívida, nem qual o termo do prazo para cumprimento da obrigação. O citado artigo 114.º, n.º 2 do RGIT prevê a aplicação de coima entre 10% e metade do imposto em falta. Porém, a decisão de fixação de coima, não indica qual o montante do imposto em falta, pelo que, não indica os elementos que contribuíram para a fixação da coima, em € 3 368,05.

Assim sendo, a decisão de aplicação da coima, não descreve os factos, nem indica os elementos que contribuíram para a sua fixação, não cumprindo com os requisitos enunciados no artigo 79.º, n.º 1, alíneas b) e c) do RGIT, constituindo nulidade insuprível, no processo de contra-ordenação, de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d) e n.º 5 do RGIT.

Vejamos, então.

Dispõe o artigo 63º, nºs 1, al. d) e 3 do RGIT que:

1 - Constituem nulidades insupríveis no processo de contra-ordenação tributário:

(…)

d) A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido.

(…)

3 - As nulidades dos actos referidos no n.º 1 têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos.

Dispõe o artigo 79º do RGIT, sob a epígrafe Requisitos da decisão que aplica a coima, o seguinte:
1 - A decisão que aplica a coima contém:

a) A identificação do infractor e eventuais comparticipantes;

b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;

c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;

d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infractor tiver entretanto melhorado de forma sensível;

e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;

f) A condenação em custas.

2 - A notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 20 dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva.

3 - A notificação referida no número anterior é sempre da competência do serviço tributário referido no artigo 67.º

O teor da decisão de fixação da coima (que foi dado por reproduzido na sentença recorrida) consta dos factos provados, sendo que a tal decisão se referem expressamente os pontos B e ss da matéria de facto.

Ora, quanto à exigência relativa à descrição sumária dos factos pode afirmar-se, alinhando com a sentença recorrida, que a decisão que fixou a coima não observou este requisito, sendo certo, adiante-se, que tal descrição não pode equivaler, ou ter-se por satisfeita, com a seguinte menção: “Ao (À) arguido (a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: os quais se dão como provados”. A este propósito, relembra-se a transcrição feita na sentença recorrida segundo a qual “é necessário incluir na decisão a descrição factual sumária e a indicação das normas violadas e punitivas, não bastando uma mera remissão para qualquer outra peça processual, mesmo que se trate de auto de notícia” (cfr. Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, por Jorge Lopes de Sousa, 2001, Áreas Editora, página 435)”.

Discorda a ora Recorrente do decidido, afirmando, desde logo, que na decisão impugnada consta o período de tributação 200812T, o qual foi mencionado na parte respeitante às normas infringidas e punitivas. E, neste concreto ponto, tem razão a Recorrente, tal como se retira alínea D) dos factos provados.

Mas já não lhe assiste razão no mais que invoca. Segundo a Recorrente, as menções em falta a que se refere a sentença – concretamente a quantificação do valor da prestação tributária em dívida e o termo do prazo para o cumprimento da obrigação - constam da notificação da decisão de fixação da coima. Ou seja, se bem entendemos a alegação da FP, apesar de tais elementos não constarem na decisão de fixação da coima, eles constam da notificação da decisão, o que, para os efeitos previstos no artigo 79º do RGIT, seria a mesma coisa e, como tal, indiferente para os efeitos em análise.

Desde logo, dir-se-á que, efectivamente, aqueles elementos não constam da decisão impugnada, ou seja, da decisão que fixou a coima e que, nos termos já apontados (e referidos na sentença), dela deviam constar.

Ainda que tais elementos constem da notificação da decisão, isso não retira a necessidade de os mesmos integrarem a decisão propriamente dita. Note-se que a decisão e a sua notificação correspondem, obviamente, a actuações administrativas diferentes (que nem têm que ser efectuadas pela mesma entidade – cfr. artigo 79º, nº3 do RGIT), que não se confundem e que visam diferentes objectivos. Aliás, a lei, concretamente no artigo 79º do RGIT, opera uma distinção precisa entre os requisitos da decisão que aplica a coima e os elementos que devem constar da sua notificação – cfr. nº 2 do artigo 79º do RGIT, segundo o qual “a notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 20 dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva.”

É que, como bem se entende, a exigência legal de a decisão de fixação da coima conter os elementos assinalados nas alíneas b) e c) do nº1 do artigo 79º do RGIT, para além de visar dar ao arguido todos os elementos necessários à sua defesa, assume um outro objectivo, no contexto da actuação da entidade administrativa que fixa a coima, qual seja o de assegurar que, no momento de decidir, essa entidade está na posse de todos os elementos relevantes para, com ponderação, a aplicar e fixar a coima. É na decisão, e não na notificação da decisão, que a coima é aplicada e fixada. Como se aponta no acórdão do TCA Sul, de 17/10/13 (processo nº 6925/13), “Reflexamente, a exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada”.

Por conseguinte, entende-se, na linha daquilo que o EMMP deixou consignado em contra-alegações, que “a nulidade da decisão que aplicou a coima, não pode ser suprida pelo teor da notificação da decisão, cujo regime está previsto no nº 2 do artigo 79º”.

Há que dizer, ainda, que a decisão sancionatória não faz qualquer referência ao facto da arguida, ora recorrente, ter recebido e deduzido o IVA em data anterior à entrega da declaração periódica e do respectivo pagamento. Se este facto constitui um elemento constitutivo do ilícito contra-ordenacional previsto e punido nos nºs 1 e 2 do artigo 114º do RGIT, então não se pode dizer que a decisão que aplicou a coima contenha a descrição sumária dos factos. Como se refere no acórdão deste TCA anteriormente citado, “A infracção imputada ao arguido não se basta com uma pura omissão de um dever de agir, contém na sua descrição típica, para além disso, um elemento adicional, que, ao constituir um pressuposto da punição, tem de estar suportado em factos descritos na decisão de aplicação da coima: o de que a prestação não entregue se trate de uma “prestação tributária deduzida nos termos da lei” (cfr.artº.114, nº.1, do R.G.I.T.). Assim, a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida. Ora, compulsando a decisão administrativa de aplicação da coima (cfr.nº. nº.4 do probatório), nenhuma referência se faz a tal situação prévia. Por outras palavras, devia constar da decisão de aplicação de coima a referência ao recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica que aí vem referida, o que afasta a possibilidade de preenchimento da hipótese do artº.114, nº.2, do R.G.I.T. (a qual se reporta à conduta prevista no nº.1 do mesmo preceito)”.

Nestes termos, e face ao que vem dito, não merece censura a sentença que decretou a nulidade insuprível decorrente da falta de requisitos legais da decisão que aplicou a coima impugnada, a qual, por isso, é de manter.

Em face daquilo que aqui foi decidido, fica naturalmente prejudicado o conhecimento da última questão acima autonomizada respeitante ao quantum da coima.

Por conseguinte, e sem necessidade de maiores considerações, improcedem as conclusões da alegação do presente recurso.


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Apenas uma última referência relativa à renovação do acto de fixação da coima.

Como uniformemente os Tribunais Superiores têm vindo a entender, “decretada em processo judicial de contra-ordenação a nulidade insuprível da decisão administrativa de aplicação da coima, há lugar à baixa dos autos à autoridade tributária que aplicou a coima para eventual renovação do acto sancionatório.

A razão de ser deste entendimento, encontra-se claramente espelhada, entre muitos outros, no Acórdão deste Tribunal de 3 de Junho de 2009 (rec. n.º 444/09), para o qual se remete no que à fundamentação jurídica da decisão agora tomada respeita.

Aí se deixou expresso o seguinte entendimento, igualmente válido no caso dos autos:

«Nos termos dos n.ºs 3 e 5 do citado artigo 63.º do RGIT, a nulidade referida no n.º 1 do mesmo preceito, que é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até a decisão se tornar definitiva, tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto inquinado dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças processuais úteis ao apuramento dos factos.

Ora, como se tem vindo a dizer em inúmeros acórdãos desta Secção (v. Acs. de 6/11/02, 18/2/04, 22/9/04, 11/4/07, 20/6/07 e 31/10/07, nos processos 1507/02, 1747/03, 531/04, 204/07, 411/07, e 754/07, respectivamente), a qualificação dessa nulidade como insuprível não significa que ela não possa ser sanada, mas antes que o decurso do tempo não tem esse efeito, pelo que a sanação respectiva só pode concretizar-se com a supressão da deficiência ou irregularidade, designadamente com a prática, de acordo com a lei, do acto omitido ou da irregularidade praticada.

Assim, a nulidade por falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima não impede que venha a ser proferida nova decisão em substituição da anulada desde que prolatada até ao trânsito em julgado da decisão final, tanto na fase administrativa como na judicial”cfr., entre muitos outros, o acórdão do STA, de 28/04/10, proferido no processo 270/10.

Portanto, e como se determinará, após baixa dos autos ao tribunal recorrido, deverá este remeter os mesmos à autoridade tributária que aplicou a coima, com vista à possível renovação do acto sancionatório.


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3. Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, mais se anulando todo o processado subsequente à decisão de fixação da coima, devendo o processo baixar ao Tribunal a quo para que este o remeta à autoridade tributária que aplicou a coima, com vista a eventual renovação do acto sancionatório.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 22/01/15


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Catarina Almeida e Sousa

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Bárbara Tavares Teles

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Jorge Cortês