Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2462/09.1BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 09/16/2021 |
Relator: | HÉLIA GAMEIRO SILVA |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO INQUÉRITO CRIMINAL ALARGAMENTO DO PRAZO DE CADUCIDADE – ARTIGO 45.º N.º 5 DA LGT |
Sumário: | I - A liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efetuar-se nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45º e 46º da LGT. É o que dispõe o atual 101º do CIRC, mantendo a redação do artigo 93º, na versão em vigor até 2009.
II - Como decorre do teor do nº5 do artigo 45º da LGT, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 60.-A de 2005, sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 (quatro anos) é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano. III - Para efeitos do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no citado n.º 5 do artigo 45.º da LGT, a lei não exige que a par de uma “identidade objectiva” entre facto tributário e facto objecto de inquérito criminal, uma identidade subjectiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
1 – RELATÓRIO
M... - F..., LDA., melhor identificada nos autos, veio deduzir IMPUGNAÇÃO contra o ato de liquidação adicional de IRC de 2004 no valor de € 17 545,80 e respetivos juros compensatórios, no valor de € 2 771,54. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 27 de janeiro de 2020, julgou improcedente a impugnação. Inconformada, a M... F..., LDA., veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões: «1) A presente impugnação reporta-se a uma liquidação correctiva de IRC, respeitante ao período de tributação de 2004. 2) Nos termos das disposições conjugadas dos n°s 1 e 4 do art.° 45° da LGT, o prazo de caducidade do direito à liquidação é de quatro anos, contados no que respeita a IRC, do termo do ano em que se verificou o facto tributário, que nos impostos sobre o rendimento é complexo e de verificação continuada. 3) Como assim, a caducidade do direito à liquidação, no caso de que se trata, opera, se tal prazo não for suspenso, se a mesma liquidação não for notificada ao contribuinte (como não foi) até 31 de Dezembro de 2008. 4) Resulta do relatório conjunto de dois procedimentos de inspecção externa, visando os períodos de tributação de 2004 e 2003, em que o primeiro dos mencionados foi instaurado na sequência de Ordem de Serviço n° OI200801764, notificada à recorrente/impugnante em 30 de Maio de 2008, e “terminado” (sic) em 19 de Setembro de 2008. O segundo dos procedimentos indicados, visando o exercício de 2003, foi determinado pela OS n° OI200900567, e terá sido iniciado em 16 de Julho de 2008. 5) Na melhor das hipóteses, o primeiro dos procedimentos, a que se refere a conclusão anterior, poderia ter determinado uma suspensão de tal prazo por 110 (cento e dez) dias, obstando à caducidade do direito à liquidação, se esta tivesse sido notificada à impugnante até 20 de Abril de 2009. Acontece que a liquidação correctiva a que terá dado origem terá sido notificada à recorrente/impugnante em 19 de Agosto de 2009. 6) Tudo indica que os ditos procedimentos terão sido agregados, objecto de um único relatório, na sequência do qual foi praticada e notificada a liquidação correctiva, respeitante ao exercício de 2004, como se refere na conclusão precedente. 7) As prorrogações de prazo para conclusão de tais procedimentos não colhem relevo, face ao disposto no n° 1 do art.° 46° da LGT, na redacção dada pela Lei n° 62-B/2002 de 30/12, que revogou o n° 5 do art.° 45° da LGT, na redacção da Lei n° 15/2001 de 5/6. 8) É certo que, nos termos do n° 5 do artigo 45° da LGT (aditado pelo n° 1 do artigo 57° da Lei n° 60-A/2005 de 30/10), sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o dito prazo é excepcionalmente alargado até ao arquivamento do inquérito ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano. 9) Mas quando se fala em “a liquidação respeitar a factos”, não podem ter em vista outros senão factos da impugnante, a quem aquele acto tributário (a liquidação) há-de ser subjectivamente dirigido. 10) Ora como se atesta no relatório em questão - e nos pareceres e despachos que sobre ele foram sucessivamente produzidos - o inquérito n° 108/08.4IDLSB, foi instaurado “contra a emitente”, isto é: respeitará a factos da emitente (das facturas suspeitas). 11) E factos da emitente hão-de ser, passe o pleonasmo, a emissão de facturas, ou documentos equivalentes, passados em conformidade com os requisitos formais (designadamente os então previstos no n° 5 do art.° 35° do CIVA) exigíveis para titular um direito à dedução do IVA, suportado pelo seu destinatário, onde se mencionem transmissões de bens ou prestações de serviços que não ocorreram. 12) Factos da impugnante - no que respeita a IRC: um crime de fraude fiscal que se teria hipotéticamente consumado mediante a entrega de uma declaração fraudada de rendimentos Modelo 22 (actualmente prevista nos artigos 117°, 1 e 120° do CIRC), em que o rendimento tributável declarado, viesse afectado negativamente por gastos supostamente documentados pelas facturas suspeitas (art.° 103° do RGIT). 13) Não impendendo sobre a impugnante qualquer ónus de prova de facto negativo, caberia à Fazenda Pública demonstrar que, em 2 de Janeiro de 2009, no âmbito do inquérito n° 108/08.4IDLSB (ou de qualquer outro), já era visada a hipotética responsabilidade da impugnante. 14) Parece que não, uma vez que, atesta-o o relatório a que nos vimos referindo, não foi lavrado auto de notícia, despachando o Sr. Director de Finanças de Lisboa, em 15 de Junho de 2009, que do mesmo se remetesse cópia à Divisão de Processos Criminais Fiscais. “Para integrar o Processo de Inquérito ao emitente”. 15) Ademais não está sequer provado que os factos de que resultaram as correcções que deram origem à liquidação impugnada, sejam os mesmos a que respeita o inquérito criminal em causa. 16) Tudo indica que não são uma vez que os aqui em causa (factos da impugnante), não são os factos da emitente das facturas sujeitas, “contra a qual” (emitente) foi instaurado o dito inquérito - cujos termos não estão comprovados neste processo. Nestes termos - e nos mais de Direito aplicáveis que V. Ex.as doutamente suprirão - deverá ser revogada a sentença recorrida, concluindo-se conforme o pedido formulado na petição de impugnação.» »« A Recorrida (FP), devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações. »« Os autos foram com vista ao Exmo. Sra. Procurador Geral - Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n. º1 do CPPT, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. »« Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário para decisão. »« 2 – OBJECTO DO RECURSO Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT). A questão sob recurso que aqui importa decidir, consiste em saber se a sentença errou ao concluir que a liquidação adicional de IRC do exercício de 2004, impugnada nos autos, foi notificada à Impugnante, aqui recorrente, dentro do prazo de caducidade do respetivo direito à liquidação.
3 - FUNDAMENTAÇÃO De facto É a seguinte a materialidade dada por provada na sentença recorrida: * MotivaçãoAssenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.» »« Conforme se deixou claro na delimitação do objeto de recurso, a questão que aqui nos cumpre apreciar reporta-se à verificação dos pressupostos da caducidade do direito à liquidação, nomeadamente quanto ao prazo, e consubstancia-se na questão de saber se à data da notificação da mesma (liquidação) ao sujeito passivo da relação jurídica tributária, esse prazo se encontrava já vencido. Como ressalta do salvatério, a recorrente entende que sim e, nessa medida, sustenta que, “ … o prazo de caducidade do direito à liquidação é de quatro anos, contados no que respeita a IRC, do termo do ano em que se verificou o facto tributário, (…)” e, neste caso, “… opera, se tal prazo não for suspenso, se a mesma liquidação não for notificada ao contribuinte (…) até 31 de Dezembro de 2008.”. Considera que a prorrogações de prazo para conclusão dos procedimentos de inspeção não colhem relevo, face ao disposto no n° 1 do artigo 46° da LGT, (na redação dada pela Lei n° 62-B/2002 de 30/12, que revogou o n° 5 do artigo 45° da LGT, na redação da Lei n° 15/2001 de 5/6) e bem assim que o TT de Lisboa, interpretou e aplicou erradamente a lei, quanto ao disposto no nº 5 do artigo 45º da LGT com o alargamento do prazo de caducidade aí previsto, em resultado da instauração de inquérito criminal nº. 108/08.4IDLSB, Refere ainda que o inquérito n° 108/08.4IDLSB, foi instaurado “contra a emitente” das faturas “suspeitas” e nessa medida respeita a factos próprios da mesma, sendo certo, acrescenta, que “… não está sequer provado que os factos de que resultaram as correcções que deram origem à liquidação impugnada, sejam os mesmos a que respeita o inquérito criminal em causa.” Vejamos então. Na análise das questões suscitadas, consideramos, face à dúvida lançada pela recorrente quanto à falta de prova a que acabamos de referir e que foi enunciada nas conclusões 15) e 16) do salvatério, que, devem ser aditados ao probatório os factos relacionados com a abertura do referido inquérito criminal e bem assim com a motivação do procedimento inspetivo que deu origem á liquidação impugnada. Na verdade, tais factos são, não só pertinentes, como também relevantes para a decisão sobre aplicação, ou não, do prazo de exceção à regra da caducidade do direito à liquidação, aqui em conflito. Assim e tendo o TT de Lisboa omitido a pronúncia decisória que era devida quanto a esta factualidade, passemos à ampliação da matéria, uma vez que os autos contêm os elementos probatórios necessários para o efeito ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), cujos factos resultam documentalmente provados nos autos, nos termos que se seguem: 10) Consta do relatório elaborado pela Inspeção Tributária – Divisão III – Equipa 32 da Direção de Finanças de Lisboa, em 22/05/2009, que a mesma foi realizada «… no cumprimento da Ordem de Serviço n. º 01200801764, para o exercício de 2004, aberta por despacho proferido em 14 de Abril de 2008, tendo sido iniciada no dia 9 de Julho de 2008 e terminada no dia 18.09.2008. Foi ainda emitido o Despacho n.º D/200807484 que abrangeu a consulta, recolha e cruzamento de elementos para o exercício de 2003, posteriormente substituído pela Ordem de Serviço n.0 01200900567, tendo estes procedimentos de inspecção sido iniciados no dia 16 de Julho de 2008 e terminados no dia 26.02.2009. (…)». Ao abrigo da mesma disposição legal corrige-se o ponto 3 da materialidade asseste que, como é bom de ver, ao dizer que “[O]o processo mencionado em 1) que antecede encontra-se arquivado, por despacho de 10.01.2013.” quer, obviamente, reportar-se ao processo mencionado no ponto 2). Corrige-se ainda o vertido no ponto 5 do probatório, dado que, conforme constatamos, a ação inspetiva donde decorre a correção ao IRC que deu origem à liquidação em conflito não é a referida em 4) do probatório, mas sim a n.º OI200801764, tendo a mesma sido dirigida ao exercício de 2004, conforme resulta do respetivo relatório a fls. 13 e seguintes dos autos. Assim o ponto 5) da “Fundamentação – De facto” passa a ter a seguinte redação: 5) Em resultado da ação de inspeção mencionada em 10) deste probatório, foi efetuada uma correção de imposto no valor de € 63 800,00 - cf. relatório de inspeção de fls. 13 a 27 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. Estabilizada assim a materialidade dada por provada, importa agora apreciar a questão que nos vem posta que, como dissemos, se consubstancia em saber se o tribunal a quo fez errado interpretação do regime da caducidade à liquidação da divida de IRC de 2004. Para decidir, como o faz, a sentença recorrida alinhou, em síntese, o seguinte discurso argumentativo: “(…) No caso dos autos, está em causa IRC do ano de 2004. Logo, o prazo de caducidade de 4 anos terá que ser contado, nos termos do supra transcrito n.° 4 do artigo 45.° da LGT, “a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”, ou seja, a partir do dia 01.01.2005. Assim, iniciado o prazo de caducidade em 01.01.2005, não se verificando qualquer facto interruptivo ou suspensivo, o mesmo termina em 31.12.2008. Ora, tendo as liquidações impugnadas sido emitidas em 17.08.2009, e notificadas à Impugnante por ofícios datados de 14.08.2009, rececionados em 17.08.2009, conforme resulta da matéria de facto considerada provada por este Tribunal, aplicando-se o referido prazo de caducidade de 4 anos, quando a liquidação em causa foi notificada, e até liquidada, já o respetivo direito à liquidação tinha caducado. É certo que, nos termos do n.° 1 do artigo 46.° da LGT, "o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação". Sucede, que, como resulta dos autos e ficou assente na alínea 4) do probatório, o procedimento inspetivo que deu origem às liquidações impugnadas nos autos foi iniciado em jJulho de 2008, quando, portanto, ainda não tinha decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação, conforme supra foi dito - 31 de Dezembro de 2008. Pelo que, foi suspenso o prazo de caducidade, pois, contrariamente ao alegado pela Impugnante, o mesmo não se encontra expirado. Alega, ainda, a Fazenda Pública que não se verifica a invocada caducidade do direito de liquidação porquanto, tendo sido instaurado processo de inquérito criminal contra a sociedade T... - Sociedade de Transportes e Construção, Lda., na sequência do qual a Impugnante foi alvo de ação de inspeção, por ser utilizadora de faturas emitidas por aquela sociedade, será de aplicar ao caso sub judice o prazo de caducidade previsto no n.° 5 do artigo 45.° da LGT (introduzido pela Lei n.° 60- A/2005, de 30 de Dezembro), o qual estabelece que “sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo de quatro anos a que se refere o n.° 1 do mesmo artigo é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano" Com efeito, como se deu por provado em 2) da factualidade assente, foi instaurado, pela Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direcção de Finanças de Lisboa, o processo de inquérito criminal n.° 108/08.4IDLSB, respeitante ao IRC e IVA dos anos de 2003 a 2005, contra a sociedade T... - Sociedade de Transportes e Construção, Lda., com fundamento na presença de indícios de que esta sociedade procedeu à emissão de faturas falsas e/ou que não correspondem a transações reais, designadamente emitidas em nome da ora Impugnante. Ora, ainda que se entenda que não ficou suficientemente demonstrado que foram efetivamente os factos que fundamentam a correção sindicada nos autos e as consequentes liquidações impugnadas que deram origem à instauração de processo de inquérito criminal n.° 108/08.4IDLSB, este processo foi instaurado antes de ter decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação. (…) Este alargamento será aplicável aos casos, como o dos autos, em que o inquérito foi instaurado antes de estar decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação (tal como previsto no n.° 1 do artigo 45.° da LGT). (…) Sendo que o n.° 2 do artigo 57.° da Lei n.° 60-A/2005, de 30 de Dezembro, ao determinar que a aplicação da regra introduzida no n.° 5 do artigo 45.° da LGT (pela referida Lei n.° 60-A/2005) se aplica aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor desta Lei, não determina aplicação retroativa da lei (cf., entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.10.20l5, processo n.° 01477/13). Assim sendo, face a todo o exposto, tendo a liquidação em causa sido notificada à Impugnante em 17.08.2009, e sendo aplicável, in casu, o invocado n.° 5 do artigo 45.° da LGT, impõe-se concluir não ter ocorrido a caducidade do direito à liquidação, improcedendo a alegação em análise.” – fim de citação E na verdade assim é, de facto, de acordo com o CIRC, a liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efetuar-se nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45º e 46º da LGT. É o que dispõe o atual 101º mantendo a redação do artigo 93º, do mesmo diploma, na versão em vigor até 2009. Refere o artigo 45.º da LGT, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º60-A/2005, de 30 de Dezembro, na parte que para aqui releva, que: “1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro. (…) 4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário. 5 - Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano. 6 - Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1, as notificações sob registo consideram-se validamente efetuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil”. – o sublinhado e o negrito são nossos. Como bem refere a sentença recorrida, a redação do n.º 5 do artigo 45.º, que acabamos de enunciar, foi aditado pela referida Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, dispondo no nº2 do seu artigoº 57.º, que o mesmo tem aplicação aos prazos de caducidade em curso à data da sua entrada em vigor, ou seja, em 01/01/2006. Ora, “in casu”, a liquidação adicional em conflito reporta-se a IRC e ao exercício de 2004 e sendo, como é, o IRC um imposto periódico, o prazo de caducidade de quatro anos conta-se, como consta do texto decisório, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, ou seja, 31/12/2004, isto, sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção do prazo de caducidade, enunciadas no n.º 1 do artigo 46º da LGT, nomeadamente, a suspensão decorrente da notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, para que não se ocorresse o prazo de caducidade a AT teria de efetuar a liquidação e dela validamente notificar o contribuinte até 31/12/08. Porém, neste caso, sempre seria de ponderar o disposto no artigo 46º, nº1 da LGT e a suspensão do prazo de caducidade face à ocorrência da ação inspetiva, não obstante, na situação em análise há que ponderar, tal como o fez a Mma. Juíza a quo, o teor do nº5 do artigo 45º da LGT, já que o direito à liquidação assenta em factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o que, per si, catapulta o prazo a que se refere o n.º 1 (quatro anos) para o final de um ano após o arquivamento ou transito em julgado da sentença, decorrente da instauração do respetivo inquérito criminal. É, neste ponto, ou seja, é quanto ao alcance de aplicação desta norma que o entendimento da recorrente diverge da sentença, uma vez que – recorde-se – a mesma considera que o aludido processo de inquérito n° 108/08.4IDLSB, foi instaurado “contra a emitente” das faturas “suspeitas” e nessa medida respeita a factos próprios da mesma. Na verdade, decorre do que se deixou dito e bem assim, da leitura das conclusões recursivas, que a discordância da recorrente com a sentença, reside na definição das situações em que se pode verificar o alargamento do prazo de caducidade face à instauração de inquérito criminal, defendendo a apelante a lei exige que se verifique uma identidade subjetiva entre o arguido e o sujeito passivo de imposto, identidade esta que, a seu ver, in casu, não existe uma vez que o inquérito criminal nº 108/08.4IDLSB foi instaurado por factos subjacentes à emissão de faturas que vem indiciadas como falsas, mas que foram emitidas por outro sujeito passivo, nomeadamente, pela “T... - Sociedade de Transportes e Construção, Lda.,”. Aqui chegados, por similitude, chamamos à colação o se deixou dito no acórdão proferido por este TCA em 07/05/2020, no processo n.º 666/10.3BELRA cujo coletiva, a aqui relatora integrou como 1.ª adjunta, diz-se ali: “(…) Como a jurisprudência do STA tem reiteradamente afirmado, “Na sua construção literal, a norma prevista no n.º 5 do artigo 45.º da LGT é clara, referindo-se expressamente a uma necessária identidade de factos (i.e., identidade entre o facto tributário e o facto criminal), sem mais. Observe-se, a contrario, a norma prevista no n.º 5 do artigo 49.º da LGT, nos termos da qual “o prazo de prescrição legal suspende-se, ainda, desde a instauração de inquérito criminal até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença”, cuja redacção é menos clara, menos incisiva, o que, aqui sim, poderia motivar interpretações extensivas ou restritivas. Por outro lado, e sem prejuízo da letra da lei, importa atender à teleologia da norma. Conforme bem referem José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes in Lei Geral Tributária – anotada e comentada, 2015, p. 412, “o nº 5 destina-se a impedir o decurso do prazo de caducidade na pendência do processo criminal por se entender que encontrando-se a liquidação dependente de sentença a proferir no âmbito desse processo tal liquidação não pode ser prejudicada pela demora da decisão judicial. Para o efeito alarga-se o prazo de caducidade até arquivamento do inquérito ou ao trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano”. Assim, a norma prevista no n.º 5 do artigo 45.º da LGT resulta da necessidade de garantir uma boa decisão da causa em matéria fiscal, aguardando-se assim o desfecho dos inquéritos ou dos processos-crime em que o facto tributário se encontra em discussão. Ou seja, o inquérito criminal teve por objecto a averiguação da eventual prática de crimes fiscais relacionados com a matéria objecto da Inspecção Tributária e da liquidação subsequente – independentemente de o agente que praticou o crime ser o sujeito passivo do imposto. Vai neste sentido, da exigência de uma identidade objectiva – entre os factos tributários e os factos objecto de inquérito criminal –, a jurisprudência deste STA no que respeita à interpretação do n.º 5 do artigo 45.º da LGT. Assim, o Acórdão do STA de 11 de Maio de 2016, rec. n.º 1071/14, em que se consignou que “A contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45º, nº 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos” e o Acórdão de 3 de Novembro de 2016, rec. n.º 1407/15, onde se consignou, citando jurisprudência anterior, que (…) a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos e, se a sentença não tiver fixado os factos concretos factos que motivaram a liquidação oficiosa impugnada, nem aqueles que são alvo da investigação criminal a que alude o probatório, verifica-se um défice instrutório que importa colmatar para decidir a questão da caducidade da liquidação face ao que dispõe o referido preceito. Não é, pois, exigível, para efeitos do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, a par de uma “identidade objectiva” entre facto tributário e facto objecto de inquérito criminal, uma identidade subjectiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto. E não se diga que “Constituindo o prazo de caducidade do direito de liquidação uma garantia do contribuinte, o não preenchimento de tais condições [isto é, identidade do facto e identidade do agente] levaria a que o alargamento do prazo do direito de liquidação ficasse numa situação de indefinição tal que seria atentatória do princípio constitucional da segurança jurídica”. Com efeito, ainda que não exista uma identidade de sujeitos, o alargamento do prazo de caducidade nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da LGT não conduz, de per se, a uma indefinição do prazo de caducidade, mas apenas ao seu alargamento até ao encerramento do processo-crime, acrescido de um ano” – vide, acórdão do STA, 06-12-2017, processo nº 73/16.” – fim de citação Face a este entendimento e, tendo por certo que na situação que aqui nos ocupa: § estamos perante uma liquidação adicional de IRC de 2004 - cfr. pontos 5 e 6 do probatório; § esta liquidação surge na concretização das conclusões a que se reporta um procedimento inspetivo que teve o seu início em 09/07/2008 – cfr. ponto 10) do probatório; § a liquidação foi comunicada ao sujeito passivo em 17/08/2009 (cfr. ponto 7 dos factos provados); § O inquérito criminal foi instaurado e arquivado por despacho em 10/01/2013 - cfr. ponto 3 dos factos provados; § Os factos investigados no inquérito criminal (n.°108/08.4IDLSB) correspondem a circunstancialismo relevante, em sede de fiscalização destinada ao apuramento dos factos tributários respeitantes ao IRC de 2004 quanto a custos contabilizados tendo por suporte a facturação emitida por T... - Sociedade de Transportes e Construção, Lda., indiciada como “falsa”, cuja situação se encontrava a ser investigada - (cfr. pontos 7 e 10 dos factos provados); Ora, atentos os factos ora enunciados e face ao apuramento de que a liquidação impugnada resultou de ação inspetiva desencadeada pela verificação de indícios de utilização de faturas relativamente às quais se verificam fortes indícios de que as operações por elas tituladas respeitam a negócio jurídico simulado, emitidas pelo prestador de serviços T... - Sociedade de Transportes e Construção, Lda., no âmbito do processo de inquérito n.°108/08.4IDLSB, indiciando que foram contabilizados indevidamente custos, em sede de IRC. Atento ainda que o relatório inspetivo dá conta que os valores não aceites como custos fiscais no exercício de 2004 (€ 63 800,00) foram contabilizados com base em faturas emitidas pelo suposto empreiteiro, tendo a AT concluído que as mesmas não poderiam ser aceites fiscalmente, por apesentarem fortes indícios, objetivamente credíveis, de que as operações nelas descritas não são reais. Aqui chegados, e constatando que a liquidação adicional em conflito recai sobre factualidade idêntica àquela sobre a qual foi instaurado inquérito criminal, podemos, sem mais concluir que a situação se enquadra no regime instituído pelo nº5 do artigo 45º da LGT e o prazo de caducidade de 4 anos, referido no n.º1 do artigo 45 da LGT é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano. Como tal, e como a sentença concluiu, em 17/08/2009, data da notificação da liquidação à impugnante, o prazo de caducidade do direito à liquidação ainda se não havia consumado, o que equivale a dizer que bem andou a Mma. juíza a quo ao julgar não verificado o fundamento de impugnação. Improcedem, assim, as conclusões da alegação de recurso, negando-se, em consequência, provimento ao recurso.
3 - DECISÃO Em face do exposto, acordam, os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas pela Recorrente Lisboa, 16 de setembro de 2021 Hélia Gameiro Silva (com assinatura eletrónica) |