Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13274/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/30/2016
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:ASILO; CUSTAS
Sumário:I - O artigo 25º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 34/2008, de 26/2, revogou o artigo 84º da Lei 27/2008, de 30/6, no segmento em que este prevê a gratuidade, na fase judicial, dos processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária e de expulsão.

II - A lei nacional - ao não prever uma isenção de custas para os processos judiciais de impugnação das decisões relativas aos pedidos de asilo e de protecção subsidiária, mas ao prever a concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, aos requerentes de asilo ou de protecção internacional que estejam em situação de insuficiência económica - está em harmonia com o estatuído nas normas do Direito da União Europeia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


RELATÓRIO

ALPHA …………………… intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa “acção de impugnação de acto administrativo” contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA com vista a obter (i) a anulação do despacho do Secretário de Estado da Administração Interna de 17/09/2015 que recusou a autorização de residência por protecção subsidiária e (ii) a condenação da entidade demandada a conceder tal autorização.

Por sentença de 4/03/2016, o TAC de Lisboa julgou a acção procedente - anulando o acto impugnado e condenando a entidade demandada à prática do acto que conceda ao autor autorização de residência por protecção subsidiária - e condenou a entidade demandada em custas.

Inconformada com a sentença na parte em que a condenou em custas, a entidade demandada interpôs recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:
“- Os processos de impugnação judicial de recusa de admissibilidade do pedido de protecção internacional configuram, nos termos da legislação aplicável, processos gratuitos (cf. art. 84º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, quer na sua redacção originária, quer na sua actual redacção, dada pela Lei 26/2014, de 5 de Maio).
- Inversamente, a douta sentença de que ora se recorre assim não entende, omitindo in toto a Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, quer na sua redacção originária, quer na sua actual redacção, dada pela Lei 26/2014, de 5 de Maio e concluindo que a legislação nacional não prevê, actualmente, uma isenção de custas para os processos de asilo e de protecção subsidiária.
- O ora recorrente, em total discordância, mas, uma vez vinculado àquele, pugna na senda dos veredictos supra aludidos (in arts. 8º e 9º), que aplicam, sem reservas, o referido preceito legal - “Sem custas” - art. 84º da Lei n.º 27/2008, de 30/06” - Sic - STA in Recursos n.º 63/2015 (Proc. 11440 e n.º 1331/14 (Proc. n.º 10821/14, do TCA Sul).
- Entendimento que, aliás, tem sido seguido transversalmente pelos tribunais administrativos de primeira instância.
- A contradição verificada, mina, por um lado, o entendimento do recorrente sobre o procedimento a seguir nas diferentes fases administrativos sob a sua esfera, porquanto, o citado art. 84º não distingue a fase administrativa da fase judicial, fazendo assim crer que o entendimento quanto a esta matéria é igual, quer estejamos na fase administrativa, quer na fase de contencioso.
- Por outro lado, a estatuída prerrogativa não é também excepcionada, na fase judicial, consoante se trate da Administração, ou do requerente de asilo.
- Aliás, pese embora a alteração ocorrida em 2014 (Lei 26/2014), no que concerne a esta temática, não se verifica qualquer mudança.
- Acresce, que o invocado Decreto-lei n.º 34/2008, de 26/02, sendo uma lei de carácter geral, não prevalece sobre o diploma de asilo, contido na Lei 27/2008, não só face à já arguida especialidade desta, mas, outrossim, face à impossibilidade temporal, pois sendo anterior à Lei 26/2014, não pode cominar tal efeito (revogação).
- Em suma, imperioso se mostra, quanto a esta matéria, pelas razões aqui alegadas, a necessidade de uniformizar a jurisprudência.
- Razão pela qual, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras apresentou recurso, aos 12/01/2016, junto do Supremo Tribunal Administrativo, para uniformização de jurisprudência, que se encontra em apreciação (Proc. n.º 12356/15 - 2.º Juízo - 1.ª Secção - Tribunal Central Administrativo Sul).”

O recorrido não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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A única questão que se coloca é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir condenar o ora recorrente em custas.

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Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

Vem o presente recurso interposto da sentença do TAC de Lisboa de 4/03/2016, na parte em que condenou a entidade demandada, ora recorrente, em custas.
Entende a mesma que o Tribunal a quo errou ao assim decidir na medida em que o artigo 84º da Lei n.º 27/2008, de 30/06 estipula a gratuitidade dos processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária, quer para os requerentes, quer para a Administração, e essa norma não foi objecto de revogação pelo Decreto-lei n.º 34/2008, de 26/02 (que aprovou o Regulamento das Custas Processuais).
Desde já se adianta entendermos que não assiste qualquer razão ao recorrente.
Independentemente da questão de saber se a regra da gratuitidade dos referidos processos se aplica não só ao requerente mas também à Administração, o certo é que a mesma foi revogada e, por isso, deixou de haver isenção de custas.
Vejamos.
O artigo 84º da Lei n.º 27/2008, de 30/06 prescreve que “os processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária e de expulsão são gratuitos e têm carácter urgente, quer na fase administrativa quer na judicial”.
Dúvidas não há que esta norma confere isenção de custas.
Acontece, porém, que, na parte em que estabelece a gratuitidade dos ditos processos na fase judicial, tal norma já não vigora na ordem jurídica. Com efeito, o artigo 25º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 34/2008, de 26/02, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, “procedeu à revogação, «expressis verbis», de todas as isenções de custas anteriores e descontinuadas pelo RCP” (cfr. Acórdão do STA de 18/06/2015, proc. n.º 061/15).
Como refere a propósito deste preceito, Salvador da Costa (in Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 5ª Edição, 2013, págs. 11/12), “Várias foram as normas e diplomas revogados por via do artigo 25.º deste diploma, cujo n.º 1 estabelece: “São revogadas as isenções de custas previstas em qualquer regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas e provadas, que não estejam previstas no presente Decreto-Lei”.
Onde este preceito se refere às isenções previstas neste Decreto-Lei, deve entender-se, necessariamente, as isenções previstas no Regulamento das Custas Processuais.
Trata-se de um normativo de carácter geral, mas dos seus termos decorre a intenção inequívoca do legislador revogar todas as normas especiais relativas a isenção de custas constantes do nosso ordenamento jurídico.
Nesta perspectiva, nos termos do art. 7º, n.º 3, do Código Civil, a conclusão é no sentido de que, com o início da vigência deste normativo no dia 20 de abril de 2009, revogadas ficaram as isenções de custas constantes do nosso ordenamento jurídico em relação a pessoas privadas ou entidades públicas nos processos da competência dos tribunais das ordens judicial, administrativa e tributária (sublinhado nosso).
As situações de isenção de custas vêm expressamente referidas no artigo 4º do RCP e nesse elenco não consta qualquer situação assimilável à dos presentes autos.
Concluímos, pois, que o recorrente fundamenta a sua pretensão num preceito revogado, não havendo outro que, entretanto, lhe tivesse trazido o mesmo benefício.
E nem se diga, como o recorrente parece pretender, que a revogação da isenção de custas na fase judicial dos processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária e de expulsão, viola as directivas comunitárias, designadamente as Directivas n.ºs 2004/83/CE e 2005/85/CE do Conselho de, respectivamente, 29/04 e 1/12.
A Directiva 2004/83/CE, que “tem por objectivo estabelecer normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional e ao conteúdo da protecção concedida” (cfr. artigo 1º), nada dispõe sobre a matéria em questão.
Por seu lado, a Directiva 2005/85/CE, que “tem por objectivo definir normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e de retirada do estatuto de refugiado nos Estados-Membro” (cfr. artigo 1º), estabelece no artigo 15º determinadas regras no que a esta matéria concerne.
Assim, dispõe este preceito, sob a epígrafe “Direito a assistência jurídica e a representação”, que:
“1. Os Estados-Membros devem conceder aos requerentes de asilo a oportunidade de, a expensas próprias, consultarem de forma efectiva um advogado ou outro consultor, admitido ou aceite nessa qualidade pela legislação nacional, sobre matérias relacionadas com os seus pedidos de asilo.
2. No caso de o órgão de decisão se pronunciar negativamente, os Estados-Membros devem assegurar a concessão de assistência jurídica e/ou representação gratuitas, a pedido, sob reserva do disposto no n.º 3.
3. Os Estados-Membros podem prever na sua legislação nacional a concessão dessa assistência ou representação gratuitas apenas:
(…)
b) Às pessoas que carecem de meios suficientes;
(…).
4. Os Estados-Membros podem prever normas relativas às modalidades de apresentação e tratamento dos pedidos de assistência jurídica e/ou representação.
(…).”
O que esta Directiva impõe aos Estados-membros é, pois, que os mesmos assegurem a concessão de assistência jurídica e/ou representação gratuitas às pessoas que carecem de meios suficientes sempre que o pedido por elas apresentado seja indeferido. Só nessas situações e não em todos os processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária e de expulsão é que a Directiva obriga os Estados-membros a estabelecer regras naquele sentido.
Ora, nos termos do disposto nos artigos 25º, n.º 4 e 49º, n.º 1, al. f) da Lei n.º 27/2008, de 30/06 (na redacção dada pela
Lei n.º 26/2014, de 5/5), os requerentes de asilo ou de protecção subsidiária beneficiam de apoio judiciário nos termos gerais, caso estejam em situação de insuficiência económica, designadamente através da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Constata-se, assim, que o legislador nacional, ao revogar a isenção de custas na fase judicial dos processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária e de expulsão, não violou as referidas directivas comunitárias, na medida em que estabeleceu mecanismos que asseguram assistência jurídica aos requerentes que careçam de meios suficientes.
Neste sentido pronunciou-se recentemente o TCAS no Acórdão de 16/12/2015, proc. n.º 12356/15.
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SUMÁRIO (artigo 663º, n.º 7 CPC):

I - O artigo 25º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 34/2008, de 26/2, revogou o artigo 84º da Lei 27/2008, de 30/6, no segmento em que este prevê a gratuidade, na fase judicial, dos processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária e de expulsão.
II - A lei nacional - ao não prever uma isenção de custas para os processos judiciais de impugnação das decisões relativas aos pedidos de asilo e de protecção subsidiária, mas ao prever a concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, aos requerentes de asilo ou de protecção internacional que estejam em situação de insuficiência económica - está em harmonia com o estatuído nas normas do Direito da União Europeia.




DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 30 de Junho de 2016


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(Conceição Silvestre)


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(Cristina dos Santos)


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