Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:894/18.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2019
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:RECLAMAÇÃO;
PENHORA;
GARANTIA.
Sumário:I. Encontrando-se reunidas as condições para que o processo de execução fiscal se mantivesse suspenso até à decisão proferida na respectiva impugnação judicial ao abrigo do disposto no art. 169.º, n.º 1 do CPPT, designadamente, como no caso dos autos, em que foi deduzida impugnação judicial que tem por objecto a legalidade da dívida exequenda e existe penhora nos autos de execução fiscal que garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, não pode ser aplicado o valor dos saldos bancários penhorados e extinto o processo de execução fiscal;
II. Requerendo o executado o levantamento de penhoras em excesso que foram efectuadas às suas contas bancárias em violação do disposto no art. 217.º do CPPT, com o fundamento de que a penhora de imóvel efectuada nos autos de execução fiscal é suficiente para garantir a dívida exequenda e acrescido, é ilegal a decisão do órgão de execução fiscal que exige a constituição de hipoteca legal sobre esse mesmo imóvel.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:



I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgando improcedentes as excepções de inutilidade superveniente da lide de intempestividade da reclamação e do pedido de ampliação do pedido, bem como as questões prévias de inadmissibilidade do pedido de ampliação do pedido e da insusceptibilidade de reclamação do despacho proferido a 13/04/2018, declarou a inutilidade superveniente da lide quanto ao fundamento de excesso de penhora, e julgou procedente a Reclamação apresentada por J....., Lda., contra a decisão do chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-3, proferida nos processos de execução fiscal n.ºs 3085…., 3085….. e apensos, que ordenou a consumação da penhora sobre um vasto acervo de bens e direitos da sociedade Reclamante.

A Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

« A. A douta sentença de que se recorre considerou procedente a presente reclamação por considerar que o caso sub judice era similar ao circunstancialismo em que se aplica a disciplina prevista no artigo 169.°, n.° 7 do CPPT e artigo 52.°, n.° 7 da LGT e atendendo ao facto de o Despacho reclamado se ter alicerçado em doutrina constante em Ofícios Circulados.

B. Entende, porém, a Fazenda Pública com o devido respeito por diversa opinião, que o douto decisório incorreu em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos e por ser inaplicável o disposto nos artigos 52.° n.° 7 da LGT, 169.° e 199.° do CPPT.

Senão vejamos,

C. O thema decidendum do presente recurso consiste em aferir, por um lado, a verificação da excepção de inutilidade superveniente da lide, por ocorrência de pagamento e, por outro lado, avaliar a possibilidade de substituição da penhora de saldos bancários, pela penhora do imóvel e da sua conversão em garantia idónea.

D. No que concerne ao conhecimento da excepção de inutilidade superveniente da lide, por ocorrência de pagamento, foram considerados provados determinados factos, constantes das alíneas a), b) e d) dos factos assentes do conhecimento da excepção de inutilidade superveniente da lide por ocorrência de pagamento, que sustentaram a decisão quanto a este ponto concreto.

E. Contudo, a reclamante não teve qualquer impulso processual no processo de execução fiscal, no âmbito do qual foi citada em 03-12-2017(1) (nos termos do disposto no n.°4 do artigo 191. ° do CPPT), que se possa considerar como enquadrável no n.° 1 do artigo 169. ° do CPPT,

F. Efectivamente, consta expressamente da citação que a executada dispunha do prazo de 30 dias, após a citação, para prestar garantia que suspendesse a execução nos termos dos artigos 169.° e 199.° do CPPT e que após o decurso deste prazo, o processo prosseguia com a penhora de bens ou direitos existentes no seu património, de valor suficiente para a cobrança da dívida exequenda, o que não foi requerido, nem alegado nos presentes autos.

G. Ou seja, o prazo previsto nos artigos 169.° e 199.° do CPPT, decorreu sem que a reclamante tenha apresentado qualquer requerimento ou manifestado intenção de apresentação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal, pese embora lhe tenha sido comunicada tal possibilidade, no momento da citação do processo de execução fiscal.

H. Também em sede de processo de impugnação judicial, não foi apresentado qualquer pedido de apresentação ou substituição de garantia, para suspensão do processo de execução fiscal, nem nos presentes autos a reclamante alegou ou demonstrou qualquer facto relativo a esta questão (Cfr. artigos 169.° e 199.° do CPPT).

I. Por outro lado, a data a considerar para efeitos de início de contagem de prazo seria a data de entrada da petição inicial (06/02/2018), entregue via SITAF, e não o despacho de recebimento liminar da petição inicial, como considerou a douta sentença a quo (2).
J. Assim, a douta sentença a quo pressupõe que na petição inicial da impugnação judicial, foi apresentado um pedido de prestação ou substituição de garantia para suspensão do processo de execução fiscal, formulado nos termos e no prazo do disposto no artigo 169.° do CPPT, pedido este que não consta da p.i. da impugnação judicial e não foi alegado ou demonstrado nos presentes autos.

K. Aplicando o brocardo quod non est in actis non est in mundo, entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito por melhor opinião, que o facto dado como assente de, em 08-03-2018 ter sido proferido despacho inicial de recebimento da p.i., no processo de impugnação judicial n.° 241/18, não permite concluir (3) que, perante a data de apresentação da impugnação e o requerimento apresentado pela reclamante, foi apresentada, em prazo, garantia idónea. 

L. Pois que, que a p.i. da impugnação judicial n.° 241/18.4BELRS foi submetida no SITAF em 06/02/2018, desconhecendo-se por completo, nos presentes autos, o pedido constante da p.i. de impugnação judicial(4), sendo certo que, dos pedidos formulados na reclamação e no requerimento de ampliação de pedido não se retira qualquer pedido de substituição de garantia para suspensão do processo de execução fiscal.

M. É nosso entendimento que não foram carreados para os autos, quaisquer factos que permitam concluir pela aplicação da disciplina do artigo 169.° do CPPT e que sustentou a decisão do Tribunal a quo, no sentido do valor dos saldos das contas de depósitos bancários não poder ser aplicado, até ao trânsito em julgado da sentença da impugnação judicial, sob pena de violação do disposto no n.° 1 do artigo 169.° do CPPT.

N. A factualidade controvertida não permite a aplicação do disposto nos artigos 169.° e 199.° do CPPT, para além de que é manifesta a inobservância dos prazos de apresentação do pedido, previstos no n.° 1 e 7 do artigo 169.° do CPPT, pelo que, também por essa via tal pedido, a existir, não poderia ser considerado.

O. Relativamente à questão da valoraçâo da substituição da penhora dos saldos bancários pela penhora do imóvel e da conversão da referida penhora do imóvel, em garantia idónea(5), o Tribunal a quo voltou a afirmar que resulta do probatório que a reclamante deduziu impugnação e ofereceu garantia ao OEF, mediante a conversão de penhora do imóvel, identificada nos autos, em garantia idónea, solicitando a suspensão do processo executivo.

P. Urge assim reafirmar que não consta da douta p.i. de reclamação de ato do órgão de execução, nos termos do disposto no artigo 276.° do CPPT e segs., qualquer pedido de conversão de penhora do imóvel (identificado nos autos), em garantia idónea e de suspensão do processo executivo, pedido este que também não se retira do requerimento de “ampliação de pedido”, nem tal é alegado ou demonstrado pela reclamante.

Q. Aliás, aquando da citação para o processo de execução fiscal, a reclamante foi informada nos termos e para os efeitos dos artigos 169.° e 199.° do CPPT, tendo decorrido os prazos aí previstos, sem que esta tenha tomado qualquer impulso processual para a apresentação de garantias, pelo que o órgão de execução fiscal determinou a realização de pedidos de penhora em 30-01-2018. 

R. A douta sentença proferida, entende que as circunstâncias dos autos configuram uma situação que “vale” como garantia, a qual ainda não existia como formalmente prestada, podendo, contudo, equacionar-se se os requisitos de tal pedido estariam preenchidos, porquanto essa é a intenção da reclamante.

S. É entendimento da Fazenda Pública que, por um lado, a factualidade em causa não se apresenta como uma garantia e que a decisão apenas poderá suportar-se em elementos de facto, alegados de forma expressa e carreados para os autos pelas partes, e dos elementos dos autos não decorre o pedido de prestação de uma garantia, com efeito suspensivo no processo de execução fiscal.

T. Já no que concerne à inadmissibilidade de compensação de créditos e penhora de créditos, por iniciativa da Administração Tributária, firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, cumpre esclarecer que, não estamos perante uma compensação de créditos, nem tal decorre da sentença, tratando-se antes de uma situação de pedidos de penhora efectuados pelo órgão de execução fiscal, antes da dedução da reclamação de actos do órgão de execução fiscal e após o decurso do prazo determinado no n.° 1 do artigo 169.° do CPPT, tendo apenas existido a aplicação do saldo de contas bancárias penhoradas à reclamante, para pagamento da quantia exequenda e acrescidos.

U. Na verdade, não se trata de decidir sobre a apresentação de garantia e de pedido de suspensão de execução, nos termos do n.° 1 ou 2 do artigo 169.° do CPPT, pois que os factos em análise não ocorreram dentro do prazo de defesa e de qualquer pedido de suspensão da execução mediante oferecimento de garantia, pelo que é nosso entendimento, salvo o devido respeito por melhor opinião, que a jurisprudência citada não é transponível para o caso sub judice.

V. Pois que, todos os requerimentos foram apresentados após o decurso dos prazos fixados no artigo 169.° do CPPT e o pagamento da quantia exequenda resultou da aplicação do valor existente em contas de depósitos à ordem da reclamante, e cuja penhora foi ordenada muito antes da apresentação da reclamação nos termos do artigo 276.° e segs. do CPPT.

W. A aplicação do valor existente em contas de depósitos à ordem penhorados foi efectuada no âmbito do processo executivo, que não se encontrava suspenso uma vez que após a apresentação da impugnação judicial, no prazo previsto no n° 7 do art° 169° do C.P.P.T., o executado não apresentou garantia ou solicitou a sua dispensa. 

X. Com a aplicação do montante do referido valor, os processos de execução fiscal n.° 3085….. e Apensos foram declarados extintos, por pagamento coercivo.

Y. A executada apresentou reclamação, nos termos do art. 276° do CPPT, contra diversos actos de penhora, sem especificar ou identificar quais, e posteriormente apresentou pedido de ampliação, com referência ao despacho proferido em 13-04-2018, questionando a apreciação do pedido de penhora de bem imóvel como garantia.

Z. O art. 97°, n° 1 do CPPT prevê, como parte integrante do chamado processo judicial tributário, o recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal, tal como também nos termos do n° 2 do art. 103° da LGT se garante aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária.

AA. Por outro lado, como é sabido, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277° do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência de tal instância, «a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar — além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.»(6)

BB. Olhando para o probatório, cremos que o princípio da tutela jurisdicional efectiva impõe a improcedência da reclamação, pois o despacho de 22-05-2018 decidiu, em termos essenciais, a extinção do PEF por pagamento coercivo, ficando prejudicada a apreciação do pedido de manutenção da penhora sobre o imóvel identificado nos autos e o levantamento das restantes penhoras, porquanto o escopo do processo judicial tributário de execução é sempre a certificação da efectiva cobrança da dívida.

CC. A reclamação apresentada, em termos de elementos de facto e de direito, não se reconduz à prestação de garantia, prevista nos n.° 1 ou 2 do artigo 52.° da LGT, mas sim à redução das penhoras, cuja extensão e respectivo valor foram considerados excessivos pela reclamante.

DD. E os presentes autos também não configuram uma situação de substituição de garantia, na medida em que não é possível substituir uma garantia por outra, quando ainda não foi prestada garantia, nem foram alegados ou demonstrados factos susceptíveis de integrar a previsão do n.° 7 do artigo 52.° da LGT, a qual, recorde-se tem carácter excepcional,

EE. Carecendo sempre a sua aplicação de análise dos seus requisitos legais, o que não foi realizado, sendo certo que a lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, dos quais se evidencia a vinculação de um concreto bem ou valor à segura realização da dívida exequenda, precavendo a indiferenciação ou depreciação inerente a outros modos de garantir e, dentre os valores concretos, aqueles que pela sua natureza financeira tenham imediata ou mais rápida conversão em receita.

FF. Pelo exposto, a Fazenda Pública entende que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, não valorou devidamente os factos dados como provados, o que conduziu a erro de julgamento em matéria de facto e de direito, com a incorrecta aplicação do disposto nos artigos 52.° n.° 7 da LGT, 169.° e 199.° do CPPT.

GG. A douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos de facto constantes dos autos e, consequente, erro de julgamento em matéria de direito, decorrente da aplicação do disposto nos artigos 52.° da LGT, 169.° e 199.° do CPPT.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.»

A Recorrida apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:
«a) Como os autos documentam a Recorrida foi alvo de sucessivos e agressivos actos de penhora e vários deles, como resulta provado, que nem sequer lhe foram notificados após a sua consumação.

b) A Recorrida logo que tomou conhecimento de tais actos aos mesmos reagiu, o que também se encontra documentalmente demonstrado nos autos.

c) Nos termos do artigo 199°, n° 4 do CPPT, e existindo impugnação judicial pendente como existia, a penhora efectuada vale como garantia e assim sendo, como o é, inócua se torna a argumentária da Recorrente supra identificada em a) e b) pois que é em relação a tais actos de penhora, que por se encontrar pendente a impugnação judicial constituem garantia reitere-se, que se deve aferir da (i)legalidade do comportamento do Órgão de Execução.

d) De ponto algum da Douta Sentença se retira que esta haja considerado que na P.l. de impugnação judicial havia sido apresentado um pedido de prestação ou de substituição de garantia, tais pedidos, e como mais uma vez os autos documentam, foram apresentados junto da AT e foram alvo de apreciação por esta, e, ulteriormente, alvo de reacção por parte da Recorrida para Tribunal.

e) A Recorrente encontra-se a alegar um facto que tem obrigação de saber não ser verdadeiro incorrendo, assim, em grosseira litigância de má fé pelo que como tal deve ser condenada, isto em multa a fixar de acordo com o prudente arbítrio do Tribunal.

f) E tudo isto é aplicável ao argumento da Recorrente identificado como d) uma vez que esta, após alegar desconhecer o pedido formulado na impugnação judicial, é ela própria que a Nota de Rodapé 3 o coloca até a negrito.

g) Foram sobejamente aportados aos autos elementos que tornavam ilegal a aplicação dos saldos bancários e, com isso, a extinção da execução, desde logo a existência da impugnação judicial, por outro lado o verdadeiro dever jurídico de, com a impugnação pendente, a penhora servir como garantia.

h) Ora servir de garantia significa assegurar o pagamento de uma possível e putativa dívida e não fazer o pagamento em si mesmo pois que tal forma de pagamento jamais pode ser vista como voluntária e com a impugnação pendente não pode ser efectuada de forma coerciva, apenas restando à AT reter os valores penhorados como garantia de pagamento e não, reitere-se, fazer dos mesmos pagamento.

i) O argumento de que não constaria da P.l. da reclamação judicial nem da ampliação do pedido a solicitação da conversão da penhora do imóvel em garantia é um erro de Direito grosseiro uma vez que tal pedido tem de ser feito junto do Órgão de Execução e só após decisão deste é que se poderia reagir para Tribunal e foi esse pedido que a Recorrida fez e perante a entidade própria, assim como foi em relação à decisão tomada pelo Órgão de Execução que reagiu para Tribunal.

j) Continua a ser inverdadeiro que a Recorrida havia apresentado reclamação sobre diversos actos de penhora sem identificar quais pois que a Recorrida a todos identificou na medida do possível e tanto assim é que a Recorrente, quer nesta sede quer na contestação apresentada em primeira instância, revela ter perfeito conhecimento de quais os actos de penhora que se encontram em causa.

k) O argumento da Recorrente identificado como i) é completamente ininteligível uma vez que o pedido de substituição da garantia é não só legal como os bens identificados pela Recorrida se encontravam penhorados e se se encontravam penhorados, servindo como garantia, a questão podia colocar-se quer em termos de substituição da mesma ou, se se quiser, como redução da dita.

l) O que a Recorrida pretendeu, e os autos documentam abundantemente, foi prestar garantia oferecendo o imóvel, livre, desonerado e com VPT bastante para servir como tal e era em relação a isto que o Órgão de Execução teria de se pronunciar e fazê-lo correctamente ao invés de prosseguir pelo trajecto que enveredou.

m) A maior ou menor liquidez da garantia não é critério que obtenha guarida na lei, o que a lei pretende é que a garantia a constituir assegure a quantia exequenda e acrescido.

n) Não sendo, repita-se, a sua maior ou menor liquidez critério decisivo ou, tão pouco, principal a considerar, conforme, aliás, Jurisprudência citada no corpo alegatório.

o) E com isto soçobram todos os argumentos recursivos da Recorrente, devendo, em consequência o recurso naufragar e ser mantida a Douta Sentença recorrida pois que não violou a mesma qualquer preceito legal nem fez qualquer errónea interpretação da matéria de facto.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso ser declarado totalmente improcedente e, em consequência, ser mantida erecta a Douta Sentença sob escrutínio, assim como condenada a Recorrente como litigante de má fé, isto em multa a fixar de acordo com o prudente arbítrio do Tribunal, tudo o mais com as consequências legais.»
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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir do invocado erro de julgamento de facto por errada valoração dos elementos constantes dos autos e erro de julgamento de direito na sentença recorrida por ser inaplicável, ao caso dos autos, o disposto nos artigos 52.º, n.º 7 da LGT, 169.º e 199.º do CPPT, na apreciação da excepção de inutilidade superveniente da lide, e na avaliação da substituição da penhora de saldos bancários, pela penhora do imóvel e sua conversão em garantia idónea.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

« a) Em 25/11/2017, foi instaurado o processo de execução fiscal n.° 085….. e apensos contra a ora reclamante, para cobrança coerciva de dívidas de IVA e IRC, no montante global de € 256.522,63 (duzentos e cinquenta e seis mil, quinhentos e vinte e dois euros e sessenta e três cêntimos) - Autuação do PEF e apensos e certidões de dívida, juntas ao PEF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;

b) Em 08/03/2018, foi proferido despacho inicial de recebimento, em sede do processo de Impugnação n.° 241/18, que corre os seus trâmites no TT de Lisboa e, em sede do qual foram sindicadas, judicialmente, as liquidações, identificadas na alínea antecedente - doc. junto a fls. 13 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

c) Em sede do processo de execução fiscal, id. em a), no período, compreendido entre 30/01/2018 a 27/2/2018, a AT solicitou aos serviços competentes, nomeadamente entidades bancárias e Conservatórias do Registo Predial, a penhora dos saldos bancários das contas da sociedade Reclamante, a penhora do imóvel, inscrito sob o artigo urbano n.° 1…..° da freguesia da Misericórdia, concelho de Lisboa e a penhora de participações sociais, as quais foram concretizadas, em data não apurada, totalizando as penhoras, respectivamente, as seguintes quantias: € 256.522,63; € 442.364,18; e € 35.614,17- documentos apresentados com o requerimento de 12/11/2018, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

d) Em 16/03/2018, a Reclamante informou que, tomou conhecimento da existência da penhora sobre o imóvel, identificado na alínea antecedente e, considerando o seu valor suficiente para servir de garantia ao pagamento da quantia exequenda e acrescidos, requereu ao serviço de finanças, a conversão da penhora efectuada, relativamente ao imóvel, em prestação de garantia idónea - requerimento, apresentado como doc. n.°8, junto com a douta p.i. de reclamação, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, para todos os legais efeitos.

e) Já anteriormente, em 14/02/2018, a Reclamante havia apresentado um requerimento, junto do OEF, solicitando que este procedesse à substituição da garantia existente, sob a forma de penhora de saldos bancários, pela penhora de participações sociais que a Reclamante detém sobre a sociedade comercial D..... Ld.a - requerimento junto como doc. n.°3 com o articulado de 28/08/2018, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

f) Em 13/04/ 2018, foi a Reclamante notificada, através do Ofício n.° 4…., recepcionado em 23/04/2018, do despacho administrativo, que considerava não constituir a penhora de imóvel uma garantia idónea/plena, nos termos do disposto no artigo 199.° do CPPT e dos Ofícios Circulado n.°s 60.076 e 60.07, pelo que, deveria a Reclamante constituir hipoteca voluntário sobre o imóvel, atento o disposto no n.°2 do artigo 199.° do CPPT - ofício, junto como doc. n.°5 com o articulado de 28/08/2018, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

g) Em 03/05/2019, a Reclamante pede a revogação da decisão, id. na alínea antecedente e a sua substituição por outra, que determine ser a penhora, efectuada sobre o imóvel, suficiente para servir como garantia legal, invocando que, a garantia sobre a forma de penhora, efetuada pela AT sobre o imóvel, acautela os interesses da Fazenda Nacional, e que, de acordo com o disposto no artigo 822.° do Código Civil “efectuada a penhora e inexistindo qualquer ónus ou encargo anterior sobre o imóvel, o alegado crédito da AT ganha preferência num eventual pagamento, decorrente da venda coerciva do bem, que venha a ser devido”, além de que, a constituição de hipoteca legal importa despesas legais desnecessárias - citado articulado, junto aos autos, a 14/05/2018, já dado como reproduzido.

h) Sobre o imóvel, descrito em c) não existe qualquer outro ónus ou encargo, para além da penhora, efectuada pelo OEF, em sede do processo de execução fiscal em apreço - certidão de registo predial, junta como doc. n.°6, com o requerimento de 28/08/2018, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

i) Na sequência da penhora dos saldos bancários da Reclamante, a AT “aplicou o valor daqueles saldos bancários” para pagamento da quantia exequenda e acrescidos (€ 256.522,23), tendo determinado, em 22/05/2018, a extinção do processo de execução fiscal e proferido, na mesma data despachos a ordenar o cancelamento das restantes penhoras efectuadas - documentos, juntos pela FP com o articulado de 12/11/2018, cujos conteúdos aqui se dão por integralmente reproduzidos.

4.7.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Não há factos não provados com relevância para as questões a decidir.

4.8.
CONVICÇÃO DO TRIBUNAL: 
Resultou a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, da análise dos documentos juntos aos autos e ao PEF a estes apensos, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado por qualquer das partes.»

*

Com base na matéria de facto supra transcrita a Meritíssima Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, na parte com interesse para o presente recurso, julgou improcedente a excepção de inutilidade superveniente da lide suscitada pela Fazenda Pública por considerar que os depósitos bancários penhorados constituíam garantia idónea do processo de execução fiscal, nos termos do disposto no art. 199.º, n.º 4 do CPPT. Por outro lado, julgou procedente a reclamação quanto à substituição do bem penhorado e quanto à conversão da penhora do imóvel em garantia, por considerar que “nada obstando a que se deferisse o peticionado e anulando-se o despacho do OEF, proferido a 13/04/2018”, que não atendeu àquele pedido e que não procedeu àquela conversão.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido, assacando à sentença recorrida erro de julgamento de facto por errada valoração dos elementos constantes dos autos e erro de julgamento de direito na sentença recorrida por ser inaplicável, ao caso dos autos, o disposto nos artigos 52.º, n.º 7 da LGT, 169.º e 199.º do CPPT, na apreciação da excepção de inutilidade superveniente da lide, e na avaliação da substituição da penhora de saldos bancários, pela penhora do imóvel e sua conversão em garantia idónea.

Vejamos, então, em primeiro lugar se a decisão da Meritíssima Juíza a quo de julgar improcedente a excepção de inutilidade superveniente da lide enferma de erro de julgamento de facto e de direito.

Conforme resulta dos autos a Meritíssima Juíza do TT de Lisboa conheceu da questão de saber se a extinção do processo de execução fiscal por pagamento, através da aplicação do valor dos saldos bancários penhorados, implica a inutilidade superveniente da lide, uma vez que foi extinto o processo de execução fiscal (PEF) e ordenado o cancelamento das restantes penhoras efectuadas no âmbito do mesmo. Entendeu, em síntese, que aqueles montantes de saldos bancários penhorados à ordem do PEF não podiam ter sido aplicados para o pagamento da dívida exequenda sob pena de violação do disposto no art. 169.º, n.º 2 do CPPT porque se encontrava pendente impugnação judicial, e nessa medida, nos termos do art. 199.º, n.º 4 do CPPT a penhora já efectuada no PEF vale como garantia.

A Fazenda Pública insurge-se contra o decidido por entender que a Reclamante não apresentou dentro dos prazos do art. 169.º e 199.º do CPPT qualquer requerimento ou manifestou a intenção de prestação de garantia ou sua substituição para suspensão do PEF. Mais invoca que a data a considerar para a contagem do prazo do art. 199.º do CPPT é a data da entrada da p.i. (06/02/2018) e não a data do despacho de admissão liminar da impugnação judicial, e que não se retira nem da p.i. de reclamação, nem do requerimento de ampliação do pedido, nem da p.i. de impugnação que tenha sido pedido a conversão da penhora do imóvel em garantia idónea e suspensão do PEF (conclusões A) a AA).

Vejamos.

Dispõe o n.º 1 e n.º 7 do art. 169.º do CPPT (destaques nossos):

“1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente.” (…)
7 - Caso no prazo de 15 dias, a contar da apresentação de qualquer dos meios de reacção previstos neste artigo, não tenha sido apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, procede-se de imediato à penhora.”

Portanto, resulta do regime do disposto do n.º 1 do art. 169.º do CPPT, na parte com relevo para a decisão do presente recurso, que para que se verifique a suspensão do processo de execução fiscal no caso dos presentes autos são dois os requisitos cumulativos:
i) que tenha sido deduzida impugnação judicial que tenha por objeto a legalidade da dívida exequenda;
ii) que a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido (este é um dos três requisitos alternativos previstos na parte final daquele preceito legal).

E na verdade, in casu, aqueles dois requisitos encontram-se preenchidos, posto que, por um lado, conforme resulta da alínea b) dos factos provados foi deduzida impugnação judicial, e por outro lado, as penhoras dos saldos bancários que foram efectuadas nos autos de execução fiscal garantem a totalidade da quantia exequenda e acrescido, e tanto assim é que foi suficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido no montante de 256.522,23€, não sendo sequer necessário manter as demais penhoras efectuadas nos autos porque determinou-se a extinção do processo de execução fiscal (cfr. alíneas a) e i) dos factos provados).

Por conseguinte, dúvidas não há que no caso dos autos se encontravam reunidas as condições para que o processo de execução fiscal se mantivesse suspenso até à decisão proferida na respectiva impugnação judicial, o que significa que não poderia ser aplicado o valor dos saldos bancários penhorados nos autos para o pagamento da quantia exequenda e acrescidos, pois constitui uma expressa violação do disposto no n.º 1 do art. 169.º do CPPT, e nessa medida não se poderá considerar legal a extinção do processo de execução fiscal.

Repare-se que nos termos do disposto no n.º 1 do art. 169.º do CPPT a existência de penhora (que) garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido é um dos requisitos alternativos previsto naquele preceito legal (para além da constituição de garantia nos termos do artigo 195.º e da prestação de garantia nos termos do artigo 199.º) como resulta indubitavelmente da conjunção “ou”.

Com efeito, in casu, não estamos perante uma situação de garantia a constituir estamos antes perante uma outra situação, a de que existe uma penhora nos autos de execução fiscal que garante a totalidade da dívida exequenda e acrescidos.

Ora, dissentimos da sentença recorrida quando entende que a Reclamante respeitou o prazo previsto no n.º 7 do art. 169.º do CPPT, uma vez que a hipótese normativa não se subsume ao caso dos autos, e, portanto, in casu, aquele prazo não tem aplicação.

Com efeito, não estamos perante uma situação de garantia a constituir, estamos perante uma outra situação, a de que existe uma penhora nos autos de execução fiscal que garante a totalidade da dívida exequenda e acrescidos, assim sendo não é aplicável o do n.º 7 do art. 169.º que diz respeito unicamente às situações de constituição de garantia ou sua dispensa a pedido do executado.

Assim sendo, não colhe a argumentação da Reclamante de que “não teve qualquer impulso processual no processo de execução fiscal” (conclusão E) das alegações de recurso), pois não há que requerer nada em prazo algum, o efeito é ope legis porque já existe uma penhora e já existe uma impugnação judicial da qual a AT tem conhecimento. Nessa medida, improcedem as alegações da Recorrente relacionadas com prazos, tempestividade e data da apresentação da impugnação judicial porque a Reclamante não tinha de requerer a constituição de garantia, e muito menos dentro de qualquer prazo para poder beneficiar do efeito suspensivo que lhe é conferido pela penhora na sequência da dedução da impugnação judicial.

Por outro lado, e pese embora a Meritíssima Juíza a quo também tenha invocado o disposto no n.º 4 do art. 199.º do CPPT para fundamentar a sua decisão de improcedência da excepção, também aqui dissentimos da sua fundamentação, pois este preceito legal não é pertinente para decidir sobre a inutilidade superveniente da lide em causa porque encontra-se sistematicamente inserido na secção IV, sob a epígrafe “pagamento em prestações” regulando apenas as situações desta natureza, o que não está em causa nos autos.

Em suma, no caso dos autos é suficiente a invocação do n.º 1 do art. 169.º do CPPT para sustentar a ilegalidade da aplicação do valor dos saldos bancários penhorados nos autos para o pagamento da quantia exequenda e acrescidos, sendo de confirmar a decisão recorrida, porém, com a presente fundamentação. E, portanto, é de manter a sentença recorrida que julgou improcedente a excepção de inutilidade superveniente da lide e conheceu do mérito da reclamação.

Pelo exposto, nesta parte, improcedem os fundamentos do recuso da Fazenda Pública (conclusões A) a AA).

Apreciemos, então, os fundamentos de recurso que se insurge contra a decisão recorrida que julgou procedente a reclamação, anulando o despacho de 13/04/2018.

Vejamos.

A reclamante requereu ao órgão de execução fiscal que o imóvel penhorado nos autos de execução fiscal constituísse garantia para o pagamento da quantia exequenda e acrescido. Porém, o órgão de execução fiscal por despacho de 13/04/2018 entendeu que a penhora de imóvel não constitui garantia idónea, deveria ser constituída hipoteca voluntária, atento ao disposto no n.º 2 do art. 199.º do CPPT e ofício circulado n.º 60….. e 60…...

A Meritíssima Juíza do TT de Lisboa entendeu, após ter admitido a ampliação do pedido de que as penhoras efectuadas nos autos de execução fiscal se reduzam à efectuada sobre o bem imóvel, que o despacho reclamado é ilegal, devendo ser substituída a garantia ao abrigo do art. 52.º, n.º 7, 199.º n.º 4 e 7, e 169.º, n.ºs 1, 6 e 7, todos do CPPT.

Invoca a Recorrente Fazenda Pública que a reclamação apresentada se reconduz à redução da garantia, e não a prestação de garantia prevista no n.º 1 ou 2 do art. 52.º da LGT, nem a uma situação de substituição de garantia não tendo disso alegados factos susceptíveis de integrar a situação prevista no n.º 7 do art. 52.º da LGT (conclusões BB) a GG).

Vejamos.

Desde logo cumpre referir que não acompanhamos de todo a fundamentação jurídica da sentença recorrida, porquanto, como já referimos supra, importa ter presente que estamos perante uma situação em que não houve um pedido de constituição de garantia para suspender o PEF, mas uma penhora nos autos, ou melhor, várias penhoras de bens que excedem largamente o valor da quantia exequenda e acrescido, tanto mais que foram levantadas após a aplicação dos saldos bancários penhorados no processo de execução fiscal.

“O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” – cfr. n.º 3 do art. 5.º do CPC. Ou seja, quanto à interpretação e aplicação das regras de direito o juiz não está condicionado pelas alegações das partes, o que é uma decorrência do princípio constitucional da legalidade do conteúdo da decisão (jura novit curia).


Portanto, antes de mais cumpre referir que o requerimento subjacente à decisão referida na alínea f) dos factos provados (proferida em 13/04/2018) é o requerimento vertido na alínea d) dos factos provados, apresentado ao órgão de execução fiscal em 16/03/2018, que aliás foi considerado pela Meritíssima Juíza a quo, mas com enquadramento jurídico que não podemos acompanhar.

Com efeito, nesse requerimento da Reclamante que foi apresentado ainda antes da decisão de extinção do processo de execução fiscal e levantamento das penhoras excedentes (cfr. alínea i) com a alínea d) dos factos provados) resulta que o que se pretende é que o imóvel já penhorado nos autos de execução fiscal de com o VPT de 442.364,18€ “fique a servir de garantia” por ser suficiente para garantir a quantia exequenda e o acrescido, e neste contexto peticionou que se levantassem as penhoras efectuadas sobre os depósitos bancários e que cessassem de imediato outras diligências de penhora.

Portanto, o que subjaz ao requerimento é o entendimento de que o imóvel que já se encontra penhorado nos autos é suficiente para garantir a dívida exequenda e acrescidos, e por isso peticiona o levantamento da penhora dos saldos bancários.

Face ao requerido a questão a decidir é a da legalidade do despacho do órgão de execução fiscal que entendeu, como já referimos, não levantar a penhora dos saldos bancários com o fundamento de que a penhora do imóvel em causa não constitui garantia idónea nos termos do art. 199.º do CPPT e dos ofícios circulado n.º 60….. e 60….., pelo que deveria a Reclamante constituir hipoteca voluntária sobre o imóvel.

Ora, esta decisão não tem sustentação legal porque, como já referimos supra o art. 199.º do CPPT não tem aplicação no caso em apreço por não estarmos perante uma situação de pagamento em prestações, e quanto ao ofício circulado invocado, a AT está restringir de forma geral, por meio de orientações administrativas, aquilo que a lei não restringe.

“Os despachos interpretativos, as instruções e as circulares dimanadas da Administração Fiscal para esclarecer ou uniformizar o entendimento da lei e o procedimento dos serviços [, tendo] de peculiar o facto de desenvolverem a sua eficácia exclusivamente na ordem interna da Administração de onde provêm. Não vinculam nem os contribuintes, nem os tribunais. E por isso, ao contrário do que com os regulamentos sucede, não são fonte de direito, mas meras resoluções administrativas” (cf. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, Lisboa, 1974, págs. 139 e 140).

“As chamadas orientações administrativas, tradicionalmente apresentadas [nas] mais diversas formas como instruções, circulares, ofícios-circulares, ofícios-circulados, despachos normativos, regulamentos, etc., e que são muito frequentes no direito dos impostos (...), por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos” (cf. José Casalta Nabais, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2000, pág. 180).

De igual modo, é jurisprudência, nesta matéria, que as circulares não constituem fonte de direito, mas apenas a manifestação geral do entendimento da Administração tributária, cujo conteúdo só vincula os Serviços.

“As circulares administrativas em matéria tributária têm valor simplesmente administrativo, vinculando apenas os órgãos da Administração Fiscal mas sem carácter normativo directo para os contribuintes ou para os tribunais” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15 de Novembro de 1995, Processo n.º 19.451, em idêntico sentido, mais recentemente, ac. do STA de 21/06/2017, Processo n.º 0364/14).

Ora, analisados os factos apurados nos autos encontra-se assente que as penhoras excederam em muito o valor da dívida exequenda e o acrescido, tanto mais que acabaram por ser levantadas as penhoras excedentes aquando da decisão de aplicação do saldo bancário de 256.522,23€.

Portanto, e desde logo, o órgão de execução fiscal na apreciação do pedido devia ter considerado que violou o disposto no art. 217.º do CPPT, ao não ter limitado a penhora aos bens “previsivelmente suficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido”, e neste contexto deveria, de imediato, minimizar os efeitos daquela violação apreciando o requerimento sob essa perspectiva também, ou seja, ordenando o levantando de imediato das penhoras em excesso, e para tanto, deveria ter tomado em consideração o pedido formulado pelo Requerente.

Sucede que não foi esta a actuação adoptada, não deferiu a pretensão do requerente, nem levantou as penhoras em excesso, ao invés, sem qualquer respaldo legal, exige-se a constituição de hipoteca voluntária para satisfação da pretensão da Reclamante, com todos os encargos que essa exigência acarreta, quando, pasme-se, o imóvel em causa já se encontra penhorado nos autos de execução fiscal.

Repare-se que o órgão de execução fiscal não levanta qualquer outro obstáculo de facto ou de direito para satisfação da pretensão da Reclamante, para além desta exigência de constituição de hipoteca voluntária, portanto, aceita que o imóvel em questão constitui um bem suficiente para a satisfação da dívida exequenda e acrescido, e não suscita questão relacionada com eventual prejuízo que pudesse advir com esse deferimento, e portanto, importa concluir, numa interpretação em conformidade com o princípio da tutela jurisdicional do contribuinte, que aquele pedido do reclamante não poderia ter sido indeferido com aquele fundamento.

Com efeito, e conforme supra exposto, nos termos do art. 169.º, n.º 1 do CPPT a penhora efectuada nos autos de processo de execução fiscal desde que suficiente para satisfazer a dívida exequenda e acrescidos, acompanhada de impugnação judicial como no caso dos autos, suspende o processo de execução.

Ora, assim sendo, não tem respaldo na lei a pretensão do órgão de execução fiscal em pretender que a penhora do imóvel já existente no processo de execução fiscal seja substituída por hipoteca voluntária, porque a penhora também garante o pagamento da dívida exequenda e acrescido e juntamente com a pendência da impugnação judicial mantém o efeito suspensivo do processo de execução fiscal, e nessa medida o despacho reclamado enferma de vício de violação de lei, designadamente, os artigos 169.º, n.º 1 e art. 217.º do CPPT, devendo ser anulado.

Pelo exposto, o despacho que indeferiu o pedido da reclamante deve ser anulado, e nessa medida, confirma-se a sentença recorrida, mas com a presente fundamentação. Assim sendo, também nesta parte, improcedem os fundamentos do recurso da Fazenda Pública, uma vez que é de manter a decisão de procedência da reclamação, ainda que com fundamentação diversa.

Em suma, conforme supra exposto, a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento de facto e de direito que lhe imputa a Recorrente Fazenda Pública, e nessa medida, o recurso improcede in totum.

Finalmente, cumpre ainda conhecer do pedido da Recorrida, formulado em sede de contra-alegações, da condenação da Fazenda Pública em multa como litigante de má-fé.

Sob a epígrafe “Responsabilidade no caso de má-fé - Noção de má-fé”, dispõe o artigo 542.º do CPC, nos seguintes termos:
“1. Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”.

No processo judicial tributário, a Lei Geral Tributária (LGT) regulamenta a possibilidade de condenação como litigante de má-fé no seu artigo 104.º, nos seguintes termos:

“1 - Sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má-fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas.
2 - O sujeito passivo poderá ser condenado em multa por litigância de má-fé, nos termos da lei geral.”.

Assim, como salienta o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (ob. cit., pág. 313), neste artigo 104.° da LGT “estabelece-se um regime de condenação por litigância de má fé distinto para a administração tributária e para o sujeito passivo, pois enquanto este pode ser condenado em multa por litigância de má fé nos termos da lei geral (n° 2 daquele artigo), a administração tributária apenas pode ser condenada numa sanção pecuniária, a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé, caso actue em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas (n° 1 do mesmo artigo)”.

Temos, pois, um regime mais restritivo que o previsto na lei processual civil, o resulta da circunstância de se ter tido em conta “o quadro jurídico peculiar da actuação do Estado no processo judicial tributário, que é substancialmente diferente do das partes no processo comum” (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Reis dos Livros, pág. 425).

Verificamos que o legislador “fez depender a possível sanção por litigância de má fé de uma violação dolosa ou gravemente negligente (por aplicação do artigo 456º, nº 2 do CPC, a que actualmente corresponde o artigo 542º, 2 do CPC), quer do princípio da boa fé - actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados – quer do princípio da igualdade - o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas.” (cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27.02.2014, processo n.º 07361/14).

Estamos assim perante um normativo que visa apenas as situações restritas nele explicitadas, que consubstanciam situações de patente violação, por banda da Fazenda Pública, dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé (cfr. Diogo Leite Campos e outros, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª edição, 2012, pág. 893).

Ora, revertendo para o presente caso, não vislumbra este Tribunal que se verifiquem os necessários pressupostos legais para a peticionada condenação em litigância de má-fé, que se encontram, expressa e taxativamente, elencados no citado artigo 104.º, n.º 1, da LGT, não constituindo o comportamento da Recorrente Fazenda Pública uma actuação contrária ao teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados, nem tão-pouco uma actuação no processo que se possa dizer divergente da habitualmente adoptada em situações idênticas. A Fazenda Pública limitou-se a impugnar a matéria de facto considerada pelo tribunal a quo de modo a fazer valer o seu entendimento das normas jurídicas aplicáveis.

Por todo o exposto, improcede o pedido de condenação da Recorrente Fazenda Pública em litigância de má-fé.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respectivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

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III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, mas com a presente fundamentação e julgar improcedente o incidente de litingância de má-fé.
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Custas pela Recorrente.
Custas do incidente de litigância de má-fé pela Recorrida, fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo legal.
D.n.
Lisboa, 30 de Setembro de 2019.

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Cristina Flora




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Tânia Meireles da Cunha




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Mário Rebelo



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(1) Cfr. Informação do Serviço de Finanças de Lisboa 3, ínsito nos autos
(2) Vide alínea b) dos factos assentes do conhecimento da excepção de inutilidade superveniente da lide por ocorrência de pagamento
(3) Cfr. Folhas 9 da sentença, in fine
(4) E que é: Em consequência de tudo o quanto vem alegado deverá a presente impugnação ser declarada procedente e, em consequência serem anuladas as liquidações de imposto (IRC e IVA) e de juros compensatórios, tudo o mias com as consequências legais.’’
(5) Cfr. Folhas 2 da douta sentença in fine
(6) In José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, Vol. Io, 2a ed., 2008, anotação 3 ao art. 287°, p. 512