Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1673/20.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:08/24/2021
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:LEI DO ASILO
REGULAMENTO DE DUBLIN III
RETOMA A CARGO
FATORES DE VULNERABILIDADE
ESTADO DE SAÚDE DOS REQUERENTES
Sumário:I. A saúde dos requerentes de proteção internacional é um fator de vulnerabilidade, pois que pode comportar necessidades especiais – cfr. art. 2.º, n.º 1, alínea y), e art. 52.º, n.º 5, ambos da Lei do Asilo;
II. A situação em apreço, embora possa colocar questões idênticas sobre as quais o Supremo Tribunal Administrativo se tem pronunciado, são delas distintas, pois que se prendem com a análise da matéria de facto e não sobre a matéria de direito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. O SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS, recorrido e ora reclamante, não se conformando com a decisão sumária proferida pela relatora a 28.05.2021, que concedeu provimento ao recurso interposto por M..., revogando a sentença recorrida e, julgando em substituição, anulou o ato impugnado, determinando fosse o procedimento em apreço retomado e devidamente instruído, veio da mesma reclamar para a conferência, requerendo que sobre o recurso jurisdicional interposto da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 19.02.2021, recaia acórdão.

O Reclamado, então Recorrente, notificado para o efeito, não veio responder.

1.1.A reclamação para a conferência constitui um meio adjetivo próprio, ao dispor da parte que se sinta prejudicada por decisão individual e sumária do relator, podendo aqui o reclamante restringir o objeto do recurso, mas não ampliá-lo – cfr. art. 635.º, n.º 4, e art. 636.º, n.º 1, ambos do CPC, ex vi art. 140.º CPTA. A reclamação para a conferência faz retroagir o conhecimento do mérito do recurso, desta feita, em conferência, ao momento anterior à decisão sumária proferida.

Vejamos então.

O Recorrente, nas alegações de recurso que apresentou havia culminado o mesmo com as seguintes conclusões – cfr. req. de 10.03.2021, ref. SITAF:

«(…)

1. O caso dos autos cuida de pedido de impugnação jurisdicional de decisão administrativa que não admitiu pedido de proteção internacional ao Recorrente, dirigido ao Estado Português

2. O Tribunal a quo julgou os pedidos do Recorrente baseando sua convicção na conformidade de todo o procedimento aos parâmetros legislativos estabelecidos pelo ordenamento interno, assim como na inaplicabilidade do artigo 3º, n.º 2 do Regulamento 603/2013.

3. Por conseguinte considerou que cabe ao Estado Espanhol a responsabilidade por apreciar e julgar o pedido de proteção internacional formulado pelo Recorrente às autoridades nacionais.

4. A decisão recorrida julgou manifestamente improcedentes os pedidos formulados pelo Autor por considerar que Entidade Recorrida teria garantido o exercício efetivo do direito de participação dos interessado, que reconhece ter natureza constitucional, na medida em que teria facultado ao Requerente o relatório a que aludem os 17º, nº 1, da Lei do Asilo e 5º, n.º 6, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho; da mesma forma, o A. não teria contestado as informações constantes na transcrição da entrevista pessoal, notadamente a que indicou a ocorrência de do registo, na base de dados Eurodac, do acerto com o “Case ID ES21...45, utilizadas coo fundamento da decisão administrativa originalmente impugnada.

5. No mesmo sentido, o Recorrente não teria apontado motivos válidos que justificassem a aplicação da cláusula de salvaguarda contida no artigo 3º, n.º 2, §2 e da cláusula discricionária prevista pelo artigo 17º, n.º1, ambos do Regulamento 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho.

6. Contudo, o contrário do que disse o Tribunal a quo, o Recorrente, em seus articulados, nega expressamente a elaboração e a existência do relatório previsto nos artigos 17º da Lei do Asilo e 17º da Directiva 2013/32/EU, documento cujo conteúdo é fundamental ao efetivo exercício do efetivo direito de participação dos interessados, corolário da garantias protegidas pela Constituição Portuguesa.

7. Tendo o Recorrente arguido a ausência de um requisito de validade exigido pelas Ordens Jurídicas Nacional e Comunitária, por maioria de razão, é necessário concluir que erra o Tribunal a quo ao dizer que o A. não teria colocado em crise as informações prestadas às Autoridades Portuguesas, usadas como fundamento da decisão originalmente impugnada.

8. Para garantir o exercício efetivo do direito de participação dos interessados, constitucionalmente garantido, no âmbito do procedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional, o relatório ou formulário-tipo a que alude o artigo 5.º, n.º 6, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, deve conter – além das principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista – os fundamentos e o sentido da decisão projetada, com a indicação dos factos e das normas que a suportam, devendo ser facultado ao seu destinatário, antes de proferida a decisão final, com a concessão de um prazo razoável, para que o mesmo se possa pronunciar em termos adequados, refutando os fundamentos convocados pela Administração ou invocando outros elementos suscetíveis de influenciar o sentido decisório.

9. Não resulta dos autos que, previamente à prática do ato impugnado, tenha sido facultado ao Autor o acesso à proposta de decisão, em tempo útil, para que este pudesse emitir pronúncia sobre a mesma e respetivos fundamentos, designadamente, no que respeita ao envio do pedido de retoma a cargo e respetiva aceitação por parte das autoridades espanholas e às consequências da assunção dessa concreta responsabilidade.

10. O documento elaborado pela administração, sobre o qual o Recorrente foi notificado a se pronunciar, não traz qualquer indício de motivação sobre o provável sentido de decisão, nem tampouco os fundamentos ao abrigo dos quais considera Espanha o Estado-Membro responsável, não permitindo, portanto, que o interessado em questão pudesse efetivamente exercer o direito de participação protegido pela Constituição Portuguesa de 1976.

11. Seja por força do disposto no Artigo 17.º n.º 2 da Lei do Asilo, seja por força do diptoto no Artigo 121.º do CPA, o Autor deveria ter sido ouvido antes da tomada de decisão ora impugnada; o que, atentos os elementos constantes do PA, não sucedeu.

12. Quanto à aplicação da cláusula de salvaguarda contida no artigo 3.º, n.º 2, §2 e da cláusula discricionária prevista no art. 17.º, n.º 1, ambos do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, a transferência do Requerente de proteção internacional no atual contexto de uma pandemia transversal a todos os Estados Membros não encontra qualquer justificativa plausível seja qual for acessão que se queira atribuir aos conceitos contidos na Carta dos Direitos Humanos da União Europeia, enquanto documento eminentemente humanitário.

13. Demais, não se pode concluir que o ato originalmente impugnado corresponde à única solução concretamente possível ou que o mesmo resulta do exercício de um poder estritamente vinculado. Nestes termos, o princípio do aproveitamento do ato administrativo é insuscetível de sobrepor a invalidade gerada pela ausência da ponderação entre as variantes presente no caso em tela.

IV – PEDIDOS

Por força do enquadramento legal aplicável e dos argumentos acima apresentados, deve ser concedido provimento ao presente recurso de apelação, com as devidas legais consequências, para, reformando-se a douta Sentença do Tribunal a quo:

a) Seja atribuído efeito suspensivo à decisão de retoma a cargo e de envio do Requerente a Espanha até o trânsito em julgado da presente ação.

b) Ao final, reformando-se a sentença de primeira instância, seja determinada a anulação da decisão administrativa originalmente impugnada e, por consequência, a continuidade da tramitação processo administrativo de pedido de proteção internacional formulado pelo Recorrente junto ao Gabinete de Asilo e Refugiados em Portugal

O Recorrido, ora Reclamante, devidamente notificado para o efeito, optou por não contra-alegar.

Em sede de reclamação, veio então alegar, em suma, o seguinte:

«(…) 3ª - É evidente que a Decisão escrutinada na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais e não se coaduna com as normas legais vigentes em matéria de asilo acima referenciadas;

4ª - Quer no tocante ao sistema de análise dos pedidos de asilo da Espanha, quer nos elementos constantes nos autos, inexistem quaisquer indícios que permitam concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante, no que respeita em especial ao acesso aos cuidados de saúde, para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada;

5ª - Mais se dirá que, nos autos não são apresentados elementos suficientes comprovativos que o requerente apresente um estado de saúde particularmente grave que uma transferência para a Espanha iria provocar um agravamento do mesmo, com efeitos significativos e irremediáveis.

6ª - No âmbito do Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o intercâmbio dos dados pessoais dos requerentes, efetuado antes da sua transferência, incluindo os dados sensíveis em matéria de saúde, garantirá que as autoridades competentes estão em condições de prestar aos requerentes a assistência adequada e de assegurar a continuidade da proteção e dos direitos que lhes foram conferidos.;

7ª - O nº 1 do art.º 31º do Regulamento Dublin estabelece que “O Estado-Membro que procede à transferência de um requerente ou de outra pessoa a que se refere o artigo 18º, nº 1, alíneas c) ou d), comunica ao Estado-Membro responsável os dados pessoais relativos à pessoa a transferir que sejam adequados, pertinentes e não excessivos, unicamente para efeitos de assegurar que as autoridades competentes de acordo com a legislação nacional do Estado-Membro responsável podem proporcionar à pessoa em causa a assistência adequada, nomeadamente a prestação dos cuidados de saúde imediatos necessários para proteger o interesse vital da pessoa em causa, e garantir a continuidade da proteção e dos direitos previstos no presente regulamento e noutros instrumentos jurídicos relevantes em matéria de asilo. Essas informações são comunicadas ao Estado-Membro responsável num prazo razoável antes da realização da transferência, a fim de assegurar que as autoridades competentes de acordo com a legislação nacional do Estado-Membro responsável disponham de tempo suficiente para tomar as medidas necessárias.PT 29.6.2013 Jornal Oficial da União Europeia L 180/47”

8ª – E no nº 2 que “O Estado-Membro responsável todas as informações essenciais, na medida em que a autoridade competente de acordo com a legislação nacional delas disponha, para salvaguardar os direitos e as necessidades especiais imediatas da pessoa em causa, nomeadamente: a) As medidas imediatas que o Estado-Membro responsável tenha de tomar para assegurar que as necessidades especiais da pessoa a transferir sejam adequadamente consideradas, incluindo os cuidados de saúde imediatos eventualmente necessários;(…)”.

9ª – E no art.º 32º, relativamente ao intercâmbio de dados de saúde a efetuar antes de a transferência ser efetuada “1. Exclusivamente para efeitos de prestação de cuidados médicos ou de tratamento médico, (…) o Estado-Membro que procede à transferência transmite ao Estado-Membro responsável (…) informações sobre eventuais necessidades especiais da pessoa a transferir que, em casos específicos, podem incluir informações acerca do seu estado de saúde físico e mental. (…). O Estado-Membro responsável certifica-se de que é dada resposta adequada a tais necessidades especiais, incluindo, em especial, cuidados médicos eventualmente necessários.”

10º - A Espanha garante a proteção de pessoas vulneráveis, de acordo com a Diretiva 2013/33/UE do PE e do Conselho de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional nos seus artigos 17º, nº 2 e 21º e ss., encontrando-se devidamente transposta para a ordem interna, pelo que o apoio médico necessário se encontra garantido naquele país;

11ª – Deste modo, é manifesto que o Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa procedeu a um correto enquadramento dos factos relevantes para a decisão a proferir, não enfermando de qualquer erro de julgamento ou de nulidade, que comprometa a sua validade material ou formal.

12ª - Crê-se destarte inequívoco, que a Decisão proferida pelo Mmº Relator carece de legalidade, porquanto, conforme precedentemente explanado, no estrito cumprimento do estatuto pelo direito vigente sobre a matéria, se lhe impunha considerar impoluto o ato do ora Recorrente. (…)».

Neste tribunal, o DMMP não se pronunciou.

2. Dá-se por reproduzida, nos termos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do CPC, ex vi art. 140.º do CPTA, a decisão sobre a matéria de facto constante da decisão sumária reclamada.

3. Apreciando.

O discurso fundamentador da decisão sumária reclamada, na parte que vem questionada pelo reclamante, é o seguinte:

«(…) ii) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao ter secundado o ato impugnado, não tendo considerado aplicáveis à situação em apreço o disposto nos art.s 3.º, n.º 2, e 17.º, do Regulamento de Dublin III, tendo presente a «a situação sanitária que flagela o Estado Espanhol, em virtude dos impactos da pandemia da COVID-19, nas condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional naquele Estado-Membro, o que configura um motivo determinante da impossibilidade da sua transferência, além da questão da vulnerabilidade, dado que afirmou sentir temperatura na barriga e febre, fazendo uso dos medicamentos Pantoprazol e Butilescopolamina.»

Vejamos.

Decorre da entrevista que o Requerente, ora Recorrente, prestou declarações junto do CEJ – cfr. facto constante da alínea D) da matéria de facto supra, no campo, “Vulnerabilidade” – cfr. fl.s 7 e 8 - , tendo dito que não estava de boa saúde e que sim, que tinha problemas de saúde, sentindo temperatura na barriga e febre. Mais tendo dito que não está a ter acompanhamento médico e que está a tomar os seguintes medicamentos Pantoprazol e Butilescopolamina. Tendo ainda referido – a fls. 6 – que em Espanha tinha ido ao hospital.

É certo que o requerente, ora Recorrente, é novo – nasceu em 1986 – cfr. alínea A) da matéria de facto supra, mas importa ter presente que se encontra a deambular por África e pela Europa, desde 2013 – então com 27 anos -, data em que saiu, sozinho, da Guiné-Bissau, seu País de origem – cfr. fls. 5 e 6 das declarações que prestou, cfr. alínea D) da matéria de facto.

Posto isto, considerando que é um dever do Estado não proceder à transferência do requerente de asilo em caso de risco sério de sujeição do requerente a tratamentos desumanos ou degradantes no Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo (1).

Considerando que são relevantes, neste contexto, todo o tipo de tratamentos desumanos e degradantes, independentemente da fonte dos mesmos: quer se trate de falhas sistémicas de acolhimento do Estado-Membro responsável, ou de riscos atinentes às circunstâncias ou contexto do requerente de proteção internacional.

Considerando que por forma a cumprir o seu dever de não proceder a tal transferência, deve o Estado certificar-se da inexistência do referido risco de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado-Membro responsável.

Visto que poderá ser adotada uma perspetiva maximalista de tal dever, no sentido de que o Estado deve averiguar, sempre, por sua iniciativa e pelos seus meios, nomeadamente junto das autoridades do Estado-Membro responsável e das fontes fidedignas que deve recolher, qual o tratamento que ao requerente de asilo será ali prestado.

Visto que esta perspetiva maximalista tem sido afastada por jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (2).

Visto que, em sentido contrário, Ana Rita Gil (3), considera que esta perspetiva é a que melhor preveniria uma condenação do Estado Português por parte do TEDH por violação do art. 3.º do CEDH. E que, a mesma autora avança que «ainda que assim não se entenda sempre se aplicaria o nível já firmado pelo TJUE, que reconheceu um dever de averiguação junto das entidades competentes do Estado-Membro destino sobre o tratamento a dar ao requerente de ailo após a transferência quando o mesmo invoque receio de sujeição a tratamentos desumanos ou degradantes no mesmo.»

Assim como, entende também a mesma autora, que «o dever de procura de informação será especialmente importante em caso em que são publicamente conhecidas as dificuldades com que o Estado-Membro responsável pela análise do pedido se confronta no que respeita ao sistema de asilo como um todo», assim concluindo que «só após a recolha de toda a informação estarão as autoridades em condições de decidir se existem ou não indícios suficientes para considerar haver risco sério de sujeição do requerente a tratamentos desumanos ou degradantes no Estado-Membro responsável pela análise do pedido, e decidir informadamente sobre a possibilidade ou impossibilidade de transferência.».

Visto que, de uma interpretação conjugada das citadas disposições do Regulamento de DublinIII, e face ao que resulta da matéria de facto provada - factos constantes das alíneas F) e G), da matéria de facto supra -, Espanha é o Estado Membro responsável pela apreciação do primeiro pedido de asilo do Requerente, ora Recorrente.

Considerando, porém, a pertinência do princípio do non refoulement em matéria de asilo, dada a inquestionável relevância do mesmo para o Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA), conforme resulta da jurisprudência do TEDH supra citada e, em parte, transcrita, na sentença recorrida.

Visto que o requerente, ora Recorrente, em sede de entrevista, afirmou que tinha problemas de saúde, com dores/temperatura na barriga e febre, e que, ao que parece, ainda não foi visto ainda por um médico – cfr. facto constante da alínea D) da matéria de facto supra.

Conclui-se que, perante estes factos, deveria o SEF ter ponderado a possibilidade de a transferência do Requerente, ora Recorrente, para Espanha, implicar um risco para a sua saúde, considerando que o próprio invocou que tinha problemas dessa índole.

Na medida em que a saúde dos requerentes de proteção internacional é um fator de vulnerabilidade, pois que pode comportar necessidades especiais – cfr. art. 2.º, n.º 1, alínea y), e art. 52.º, n.º 5, ambos da Lei do Asilo, o que justifica, designadamente, a necessidade de diligenciar junto das autoridades espanholas sobre quais as concretas condições de acolhimento que este vai ter quando regressar àquele País, pois, não sendo evidentes quais os riscos da retoma do Recorrente, tal deficit não poderá, ao contrário de outros casos, ser nesta sede colmatado.

De onde resulta que a situação em apreço, embora possa colocar questões idênticas sobre as quais o Supremo Tribunal Administrativo se tem pronunciado, são delas distintas, pois que se prendem estas com a análise da matéria de facto e não sobre a matéria de direito, razão pela qual o vício da sentença recorrida que entendemos verificar-se se repercute num deficit de instrução material e também formal, dado que as queixas referentes ao estado de saúde do Requerente, ora Recorrente, constam dos documentos que suportam o procedimento administrativo, mas não foram tidas na devida conta no ato impugnado.

Em face do que, não pode acompanhar-se o sentido da decisão recorrida e imperioso se torna anular o ato impugnado por deficit de instrução e, ainda, julgando em substituição, determinar seja o procedimento retomado, seguindo-se os ulteriores trâmites legais, designadamente, de instrução, devendo ser praticado novo ato tendo em conta as informações que venham a ser obtidas quanto ao estado de saúde do Recorrente, enquanto fator de vulnerabilidade, nos termos do art. 2.º n.º 1, alínea y) e art. 52.º, n.º 5, ambos da Lei do Asilo, tendo presente as condições de acolhimento que este vai encontrar em Espanha, e, bem assim, dando cumprimento à Comunicação da Comissão Europeia «COVID-19: Orientações sobre a aplicação das disposições pertinentes da UE em matéria de procedimentos de asilo e de regresso e sobre a reinstalação (2020/C 126/02)», de 17.04.2020. (…).» (sublinhados nossos).

A decisão sumária proferida pela relatora é para manter integralmente, nos exatos termos que resultam da respetiva fundamentação e que aqui se reiteram.

4. Face a todo o exposto, acórdão os juízes da formação de julgamento em turno, do Tribunal Central Administrativo Sul, em indeferir a reclamação apresentada e em confirmar a decisão sumária da relatora.

Sem Custas (cfr. art. 84.º da Lei do Asilo).

Lisboa, 24.08.2021.

Dora Lucas Neto

*

A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., têm voto de conformidade com o presente acórdão as senhoras juízas desembargadoras integrantes da formação de julgamento, Paula Loureiro e Cristina Carvalho.

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(1) Seguimos de perto a posição de ANA RITA GIL, Regulamento de Dublin e o risco de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado-Membro responsável, anotação ao Ac. do STA de 16.1.2020, Proc. 02240/18.7BELSB, in CJA n.º 139, fls. 24-49, aqui, muito em particular, as conclusões de fls. 47.
(2) A título de exemplo, v. o ac. de 05.11.2020, proferido no P.01108/19.4BELSB, disponível em www.dgsi.pt
(3) Op. cit., idem., fls. 47 e 49.