Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08140/14
Secção:CT
Data do Acordão:02/09/2017
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:ADVOGADO EM CAUSA PRÓPRIA
NOTIFICAÇÃO
NOTIFICAÇÃO ELECTRÓNICA
ALTERAÇÃO DE DOMICÍLIO PROFISSIONAL
NULIDADE
Sumário:I - Por força do preceituado no artigo 6.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, é obrigatória a constituição de advogado nas causas judiciais cujo valor exceda o dobro da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância, bem como nos processos da competência do Tribunal Central Administrativo e do Supremo Tribunal Administrativo.
II - Embora na regulamentação reguladora e privatística do exercício da advocacia (desde o Estatuto Judiciário até ao actual Estatuto da Ordem dos Advogados) o legislador nunca tenha expressamente consagrado a faculdade de o advogado poder “advogar em causa própria”, é óbvio, por maioria de razão, que esse direito deve entender-se como estando reconhecido no artigo 66.º do EOA, por ser imanente à sua própria condição profissional e de ser o profissional melhor preparado para esse efeito.
III - Sendo o mandatário judicial um profissional (advogado) que, por força da celebração de um contrato (mandato) e da atribuição de poderes de representação em juízo pelo mandante, fica obrigado a praticar os actos necessários à defesa daquele (terceiro) em juízo, não pode entender-se que existe mandato se a parte intervém, por si, em juízo.
IV - Nessas circunstâncias, se a parte não constitui mandatário - por força da consagração da excepção à regra de constituição obrigatória de mandatário, fundada na certeza de que os valores fundamentais que se visam salvaguardar com a exigência daquela constituição obrigatória estão devidamente acautelados por a própria parte (advogado) possuir, “por natureza”, as condições necessárias à salvaguardar dos seus próprios direitos - rege, nesta parte, o disposto no artigo 249.º do Código de Processo Civil (vigente à data em que o ofício para notificação foi enviado).
V - Nos termos dos artigos 247.º e 248.º do Código de Processo Civil, as notificações “às partes que constituíram mandatário” são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais e realizadas nos termos “definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”.
VI – Quer se entenda que o legislador, no artigo 248.º do Código de Processo Civil, ao regular a notificação dos mandatários pelo Tribunal, está a efectuar uma remissão para os precisos termos em que essas notificações vêm definidos na Portaria 280/13, de 26-6, quer se entenda que a remissão operada se reporta apenas à exigência de prática de actos (notificação) através de meios electrónicos e, consequentemente, para a Portaria 1417/2003, de 30/12, é sempre a mesma a conclusão a que se chega: quanto aos processos que correm termos nos tribunais administrativos e fiscais, a remissão que o artigo 248º faz para o artigo 132º n.º 1, ambos do CPC de 2013, é uma remissão para um regime inaplicável, ou porque é um regime pensado tendo em conta o recurso à plataforma CITIUS ou porque é uma remissão operada para um regime inexistente.
VII – Não existindo no nosso ordenamento jurídico normas aplicáveis a casos que devam ser julgados como análogos àquele cuja omissão de regulamentação se registou (por se não descortinar que no caso omisso procedem as razões justificativas da regulamentação dos caso similares previstos na lei), impõe-se ao intérprete-aplicador criar a norma reguladora da situação, a qual deverá corresponder, tendo em conta o espírito do sistema, à que o legislador, se tivesse previsto a situação, teria criado para regular a situação.
VIII – Considerando que na legislação revogada a situação que ora se mostra omissa estava regulada em termos que não repugna a sua actual aplicação, o processo criativo referido em VII deverá acolher, agora por esta via interpretativa, aquela regulamentação, o que significa que, hoje, em matéria de notificações de mandatários, no âmbito do processos privativos da jurisdição administrativa e fiscal, se deve processar nos termos que se encontravam definidos no artigo 254.º do Código de Processo Civil, isto é, por carta registada para o domicílio profissional do mandatário, prática judicial que, de resto, tem sido a seguida no âmbito dos processos administrativos e fiscais, presumindo-se notificado no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, sendo que a referida notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido.
IX - Não regulando a lei expressamente o formalismo conformador da comunicação de alteração do local do domicílio dos mandatários judiciais, isto é, não estando essa comunicação sujeita a qualquer formalismo especial, deve entender-se que o importante é que essa comunicação seja realizada pela forma idónea ao fim que visa realizar, sendo, por isso, válida quer quando se traduz na apresentação em Tribunal de um requerimento autónomo informando dessa alteração ou quando se depreende essa alteração da sucessiva apresentação de sucessivos requerimentos e/ou peças processuais em juízo e haja por parte dos serviços judiciais a percepção da relevância dessa indicação, designadamente se os autos revelam que, por força desse facto, passaram a proceder à notificação do advogado para essa nova morada.
X – Não tendo sido expressamente comunicado ao processo qualquer alteração do domicílio e não resultando da conjugação de todos os articulados e/ou requerimentos essa alteração, designadamente por, mesmo após essa alteração, as peças processuais terem mantido, quase exclusivamente, aposto o domicilio profissional anterior, é de julgar regularmente notificado o advogado se os ofícios que para esse efeito foram enviados o foram para o único domicílio profissional por aquele indicado nos autos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – Relatório

L... veio recorrer do despacho de indeferimento da arguição de nulidade fundada na falta de notificação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Novembro de 2013, que não admitiu o recurso de revista que havia interposto do acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul.

Tendo alegado, aí conclui nos seguintes termos:

«1. O recorrente Não foi notificado do Acórdão do S.T.A..
2. Invocou essa falta logo que dela teve conhecimento,
3. O Tribunal "a quo" persiste em verificar ocorrida uma notificação presumida, que não aceita ver ilidida, face à argumentação apresentada pelo recorrente porque;
4. Alegadamente, na opinião do Tribunal "a quo", tal ocorreu por culpa do recorrente ao não indicar nos autos a nova morada do mandatário;
5. Tal decisão ofusca o contraditório pois esquece a existência crescente de plataformas judiciais informáticas onde tais registos são actualizados de forma automática e;
6. Também não dá o devido relevo, nesta sede, ao teor e "ratio" dos arts 6° a 9° do C.P.C.;
7. Representando também uma errada interpretação e aplicação quer do actual art° 247° e 248° quer do invocado pelo tribunal recorrido, 254° já revogado todos do C.P.C.,
8. Dado que desvaloriza o factualismo indiciador da ilicção da presunção em moldes que deixam mesmo violados princípios constitucionais vigentes - contraditório, jurisdição e processo equitativo -.
9. Presunção que não podia deixar de se considerar ilidia em face da argumentação apresentada e dos factos conhecidos em juízo e que também têm de excluir a aplicação do artigo reportado ao caso de situações em que não há mandatário constituído.
Nos termos expostos e nos mais que os Excelentíssimos Senhores Desembargadores venham a suprir deve o presente Recurso ser julgado positivamente e, obtido provimento, revogado o despacho recorrido, anulando-se todo o processado a contar da apócrifa notificação do Acórdão do STA que deve ser repetida na morada correcta do mandatário assim se fazendo uma criteriosa aplicação da Lei e um exemplar momento da realização da sempre pedida e esperada JUSTIÇA».

Admitido o recurso jurisdicional [a processar como apelação em matéria cível com subida imediata e efeito suspensivo] e notificada a Recorrida, Fazenda Pública, por esta não foram apresentadas contra-alegações.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal Central pugnou, no parecer que emitiu, pela improcedência do recurso.

Colhidos os “Vistos” dos Meritíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre agora, e por a tal nada obstar, decidir.

II - O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«A fls. 266 dos presentes autos veio o impugnante, na sequência da notificação da remessa dos autos à conta, arguir a nulidade do processado considerando que não foi correctamente notificado dos actos do processo desde a omissão da notificação do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que as notificações não foram dirigidas para o seu domicílio profissional - constante nas várias plataformas electrónicas - Citius, Habilus, Sitaf e AO.
No caso em particular o aqui impugnante interveio na qualidade de advogado em causa própria, tendo indicado nos autos que o seu domicílio era a Av. Dr. ....
Todas as notificações dos presentes autos foram remetidas para morada indicada pelo impugnante. Contudo, a face à devolução da notificação constante de fls. 260 dos autos, dando conhecimento da remessa dos autos à conta, foi diligenciado oficiosamente pela secretaria a confirmação da morada do impugnante, e remetida 2.ª notificação para uma outra morada, notificação esta devidamente recepcionada pelo mesmo.
Vejamos então.
Em causa estão as notificações efectuadas após a prolação do acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo, a primeira das quais remetida a 15.11.2013, relativa à comunicação do referido acórdão.
Em vigor encontrava-se já a redacção do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº41/2013, de 26 de Junho, estabelecendo no seu artigo 248º que as notificações às partes que constituíram mandatário são efectuadas nos temos da tramitação electrónica, contudo, uma vez que este regime não é aplicável nos processos tributários, impõe-se importar, por analogia, o regime previsto para as partes que não tenham constituído mandatário, constante no artigo 249º do CPC, onde se estabelece que "[s] a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são feitas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feita no 3° dia posterior ao do registo ou no 1° dia útil seguinte a esse, quando o não seja. 2. A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência (...)".
Solução que seria idêntica se entendêssemos que na impossibilidade de aplicação do disposto no referido artigo, se aplicaria o revogado artigo 254° do CPC, que estabelecia que "[1] - Os mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicílio escolhido, podendo Ser também notificados pessoalmente pelo funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal. (...) [3] - A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja. [4] - A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere o número anterior."
No caso em concreto as notificações efectuadas nos presentes autos foram efectuadas para o domicílio indicado no primeiro articulado, sem que tenha sido apresentado qualquer requerimento de alteração do mesmo e, nessa medida, a secretaria fez o que tinha a fazer, dando cumprimento ao artigo 249°, nº1, do CPC., assim não se vislumbrando qualquer nulidade no que respeita à notificação do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Posteriormente, e perante a devolução de expediente anteriormente remetido, com a indicação "endereço insuficiente", a secretaria, necessitando de levar a efeito uma outra notificação, averiguou a actual morada. O procedimento foi correcto e, até diligente, pois, não tendo sido comunicada a alteração do domicílio pela parte a quem tal comunicação competia, não é certo que competisse obrigatoriamente à secretaria a sua averiguação oficiosa.
Apesar da correspondência remetida após a prolação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo ter vindo devolvida, as correspondentes notificações não deixaram de produzir efeitos, considerando que remessa das mesmas foi efectuado para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido, como resulta do nº 2 do artigo 249° do CPC.
O facto da morada actualizada constar nas diversas plataformas electrónicas, como referiu o impugnante, não o eximia de actualizar a morada nos presentes autos.
Assim sendo, improcede a arguida nulidade do processado por falta de notificação válida para o domicílio do impugnante(…)».

III – Com relevo para a decisão do presente recurso jurisdicional julgam-se provados os seguintes factos:
1. L..., na qualidade de Impugnante e advogado em causa própria, apresentou impugnação judicial do indeferimento tácito do recurso hierárquico da decisão da reclamação graciosa, por referência à liquidação adicional de IRS do ano de 2003, no montante de € 39.902,01, com os fundamentos descritos de fls. 2-11, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. Na referida petição inicial o Impugnante indicou expressamente deter residência na Avenida ... (cfr. fls. 3, já dada por reproduzida).
3. Em todas as folhas correspondentes à petição inicial, e nas demais que constituem os diversos requerimentos realizados nos autos até à prolação da sentença em 1º instância, bem como nos carimbos profissionais aí apostos, consta como domicílio profissional o referido em 2. [Avenida ... - cfr. notas de rodapé da petição inicial, requerimento e carimbo de fls. 13, cópia da petição inicial do recurso hierárquico (residência indicada e nota de rodapé) de fls. 18-25 e requerimentos de fls. 48, 93-94, 130 e 137].
4. Todos os ofícios enviados para notificação de despachos proferidos nestes autos, bem como da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra foram enviadas para a morada referida em 2. (Avenida ...) e recebidos pelo recorrente (cfr. fls. 52, 67, 70, 92, 104, 127, 135)
5. No requerimento de recurso interposto pelo recorrente para o Tribunal Central Administrativo, a 16 de Maio de 2011, consta em nota de rodapé a seguinte morada: “Av. ... – Portugal”, bem como os mesmos números de telefone que constavam dos anteriores requerimentos e reportados ao domicílio profissional referido em 2. (cfr. fls. 137-147, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
6. A 18 de Maio de 2011, o recorrente apresentou um requerimento (requerendo a junção às alegações de recurso de dois documentos), constando das folhas em que esse requerimento se materializou o seguinte domicílio:Avenida ...(cfr. fls. 151, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
7. A notificação ao recorrente de que estes autos, na sequência do recurso jurisdicional interposto, tinham sido recebidos neste Tribunal Central, bem como a sua distribuição no 2º juízo e o número que lhe foi aqui atribuído foi realizada ao recorrente na morada indicada em 2. (Avenida ... - cfr. fls. 147, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
8. O despacho, proferido pelo então Juiz relator a 21 de Maio de 2012, foi notificado ao recorrente na morada indicada em 2. (Avenida ... – cfr. fls. 160 e 163-167, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
9. O acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo, a 11 de Dezembro de 2012, foi notificado ao recorrente na morada indicada em 2. (Avenida ... - cfr. fls. 186 e 201, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
10. As alegações do recurso de revista apresentadas pelo recorrente têm, nas folhas em que se materializam, aposta a seguinte morada: Av. ... – Portugal (cfr. fls. 186 e 201, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
11. A carta para notificação do recorrente do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que recaiu sobre o seu recurso de revista, foi enviada para a morada indicada em 2. (Avenida ...), tendo a mesma sido devolvida ao remetente, por não ter sido recebida pelo destinatário, que igualmente não procedeu ao seu levantamento, não obstante ter sido deixado aviso dos CTT para esse efeito (cfr. fls. 247 e 260, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos).
12. Após os autos terem sido remetidos pelo Supremo Tribunal Administrativo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi ordenada a sua remessa à secção para elaboração da conta.
13. A 7 de Fevereiro de 2014, foram enviados dois ofícios para notificação do despacho de remessa dos autos à conta: um, dirigido a “Exmo (a). Senhor L...”, para a Avenida ...; outro, para “Exmo (a). Senhor (a) Dr (a) B...”, para a Av. ... – Portugal, tendo o primeiro dos referidos ofícios sido devolvido ao Tribunal (cfr. fls. 260, 262 e 265, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos).
14. A 18 de Fevereiro de 2014 o recorrente arguiu a nulidade do processado posterior à prolação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.
15. O recorrente, na pendência dos autos, apresentou pedido de apoio judiciário o qual veio a ser deferido a 13 de Março de 2013, tendo declarado como sua residência, e onde foi notificado daquela decisão, a morada referida em 2. - Avenida ... (cfr. fls 215 e 312, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos)
16. Entre 27-4-2013 e 27-7-2016 o recorrente teve registado como domicílio profissional, na Ordem dos Advogados, a seguinte morada: Avenida ... - Cascais (cfr. documento de fls. , cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
17. O recorrente teve, ainda, desde 28-7-2015, registado, na mesma Ordem, como domicílio profissional, a seguinte morada: Praceta ..., Sintra (cfr., o mesmo documento já dado por reproduzido).
18. A Ordem dos Advogados aplicou ao recorrente a pena disciplinar de expulsão, com efeitos a partir de 17-6-2016 (fr. o documento já dado por reproduzido e D.R., Série II, …).
19. O impugnante nunca comunicou expressamente nos autos que a sua residência e/ou domicilio profissional tenha sofrido qualquer alteração e/ou pediu que a essa alteração fosse dado relevo para efeitos de futuras notificações.

III – O Direito
A única questão que nos cumpre apreciar é, conforme resulta do que ficou exposto nas conclusões de recurso, e face ao teor do despacho recorrido, a de saber se assiste razão ao recorrente quando defende que todo o processado após a prolação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo deve ser anulado, por este e os actos que lhe sucederam não lhe terem sido notificados.
Invoca, como suporte da sua pretensão, e em síntese, que o despacho recorrido, ao atribuir “a culpa” ao recorrente por uma alegada não notificação na sua nova morada, “ofusca o contraditório”, esquece a “existência crescente de plataformas judiciais informáticas onde tais registos são actualizados de forma automática”, “não dá o devido relevo (…) ao teor e “ratio” dos arts 6º a 9º do C.P.C.», representa “uma errada interpretação e aplicação do actual art° 247° e 248°e do artigo 254.º, já revogado, e invocado pelo Tribunal na sua decisão, e viola os princípios constitucionais do contraditório, jurisdição e processo equitativo.
Tudo, pois, para concluir que, face aos argumentos aduzidos e aos factos conhecidos, não podia o Tribunal deixar de entender ilidida a presunção e excluída a aplicação “do artigo reportado ao caso de situações em que não há mandatário constituído.».
Vejamos, pois, o que se nos oferece dizer, começando por destacar que a decisão desta questão está dependente, por um lado, da necessária clarificação da sucessão de actos praticados no processo (quer pelo recorrente/advogado em causa própria, quer pelos funcionários judiciais encarregues do cumprimento dos despachos e/ou demais decisões nele proferidas). E, por outro lado, da apreciação dos regimes legais relativos ao domicílio profissional e comunicação da sua alteração e das nulidades processuais.
Antes, porém, cumpre-nos deixar consignado o seguinte: por força do preceituado no artigo 6.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, é obrigatória a constituição de advogado nas causas judiciais cujo valor exceda o dobro da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância, bem como nos processos da competência do Tribunal Central Administrativo e do Supremo Tribunal Administrativo.
Resulta, assim, do preceito citado, que a intervenção de advogado nos Tribunais Superiores é sempre obrigatória e, em 1ª instância, apenas é obrigatória quando o valor da causa exceder o quádruplo da alçada do Tribunal de Comarca em processo civil.
No caso concreto, atento o valor da causa (€ 39.902,01), é manifesto que essa constituição é, em abstracto, obrigatória - por força, para além do já mencionado preceito legal, do disposto nos artigos 6.º do ETAF e 44.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que aqui julgámos aplicáveis. Porém, como veremos, o que está em questão não é de saber se é ou não admissível a eventual interposição de recurso tendo em conta a alçada, situação em que teríamos que aplicar a norma vigente no momento de propositura da acção, por força do preceituado nos artigos 12.º do Código Civil e 44.º, n.º 3, da referida Lei de Organização do Sistema Judiciário, mas da obrigatoriedade da constituição de mandatário nestes autos, uma vez que, desde o início, o Impugnante se apresentou como estando a advogar em causa própria.
Ora, como bem foi referido pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados, no seu Parecer n.º 26/PP/2012-G, de 23 de Novembro, embora na regulamentação reguladora e privatística do exercício da advocacia (desde o Estatuto Judiciário até ao actual Estatuto da Ordem dos Advogados) o legislador nunca tenha expressamente consagrado a faculdade de o advogado poderadvogar em causa própria”, é óbvio que se permite aos doutores, licenciados e diplomados com o 5.º ano das Faculdades de direito”, aos “docentes das Faculdades de direito” e, sempre, aos “magistrados judiciais e do Ministério Público” (e sem que se considerasse/considere em “exercício da advocacia”) “advogarem em causa própria”, por maioria de razão aquele direito deve ser entendido como estando reconhecido ao próprio advogado por ser imanente à sua própria condição profissional e de estar melhor preparado para esse efeito, por dever de ofício, do que as pessoas atrás mencionadas”.
E, nessa medida, tendo em consideração o disposto no artigo 66.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, é, para nós, líquido que os advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional, praticar actos próprios da advocacia, nos termos definidos na Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto.
Deste modo, tendo-se o recorrente apresentado como advogando em causa própria, nenhuma irregularidade há a registar até à interposição deste recurso, por apenas após esta se ter concretizado é que foi aplicada ao recorrente a pena disciplinar de expulsão (tudo, sem prejuízo de uma futura intervenção no processo do Impugnante na qualidade de advogado ficar dependente da prova que faça de que foi objecto de reabilitação, nos termos definidos no artigo 176.º do Estatuto da Ordem dos Advogados ou de constituir advogado).

4.2. Posto isto, e procedendo agora ao esclarecimento prévio dos actos sucessivamente praticados com relevo para a questão colocada, salientamos os seguintes:
- Na petição inicial o ora recorrente, então impugnante, identificou-se como tal e como advogado em causa própria, tendo indicado como sua residência a Av. ..., sendo esta, igualmente, a morada indicada em nota de rodapé em todos os requerimentos apresentados em juízo até à prolação da sentença proferida em 1ª instância;
- Todos os despachos proferidos até à sentença em 1ª instância, bem como o despacho de admissão do recurso jurisdicional para o Tribunal central Administrativo Sul, o recebimento e distribuição dos autos nesta 2ª instância e os despachos e acórdão proferidos aqui proferidos foram notificados ao recorrente no domicílio indicado pelo recorrente - Av. ...;
- O ofício de notificação do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo foi enviado ao recorrido para a Av. ..., tendo vindo devolvido ao remetente, com a indicação de não reclamado, não obstante ter sido deixado aviso na mesma morada;
- O recorrente nunca comunicou expressamente ao processo que alterara o seu domicílio profissional;
- Entre 27-4-2011 e 27-7-2016 o recorrente teve registado como domicílio profissional, na Ordem dos Advogados, a seguinte morada: Avenida ... – Cascais;
- O recorrente teve, ainda, desde 28-7-2015, registado, na mesma Ordem, como domicílio profissional, o seguinte: Praceta ..., Sintra;

4.2. Expostos os factos mais relevantes, vejamos agora, por referência ao que julgamos essencial na argumentação aduzida pelo recorrente, se foram violados os princípios e normas por si invocados.
Neste contexto importa começar por centrar a nossa atenção naquele que é um dos argumentos fulcrais da sua pretensão: o recorrente, impugnante e advogado em causa própria, não precisava de ter comunicado expressamente a sua alteração de domicílio profissional uma vez que essas alterações se realizam automaticamente nas plataformas judiciais onde constam os domicílios profissionais dos advogados.
Nessa medida (presume-se) constitui obrigação dos funcionários judiciais, aquando da realização das notificações em cada processo, consultar essas moradas actualizadas e concretiza-las em conformidade com o que aí esteja assente, não compreendendo o recorrente como pôde o funcionário do STA apor nos autos que remetia os mesmos à 1ª instância sem registo de qualquer irregularidade perante a devolução da carta enviada para notificação.
Não tendo o recorrente sido notificado do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo na sua morada/domicílio profissional, conclui, foi cometida nulidade que se impõe que este Tribunal reconheça.
Diga-se, desde já, que não lhe assiste qualquer razão.
Desde logo, porque contrariamente ao que parece decorrer do alegado, o facto de o Impugnante se ter apresentado a advogar em causa própria não significa que esteja a actuar ao abrigo de um mandato judicial ou a exercer o patrocínio judiciário, mas, sim, a exercer um direito que, como vimos, lhe assiste: não constituir mandatário nem se apresentar em juízo através do patrocínio de terceiros por essa exigência, essa obrigação de constituição de advogado, na situação, não se verificar, uma vez que é a própria parte a reunir as condições que a lei previu como necessárias para exercer os direitos reservados a advogados (licenciados em direito com inscrição válida na Ordem dos Advogados).
Efectivamente, sendo o mandato o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (artigo 1157.º, n.º 1, do código Civil) dificilmente se concebe que o exercício da advocacia em causa própria encerre, mesmo que implicitamente, um contrato de mandato, por natureza bilateral e com um conteúdo de deveres e obrigações mútuas (recíprocas) perfeitamente definido na lei, tudo, naturalmente, a obstar a uma construção fictícia suportada numa dupla qualidade (mandante e mandatário) na mesma pessoa (cfr. artigos 1158.º a 1184.º do CC).
Em conformidade com esta disciplina geral sobre o mandato, estabelece o artigo 67.º, n.º 1, [al. c)] e 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados, que mandato forense (ou “mandato judicial”, nas palavras da lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto), “é o mandato judicial para ser exercido em qualquer tribunal”, constituindo acto próprio do advogado [artigo 5.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 4972004], resultando, ainda, se bem vemos, do n.º 7 do citado artigo e Estatuto, que os actos referidos nos números anteriores só são actos próprios “dos advogados e dos solicitadores” se “forem exercidos no interesse de terceiros e no âmbito de actividade profissional».
Ou seja, sendo o mandatário judicial um profissional (advogado) que, por força da celebração de um contrato (mandato) e da atribuição de poderes de representação em juízo pelo mandante, fica obrigado a praticar os actos necessários à defesa daquele (terceiro) em juízo, não pode entender-se que existe mandato se a parte intervém, por si, em juízo. Do que aqui se trata é da consagração de uma excepção à regra de constituição obrigatória de mandatário – como ocorre em outras situações em que a lei prescinde da constituição de mandatário, seja porque o legislador entende que o objecto (factos) em discussão não exigem tal grau de garantia de defesa, seja porque o valor da acção é considerado irrelevante – fundada na certeza de que os valores fundamentais que se visam salvaguardar com a exigência de constituição obrigatória de advogado estão devidamente acautelados, in casu, porque a parte, que é advogado, possui, “por natureza” as condições necessárias à salvaguardar dos seus próprios direitos.
Do que vimos expondo decorre uma inquestionável consequência: a parte não tinha que ser notificada na pessoa do seu advogado (não constituído), mas na sua própria pessoa, o que, como resulta expressivamente dos factos, sempre foi, bem como, de resto, o foi na pessoa do seu “putativo mandatário” como igualmente não deixaremos de demonstrar.
Começando pela comprovação de que houve efectiva notificação à parte arguente/recorrente do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, e revertendo aos factos apurados, temos que o ofício para notificação foi enviado pelo referido Tribunal para a Avenida ... - morada ou domicílio indicado, isto é, escolhido pela parte na sua petição inicial, tendo sido devolvido ao remetente, por não ter sido recebida pelo destinatário, que igualmente não procedeu ao seu levantamento, não obstante ter sido deixado aviso dos CTT para esse efeito (tudo, conforme factos assentes sob os n.ºs 1, 2 ,11 e 18., do ponto III supra).
Ora, considerando que a parte não constituiu mandatário, rege, nesta parte, o disposto no artigo 249.º do Código de Processo Civil (vigente à data em que o ofício para notificação foi enviado), que, sob a epígrafe «Notificações às partes que não constituam mandatário», dispõe o seguinte:
«1 - Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são feitas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
2 - A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior.».
Não há, pois, face aos factos relevados e à disciplina jurídica aplicável, qualquer irregularidade ou preterição de formalidade capaz de sustentar a verificação de uma nulidade, nos termos pretendidos pelo recorrente atento o regime consagrado nos artigos 196.º a 203.º do Código de Processo Civil: enviado o ofício de notificação para o domicílio da parte (que não constituiu mandatário), a correspondência veio devolvida e, consequentemente, deve entender-se, presumir-se o recorrente como notificado no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
Sem prejuízo do que vimos expondo, e fica decidido, e porque supra deixámos adiantado que existe igualmente prova bastante nos autos para que se conclua que todas as notificações também foram realizadas na pessoa do “putativo mandatário”, importa deixar firmado o seguinte: mesmo que se entendesse que as notificações realizadas ao Impugnante e ora recorrente, não obstante se ter apresentado a litigar por si - isto é, sem mandato judicial ou forense constituído -, devem reger-se pelos normativos que disciplinam as notificações «à parte que constitui mandatário”, por deter a qualidade de advogado, mesmo assim, insiste-se, a arguida nulidade nunca poderia obter procedência.
Senão, vejamos.
Está assente nos autos que o recorrente tinha, à data em que propôs a presente acção, domicílio profissional na Avenida ..., o qual foi o por si escolhido para efeitos de notificação nos autos.
Está comprovado que até à decisão do julgado em 1ª instância, todas as notificações lhe foram dirigidas para essa morada e por si recebidas por carta registada.
Mais está apurado que todas decisões proferidas neste Tribunal Central, na sequência do recurso jurisdicional que para aqui o recorrente interpôs, lhe foram notificadas, por carta registada, na referida morada, tendo sido, ainda, para essa concreta residência/domicílio que foi enviado o ofício para notificação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que veio devolvido ao remetente, por não ter sido recebido, não obstante o aviso aí deixado pelos CTT.
E, por fim, está provado que o recorrente nunca comunicou expressamente aos autos qualquer alteração do seu domicílio profissional.
Nos termos dos artigos artigo 247.º e 248.º do Código de Processo Civil, as notificações “às partes que constituíram mandatário” são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais e realizadas nos termos “definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”.
Por seu turno, o art. 132º n.º 1, do CPC de 2013, estabelece que:
“A tramitação dos processos é efetuada eletronicamente em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, devendo as disposições processuais relativas a atos dos magistrados, das secretarias judiciais e dos agentes de execução ser objeto das adaptações práticas que se revelem necessárias.”
Vejamos como devem estas normas ser interpretadas e qual a sua aplicabilidade prática no âmbito dos processos administrativos e fiscais.
A primeira hipótese é entendermos que quando o legislador no artigo 248.º, do CPC de 2013, ao regular a notificação dos mandatários pelo tribunal, nos remete para os termos definidos na portaria prevista no artigo 132º n.º 1, está a fazer numa remissão integral, isto é, uma remissão para os precisos termos em que vêm definidos na Portaria 280/13, de 26-6. Neste contexto interpretativo temos que retirar de imediato uma conclusão: reportando-se aquela portaria exclusivamente aos processos tramitados pelo sistema CITIUS, é impossível a sua aplicação nos processos administrativos e fiscais que, como se sabe, estão submetidos ao SITAF nos termos limitados pela Portaria 1417/2003, de 30-12.
Uma segunda hipótese é entendermos que a remissão operada no artigo 248.º do CPC, se reporta apenas à exigência de prática de actos (notificação) através de meios electrónicos, isto é, o legislador pretende que a notificação dos mandatários se faça por meios electrónicos. Então, neste quadro interpretativo, teremos forçosamente que entender que, quando no art. 132º n.º 1, do CPC de 2013, o legislador remete para a portaria do membro do governo responsável pela área da justiça, quanto aos processos que correm termos nos tribunais administrativos e fiscais se está a reportar (a nos remeter) para a Portaria 1417/2003, de 30/12. E, deste modo, concluir igualmente, que não é possível definir o modo e termos a que obedecem as notificações aos mandatários nos processos da jurisdição administrativa e fiscal, uma vez que a Portaria 1417/2003, de 30/12, não contém um regime de notificações por meios electrónicos [nos arts. 2º a 5º a referida Portaria regula a apresentação de peças processuais e documentos, no art. 6º dispõe sobre a consulta de processos e no art. 7º limita-se a referir que os actos dos magistrados e das secretarias são praticados em suporte informático, sem nada especificar quanto ao modo de realizar as notificações, designadamente, e com relevância, não dispõe sobre quando se considera a notificação praticada, isto é, não contém um regime idêntico ao que consta dos arts. 25º e 26º, da Portaria 280/2013, de 26/06].
Ou seja, em qualquer uma das hipóteses interpretativas convocadas, haverá sempre que concluir-se que, quanto aos processos que correm termos nos tribunais administrativos e fiscais, a remissão que o art. 248º faz para o art. 132º n.º 1, ambos do CPC de 2013, no que respeita ao regime da notificação dos mandatários é uma remissão para um regime inaplicável, ou porque é um regime pensado tendo em conta o recurso à plataforma CITIUS ou porque é uma remissão operada para um regime inexistente.
Neste contexto, novamente duas hipóteses se colocam: julgar verificada uma lacuna na lei, a ser integrada nos termos do art. 10º, do Código Civil, no qual se dispõe que os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos, tendo presente que há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (n.º1 e 2 do referido preceito); ou entender que não há caso análogo, criando o intérprete a norma reguladora da situação, isto é, concluir-se que se impõe a criação de uma norma que o intérprete, tendo em conta o espírito do sistema, entenda que seria a que o legislador, se tivesse previsto a situação, teria criado para regular a situação (n.º 3 do mesmo normativo em referência).
Na primeira das hipóteses, importará, então, aferir quais as normas que existem no ordenamento jurídico para os casos em que não é possível efectuar as notificações através da plataforma de tramitação electrónica de processos.
Desde logo, a Portaria 1417/2003, de 30/12, permite a prática de actos através de correio electrónico, caso em que deve aplicar-se a Portaria 642/2004, de 16/6 [note-se que a Portaria 114/2008, de 6/8 – cfr. o respectivo art. 27º, al. a) -, apenas revogou a Portaria 642/2004 para as acções cíveis declarativas e executivas, pelo que se encontra em vigor para as acções administrativas e tributárias].
Por outro lado, no Código de Processo Civil de 2013 existem normas que regulam as situações em que os actos não são praticados na plataforma CITIUS, isto é, existem normas para as situações em que não é possível praticar os actos nos termos da Portaria 280/2013, de 26/8, e que são as constantes do artigo 144º n.ºs 7 e 8, do CPC de 2013, que permitem, designadamente, a prática do acto através de entrega presencial, correio registado e telecópia.
À partida, tudo aponta para que estas normas possam ser aplicadas analogicamente já que foram previstas exactamente para as situações em que o acesso à plataforma electrónica não é possível (note-se que, no caso de ocorrer justo impedimento do mandatário para a prática do acto nos termos do n.º 1 do art. 144º, do CPC de 2013, o legislador remete expressamente para o n.º 7 deste artigo – cfr. art. 144º n.º 8, do CPC de 2013).
Porém, salvo o devido respeito, para além do objecto de previsão contemplado no artigo 147.º do Código de Processo Civil se esgotar na prática de actos entre mandatários, não abarcando, pois, a relação entre estes e o Tribunal, tem na sua base um específico pressuposto – a impossibilidade temporária da utilização do sistema informático -, a conferir-lhe, se bem vemos, a natureza de norma excepcional e, consequentemente, insusceptível de ser aplicada analogicamente, por força do preceituado no artigo 11.º, n.º 1, do código Civil.
Pelas razões expostas, e, ainda, porque a sua transposição para a situação sub judicie não é inteiramente satisfatória, por insegura, a vedar, também, a sua aplicação extensiva (ainda permitida pelo n.º 2 do artigo 11.º do Código Citado), entendemos que caberá, in casu, ao intérprete-aplicador do direito criar a norma que julga que melhor corresponde ao objectivo do acto cuja regulamentação não está prevista e que melhor salvaguarde os interesses das partes.
Processo (re) criativo este que, diga-se, de resto, nem se nos afigura difícil no nosso caso, uma vez que, antes da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, a situação estava expressamente regulada no então artigo 254.º do CPC, e que determinava que as notificações se realizavam por carta registada para o domicílio profissional do mandatário, prática judicial que, de resto, tem sido a seguida no âmbito dos processos administrativos e fiscais, presumindo-se notificado no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, sendo que a referida notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido.
E, sendo assim, isto é, tendo este quadro normativo por referência, recriado pelo intérprete e face aos factos apurados (em especial a factualidade constante do n.º 11 do ponto III), temos, por seguro, que o recorrente/“advogado” foi notificado no domicílio profissional por si indicado nos autos.
É certo que o recorrente alega que na data em que esse ofício foi enviado já “o seu advogado não estava domiciliado na morada para onde foi dirigido”, salientando que quem bem viu essa situação foi (finalmente) o Sr. Funcionário do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, quando, em face da devolução da primeira carta para a morada sita em Sintra, lhe dirigiu nova notificação, agora, para o domicílio que constava nas próprias folhas das alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo e que constam de todas as plataformas informáticas, a cujo conteúdo deveria ter sido dado o devido e legal relevo.
Antes de prosseguirmos na apreciação da questão, deixemos muito claro o seguinte: o recorrente nunca deixou expresso, de forma linear ou objectiva, se tem um ou mais escritórios, nem sequer a partir de que data passou a exercer advocacia no segundo dos domicílios convocados, o que, inclusive, motivou que tivéssemos dirigido um ofício à Ordem dos Advogados tendo em vista compreender melhor a situação que se nos deparava.
Da informação prestada pela Ordem dos Advogados resulta que na data em que foi notificado dos despachos e acórdão deste Tribunal Central, na Avenida ..., já o recorrente ai não estava profissionalmente domiciliado, detendo outros dois domicílios profissionais: um, o que pretende seja reconhecido como tal; outro, numa terceira morada, sita também em Sintra.
Do que vimos expondo podemos extrair duas conclusões.
A primeira é a de que o recorrente efectivamente sempre pretendeu ser notificado na morada que desde o início facultou e onde recebeu notificações mesmo após uma alegada alteração de domicílio profissional.
A segunda é a da total irrelevância dessa alteração, uma vez que a mera alteração do domicílio profissional e do registo dessa alteração na Ordem dos Advogados não reúne, só por si, força bastante para que em qualquer processo possa ou deva passar a ser notificado no novo domicílio profissional, tal como são em abstracto irrelevantes as eventuais alterações que sejam realizadas nas “plataformas informáticas”, já que, nos termos da Lei (de que aquelas plataformas e respectivas Portarias regulamentadoras estão dependentes e com a qual se têm de conformar, como acontece), é no domicilio profissional indicado ou na morada escolhida (ainda que temporariamente) pelo advogado para receber as notificações que o Tribunal está obrigado a notificar o “advogado da parte
Note-se que o que vimos dizendo não traduz um juízo de irrelevância sobre a existência das referidas plataformas ou um juízo de menos valia decorrente dos sistemas informáticos e dos endereços profissionais que dessas plataformas possam constar, mas, sim, que o que a Lei impõe é a comunicação para o domicílio profissional indicado no processo, constante da procuração apresentada ou para o domicílio escolhido, valendo aquelas informações acrescidas para auxiliar na localização de um mandatário, havendo qualquer dúvida nos autos em termos de notificação, exactamente nos mesmos termos em que sempre valeram e continuam a valer as informações que a Ordem dos Advogados prontamente presta aos tribunais nesta matéria, quando solicitada.
Mas, sendo assim, a questão que verdadeiramente se coloca não é a de saber se o “advogado do recorrente” comunicou expressamente a alteração de domicílio aos autos, porque está apurado, sem discussão, que o não fez, mas se do mero facto de ter, pontualmente, aposto em algum dos seus requerimentos ou peças processuais uma morada distinta da identificada como sendo a sua residência ou domicílio assume valor suficiente para que se julgue, como o faz o recorrente, que andou mal o Sr. Funcionário do Supremo Tribunal Administrativo ao enviar o oficio de notificação para a Avenida ... e se deve ser tido como não notificado.
Ora, não regulando a lei expressamente o formalismo conformador desta comunicação de alteração do local do domicílio dos mandatários judiciais, isto é, não estando essa comunicação sujeita a qualquer formalismo especial, deve entender-se que o importante é que a mesma seja realizada pela forma idónea ao fim que visa realizar, sendo, por isso, válida, quer quando se traduz na apresentação em Tribunal de um requerimento autónomo informando dessa alteração - e que a mesma valerá (definitiva ou temporariamente para o futuro) ou, como agora nos importa, quando se substancia na sucessiva apresentação de sucessivos requerimentos e/ou peças processuais em juízo, desde que haja por parte dos serviços judiciais a percepção da relevância dessa indicação, designadamente se os autos revelam que, por força desse facto, passaram a proceder à notificação do advogado para essa nova morada.
Ora, como está bem de ver, porque os factos são claros, não foi isso que aconteceu no caso concreto, isto é, não há registo de que tenha havido qualquer percepção dessa alteração uma vez que o recorrente foi sempre notificado na morada que escolheu na petição inicial para esses fins, incluindo neste e por este Tribunal Central – mesmo após, segundo informação da Ordem dos Advogados, ter alterado o seu domicílio – e pelo Supremo Tribunal Administrativo, falta de percepção essa a que não será alheio, seguramente, o facto de, para além da já referida inexistência de alteração expressa, e não obstante nas alegações de recurso ter aposto em nota de rodapé uma outra morada (a do domicílio registado na Ordem dos Advogados), o recorrente/advogado ter regressado à identificação da primeira morada, dois dias apenas após aquelas alegações, em novo requerimento dirigido ao Tribunal e em que pede a junção de documentos às alegações de recurso.
Diga-se, ainda, e por fim, que contrariamente ao que alega o recorrente/advogado, e foi aceite como verdade na sentença recorrida, o funcionário do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra não enviou a notificação para a Av. ... – Portugal, após ter vindo devolvida a carta de notificação enviada para a Avenida ....
O que se surpreende dos autos é que ambas as cartas foram enviadas na mesma data, uma para cada uma das referidas moradas, dirigida, a primeira, para o recorrente, nessa qualidade, e outra para o “Dr. B...”, como se este daquele fosse mandatário, ficando este Tribunal, inclusive, com dúvidas sobre se o Sr. Funcionário, ao assim proceder, teve sequer a noção que eram uma e a mesma pessoa, pois, naturalmente, se o tivesse percebido não enviaria, seguramente, na mesma data duas cartas para notificação da mesma pessoa ainda que para duas moradas distintas.
Não há, pois, em conclusão, mesmo nesta perspectiva de o recorrente ser “mandatário dele próprio” ou simplesmente por ser advogado em causa própria e devendo ser-lhe aplicadas as regras relativas às notificações a mandatários, qualquer fundamento para que se julgue verificada a nulidade arguida.
Improcede, pois, por todo o exposto, o recurso jurisdicional interposto pelo Impugnante.
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul, negando procedência ao recurso jurisdicional interposto, em manter integralmente na ordem jurídica, com os fundamentos expostos no ponto IV deste acórdão, a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique

Lisboa, 15 de Dezembro de 2016

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[Anabela Russo]


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[Lurdes Toscano]



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[Ana Pinhol]