Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3185/12.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/07/2022
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IMPOSTO DO SELO
VERBA 17.1.2
OPERAÇÃO FINANCEIRA DE CONCESSÃO DE CRÉDITO
Sumário:Não se encontra sujeita a imposto do selo nos termos da verba 17.1.2. da TGIS a operação subjacente à celebração de um contrato de compra e venda de ações e cessão de suprimentos, pelo qual as partes estipulam um determinado preço, bem como um prazo de pagamento máximo de 5 anos, associado ao vencimento de juros até total liquidação do preço, pois tal cláusula consiste no estabelecimento do modo de pagamento do preço, e não uma operação financeira de concessão de crédito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO N.º 3185/12.0BELRS

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por O…, SGPS, SA, contra o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de imposto do Selo referente ao ano de 2008.

A Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«II – Conclusões:
A. O cerne da questão aqui em causa prende-se com a qualificação como "Operação financeira" e daí estar sujeita a tributação por cair na previsão da norma constante da verba n.º 17.1.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo da operação através da qual foi acordado o deferimento do pagamento do preço por parte da sociedade F…, SGPS, SA à O…, SGPS, a impugnante nos presentes autos.
B. Na sentença, entre os factos dados como provados, para o que aqui nos interessa, destacamos os seguintes:
C. Na origem de toda a situação aqui em análise está um contrato celebrado em 30 de Dezembro de 2008, ao qual foi feito um aditamento em 30 de Janeiro de 2009, através do qual a O…, SGPS, SA, a aqui Impugnante, e a F…, SGPS, SA, acordaram numa compra e venda de acções e suprimentos, nos termos já constantes da sentença (Dos Factos Provados, cfr. fls. 5 e seguintes);
D. Entre outras condições ficou estabelecido que o pagamento por parte da F…, SGPS, SA à Impugnante "até ao prazo máximo de 5 anos" (Clausula Primeira, 3., cfr. tis. 5 da sentença);
E. Esta dilação do pagamento implica o pagamento de juros à Impugnante "(...) á taxa Euribor a 6 meses, acrescidos dum spread de 3,5% ao ano, até à sua total liquidação" (Clausula Segunda, 2., cfr. fls. 6 da sentença);

F. Dadas as dúvidas o momento do vencimento de juros contratados foi a Impugnante notificada pela IT, em cuja resposta veio esclarecer que "(...) o entendimento é que tais juros se vençam na data de liquidação do reembolso do capital, o qual se prevê possa ser liquidado no prazo de 5 anos a contar da data do contrato, ou seja, 30.12.2013. Assim, tais juros vencer-se-ão quando a O… exigir o seu pagamento, não podendo fazê-lo antes da exigência do reembolso, ou seja, antes de decorridos 5 anos após a data do contrato = 30.12.2008." (cfr. folhas 8 da sentença);

G. Tendo em conta a factualidade referida e os lançamentos contabilísticos das sociedades envolvidas nesta operação, concluiu a IT pela sua sujeição a Imposto do Selo, porque considerou também verificada uma operação de financiamento da aquisição porque se reuniam os dois requisitos seguintes (cfr. fls. 9, ponto 11. Da sentença):
H. Existe uma dilação do pagamento do prazo pela adquirente que se poderá estender até 5 anos;
I. Encontra-se estipulado o valor e vencimento de juros a contar da data de celebração do contrato até ao pagamento integral do preço acordado a uma taxa de juros correspondente à taxa Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 3,5% ao ano.
J. Assim sendo, considerou a AT que se tratava de uma operação financeira, de um crédito concedido pela Impugnante à sociedade compradora, sujeito a Imposto de Selo.
K. A norma aqui em causa, a verba 17 do Código do Imposto do Selo, que, por conveniência se reproduz, consagra a seguinte incidência do imposto: "17.Operações financeiras: 17.1 Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor ( ...) (negrito nosso).
L. Na nossa opinião, a expressão "em virtude da concessão de crédito a qualquer título" tem de ser entendida de uma forma abrangente, incluindo na incidência do Imposto do Selo todas as operações de concessão de crédito seja qual for a forma assumida, uma vez que se trata de uma expressão claramente inclusiva da generalidade das situações de concessão de crédito, não se conhecendo qualquer excepção legal ao regime estabelecido.
M. Como se até se cita na sentença " Sob a epígrafe "operações financeiras", incluem-se no âmbito da incidência do imposto do selo a concessão de crédito, qualquer que seja a natureza da entidade concedente e do utilizador" (J. Silvério Marques e L. Cotovelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo, Engifisco, Lisboa, 2005, pag. 733) (negrito na sentença).

N. Daí que, e a nosso ver bem, o Tribunal a quo tenha considerado que as operações de crédito tributadas em l.S. não têm que ser apenas as efectuadas por sujeitos com a qualidade de instituições de crédito.
O. Como sintetiza José Maria Fernandes Pires "(...) mais que a forma do contrato que está na base da relação de crédito, o que está sujeito a imposto é a efectiva utilização do crédito pelo beneficiário" (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, pag. 471, 2015, 3.ª Edição, Almedina).
P. Pelo que a situação terá de ser analisada em termos materiais, isto é, se a operação aqui em causa constituiria ou não uma situação correspondente a uma concessão de crédito, estando, por consequência, sujeita ou não a Imposto do Selo, nos termos da norma já referida.
Q. O tribunal a quo pronunciou-se pela negativa pois considerou que se tratava de mero diferimento do prazo de pagamento considerando, em síntese, que a operação aqui em causa não constituía uma operação financeira, apenas a estipulação da forma de pagamento do preço, "(...) não decorrendo da interpretação do instrumento negocial em causa, no seu todo, que se esteja perante uma concessão de crédito" (cfr. sentença, fls. 28).
R. E fundamenta citando logo a seguir novamente, J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas (ob. Citada, p.733) que, por conveniência de raciocínio, transcrevemos: "Não é, pois, abrangido pela incidência do imposto todo e qualquer financiamento, mas tão-somente o que. reunindo as referidas características, se possa qualificar de concessão de crédito. Está, assim, afastado da tributação, por exemplo, o chamado crédito ao consumo, sempre que o financiamento consista em mero diferimento no tempo do pagamento dos bens ou dos serviços adquiridos concedido pelo respectivo vendedor ou prestador ( cf r. fls. 28, sublinhado na sentença).
S. Aqui reside, salvo o devido respeito, a nossa discordância com a decisão tomada.
T. Porque não se trata, como considerou o Tribunal, de "um mero diferimento no tempo do pagamento dos bens transaccionados".
U. Como se viu, este diferimento do pagamento não é apenas um benefício de prazo a favor do adquirente, que assim pagaria mais tarde o mesmo preço.
V. Aqui, para além do preço estipulado, estamos em presença de uma remuneração do capital não pago no momento da aquisição, neste caso concreto a sua totalidade, através do pagamento de juros, calculados a uma taxa determinável anualmente, para um período de cinco anos, o prazo previsto de pagamento do preço.
W. E assim foram contabilisticamente tratados pelas sociedades, como se viu.

X. Pelo que não podemos aceitar a interpretação adaptada da posição da doutrina supra citada, uma vez que não estamos perante um mero diferimento do pagamento.
Y. Na nossa opinião trata-se de uma operação financeira, uma venda em que o preço não é pago ao mesmo tempo da aquisição. Pelo contrário, o montante em falta é remunerado como qualquer capital emprestado, através de juros que se vencem ao longo do tempo e proporcionais ao valor em dívida, como qualquer outra operação financeira normal que se pratica diariamente em todo o mundo financeiro.
Z. Até porque se fosse um terceiro a emprestar o capital à sociedade adquirente, como, por exemplo, uma entidade financeira que financiasse uma compra a crédito de um automóvel a um particular, a situação seria claramente definida como sujeita a Imposto do Selo.
AA. Sendo, como se viu, indiferente, a qualidade do sujeito de ser ou não uma instituição financeira para este efeito, também nos parece que, tendo em conta a enorme abrangência da norma, ser o próprio vendedor ou terceiro a cobrar juros pelo diferimento do pagamento também não terá qualquer relevância em termos de sujeição a imposto.

BB. Pelo exposto, vem a Fazenda Pública requerer a este Venerando Tribunal que revogue a douta Sentença recorrida, por erro dos pressupostos de facto e de direito em que assenta, devendo manter-se na ordem jurídica a decisão impugnada, com as respectivas consequências legais.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, com o que se fará, serena, sã e objectiva, JUSTIÇA.»

A Recorrida, apresentou as suas contra-alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«IV) DAS CONCLUSÕES
A. Contrariamente ao afirmado nas, aliás, doutas Alegações apresentadas pela RECORRENTE, inexiste qualquer erro de julgamento de facto e de direito na sentença proferida pelo Tribunal a quo e colocada em crise com o presente Recurso;
B. A douta sentença decidiu, e de forma correcta, conforme defendido pela RECORRIDA, que não se efectivou qualquer operação de financiamento associada ao Contrato de Compra e Venda de Acções e de Cessão de Suprimentos celebrado entre Recorrida e a F… SGPS, S.A., dado que a cláusula em causa configura, tão-somente, um mero diferimento do pagamento do preço;
C. Com efeito, o que está em causa na cláusula que disciplina o pagamento do preço no referido contrato é o facto de esta configurar só, e apenas só, o diferimento no tempo da realização da prestação - pagamento do preço - devida pela F…, SGPS, S.A., à RECORRIDA, e não uma qualquer operação de financiamento mediante a concessão de crédito, com a subsequente obrigação de restituição dos montantes ou valores financiados;
D. Em linha, de resto, com o doutamente decidido pelo Tribunal a quo, "(...). Estando em causa um diferimento no tempo do pagamento dos bens transaccionados, não se enquadra a situação sub judice no âmbito da aplicação da mencionada verba 17.1. tratando-se apenas de uma definição do modo de pagamento do preço, não decorrendo do contrato em causa que se trate de financiamento mediante a concessão de crédito. (...)." (cfr. fls. 28 e 29 da sentença, sublinhado e negrito nosso);
E. Com efeito, as Partes - a RECORRIDA e a F…, SGPS, S.A. -, a coberto do disposto no artigo 405.º (Princípio da Liberdade Contratual) e no artigo 885.º n.º 2 (Tempo e Lugar do Pagamento do Preço) ambos do Código Civil, limitaram-se a definir e a estipular o tempo/modo de pagamento do Contrato de Compra e Venda de Acções e de Cessão de Créditos, sem a concretização de qualquer financiamento consubstanciado na entrega e utilização de fundos e sem a previsão de qualquer obrigação de restituir coisa no mesmo género;
F. Assim, e por ser a própria Lei que admite que as Partes num contrato, como é o que está em causa nos presentes Autos, possam acordar que o preço possa ser pago em momento posterior (e, portanto, não coincidente) com a entrega da coisa vendida, essa cláusula não tem a virtualidade de alterar a natureza do contrato (de compra e venda), nem muito menos permite, só por si, requalificar o contrato em causa noutra espécie (designadamente num contrato de financiamento);
G. Sendo que os juros convencionados entre a RECORRIDA e a F… SGPS, S.A. se destinam ou têm como propósito exclusivamente compensar aquela pelo facto de o preço pago por esta última não coincidir com a entrega das coisas vendidas ou cedidas - as acções e os suprimentos - e não é requisito qualificador de um contrato de financiamento, como pretende a Recorrida;
H. Assim sendo, nestas conclusões, aderimos na íntegra ao entendimento assertivamente formulado pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público, no seu Parecer, a fls. 146, ao afirmar que "(...). O diferimento do pagamento do preço e a estipulação da obrigação de juros não descaracteriza o contrato - cfr. artigo 885.º do Código Civil. (...).";
I. Os factos, tal como são por si descritos e qualificados pela própria RECORRIDA, não são subsumíveis à norma de incidência aplicável - a Verba 17.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo, já que o que a referida norma de incidência sujeita a Imposto de Selo é exclusivamente a: "( ..) utilização do crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título.. excepto.....";
J. Com efeito, se o facto tributário tipificado na indicada Verba 17.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo, é apenas, a utilização de crédito com base em negócio jurídico de concessão de crédito, cujos elementos essenciais são (i) a entrega e utilização de fundos/capital e (ii) obrigação de restituir coisa no mesmo género, temos forçosamente de concluir, como Dr. S… e o Dr. C… acima citados que: (...)" só é "(..) abrangido pela incidência do imposto (...) tão-somente o que, reunido as referidas características, se possa qualificar de concessão de crédito_. (...).";
K. Em suma, contrariamente ao que RECORRENTE pretende fazer crer e defende inclusivamente (no artigo 17.º da Alegações apresentadas e a que corresponde a Conclusão V), o facto tributário, e sobre o qual unicamente incide Imposto de Selo, não é "(...) a remuneração do capital não pago no momento da aquisição, (...)” ,
L. mas sim e apenas a concreta utilização do crédito, após o mesmo ter sido efectivamente concedido, o que é, aliás, expressamente reconhecido e aceite pela própria RECORRENTE, ao citar o Dr. J…, no artigo 10.º das Alegações, e a que corresponde a Conclusão O), afirmando: "(...) mais que a forma do contrato que está na base da relação de crédito, o que está sui eito a imposto é a efectiva utilização do crédito pelo beneficiário. (...)' (cfr. Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3.ª Edição, 2015, pág. 471),
M. cometendo, assim, a RECORRENTE, com o devido respeito, uma certa confusão conceptual e o erro interpretativo no presente processo de não identificar correctamente o facto tributário sobre o qual incide o Imposto de Selo previsto na indicada Verba 17.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo.
N. Pelo que, e porque as circunstâncias do caso concreto não configuram, de forma alguma, uma operação de financiamento, consubstanciada: (i) na concessão de crédito, (ii) na posterior utilização efectiva do mesmo e (iii) na subsequente obrigação de restituir coisa no mesmo género,
O. mas tão-somente um mero diferimento no tempo do pagamento do preço, que escapa, por completo, ao campo de incidência do Imposto de Selo,
P. conclui-se, portanto, pela inexistência do erro de julgamento de facto e de direito apontado pela RECORRENTE à decisão colocada em crise, o que determinará, a final, a improcedência do Recurso e a manutenção da sentença recorrida nos exactos termos em que foi proferida pelo Tribunal a quo.

TERMOS EM QUE, E COM O MUI DOUTO SUPRIMENIO DE V. EXAS., DEVERÁ O PRESENIE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, MANTENDO-SE A COMPETENTE DECISÃO RECORRIDA NA PARTE OBJECTO DO MESMO, TIJDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, ASSIM FAZENDO VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES, A COSTUMADA JUSTIÇA.»

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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«DOS FACTOS PROVADOS
Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
1) Através de documento particular, designado de “Contrato de compra e venda de acções e cessão de suprimentos”, datado de 30.12.2008, no qual surgem como outorgantes a impugnante e a sociedade F… – Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA (doravante, F…), a primeira declarou vender à segunda 914.527 ações representativas do capital social da sociedade A… – C…, SA (doravante A…) e ceder-lhe 11.124.820,00 Eur., de suprimentos, pelo preço global de 19.352.863,00 Eur., a pagar até ao prazo máximo de 5 anos, constando do mesmo designadamente o seguinte:
“…



…” (cfr. fls. 73 a 80, do processo administrativo).
2) Através de documento particular, designado de “1º. Aditamento ao contrato de compra e venda de acções e cessão de suprimentos – 30/12/2008”, datado de 30.01.2009, a impugnante declarou readquirir à F… 5.124.820,00 Eur., dos suprimentos mencionados em 1), determinando o preço global do contrato celebrado como sendo de 14.228.043,00 Eur., constando do mesmo designadamente o seguinte:
“…








…”(cfr. fls. 81 e 84, do processo administrativo).
3) A impugnante foi objeto de ação inspetiva, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201100899 (cfr. fls. 71, dos autos, e fls. 57, do processo administrativo).
4) Da ação inspetiva referida em 3) resultou um Relatório de Inspeção Tributária (RIT), datado de 31 de maio de 2011, do qual consta designadamente o seguinte:
“…
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(…)
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(…)


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…” (cfr. fls. 60 a 71, do processo administrativo).
1) Na sequência do mencionado em 4), foi elaborada informação, a 11.07.2011, na direção de finanças de Lisboa, da qual consta designadamente o seguinte:

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…” (cfr. fls. 72 e 73, dos autos, e fls. 58 e 59, do processo administrativo).
1) Na sequência da informação mencionada em 5) e após parecer de concordância, foi proferido, a 13.07.2011, despacho de concordância com o RIT mencionado em 4) (cfr. fls. 71, dos autos, e fls. 57, do processo administrativo).
2) No seguimento do mencionado entre 4) e 6) foi emitida, pela AT, em nome da impugnante, a liquidação de Imposto do Selo n.º 2011 6430001081 e respetivos juros compensatórios, no valor total de 77.821,55 Eur., tendo como data limite para pagamento voluntário 07.09.2011 (cfr. fls. 75, dos autos, e fls. 46, do processo administrativo – reclamação graciosa).
3) Através de documento que deu entrada junto dos serviços da AT a 05.01.2012, a impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação referida em 7) (cfr. fls. 3 a 47, do processo administrativo – reclamação graciosa).
4) Na sequência do mencionado em 8), foi autuado o procedimento de reclamação graciosa n.º 3344201204000242 (cfr. fls. 1, do processo administrativo – reclamação graciosa).
5) No âmbito do procedimento mencionado em 9), e após exercício do direito de audição por parte da impugnante, sobre proposta de indeferimento da reclamação graciosa mencionada em 8), foi elaborada informação, datada de 05.12.2012, na divisão de justiça administrativa da direção de finanças de Lisboa, da qual consta designadamente o seguinte:
“…




















…” (cfr. fls. 77 a 81, dos autos, e fls. 59 a 85, do processo administrativo – reclamação graciosa).
1) Na sequência da informação mencionada em 10) e após parecer de concordância, foi proferido despacho, pelo chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, de 05.12.2012, de indeferimento da reclamação mencionada em 8) (cfr. fls. 79, do processo administrativo – reclamação graciosa).
2) Na sequência do não pagamento da liquidação mencionada em 7), foi instaurado, contra a impugnante, no serviço de finanças (SF) de Lisboa 11, o processo de execução fiscal n.º 3344201101095137, relativo à mesma (cfr. fls. 121, dos autos, e fls. 138, do processo administrativo).
3) Na sequência do mencionado em 12), foi prestada, a 20.10.2011, pela impugnante, garantia bancária n.º 00371024, no Banco E…, no valor de 98.778,83 Eur. (cfr. fls. 121, dos autos, e fls. 138, do processo administrativo).
4) A prestação da garantia mencionada em 13) comportou custos para a impugnante (cfr. fls. 121 a 132).»
*****

Com base na matéria de facto supra exposta a Meritíssima Juíza do TT de Lisboa julgou a impugnação judicial procedente, anulando o ato de liquidação de imposto do selo impugnado, bem como condenou a Fazenda Pública ao pagamento da indemnização, por prestação indevida de garantia.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido, e portanto, vem invocar erro de julgamento de facto e de direito. Entende, em síntese, que se verifica erro na qualificação da operação em causa, uma vez que estamos perante uma “operação financeira”, pois se verifica uma remuneração do capital não pago no momento da aquisição, através de juros, calculados a uma taxa determinável anualmente, para um período de cinco anos, o prazo previsto de pagamento do preço.

Portanto, a questão a decidir nos presentes autos consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito na qualificação da operação em causa nos presentes autos descrita no ponto 1 dos factos dados como assentes, aferindo se a mesma se encontra, ou não, sujeita a imposto do selo nos termos da verba n.º 17.1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

Apreciando.

Conforme resulta dos autos, a liquidação de imposto do selo em causa nos autos surge na sequência de uma ação de inspeção, no âmbito da qual os serviços de inspeção consideraram que o contrato celebrado entre a Impugnante e um terceiro, em 30/12/2008, de “compra e venda de ações e cessão de suprimentos” nos termos contratados, estava sujeita a imposto do selo, nos termos da verba n.º 17.1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, uma vez que também consubstanciava uma operação de financiamento da aquisição (concessão de crédito).

Na sentença recorrida, analisando-se as cláusulas do contrato celebrado e em causa nos presentes autos, entendeu-se em síntese, que não estávamos perante uma concessão de crédito, mas antes num deferimento do prazo de pagamento, uma estipulação da forma de pagamento do preço dos bens transacionados, uma vez que a operação em causa não consubstanciava uma “operação financeira”.

A Recorrente Fazenda Pública entende, ao invés, que não se trata de uma estipulação da forma de pagamento do preço dos bens transacionados, conforme se entendeu na sentença recorrida, mas antes, de uma remuneração do capital não pago no momento da aquisição, através de juros, calculados a uma taxa determinável anualmente, para um período de cinco anos, o prazo previsto de pagamento do preço, até porque, entende a Recorrente, assim foram tratados contabilisticamente. Argumenta que a expressão “em virtude da concessão de crédito a qualquer título” (verba n.º 17.1.2 da TGIS) tem de ser entendida de uma forma abrangente, incluindo na incidência do Imposto do Selo todas as operações de concessão de crédito seja qual for a forma assumida.

Contudo, sem razão, do contrato em causa não resulta uma operação de crédito que possa ser subsumível à previsão legal da verba n.º 17.1.2 da TGIS.

Senão, vejamos.

Nos termos do art. 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo (CIS), este incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, não estando sujeitas a este imposto a operações sujeitas a IVA (n.º 2).

Por outro lado, dispõe a verba 17.1.2 da TGIS o seguinte:

“17 – Operações financeiras:
17.1 - Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores,
em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o
factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de
financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respetivo
valor, em função do prazo:
(…)
17.1.2 - Crédito de prazo igual ou superior a um ano 0,50%”.

Ora, como se refere na sentença recorrida do “CIS não consta uma noção de concessão de crédito, sendo certo que a verba 17.1 se refere à concessão de crédito a qualquer título, exemplificando como tal a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor.
Bem se compreende esta configuração feita pelo legislador, atendendo às figuras atípicas que surgem neste domínio, de onde ressaltam, desde logo, os contratos de abertura de crédito.
Esta falta de densificação do conceito implica que caiba ao intérprete preenchê-lo, designadamente tendo em conta a ratio legislatoris e os lugares paralelos do sistema (cfr. art.º 11.º, da Lei Geral Tributária).
A este respeito, as maiores densificações ocorrem, desde logo, ao nível do direito civil. Assim, é desde logo de chamar à colação o contrato de mútuo, previsto no art.º 1142.º e ss., do Código Civil (CC), que é definido como o contrato através do qual uma parte empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir à primeira outro tanto do mesmo género e qualidade, podendo ser gratuito ou oneroso. Por outro lado, a cessão de crédito encontra-se disciplinada nos art.ºs 577.º e ss., do CC, consubstanciando-se na cessão a um terceiro de parte ou da totalidade de um crédito.”

Ou seja, tal como na sentença recorrida, concluímos que a concessão de crédito consiste numa operação financeira através da qual é fornecido ou disponibilizado crédito, através de instrumentos legais diversos, sendo objeto de tributação a utilização do crédito subjacente à relação creditícia e implicando tal utilização que o valor utilizado venha a ser restituído, e, portanto, a situação dos autos não é subsumível a uma “concessão de crédito”.

Na verdade, do contrato em causa não resulta qualquer “operação financeira” subsumível à verba 17.1.2 do TGIS, pois estamos, tão-somente, perante um contrato de compra e venda de ações e cessão de suprimentos, no qual as partes estipularam o preço, bem como o prazo e modo de pagamento desse preço, nomeadamente, um prazo de pagamento máximo de 5 anos, bem como o vencimento de juros à taxa Euribor a 6 meses, acrescidos dum spread de 3,5% ao ano, até à sua total liquidação. Ou seja, estamos perante um modo de pagamento do preço estipulado pelas partes que se caracteriza pelo diferimento no tempo, assim sendo, e de modo a acautelar o impacto do tempo no valor do preço acordado, estabeleceu-se uma taxa de juro.

Efetivamente, resulta da análise das cláusulas contratuais do contrato em causa que não estamos perante qualquer “operação financeira” que possa estar sujeita a imposto do selo pela verba n.º 17.1.2 da TGIS.

O estabelecimento dos juros prende-se claramente com o diferimento no tempo do termo do prazo de pagamento do preço, que aliás, é incerto, uma vez que se poderia prolongar até 5 anos. Ou seja, os juros estipulados não podem, de modo algum, ser desacoplados do preço do contrato de compra e venda, e serem tratados como uma operação de crédito, pois dependem necessariamente do preço e do tempo que o comprador levará a pagá-lo, e nessa medida, existe um nexo efetivo entre os juros estipulados e o preço do negócio. Por outro lado, note-se que não existe qualquer obrigação de restituição de montantes ou valores financiados, típica dos contratos de crédito.

Na verdade, das cláusulas contratuais estipuladas pelas partes não resulta minimamente outra realidade, não sustenta a tese da AT de que estamos perante uma operação de financiamento mediante a concessão de crédito.

Assim sendo, não estamos de modo algum perante uma “concessão de crédito”, nem qualquer “operação de financiamento” subsumível à verba n.º 17.1.2 da TGIS, mas tão-somente perante uma situação de diferimento no tempo do pagamento do preço.

Na verdade, tal como se sublinhou na sentença recorrida, este entendimento também tem suporte na doutrina: Não é, pois, abrangido pela incidência do imposto todo e qualquer financiamento, mas tão-somente o que, reunindo as referidas características, se possa qualificar de concessão de crédito. Está, assim, afastado da tributação, por exemplo, o chamado crédito ao consumo, sempre que o financiamento consista em mero diferimento no tempo do pagamento dos bens ou dos serviços adquiridos concedido pelo respectivo vendedor ou prestador” – cf. J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património Imobiliário - O Imposto do Selo, Engifisco, Lisboa, 2005, p. 733.

Nenhum reparo importa fazer à sentença recorrida quanto conclui que “entende-se não resultar do negócio jurídico em causa que se esteja perante uma operação de financiamento, mediante a utilização de um crédito a um terceiro com a obrigação de este restituir o valor em causa, tributada de acordo com a verba 17.1, da TGIS.”.

Como bem se salientou o “facto de terem sido determinados juros não faz com que a cláusula em causa altere a sua natureza, porquanto trata-se apenas de definir o efeito no preço do decurso do tempo, dado que é estipulado um prazo máximo de 5 anos para realização do pagamento, não estando estabelecidos momentos temporais em que eventuais pagamentos parciais tenham de ser feitos, assegurando-se assim que o maior decurso de tempo tenha consequências em termos de valor a pagar, decorrendo, tal como referido pela impugnante, do art.º 559.º, do CC, a possibilidade de determinar uma taxa de juro distinta do juro legal. Também não se pode extrair a conclusão de que se trata de financiamento, com base em afirmações do relatório e contas da Fravei, por si só insuscetíveis de caraterizar uma operação.”

Em suma, importa concluir que não se encontra sujeita a imposto do selo nos termos da verba 17.1.2. da TGIS a operação subjacente à celebração de um contrato de compra e venda de ações e cessão de suprimentos, pelo qual as partes estipulam um determinado preço, bem como um prazo de pagamento máximo de 5 anos, associado ao vencimento de juros até total liquidação do preço, pois tal cláusula consiste no estabelecimento do modo de pagamento do preço, e não uma operação financeira de concessão de crédito.

Pelo exposto, in casu, tal como bem se decidiu em 1.ª instância, não resulta qualquer operação de financiamento para efeitos da verba n.º 17.1.2 da TGIS, pelo que, improcedem todos os fundamentos do recurso.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2), e, portanto, vencida no recurso a Recorrente, esta é responsável pelas custas.

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

Não se encontra sujeita a imposto do selo nos termos da verba 17.1.2. da TGIS a operação subjacente à celebração de um contrato de compra e venda de ações e cessão de suprimentos, pelo qual as partes estipulam um determinado preço, bem como um prazo de pagamento máximo de 5 anos, associado ao vencimento de juros até total liquidação do preço, pois tal cláusula consiste no estabelecimento do modo de pagamento do preço, e não uma operação financeira de concessão de crédito.

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DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 7 de abril de 2022.

Cristina Flora (Relatora)

Patrícia Manuel Pires (1.ª adjunta)

Vital Lopes (2.º adjunto)