Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1419/19.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/30/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:ASILO,AUDIÊNCIA PRÉVIA, DÉFICE DE INSTRUÇÃO
Sumário:I. A Lei n.º 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, prevê no artigo 19.º-A, n.º 1, a), que o pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV;

II. Sendo outro Estado o primeiro país de asilo, o Estado português está dispensado de analisar da pretensão do interessado.

III. Ao procedimento especial de determinação do Estado membro responsável pela análise do pedido não é aplicável o artigo 17.º, n.ºs 1, 2 e 3 da Lei de Asilo, não se impondo a elaboração do relatório aí previsto, sendo a participação do requerente de proteção internacional assegurada através da realização da entrevista e da transmissão da intenção da tomada de decisão de ser outro o Estado membro responsável pela análise do pedido e da transferência do requerente, e da consequente possibilidade de o requerente se pronunciar, manifestando a sua concordância ou discordância com a retoma a cargo por outro Estado, assim se respeitando os direitos de audiência e de defesa.

IV. No procedimento especial de determinação do Estado membro responsável o artigo 19.º-A, n.º 2 da Lei de Asilo dispensa a análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional, mas não dispensa a análise das condições sistémicas relativas ao Estado de retoma, referentes à atual situação das condições de acolhimento nesse Estado.

V. Nos termos do artigo 3.º do Regulamento de Dublin recai sobre as autoridades nacionais o ónus de instrução sobre as condições do procedimento de asilo e as condições de acolhimento no Estado membro responsável pela apreciação do pedido, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante.

Votação:MAIORIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Ministério da Administração Interna, devidamente identificado nos autos de ação administrativa urgente instaurada por A.........., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 27/09/2019, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação procedente, anulando a decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 17/07/2019 e condenando à reconstituição do procedimento relativo ao pedido de proteção internacional formulado pelo Autor em 21/05/2019.


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Formula o Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“A. Resulta evidente que o Tribunal ad quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice não teve em atenção o quadro legal atinente aos critérios e mecanismos de determinação do Estado­Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida. Vejamos então,

B. O recorrido formulou pedido de proteção internacional no Gabinete de Asilo e Refugiados do ora recorrente, o qual foi seguido de uma entrevista pessoal realizada em 03 de Julho de 20 l9 nas instalações do SEF.

C. A entrevista supra referida foi realizada ao abrigo do art.º 16º da Lei de Estrangeiros a qual no seu nº 1 expressa o seguinte: “Antes de proferida qualquer decisão sobre o pedido de proteção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações na língua da sua preferência ou noutro idioma que possa compreender e através do qual comunique claramente, em condições que garantam a devida confidencialidade e que lhe permitam expor as circunstâncias que fundamentam a respetiva pretensão”.

D. Na pendência da entrevista, que se encontra documentada e como taJ provada a fls. 17 e ss do procedimento administrativo, e após consulta do Sistema EURODAC, foi constatada a existência de um Hit positivo com o "Cases ID IT..................", inserido pela Itália, e confirmado pela ora recorrida a existência do pedido de proteção internacional que o recorrido efetuou aquando da sua chegada à Itália, em 20l4.

E. Ora perante esta informação, o SEF, nos termos do artigo 37º, nº 1, e com sustento no mencionado registo EURODAC, solicitou às autoridades congéneres Italianas a retoma a cargo, ao abrigo do art.º 18º nº 1 d) do Regulamento (UE) 60412013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin), as quais tacitamente aceitaram em conformidade com o disposto no art.º 25º nº 1 e 2 do Regulamento Dublin.

F. Obedecendo aos trâmites legais impostos quer pelo Regulamento, quer pela Lei de Asilo em vigor, a entidade Recorrente (SEF), em conformidade, proferiu Decisão considerando o pedido inadmissível nos termos da alínea a) do nº 1 do art.º 19º-A da Lei 27/2008, de 30 de junho (Lei de asilo), determinando a transferência do ora recorrido para a Suíça, conforme plasmado no art.º 37º, nº 3 da Lei de Asilo, decisão que o visado (o ora recorrido) viria a impugnar junto do TAC de Lisboa, o qual por sentença datada de 27 de Setembro de 2019 entendeu julgar procedente a ação impugnatória.

G. Com a devida Vénia, afigura-se ao recorrente que a Sentença, ora objecto de recurso, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do estado membro responsável, em conformidade com o Regulamento (EU) que o hospeda.

H. Na verdade, não pode o ora recorrente aceitar o veredicto plasmado na Sentença que considerou boa a tese do recorrido (Autor).

J. Estatui a alínea a) do nº l do art.º 19º-A da Lei 2712008, de 30 de junho, que "O pedido é considerado inadmissível , quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV".

J. Sob a epígrafe «Procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional», o capítulo IV estabelece no art.º 36º que "quando haja lugar à determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional é organizado um procedimento especial regulado 110 presente capítulo"

K. Quer isto dizer que, recebido o pedido de Proteção Internacional e verificando que, nos termos do nº 1 do art.º 37º, "a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro" as autoridades portuguesas, em conformidade com o legalmente estabelecido, iniciam um procedimento especial "de acordo com o previsto no Regulamento (EU) nº 60412013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho"

L. As diligências reclamadas pelo Tribunal "ad quo", reportam-se à tramitação do Procedimento estabelecido no capítulo III, e tem por escopo salvaguardar determinadas garantias e, em particular, assegurar "ao requerente o direito de prestar declarações (...) que lhe permitam expor as circunstâncias que fundamentam a respetiva pretensão", conforme se estabelece no art.º 16º.

M. Ora, a tramitação do procedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional obedece a regras de procedimento diferentes, que são as estabelecidas pelo Regulamento (EU) nº 604/2013, do parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento de Dublin).

N. Nesse sentido e em sede de garantias dos requerentes, o regulamento Dublin vem estabelecer no art.º 4º o Direito à informação e, no art.º 5º, a realização de uma Entrevista pessoal "A fim de facilitar o processo de determinação do Estado-membro responsável (...)". A entrevista deve permitir, além disso, que o requerente compreenda devidamente as informações que lhe são facultadas nos termos do art.º 4º.

O. As normas prescritas nos arts. 16º e 17º da lei 27/2008 (Lei de Asilo), que estabelecem a obrigatoriedade de o requerente prestar declarações, com base nas quais se realiza um relatório escrito que deve ser notificado ao requerente para sobre ele se pronunciar, aplicam-se integralmente nos procedimentos comuns, ou seja, aqueles, cuja competência para análise do pedido de proteção internacional pertence ao Estado Português.

P. Situação diferente impende sobre os procedimentos especiais, mormente nos casos em que é necessário determinar qual o Estado que vai analisar o pedido de proteção internacional, pelo que ficando determinado que é outro o Estado responsável pela análise, não se aplicam as normas vertidas no procedimento previsto no capítulo III do referido diploma legal.

Q. Ora, nestes casos, não é aplicável o disposto no art.º 17º nº 2 da lei do Asilo, afastada pela certeza "especial" do procedimento plasmado no art.º 36º e ss. da referida Lei, tal como se comprova no nº 7 do art.º 37º, que estipula que: "em caso de resposta negativa do Estado requerido ao pedido formulado pelo SEF, nos termos do nº 1 observar-se-á o disposto no capítulo III".

R. Explicitando - e afigura-se à entidade Recorrente que é justamente aqui que se encontra o busílis da questão e que o tribunal ad quo não alcançou -, a norma supra vem dizer claramente que só no caso da Itália expressamente declinar a sua responsabilidade na retoma ou tomada a cargo é que haverá lugar à aplicação do Capítulo III, o que como se sabe não foi o caso, uma vez que a Suíça expressamente aceitou, afastando assim e decisivamente a aplicabilidade do capítulo III.

S. No âmbito do procedimento especial previsto no capítulo IV da Lei de asilo (arts. 36º a 40º) relativo à determinação do Estado-membro responsável pela análise do pedido, tal garantia seria absolutamente inútil e desprovida de sentido, na medida em que não se vai analisar o mérito do pedido nem os fundamentos em que se baseiam a pretensão do requerente, uma vez que a determinação do Estado-membro responsável pela análise do pedido constitui causa de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional apresentado em território nacional, nos termos do art.º 19º-A, nº 1, alínea a) da Lei de Asilo.

T. Sublinhe-se que, o nº 2 do mesmo art.º 19º-A da lei de Asilo, de forma categórica estipula que nos casos em que o pedido é considerado inadmissível, "prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional".

U. Ora prescindida a análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional, questiona-se o recorrente, afinal qual a utilidade da audiência de interessados, a qual não se encontra prevista, nem na Lei de Asilo, nem no regulamento de Dublin, quer estejamos perante uma situação de retoma ou tomada a cargo.

V. Qual o efeito útil de um acto administrativo que além de não ser legalmente exigido na situação particular, não interfere nem altera a mecânica do procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional.

W. Salvo melhor opinião, afigura-se ao recorrente que a audiência de interessados, tal como vem reclamada pela Sentença em crise teria como função dar ao requerente de proteção internacional a oportunidade de se pronunciar sobre os elementos constantes do relatório enunciado no art.º 17º da lei do asilo, ou seja pronunciar-se sobre o mérito do seu pedido.

X. Ora a análise do mérito do pedido foi imediatamente suspensa aquando do início do procedimento de determinação do Estado responsável pela sua analise, cfr. art.º 39º da Lei de Asilo, em articulação com o nº 7 do art.º 37º.

Y. Explicitando, estando a decorrer o procedimento de determinação do estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional iniciado nos termos do art.º 36º da Lei de Asilo, suspende-se o procedimento de análise do pedido de proteção propriamente dito, o qual só será retomado no caso de Estado que vier a ser considerado responsável declinar essa responsabilidade não a aceitando expressamente.

Z. Assim, apenas se o Estado considerado responsável declinasse essa responsabilidade, faria sentido com a retoma do procedimento de análise do pedido de proteção internacional pelo Estado Português, levar a cabo uma eventual audiência de interessados nos termos em que vem expresso na sentença em crise.

AA. Tendo as autoridades Suíças aceitado a responsabilidade de analisar o seu pedido de asilo, às autoridades portuguesas apenas restava nos termos exigidos quer pela Lei de Asilo, quer pelo Regulamento de Dublin, ouvir o recorrido no procedimento, nos termos em que o fez no dia 22 de Abril de 2019, cfr. consta a fls. 17 e ss do processo instrutor.

BB. Malgrado toda a jurisprudência invocada na Sentença, o facto é que, s.m.o., e com todo o respeito que é muito, continuamos a não vislumbrar a sustentação legal das teses defendidas para a imposição da audiência de interessados nos termos em que vem aí defendida.

CC. Nos Acórdãos referidos pelo Tribunal a quo, toda a sua linha de sustentação baseia-se fundamentalmente em equiparar o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela analise do pedido de proteção internacional, com o procedimento que corre termos junto das autoridades administrativas portuguesas quando estas têm a responsabilidade de analisar o mérito do pedido de proteção internacional efetuado por um cidadão estrangeiro.

DD. Nos Acórdãos referidos não é feita a separação entre procedimentos distintos e que operam em fases diferentes, pois se num o que se encontra em avaliação é a determinação do Estado que vai assumir a responsabilidade de analisar o pedido de proteção internacional, noutro o que se encontra-se em analise é o próprio pedido de proteção internacional e é neste último e só neste último é que se poderá pôr em causa o cumprimento de uma garantia fundamental como é a audiência de interessados nos termos em que ela vem referida nos Acórdãos.

EE. A garantia que vem sendo assacada ao Estado Português, é uma garantia que com toda a probabilidade será assegurada pelo Estado que vier a ficar responsável pela análise do pedido de proteção internacional, in caso a Itália.

FF. No que tange às autoridades portuguesas, neste tipo de procedimento onde as garantias processuais estão bem definidas quer na Lei de Asilo, quer no regulamento de Dublin, cabe apenas conduzir o procedimento de apuramento do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional e notificar o requerente, tal como vem previsto no artigo 26º do Regulamento (EU) nº 604/2013 do Parlamento e do Conselho de 26 de Junho o qual estatui no nº l que "Caso o Estado-Membro requerido aceite a tomada ou retomada a cargo de um requerente ou de outra pessoa referida no artigo 18.º nº 1, alínea c) ou d), o Estado-Membro requerente deve notificar a pessoa em causa da decisão da sua transferência para o Estado-Membro responsável e, se for caso disso, da decisão de não analisar o seu pedido de proteção internacional. Se a pessoa em causa for representada por um advogado ou por outro conselheiro jurídico, os Estados-Membros podem optar por notificar a sua decisão ao representante, em vez de o fazerem à pessoa em causa, e, se for caso disso, comunicar a sua decisão à pessoa em causa."

GG. Afigura-se deste modo ao recorrente que a tese que vem sendo defendida pela jurisprudência em Portugal perfilha-se numa premissa que não distingue os procedimentos que estão aqui em causa, os quais sendo distintos não se compadecem com o mesmo tipo de tratamento ou de garantias, as quais em última instância se revelam excessiva e inúteis.

HH. Na mesma linha, o Supremo Tribunal Administrativo - cfr. recente Acórdão de 11 de Janeiro, proferido no âmbito do Proc. 807/18.2BELSB - perfilha que "(...), no procedimento especial para «determinação do Estado responsável» (arts. 36º e ss. da Lei nº 27/2008, de 30/06), está excluída, «impliciter», uma audiência do requerente antes da decisão final («vide» o art.º 37º, nº 2, do referido diploma)." - SIC.

II. Esta posição vem reforçada na letra do nº 7 do art.º 37º da Lei de Asilo a qual expressamente determina que: "Em caso de resposta negativa do Estado requerido ao pedido formulado pelo SEF, nos termos do nº l, observar-se-á o disposto no capítulo III.

JJ. Explicitando, o Estado Português só estaria obrigado a cumprir o estatuído no art.º 17º da Lei do Asilo, caso o pedido de retoma a cargo tivesse sido repudiado pelas autoridades Suíças, o que não aconteceu.

KK. Atente-se pois, que o facto de o pedido de proteção internacional ter sido efetuado em território nacional, mormente junto do Gabinetes de Asilo e Refugiados, só por si não determina a obrigação de se cumprir o a norma vertida no art.º 17º, pois quando perante uma situação de retoma a cargo, a mesma toma-se letra morta na medida em que o art.º 37º nº 2 e 7, claramente afastam a sua aplicação.

LL. Mais refira-se que o invocado art.º 5º do Regulamento (EU) sob a epígrafe «Entrevista pessoal» estatui inequivocamente no seu nº 6 que: "O Estado-Membro que realiza a entrevista pessoal deve elaborar um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista. Esse resumo pode ser feito sob a forma de um relatório ou através de um formulário­tipo. O Estado-membro assegura que o requerente e/ou o seu advogado ou outro conselheiro que o represente tenha acesso ao resumo em tempo útil."

MM. Crê-se destarte inequívoco, que a Sentença a quo carece de legalidade, porquanto, conforme precedentemente explanado, no estrito cumprimento do estatuto pelo direito vigente sobre a matéria, se lhe impunha considerar impoluto o acto do ora Recorrente.

NN. Ao invés, assim não atuou, razão pela qual ora se pugna pela revogação da douta Sentença, atenta a correta interpretação e aplicação da Lei.

OO. Neste contexto, e ao invés da douta sentença, o acto administrativo anulado encontra se legalmente enquadrado face ao disposto nos comandos imperativos ínsitos na legislação supra invocada, devendo assim ser acolhido, porquanto se mostra irrepreensível.

PP. Em suma, o entendimento plasmado pelo recorrido conduz à ilegalidade da sentença, devendo por isso ser revogada.”.

Pede que o recurso seja julgado procedente e a sentença recorrida seja revogada.


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O Recorrido não contra-alegou o recurso, nada tendo dito ou requerido.

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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Pugna por o Recorrente não impugnar o segundo fundamento que determinou a anulação do ato, relativo à falta de diligências instrutórias essenciais à decisão, no que respeita à existência de risco de tratamento desumano, o qual, por isso, se deve manter.

No tocante ao fundamento impugnado, referente à audiência do Requerente, defende que assiste razão ao ora Recorrente.

Entende que o interessado já exerceu o direito de participação, em face das concretas circunstâncias de facto apuradas, pelo que, a decisão proferida pelo SEF não se mostra violadora do artigo 17.º da Lei n.º 27/2008 ou do artigo 5.º do Regulamento EU n.º 604/2013.


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O processo vai sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, indo à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento, por ao procedimento especial de retoma a cargo do requerente de proteção internacional:

(i) não ser aplicável o artigo 17.º, n.º 2 da Lei de Asilo, no tocante à audiência prévia do requerente, e

(ii) se prescindir da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional, nos termos do artigo 19.º-A, n.º 2 da Lei de Asilo.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:

“A) – Em data anterior a 21.05.2019, o Autor requereu protecção internacional em Itália, tendo as suas impressões digitais sido registadas, em Oristano, na base de dados do Sistema Eurodac, no dia 29.08.2017, sob a referência IT.............. – Cfr. fls. 9, 11 e 37 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

B)– Em 21.05.2019, o Autor requereu protecção internacional, junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em Lisboa, data em que foram registadas as suas impressões digitais, na base de dados do Sistema Eurodac, sob a referência PT….2019. – Cfr. fls. 8, 10 e 20 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

C) – Em 01.07.2019, os serviços do Gabinete de Asilo e Refugiados enviaram, às autoridades italianas, um pedido de retoma a cargo do Autor, invocando o artigo 18.º, n.º 1, alínea d), do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, e a ocorrência registada, em 29.08.2017, na base de dados do Sistema Eurodac. – Cfr. fls. 27-31 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

D) – Em 03.07.2019, o Autor prestou declarações, junto do Gabinete de Asilo e Refugiados, em Lisboa, tendo sido lavrado o instrumento intitulado “Entrevista/Transcrição”, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte:

“Texto integral com imagem”

(…)

“Texto integral com imagem”

(…)

“Texto integral com imagem”

(…)

“Texto integral com imagem”

(…)

(…)

– Cfr. fls. 32-40 do PA;

E) – Em 17.07.2019, os serviços do Gabinete de Asilo e Refugiados comunicaram às autoridades italianas que, por falta de resposta ao pedido referido em C), Portugal considera que Itália aceitou retomar a cargo o Autor. – Cfr. fls. 42 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

F) – Em 17.07.2019, os serviços do Gabinete de Asilo e Refugiados emitiram a informação n.º …../GAR/2019 de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte:

“Texto integral com imagem”

(…)

(…)

"Texto integral com imagem"

“Texto integral com imagem”

– Cfr. fls. 27-30 do suporte electrónico dos autos e fls. 45-48 do PA;

G) – A 17.07.2019, a Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, proferiu a “DECISÃO”, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte:

“Texto integral com imagem”

– Cfr. fls. 25 do suporte electrónico dos autos e fls. 48 do PA;

H) – Consta publicado, com data de 08.05.2018, na página do Diário de Notícias na internet, no endereço «https://www.dn.pt/lusa/interior/migrantes-acusam-italia-de-responsabilidade-por-abusos-cometidos-na-libia-9319675.html», o artigo intitulado “Migrantes acusam Itália de responsabilidade por abusos cometidos na Líbia”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte excerto:

“Dezenas de migrantes nigerianos que sobreviveram a um naufrágio no Mediterrâneo em 2017 apresentaram uma queixa no Tribunal Europeu de Direitos Humanos a acusar Itália de violação dos direitos humanos por "subcontratar" à Líbia o seu salvamento.

O caso, apoiado por organizações judiciais e de direitos humanos, constituiu um desafio direto ao contestado acordo da Itália com a Líbia em 2017, que reduziu substancialmente o número de requerentes de asilo que tentavam alcançar a Europa.

Em conferência de imprensa, os apoiantes do caso referiram hoje que esta decisão política -- que envolve fundos europeus no treino e equipamento da guarda costeira líbia para o patrulhamento das suas costas e a interceção de migrantes --, submeteu os potenciais refugiados à escravatura, tortura e outros tratamentos degradantes e inumanos, quando foram forçados a regressar à Líbia.

Os 70 nigerianos envolvidos neste processo argumentam que a Itália foi responsável pelos abusos, ao manter um "controlo efetivo" sobre os socorristas líbios através do seu centro de coordenação da guarda costeira em Roma e dos navios da marinha italiana fundeados ao largo de Tripoli e que coordenam localmente as operações de salvamento. Referem que a Itália é também responsável pelos abusos pelo facto de as violentas condições nos centros de detenção líbios, onde os migrantes eram colocados após o seu regresso, serem bem conhecidas e estarem documentadas.”

I) – Com data de 04.06.2018, foi publicado, na página da Reuters-Brasil na internet, no endereço «https://br.reuters.com/article/topNews/idBRKCN1J01JT-OBRTP», o artigo intitulado “Itália não será mais "campo de refugiados da Europa", diz novo governo”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte excerto:

“ROMA (Reuters) - A Itália não será mais o “campo de refugiados da Europa”, disse o recém-empossado novo ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, nesta segunda- feira, prometendo ações duras para reduzir a chegada de imigrantes e enviar de volta os que já chegaram.

(…)

Salvini manteve a pressão nesta segunda-feira, dizendo em uma entrevista a uma rádio que a Itália “não pode ser transformada em um campo de refugiados” e prometendo pressionar para que os parceiros de Roma obtenham mais assistência da União Europeia para lidarem com o problema.

“É claro e óbvio que a Itália foi abandonada, agora temos que ver os fatos”, disse Salvini quando indagado sobre os comentários da chanceler alemã, Angela Merkel, segundo a qual a Europa precisa de uma nova abordagem para a imigração.

Salvini, que quer abrir um novo centro de detenção e deportação de imigrantes em cada região italiana, tuitou mais tarde: “ou a Europa nos dá uma mão para tornar nosso país seguro, ou escolheremos outros métodos”.”

J) – Com data de 28.07.2018, foi publicado, na página do jornal O Público na internet, no endereço «https://www.publico.pt/2018/07/28/mundo/noticia/criancas-migrantes-em-italia-obrigadas-a-prostituirse-para-conseguir-atravessar-fronteira-1839419», o artigo intitulado “Crianças migrantes em Itália obrigadas a prostituir-se para conseguir atravessar fronteira”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte excerto:

“Desde o início de 2017 que 1900 raparigas foram abusadas na região fronteiriça italiana, denuncia a ONG Save The Children

(…)

A troco de uma passagem segura para o território francês, as crianças migrantes no norte de Itália estão a prostituir-se, revela uma investigação da organização humanitária Save The Children. A situação tem piorado nos últimos meses e não se concentra apenas na região fronteiriça mas estende-se também a outras áreas da Itália.

(…)

Mais de 18 mil pessoas chegaram a Itália através do Mediterrâneo desde o início do ano, de acordo com os dados da Organização Internacional das Migrações, que revelam uma queda acentuada face ao mesmo período do ano passado (94 mil). A maioria foge de países em guerra ou onde são perseguidas, mas também à fome e à miséria.

A situação das crianças concentradas perto da fronteira entre Itália e França agravou-se depois de as autoridades locais terem desmantelado um campo improvisado perto de Ventimiglia. A ausência de um local onde, apesar das más condições de vida, havia algum nível de segurança forçou os menores a deambular pelas cidades mais próximas, muitas vezes colocando-se em situações “degradantes, promíscuas e perigosas”, nota o relatório.”

K) – Consta publicado, com data de 22.12.2018, na página da SIC Notícias na internet, no endereço «https://sicnoticias.pt/especiais/crise-migratoria/2018-12-22-Portos-de- Italia-fechados-a-navio-com-300-migrantes-resgatados-no-Mediterraneo», o artigo intitulado “Portos de Itália fechados a navio com 300 migrantes resgatados no Mediterrâneo”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte excerto:

“Os portos de Itália estão fechados para os mais de 300 migrantes resgatados do mar Mediterrâneo pela organização não-governamental Proactiva Open Arms, afirmou hoje o ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, depois de Malta ter recusado acolhê-los.”

L) – Consta publicado, a 23.01.2019, no endereço «https://www.wort.lu/pt/mundo/it-lia-fecha-centro-para-refugiados-e-despeja-mais-de-500-pessoas-5c48b166da2cc1784e33c406», o artigo intitulado “Itália fecha centro para refugiados e despeja mais de 500 pessoas”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte excerto:

“O Governo italiano está a encerrar um centro de refugiados na cidade de Castelnuovo di Porto, perto de Roma, despejando as mais de 500 pessoas que aí encontravam abrigo. De acordo com o diário britânico The Guardian, trata-se de uma medida adotada no âmbito do "decreto Salvini", aprovado em novembro passado (…).

Salvini justificou a medida com o argumento de que o centro era "um antro de crime e tráfico de droga" e que se seguiria o fecho de outro espaço do género, localizado em Mineo, na Sicília. Além disso, acrescentou que o encerramento permitiria ao Governo poupar seis milhões de euros por ano, verba que pretendia gastar a "ajudar italianos". "Fiz o que qualquer bom pai faria", referiu, citado pelo Guardian.

Porém, Riccardo Travaglini, edil de Castelnuovo di Porto, que chegou a acolher uma refugiada oriunda da Somália em sua casa, teceu duras críticas à medida. "Num só dia arruinam-se anos de trabalho. Estas pessoas estavam já integradas na sociedade", afirmou, referindo-se a vários casos de refugiados que estavam a trabalhar e com os filhos em escolas. O Guardian indica que "muitos estavam em pleno processo de requerimento de asilo ou tinham recebido proteção humanitária que lhes assegurava permanência durante dois anos em função de estarem impossibilitados de voltar a casa por motivos variados". Já Roberto Morassut, do Partido Democrático, comparou a expulsão dos refugiados com "deportações para os campos de concentração dos nazis". Salvini afirmou que, "todos os que tiverem direitos serão realojados". Quanto aos restantes, confirmou que será iniciado um "processo de deportação". A medida surgiu na mesma altura em que a Alemanha anunciou que se retirava da Operação Sophia, destinada ao combate de tráfico de pessoas no Mediterrâneo desde 2015, precisamente em função da recusa italiana de acolher refugiados nos seus portos.

Desde que foi formado o Governo de coligação entre a Liga, liderada por Salvini, e o M5S de Luigi Di Maio, esta é a maior operação de expulsão de refugiados. O Guardian conta que as pessoas em causa estão a ser retiradas do espaço e enviadas de autocarro para destino desconhecido, tendo ficado determinado que o centro encerraria até ao próximo dia 31.”


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Não existem factos não provados, com interesse para a decisão.

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A convicção que permitiu julgar provados os factos acima descritos formou-se – conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos assentes – com base na análise dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo (PA), bem como na consulta aos endereços da comunicação social na internet acima identificados, cujas informações veiculadas são de acesso e conhecimento geral e, portanto, factos notórios [cfr. artigo 412.º do CPC].”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional.

1. Erro de julgamento, por ao procedimento especial de retoma a cargo não ser aplicável o artigo 17.º, n.º 2 da Lei de Asilo, no tocante à audiência prévia do requerente de proteção internacional

Vem o Recorrente impugnar a sentença recorrida com o fundamento de incorrer em erro de julgamento no tocante a existir violação do direito de audiência prévia do requerente de proteção internacional, num procedimento como aquele que está em causa, de determinação do Estado responsável pela análise do pedido apresentado.

Sustenta que foi realizada a entrevista pessoal ao interessado e que, apurando-se que o interessado havia apresentado anterior pedido em Itália foi pedida a retoma a cargo, a qual foi tacitamente aceite.

Defende que a tramitação do procedimento de determinação do Estado membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional obedece a regras de procedimento diferentes.

O artigo 5.º do Regulamento de Dublin prevê no tocante à entrevista, que ela deve permitir que o requerente compreenda devidamente as informações que lhe são facultadas.

As normas dos artigos 16.º e 17.º da Lei de Asilo aplicam-se aos procedimentos comuns, que são aqueles cuja competência para a análise do pedido de proteção internacional pertence ao Estado português, mas diferentemente ocorre com os procedimentos especiais, como no caso de ser necessário determinar qual o Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, pois determinado esse Estado, não se aplicam as normas previstas no Capítulo III da Lei de Asilo.

Por isso, defende o Recorrente que não é aplicável o artigo 17.º, n.º 2 da Lei de Asilo e que o Estado português apenas estaria obrigado a cumprir o estatuído no artigo 17.º da Lei de Asilo se o pedido de retoma a cargo tivesse sido repudiado, o que não aconteceu.

Vejamos.

Importa antes de mais considerar a matéria de facto apurada na sentença recorrida, pois será com base nela que se procederá à interpretação e aplicação dos normativos de direito.

Nos termos do julgamento da matéria de facto encontra-se demonstrado que antes da apresentação do pedido de proteção internacional em Portugal, o ora Recorrido apresentou idêntico pedido em Itália.

Sendo enviado pelas autoridades nacionais às autoridades italianas o pedido de retoma a cargo, não existiu qualquer comunicação, pelo que, por falta de resposta, as autoridades nacionais comunicaram às suas congéneres italianas que se considera que aceitaram retomar a cargo o Autor (cfr. alíneas C) e E) do julgamento de facto).

Mais se encontra demonstrado que na entrevista realizada se concluiu que seria Itália o Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, que se informou o Requerente dessa circunstância e que em reação a essa informação o ora Recorrido se pronunciou no sentido de que se a decisão a tomar for de o transferir para Itália, não quer ir e que impugnará a decisão que for tomada.

A decisão administrativa impugnada traduziu-se em considerar o pedido de asilo apresentado pelo Requerente inadmissível, à luz do disposto nos artigos 19.º-A, n.º 1, a) e 37.º, n.º 2, da Lei de Asilo, aprovada pela Lei n.º 27/08, de 30/06, na sua redação vigente, baseada na circunstância de ser outro o Estado o responsável pela análise do pedido de proteção internacional, nos termos do Regulamento de Dublin – Regulamento (EU) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida.

Atendendo à factualidade demonstrada em juízo resulta que a decisão impugnada, da Diretora Nacional do SEF, de 17/07/2019, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional formulado pelo ora Recorrido, foi tomada no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, que vem regulado nos artigos 3.º, 5.º, 22.º, n.ºs 1 e 7 do Regulamento n.º 604/2013, de 26/06 e 37.º a 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06 (Lei de Asilo).

Segundo os citados preceitos, cabendo a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional a outro Estado membro, o SEF deve suspender o procedimento comum destinado à concessão da proteção internacional que tenha sido requerida em Portugal e deve dar início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável, nos termos dos artigos 3.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 1, 2 do Regulamento n.º 604/2013, de 26/06, 36.º, 37.º e 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06.

Para tal, o SEF deve solicitar a esse Estado a retoma a cargo do requerente de proteção, abstendo-se de mais diligências no procedimento comum para a apreciação do pedido de proteção internacional, segundo o artigo 37.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30/06.

No presente caso, tendo sido pedida às autoridades italianas a tomada a cargo do Autor em 01/07/2019, nos termos previstos no artigo 22.º, n.ºs 1 e 7 do Regulamento n.º 604/2013, de 26/06, o Estado italiano nada disse, levando a que as autoridades nacionais, em 17/07/2019 tivessem comunicado às autoridades italianas que, por falta de resposta, se considera que Itália aceitou retomar a cargo o Autor.

Quer no caso de as autoridades do Estado membro requerido aceitem a retoma a cargo, quer quando nada respondam no prazo legal – de 1 mês ou de 2 semanas, caso se baseie em dados obtidos através de um sistema Eurodac – o Diretor do SEF deve considerar inadmissível o pedido de proteção internacional formulado, nos termos dos artigos 19.º, n.º 1, al. a) e 19.º-A e 20.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, determinando a transferência do requerente para o Estado membro responsável pela respetiva análise, segundo os artigos 25.º n.º 1, 2, 26.º n.º 1, do Regulamento n.º 604/2013, de 26/06, 37.º, n.º 2 e 38.º, da Lei n.º 27/2008, de 30/06.

Por isso, de acordo com os factos apurados, Itália deve ser considerada o primeiro país de asilo, nos termos do artigo 19.º-A, n.º 1, c) da Lei de Asilo.

Assim, considerando a factualidade apurada em juízo, que reflete a concreta situação em que se encontra o Requerente de asilo ou de proteção subsidiária, designadamente, quanto a ter sido tomada a decisão e tomada a cargo, não cabe ao Estado português conhecer e decidir dos fundamentos do pedido de asilo.

Neste enquadramento, o SEF tem sempre que considerar que o pedido feito pelo Recorrente é inadmissível e, em consequência, determinar a transferência do Recorrente para Itália, por ser este o Estado membro responsável pela análise do seu pedido, conforme preceituam os artigos 19.º-A, n.º 1, a) e 20.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, desde que esse Estado reúna as condições de acolhimento à luz das normas do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA).

Tal conduta do SEF decorre do preceituado nos artigos 37.º a 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06 e 22.º, n.ºs 1 e 7 do Regulamento n.º 604/2013, de 26/06, que determinam que se a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertencer a outro Estado membro, incumbe ao SEF dar início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável, que, por seu turno, faz suspender o procedimento destinado à concessão da requerida proteção internacional até que seja proferida uma decisão final naquele (sub)procedimento especial, segundo o disposto no artigo 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06.

Caso as autoridades do Estado membro requerido aceitem a tomada a cargo ou nada respondam, por força dos artigos 26.º, n.º 1 do Regulamento n.º 604/2013, de 26/06 e 37.º, n.º 2, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, o Diretor do SEF tem de considerar inadmissível o pedido de proteção internacional formulado, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, al. a), 19.º-A e 20.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, determinando a transferência do Requerente para o Estado membro responsável pela respetiva análise, segundo o artigo 38.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06.

Como estabelece o artigo 19.º-A da Lei n.º 27/2008, com a epígrafe “Pedidos inadmissíveis”:

1 - O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que:

a) Está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV;

(…)

2 - Nos casos previstos no número anterior, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.”.

Por sua vez, preceitua o artigo 2º, n.º 1, z) da Lei 27/08, de 30/06 que se entende como “Primeiro país de asilo”, “o país no qual o requerente tenha sido reconhecido como refugiado e possa ainda beneficiar dessa protecção ou usufruir nesse país de protecção efectiva, nos termos da Convenção de Genebra, e onde, comprovadamente, não seja objecto de ameaças à sua vida e liberdade, onde sejam respeitados o princípio da não repulsão e o direito de não ser objecto de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante, desde que seja readmitido nesse país.” (sublinhado nosso).

Pelo que a questão decidenda, tal como posta no presente recurso, respeita a decidir sobre a aplicação do artigo 17.º da Lei de Asilo ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela retoma a cargo, no tocante à audiência do interessado, ou seja, sobre as exigências colocadas no plano da audiência do requerente de proteção internacional.

A questão tal colocada não é nova, tendo sido objeto de anteriores decisões judiciais por este TCAS, como no caso do Processo n.º 689/19.7BELSB, de 24/10/2019, por nós relatado, cujo entendimento seguiremos, por identidade da questão material controvertida e não vislumbrarmos razões ponderosas para dela divergir.

Encontra-se apurado nos autos que em 03/07/2019 foi realizada uma entrevista com o ora Recorrido, na qual se informou que o pedido de proteção internacional seria analisado pelo Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, tendo o requerente argumentado que não queria regressar a Itália, por querer ficar em Portugal, afirmando que “Se a decisão for de me transferirem para Itália, eu não quero ir, porque quando estava no campo de refugiados em Norbelo, puseram-me na rua, porque o meu advogado não meteu o segundo recurso (…) Depois vivi dois meses na rua, em Oristano, consegui dormir só duas semanas da Cáritas, porque não havia lugar para todos, mas ia comer todos os dias à Caritas, depois decidi vir para Portugal, porque me pareceu o melhor país para vir, quando consultei a Internet. Se a decisão for de me transferirem para Itália, vou recorrer para os Tribunais dessa decisão.”.

O que significa que, no caso concreto, foi facultada ao Requerente quer a informação pertinente, quer a oportunidade de sobre ela se pronunciar.

Por força do artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, de 26/06, no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional é exigida a ocorrência de uma entrevista pessoal com o requerente de proteção, que deve ser acompanhada da elaboração de um resumo escrito, que indique as principais informações que foram facultadas durante a entrevista.

Este documento escrito pode ter o formato de um relatório ou formulário-tipo.

A citada entrevista e o correspondente relatório devem ocorrer antes da tomada de decisão relativa à transferência.

Nos termos do artigo 5.º, n.º 6, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, de 26/06, deve ainda ser assegurado ao requerente e/ou ao seu advogado ou outro conselheiro que o represente, o acesso ao indicado resumo em tempo útil.

No artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, de 26/06, estipula-se que os pedidos de proteção devem ser analisados por um único Estado membro, o determinado de acordo com os critérios enunciados no Capítulo II do Regulamento.

Porém, estabelece o n.º 2 do mesmo preceito que “caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4.°da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue à análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável”.

Por seu turno, no artigo 17.º daquele mesmo Regulamento, sob a epígrafe “Cláusulas Discricionárias”, permite-se a derrogação do estabelecido no artigo 3.º, n.º 1, permitindo a “cada Estado-Membro (…) decidir analisar um pedido de protecção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos” no Regulamento.

Por conseguinte, despoletado o procedimento comum para a apreciação do pedido de proteção internacional, se se verificar pelas informações inicialmente recolhidas que existe um outro Estado que é o responsável pela análise de tal pedido, conforme se determina no Regulamento (UE) n.º 604/2013, de 26/06, deve ficar, de imediato, suspenso tal procedimento comum e deve iniciar-se o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional.

É nesse último âmbito que o SEF solicita às respetivas autoridades do Estado membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional a retoma a cargo do requerente de proteção, nos termos do artigo 37.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30/06.

Entretanto, por aplicação do artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, de 26/06, deve ocorrer uma entrevista pessoal com o requerente da proteção, que é acompanhada de um resumo escrito, que lhe será entregue.

Essa entrevista serve para ouvir o requerente, para colher as suas informações, mas também para o informar acerca do seu pedido e respetivo enquadramento legal.

Tal entrevista servirá também para recolher do requerente a sua pronúncia acerca da decisão a tomar no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional.

Pelo que no caso configurado nos autos, não houve uma decisão do SEF a pronunciar-se sobre o mérito da pretensão do Requerente, pois não se apreciou acerca dos requisitos para o deferimento do pedido de proteção internacional, mas apenas se considerou tal pedido inadmissível, por Portugal não ser o Estado membro competente para a apreciação do pedido de proteção.

Nesta medida, a tramitação que se exige cumprir no caso dos autos não é a prevista nos artigos 10.º a 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, mas a tramitação especial e abreviada que vem regulada nos artigos 36.º a 37.º, n.ºs 1 a 6, dessa mesma Lei, com a obrigação da verificação da entrevista pessoal que vem indicada no artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, de 26/06.

Daí que, em consequência, no caso em apreço não existia a obrigação da elaboração do relatório que vem referido no artigo 17.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, pois tal relatório só se exige no procedimento comum para a aferição da proteção internacional.

Assim, o relatório previsto no artigo 17.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, só era exigível se o procedimento comum para a aferição da proteção internacional prosseguisse como incumbência do SEF, ao invés de ser considerado imediatamente inadmissível, por aplicação dos artigos 19.º-A, n.º 1, a) e 20.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30/06.

Como estabelece o artigo 19.º-A, n.º 2 da Lei n.º 27/2008, de 30/06, nos casos de inadmissibilidade imediata do pedido de proteção “prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional”, pelo que as diligências e relatório indicados nos artigos 16.º e 17.º dessa lei, relativos à análise das condições a preencher para o deferimento de tal pedido, não têm aqui lugar, pois deixam de fazer sentido.

O único relatório que cumpre elaborar no procedimento especial de determinação do Estado responsável é o indicado no artigo 5º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, de 26/06, relativo ao resumo da entrevista realizada, o que foi feito no presente caso.

Neste sentido, assiste razão ao Recorrente ao defender ter ocorrido a violação do artigo 17.º, n.ºs 1, 2 e 3 da Lei de Asilo pela sentença recorrida, por não ser aplicável ao caso a tramitação prevista para o procedimento comum, com a obrigação da elaboração do relatório referido no artigo 17.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06.

No caso em apreço, a tramitação a seguir é a que vem prevista nos artigos 36.º a 37.º, n.ºs 1 a 6, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, não sendo exigível a elaboração do relatório indicado no artigo 17.º daquela lei.

A efetivação do direito de audiência ou participação do Requerente de proteção internacional ocorreu por via da entrevista que lhe foi feita e pelo relatório que lhe foi entregue, onde lhe foi transmitida a informação de ser outro o Estado responsável pela análise do pedido, in casu, Itália, e sobre a qual o Requerente se pronunciou no sentido de querer permanecer em Portugal.

Tal como ficou provado nos autos, nessa entrevista foi comunicado ao Requerente o teor da decisão que iria ser tomada, tendo-se pronunciou sobre a mesma, manifestando a sua discordância, por não querer ser retornado a Itália.

A ocorrência deste momento no âmbito da entrevista, em que se indica ao Requerente o teor provável da decisão a tomar e em que ele se pronunciou sobre tal decisão, manifestando a vontade de permanecer em Portugal, basta para que se considerem cumpridas as exigências procedimentais que estão legalmente previstas no âmbito do procedimento especial para a determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional.

Não se exigindo na tramitação do procedimento especial uma fase demarcada em que ocorra a audiência prévia do Requerente de proteção, o exercício desse direito poderá ser feito em qualquer momento procedimental, desde que previamente à tomada da decisão final e desde que se comunique em termos cabais o teor da decisão que se pretende produzir – cf. neste sentido o artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, de 26/06.

Configura-se que no caso dos autos, o direito à audiência prévia e à defesa do Requerente de proteção internacional foi exercido no âmbito da entrevista que lhe foi realizada, ao lhe ser comunicado o teor da decisão a proferir e se conceder a oportunidade de o Requerente se pronunciar sobre essa intenção, tal como ficou vertido no teor dessa entrevista.

Nestes casos, esta diligência procedimental é suficiente para o cumprimento do direito de audiência do Requerente e para o exercício da sua defesa, direitos estes que, ao contrário do decidido na sentença recorrida, não se consideram, por isso, violados, não sendo aplicável a necessidade de elaboração do relatório previsto no artigo 17.º, n.º 1 da Lei de Asilo e a sua consequente notificação ao Requerente e autoridades nacionais, nem o consequente exercício do direito de pronúncia posterior, por esses direitos já terem sido exercidos no desenrolar da entrevista.

No entanto, esta posição não é unânime entre a jurisprudência do STA.

Em sentido contrário, o STA decidiu nos Acórdãos de 18/05/2017, Proc. n.º 0306/17; de 04/10/2018, Proc. n.º 01727/17.3BELSB, de 20/12/2018, Proc. n.º 0275/18.9BELSB e de 03/10/2019, Proc. n.º 02095/18.1BELSB e, mais recentemente, de 17/12/2019, Proc. n.º 01770/18.5BELSB (embora este com declaração de voto e voto de vencida), os quais consideram que o relatório indicado no artigo 17.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, se aplica também aos procedimentos especiais para a determinação do Estado membro responsável.

Em sentido contrário ao da citada jurisprudência do STA e no sentido ao defendido no presente caso, vide os Acórdãos do STA, de 11/01/2019, Proc. n.º 0538/18.3BELSB; de 30/05/2019, Proc. n.º 0970/18.2BELSB e de 11/07/2019, Proc. n.º 01403/18.0BELSB.

Neste último aresto do STA, no Acórdão de 11/07/2019, Proc. n.º 01403/18.0BELSB, decidiu-se que no procedimento especial para a determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional os direitos de audiência e de defesa podem exercer-se no momento da entrevista, não se aplicando a exigência do artigo 17.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, de elaboração de um relatório.

No Acórdão de 30/05/2019, Proc. n.º 0970/18.2BELSB (que tem uma declaração de voto), julgou-se o seguinte: “Da análise do quadro normativo e diplomas convocados ressalta que no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional não resulta uma expressa ou uma concreta previsão de um direito de defesa/audiência conferido ao requerente, ao invés do que decorre do regime procedimental comum previsto, nomeadamente, nos arts. 16.º, 17.º e 17.º-A da Lei n.º 27/2008 ainda em sede da fase de controlo liminar do pedido de proteção internacional e previamente à emissão da decisão fundamentada sobre os pedidos infundados e inadmissíveis [cfr. arts. 19.º a 20.º do mesmo diploma] e, depois, no art. 29.º, n.º 2 da referida lei após decurso da fase de instrução do procedimento e antes de emissão da decisão final de concessão ou de recusa de proteção internacional [arts. 21.º, 27.º a 29.º], nas situações em que havia sido proferida decisão liminar de admissibilidade do pedido de proteção internacional, e, bem assim, no art. 24.º, n.º 2, da mesma lei para o regime especial referente aos pedidos apresentados nos postos de fronteira. (…) A questão da preterição do direito de audiência no quadro dos procedimentos relativos aos pedidos de proteção internacional não é nova neste Supremo Tribunal, tendo o mesmo afirmado a necessidade de observância daquele direito e para tal fazendo apelo à aplicação, mormente, do disposto no citado art. 17.º da Lei n.º 27/2008 [cfr. os Acs. de 18.05.2017 - Proc. n.º 0306/17, de 04.10.2017 - Proc. n.º 01727/17.BELSB e de 20.12.2018 - Proc. n.º 0275/18.9BELSB (quanto à aplicabilidade do referido preceito também no quadro do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional); vide, ainda, o Ac. de 28.03.2019 - Proc. n.º 01143/18.0BELSB (quanto à aplicabilidade do mesmo normativo no quadro do procedimento comum relativo aos pedidos de proteção internacional);, todos consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário]. 29. Consideramos ser de manter o entendimento de que no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional se deve observar o direito de audiência. 30. Motivando e explicitando nosso juízo temos que o princípio da audiência prescrito, no plano interno, nos arts. 121.º e segs., do CPA, enquanto princípio estruturante de cada procedimento administrativo, assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no art. 12.º do mesmo código, e surge na sequência e em cumprimento da diretriz constitucional inserta no art. 267.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, constituindo uma manifestação do princípio do contraditório/defesa através da possibilidade não só do confronto dos critérios da Administração com os dos administrados de modo a poderem ser obtidas plataformas de entendimento, mas, também, da possibilidade de estes apontarem razões e fundamentos, quer de facto quer de direito, que invalidem o caminho que a Administração intenta percorrer e levem a que outro seja o sentido da decisão, na certeza de que o seu afastamento, ou a sua dispensa, exigem que a concreta situação tenha ou encontre enquadramento na previsão do art. 124.º do CPA. 31. Por sua vez, temos, também, que, no plano do direito da União, o princípio do respeito dos direitos de defesa constitui um seu princípio geral e fundamental [hoje consagrado nos arts. 48.º e 49.º da CDFUE e, também, no art. 41.º da mesma Carta] e que é aplicável sempre que a Administração se proponha adotar, relativamente a uma pessoa, um ato lesivo dos seus interesses, sendo que, por força do mesmo princípio, os destinatários de decisões que afetam de modo sensível os seus interesses devem ter a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os elementos com base nos quais a Administração tenciona tomar a sua decisão, na certeza de que esta obrigação incumbe às Administrações dos Estados-Membros, sempre que estas tomem decisões que entram no âmbito de aplicação do direito da União, e mesmo que a legislação da União aplicável não preveja expressamente essa formalidade [cfr. entre outros, os Acs. do TJUE de 28.03.2000, «Krombach» (C-7/98, § 42), de 18.12.2008, «Sopropé» (C-349/07, §§ 33, 36 e 49), de 22.11.2012, «M.» (C-277/11, §§ 49, 81 a 83, 86/87), de 18.07.2013, «Comissão e o./Kadi» (C-584/10 P, C-593/10 P e C-595/10 P, §§ 98 e 99), de 10.09.2013, «G. e R.» (C-383/13 PPU, §§ 32 e 35), de 03.07.2014, «Kamino International Logistics» (C-129/13, §§ 28 e 29), de 05.11.2014, «Mukarubega» (C-166/13, §§ 43 a 47, 49/50), de 11.12.2014, «Boudjlida» (C-249/13, §§ 30 a 37, 39/40), de 17.12.2015, «WebMindLicenses» (C-419/14, § 84 e jurisprudência referida), e de 09.11.2017, «Ispas» (C-298/16, § 26), todos consultáveis in: «https://curia.europa.eu/jcms/jcms/j_6/pt/» - sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos daquele Tribunal sem expressa referência em contrário]. 32. Atente-se que o sentido e o entendimento sustentados quanto à necessidade de observância do direito de audiência e de defesa, encontram fundamentação, também, no que se mostra expresso nos considerandos 17.º a 19.º do Reg. (UE) n.º 604/2013, quando ali se refere, nomeadamente, que «[o]s Estados-Membros deverão ter a possibilidade de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade, em especial por razões humanitárias e compassivas, a fim de permitir reunir membros da família, familiares ou outros parentes, e de analisar um pedido de proteção internacional que lhes tenha sido apresentado, ou a outro Estado-Membro, mesmo que tal análise não seja da sua responsabilidade nos termos dos critérios vinculativos previstos no presente regulamento» e que «[d]everá ser realizada uma entrevista pessoal com o requerente a fim de facilitar a determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional. Logo que o pedido de proteção internacional seja apresentado, o requerente deverá ser informado da aplicação do presente regulamento e, para facilitar o processo de determinação do Estado-Membro responsável, da possibilidade de, durante a entrevista, facultar informações acerca da presença de membros da família, de familiares ou de outros parentes nos Estados-Membros», bem como de que a fim de garantir a proteção efetiva dos direitos das pessoas em causa «deverão ser previstas garantias legais e o direito efetivo de recurso contra as decisões de transferência para o Estado-Membro responsável, nos termos, nomeadamente, do artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A fim de garantir o respeito do direito internacional, o direito efetivo de recurso contra essas decisões deverá abranger a análise da aplicação do presente regulamento e da situação jurídica e factual no Estado-Membro para o qual o requerente é transferido». 33. E o mesmo sentido perpassa expresso no considerando 25.º da Diretiva n.º 2013/32/UE [disciplinadora dos procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional] onde se pode ler que «[p]ara que seja possível identificar corretamente as pessoas que necessitam de proteção enquanto refugiados na aceção do artigo 1.º da Convenção de Genebra ou enquanto pessoas elegíveis para proteção subsidiária, os requerentes deverão ter acesso efetivo aos procedimentos, a possibilidade de cooperarem e comunicarem devidamente com as autoridades competentes de forma a exporem os factos relevantes da sua situação e garantias processuais suficientes para defenderem o seu pedido em todas as fases do procedimento», a que «[a]cresce que o procedimento de apreciação de um pedido de proteção internacional deverá normalmente proporcionar ao requerente, pelo menos, o direito de permanecer no território na pendência da decisão do órgão de decisão, o acesso aos serviços de um intérprete para apresentação do caso se for convocado para uma entrevista pelas autoridades, a oportunidade de contactar um representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e organizações que prestem aconselhamento aos requerentes de proteção internacional, o direito a uma notificação adequada da decisão, a fundamentação dessa decisão em matéria de facto e de direito, a oportunidade de recorrer aos serviços de um advogado ou outro consultor e o direito de ser informado da sua situação jurídica nos momentos decisivos do procedimento, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, bem como, no caso de uma decisão de indeferimento, o direito a um recurso efetivo perante um órgão jurisdicional». 34. Ora presente os quadros principiológico e normativo acabados de explicitar entendemos que o direito de audição/defesa do aqui A. no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional, ainda que não expressamente previsto no regime procedimental definido no art. 37.º da Lei n.º 27/2008, deve ter-se, todavia, como imposto e de ser exigida a sua observância no seu seio, sob pena de infração dos comandos/princípios e normativos convocados. 35. Atente-se que quando as condições em que deve ser assegurado o respeito dos direitos de defesa dos nacionais de países terceiros em situação irregular não se mostram fixadas de modo expresso pelo direito da União essas condições e suas consequências terão, tal como constitui jurisprudência do TJUE, de ser regidas pelo direito nacional, desde que as medidas adotadas neste sentido sejam equivalentes àquelas de que beneficiam os particulares em situações de direito nacional comparáveis [princípio da equivalência] e não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos de defesa conferidos pela ordem jurídica da União [princípio da efetividade] [cfr., entre outros, os Acs. de 18.12.2008, «Sopropé» (C-349/07, § 38), de 18.03.2010, «Alassini» (C-317/08 e C-320/08, § 49), de 19.05.2011, «Iaia e o..» (C-452/09, § 16), de 10.09.2013, «G. e R.» (C-383/13 PPU, § 35), de 05.11.2014, «Mukarubega» (C-166/13, § 51), e de 11.12.2014, «Boudjlida» (C-249/13, § 41)]. 36. Neste quadro e enquadramento temos que o respeito pelo direito a ser ouvido ou de audição cumprir-se-á se fizermos uma leitura articulada do art. 16.º da Lei n.º 27/2008, respeitante à tomada de declarações/entrevista, com o art. 05.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, também ele relativo à entrevista pessoal do requerente do pedido de proteção internacional e onde se prevê a possibilidade de o «resumo» da entrevista assumir a forma de «relatório» ou de um «formulário-tipo» e em que cada Estado-Membro terá de assegurar que o requerente e/ou o seu advogado ou outro conselheiro que o represente tenham «acesso ao resumo em tempo útil». 37. E dessa leitura articulada e conjugada ressalta a imposição, também, no quadro do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional, e em que a referida entrevista constitui ato procedimental ou pelo menos peça documental, que ao requerente, na entrevista/relatório ou após a mesma e chegada da resposta do Estado requerido, o mesmo tenha sido ouvido, ou lhe tenha sido dada a possibilidade de produzir defesa, de emitir ou tomar posição, quanto à decisão a tomar em decorrência da aceitação ou de uma eventual aceitação da responsabilidade pelo Estado requerido da tomada ou retoma a cargo, explicitando, nessa sede da entrevista ou até mesmo em momento posterior à mesma, a sua motivação sobre o Estado-Membro que entende dever apreciar o pedido pelo mesmo formulado, mediante a alegação ou explicitação daquilo que constitui a sua situação jurídica e factual no Estado-Membro para o qual o requerente é transferido, conferindo-se-lhe, assim, a possibilidade de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade, em especial por razões humanitárias e compassivas, tudo tendo presente o regime que resulta definido, mormente, nos arts. 03.º, 05.º, 07.º, 17.º, e 24.º, todos do Regulamento (UE) n.º 604/2013, 02.º, n.º 5, e 121.º, ambos do CPA, e 267.º, n.º 5, da CRP. 38. No contexto de desenvolvimento e articulação dos procedimentos e questões nos mesmos debatidas temos que, de harmonia com o atrás referido e quadro normativo convocado, deve ser dada ao destinatário da decisão lesiva dos seus interesses a possibilidade de, antes de a mesma ser tomada, apresentar as suas observações ou invocar determinados elementos relativos à sua situação pessoal que militam num determinado sentido da decisão a ser proferida, ou a não o ser ou a ter determinado conteúdo, de modo a permitir que a autoridade competente tenha utilmente em conta todos os elementos pertinentes no momento em que e com que sentido vai decidir. 39. Com efeito, resulta do art. 05.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013 em conjugação com o art. 16.º da Lei n.º 27/2008 que a entrevista pessoal/tomada de declarações «deve realizar-se em tempo útil e, de qualquer forma, antes de ser adotada qualquer decisão de transferência do requerente para o Estado-Membro responsável» e que o Estado-Membro que realiza a entrevista pessoal/tomada declarações «deve elaborar um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista», sendo que esse resumo «pode ser feito sob a forma de um relatório ou através de um formulário-tipo», impondo-se ao mesmo Estado-Membro o dever de assegurar que, quanto a esse resumo, «o requerente e/ou o seu advogado ou outro conselheiro que o represente tenha acesso … em tempo útil», diligências/procedimentos e exigências que se ancoram na necessidade de observância do dever de audiência e de defesa com o alcance definido e que estão presentes, inclusive, nas situações que no art. 05.º do mesmo Regulamento justificam a dispensa da entrevista, pois, mesmo nessas situações se impõe, ou se exige, que o Estado-Membro dê «ao requerente a oportunidade de apresentar novas informações relevantes para se proceder corretamente à determinação do Estado-Membro responsável antes de ser adotada uma decisão de transferência do requerente para o Estado-Membro responsável nos termos do artigo 26.º, n.º 1». 40. Cumpre referir que, ainda que segundo a jurisprudência assente do TJUE [cfr., entre outros, os Acs. de 18.03.2010, «Alassini» (C-317/08 e C-320/08, § 63), de 10.09.2013, «G. e R.» (C-383/13 PPU, § 33), de 26.09.2013, «Texdata Software» (C-418/11, § 84), de 05.11.2014, «Mukarubega» (C-166/13, §§ 53/54), e de 11.12.2014, «Boudjlida» (C-249/13, § 43)] «os direitos fundamentais, como o respeito dos direitos de defesa, não constituem prerrogativas absolutas, mas podem comportar restrições, na condição de estas responderem efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não constituírem, à luz da finalidade prosseguida, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos» e de que «a existência de uma violação dos direitos de defesa deve ser apreciada em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto» [cfr., nomeadamente, os Acs. de 25.10.2011, «Solvay/Comissão» (C-110/10 P, § 63), e de 05.11.2014, «Mukarubega» (C-166/13, §§ 53/54)], nomeadamente, «da natureza do ato em causa, do contexto em que foi adotado e das normas jurídicas que regem a matéria em causa» [vide, entre outros, os Acs. do TJUE de 18.07.2013, «Comissão e o./Kadi» (C-584/10 P, C-593/10 P e C-595/10 P, § 102), de 10.09.2013, «G. e R.» (C-383/13 PPU, § 33), e de 05.11.2014, «Mukarubega» (C-166/13, § 54)], temos que, na concreta situação sub specie, presente a jurisprudência do TJUE relativa ao respeito dos direitos de audição/defesa e o quadro normativo do direito da União, mormente, o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, e, bem assim, o próprio quadro normativo no plano interno, não se descortina que dos mesmos se extraia, em função de outros princípios e interesses gerais que importasse considerar, a existência de um concreto propósito ou intenção de afastamento ou de restrição neste tipo de procedimento daqueles direitos. 41. Reiterado, pois e à luz da motivação ora exposta, o entendimento deste Supremo quanto à imposição de observância do direito de audiência no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional com o âmbito e alcance que ora se mostra explicitado [cfr. arts. 03.º, 05.º, 07.º, 17.º, e 24.º, todos do Regulamento (UE) n.º 604/2013, 02.º, n.º 5, e 121.º, ambos do CPA, e 267.º, n.º 5, da CRP] e revertendo ao caso sub specie temos que, analisada a matéria de facto apurada [cfr. n.ºs I) a IV)] e tendo presente aquilo que constitui o teor do procedimento administrativo desenvolvido, mormente o teor da entrevista/auto de declarações realizado ao A. e que se mostra documentado no «PA» incorporado nos autos [vide fls. 39/97 dos presentes autos, especialmente, fls. 62/66], ao A. não foi facultada ou conferida, nem em sede de entrevista/declarações [«auto de declarações»] nem posteriormente às mesmas, qualquer possibilidade de contraditório/defesa ou de pronúncia quanto à decisão ou eventual decisão a tomar no quadro do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional pelo mesmo formulado, permitindo-lhe alegar ou explicitar aquilo que constitui a sua situação jurídica e factual no Estado-Membro para o qual o mesmo será eventualmente transferido, e a possibilidade de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade, em especial o apelo ao regime derrogatório respeitante às «cláusulas discricionárias» [cfr. art. 17.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013], mormente, por razões humanitárias e compassivas, razão pela qual se mostra infringido tal direito/princípio consagrado no quadro normativo supra convocado, padecendo o ato impugnado da ilegalidade de preterição do direito de audiência que resulta invocada nos autos.”.

Assim, com base nas razões antecedentes, entende-se que no procedimento especial de determinação do Estado membro responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional, não se aplica o artigo 17.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, não sendo exigível a elaboração do relatório aí indicado, não obstante deverem ser assegurados os direitos de audiência e de defesa do requerente de proteção internacional, o que no presente caso se verifica por via da entrevista que foi feita ao requerente e por se terem efetivado tais direitos no âmbito desta entrevista, ao lhe ser transmitido a retoma a cargo de Itália e a sua respetiva pronúncia.

Esta diligência procedimental, nestes casos, é suficiente para o cumprimento do direito de audiência do requerente e para o exercício da sua defesa, que, nessa mesma medida não se consideram violados.

Termos em que, em face de todo o exposto, procedem nesta parte as conclusões do recurso, incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento de direito quanto à interpretação e aplicação do artigo 17.º da Lei de Asilo, o qual, ao contrário do decidido, não se considera aplicável e, consequentemente, violado.

2. Erro de julgamento, por ao procedimento especial de retoma a cargo se prescindir da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional, nos termos do artigo 19.º-A, n.º 2 da Lei de Asilo

No demais, põe ainda a Entidade Demandada, ora Recorrente, em crise a legalidade da decisão recorrida no tocante às exigências colocadas ao nível da instrução do processo, por entender que no procedimento especial de retoma a cargo se prescindir da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional, nos termos do artigo 19.º-A, n.º 2 da Lei de Asilo.

Entende o Recorrente que as autoridades nacionais portuguesas estão dispensadas de proceder à instrução do pedido de proteção internacional, por ser outro o Estado responsável, pelo que, não existe o défice instrutório imputado à decisão impugnada.

Tanto mais que alega que seria inútil, porque não se vai analisar o mérito do pedido, prevendo o artigo 19.º-A, n.º 2 da Lei de Asilo que se prescinde da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.

Vejamos.

O pedido de proteção internacional em causa nos presentes autos foi considerado inadmissível à luz do disposto no artigo 19.º-A, n.º 1, a) da Lei de Asilo, por se ter apurado que o pedido está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV da citada Lei.

Estabelece o artigo 19.º-A, n.º 2 da Lei de Asilo que nos casos previstos no número anterior, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.

É com base nesta disposição que a Entidade Demandada, ora Recorrente, entende estar dispensada da instrução do pedido.

Em sentido contrário se decidiu na sentença recorrida.

Com razão, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/06 e da correta interpretação do disposto no artigo 19.º-A, n.º 2 da Lei de Asilo.

Não obstante a controvérsia jurisprudencial da questão de direito aqui colocada, existindo arestos do STA divergentes sobre a matéria, não se desconhecendo o recente Acórdão do STA, de 16/01/2020, Processo n.º 02240/18.7BELSB, que se debruça sobre a matéria, no sentido de que “Apenas em casos devidamente justificados, ou seja, naqueles casos em existam motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes e que tais falhas implicam o risco de tratamento desumano ou degradante, nomeadamente por envolver tortura, é que se impõe ao Estado em causa diligenciar pela obtenção de informação actualizada acerca da existência de risco de o requerente ser sujeito a esse tipo de tratamentos;”, consideramos que no presente caso existem motivos válidos para questionar as atuais condições de acolhimento no primeiro país de asilo, o que impõe ao Estado português a obrigação de obter informação atualizada.

O artigo 3.º do Regulamento (EU) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/06, dispõe o seguinte:

1. Os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.

2. Caso o Estado-Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado-Membro em que o pedido tenha sido apresentado.

Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.

Caso não possa efetuar-se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado-Membro designado com base nos critérios estabelecidos no Capítulo III ou para o primeiro Estado-Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável passa a ser o Estado-Membro responsável.”.

Também nos termos do artigo 18.º, n.º 1, d), do mesmo diploma se prevê que “O Estado-Membro responsável por força do presente regulamento é obrigado a (…) retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 29.º, o nacional de um país terceiro ou o apátrida cujo pedido tenha sido indeferido e que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência”.

No artigo 23.º, n.º 1, do Regulamento – com inserção sistemática na secção III relativa aos “Procedimentos aplicáveis aos pedidos de retomada a cargo” – estatui-se que “Se o Estado-Membro ao qual foi apresentado um novo pedido de proteção internacional pela pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), considerar que o responsável é outro Estado-Membro, nos termos do artigo 20.º, n.º 5, e do artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), pode solicitar a esse outro Estado-Membro que retome essa pessoa a seu cargo”.

O artigo 25.º do mesmo diploma estabelece – sob a epígrafe “Resposta a um pedido de retomada a cargo” – o seguinte:

1. O Estado-Membro requerido procede às verificações necessárias e toma uma decisão sobre o pedido de retomar a pessoa em causa a cargo o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, dentro do prazo de um mês a contar da data em que o pedido foi recebido. Quando o pedido se baseie em dados obtidos através do sistema Eurodac, o prazo é reduzido para duas semanas.

2. A falta de uma decisão no prazo de um mês ou no prazo de duas semanas referidos no n.º 1 equivale à aceitação do pedido, e tem como consequência a obrigação de retomar a pessoa em causa a cargo, incluindo a obrigação de tomar as providências adequadas para a sua chegada”.

O presente caso situa-se no âmbito do subprocedimento de determinação da responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional, o qual tem enquadramento nas normas dos artigos 37.º, n.º 2, e 38.º da Lei de Asilo e nos artigos 3.º, 18.º, n.º 1, alínea d), e 25.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.

Conforme resulta da factualidade apurada, a Entidade Demandada considerou o Estado Italiano responsável pela análise do pedido de proteção internacional formulado pelo Autor com base nas ocorrências registadas na base de dados do Sistema Eurodac e na ausência de resposta das autoridades italianas ao pedido de retoma a cargo, no prazo a que alude o artigo 25.º, n.º 1, in fine, do citado Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, omitindo totalmente qualquer informação sobre a situação atual de acolhimento dos refugiados e requerentes de proteção internacional em Itália.

Como decidido na sentença recorrida, não obstante a Entidade Demandada alegar a inexistência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália, do ato impugnado não constam quaisquer dados relativos à atual situação de Itália.

Não só o artigo 58.º do CPA, prevê, em geral, o princípio do inquisitório – impondo que o responsável pela direção do procedimento e os outros órgãos que participem na instrução, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, procedam a quaisquer diligências que se revelem adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que respeitantes a matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados –, como esse dever de averiguação das condições de acolhimento existe especificamente, nos termos prescritos no artigo 3.º do citado Regulamento de Dublin.

Por isso, à luz do referido artigo 3.º do Regulamento de Dublin, se existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.

A factualidade dada como provada no julgamento de facto da sentença recorrida permite extrair elementos, baseados na informação veiculada pela comunicação social, nacional e internacional e o trabalho desenvolvido por várias Organizações Não Governamentais, sobre a situação de grande afluência de refugiados em Itália e sobre as condições de acolhimento e permanência dos requerentes de proteção internacional naquele Estado-Membro.

Incumbia à Entidade Demandada, previamente à decisão ora impugnada, instruir oficiosamente o procedimento, com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e sobre as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional naquele território, recorrendo a fontes credíveis como o Gabinete Europeu de Apoio de Asilo (EASO), o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, de molde a verificar se, no caso concreto, se verificam ou não motivos determinantes da impossibilidade da transferência, referidos no 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 3.º do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.

Neste sentido, o tem decidido este Tribunal Central Administrativo Sul, como nos Acórdãos de 06/06/2019, Proc. n.º 2240/18.7BELSB e de 22/08/2019, Proc. n.º 1982/18.1BELSB.

À mesma interpretação se chega se considerarmos a correta aplicação do disposto no artigo 19.º-A, n.º 2 da Lei de Asilo, no sentido de que o procedimento especial de retoma a cargo dispensa a análise das condições a reunir pelo requerente de proteção internacional, o que não se confunde com a análise das condições de acolhimento no Estado responsável pela retoma a cargo.

O que significa que quer o Regulamento de Dublin, quer a lei nacional de asilo não dispensam as autoridades de verificar se existem garantias suficientes de que a pessoa não será sujeita a um risco sério de sujeição a tratamentos contrários ao disposto no citado artigo 3.º no país de acolhimento, nomeadamente um risco de refoulement, direta ou indiretamente, para o seu país de origem, pois se assim não fosse estaria em causa o próprio Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA).

Neste sentido o decidiu o Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão de 21/12/2011, Processos apensos C-411/10 e C-493/10, que “incumbe aos Estados-Membros, incluindo os órgãos jurisdicionais nacionais, não transferir um requerente de asilo para o “Estado-Membro responsável”, na acepção do Regulamento n.º 343/2003, quando não possam ignorar que as falhas sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado-Membro constituem razões sérias e verosímeis de que o requerente corre um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na acepção desta disposição”.

Não obstante se apurar ser outro o Estado responsável pela análise dos requisitos para a concessão da proteção internacional requerida, impõe-se a obrigação de os Estados-membros ponderarem todas as informações conhecidas sobre o país considerado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, de molde a aferir se existem, no caso, motivos que justifiquem a decisão de não transferência, nomeadamente, a existência de um risco real, direto ou indireto, de o requerente ser sujeito a tratamento desumano ou degradante.

Como a decisão impugnada nada refere sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e das condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional nesse Estado-Membro, tal como consta da decisão recorrida, incorre em défice de instrução quanto aos factos essenciais à decisão de transferência e, por conseguinte, à decisão de (in)admissibilidade do pedido de proteção internacional formulado.

O disposto no artigo 19.º-A, n.º 2 da Lei de Asilo apenas se refere às condições ou requisitos a preencher pelo requerente para beneficiar da proteção internacional, não se referindo a nada mais do isso, pelo que, não pode servir para sustentar a dispensa da instrução colocada pelo artigo 3.º do Regulamento de Dublin III sobre o funcionamento do sistema de asilo e as condições de acolhimento no Estado determinado responsável.

O artigo 19.º-A, n.º 2 da Lei de Asilo não se refere à análise das condições sistémicas do Estado de acolhimento, porque estas não respeitam às condições a preencher pelo requerente para beneficiar do estatuto de proteção internacional, antes dizendo respeito às condições a preencher pelos Estados membros.

Donde, a circunstância de se apurar no procedimento administrativo ser um outro Estado o responsável pela análise do pedido de proteção internacional, nos termos do procedimento de retoma a cargo, não isenta o Estado em que o pedido de proteção internacional foi apresentado de analisar se esse Estado responsável pela retoma reúne as condições para acolher o requerente de asilo.

Por conseguinte, a transferência do requerente de proteção internacional para o indicado Estado responsável, determinado no âmbito do procedimento de retoma a cargo, fica dependente de não se configurar ocorrer uma situação em que possam existir motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado membro responsável pela apreciação do pedido, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante.

Por outras palavras, a decisão de transferência do requerente de proteção internacional para o primeiro Estado responsável, que termina com uma decisão de inadmissibilidade, fundada naquela mesma razão, nos termos dos artigos 19.º-A, n.º 1, al a) e 20.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, tem como pressuposto a análise prévia de que nesse Estado não existem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado, o que, no caso, não foi feito pela Entidade Demandada.

Pelo que, nos termos e com as razões antecedentes, não assiste razão ao Recorrente quanto aos fundamentos do recurso em análise, sendo nesta parte de manter a sentença recorrida e, consequentemente, a anulação da decisão impugnada.


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Termos em que, será de negar provimento ao recurso interposto, por não obstante não se manter a decisão recorrida no tocante ao dever de audiência do interessado, por nesta parte procederem as conclusões do recurso, no demais não assiste razão ao Recorrente, improcedendo o recurso quanto ao défice de instrução, pelo que, em consequência, mantém-se a decisão de anulação do ato impugnado.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A Lei n.º 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, prevê no artigo 19.º-A, n.º 1, a), que o pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV;

II. Sendo outro Estado o primeiro país de asilo, o Estado português está dispensado de analisar da pretensão do interessado.

III. Ao procedimento especial de determinação do Estado membro responsável pela análise do pedido não é aplicável o artigo 17.º, n.ºs 1, 2 e 3 da Lei de Asilo, não se impondo a elaboração do relatório aí previsto, sendo a participação do requerente de proteção internacional assegurada através da realização da entrevista e da transmissão da intenção da tomada de decisão de ser outro o Estado membro responsável pela análise do pedido e da transferência do requerente, e da consequente possibilidade de o requerente se pronunciar, manifestando a sua concordância ou discordância com a retoma a cargo por outro Estado, assim se respeitando os direitos de audiência e de defesa.

IV. No procedimento especial de determinação do Estado membro responsável o artigo 19.º-A, n.º 2 da Lei de Asilo dispensa a análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional, mas não dispensa a análise das condições sistémicas relativas ao Estado de retoma, referentes à atual situação das condições de acolhimento nesse Estado.

V. Nos termos do artigo 3.º do Regulamento de Dublin recai sobre as autoridades nacionais o ónus de instrução sobre as condições do procedimento de asilo e as condições de acolhimento no Estado membro responsável pela apreciação do pedido, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida na parte em que procedeu à anulação da decisão impugnada com base no défice de instrução e na condenação à reinstrução do pedido de proteção internacional.

Sem custas – artigo 84º da Lei n.º 27/2008, de 30/06.

Registe e Notifique.

(Ana Celeste Carvalho - Relatora)




(Pedro Marchão Marques)
[voto vencido]




(Alda Nunes)





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DECLARAÇÃO DE VOTO

Votei vencido quanto à solução propugnada pelo acórdão, no sentido de determinar ao SEF uma melhor instrução do pedido de protecção internacional, a qual, de acordo com a tese que logrou vencimento, se impunha oficiosamente.

A situação dos autos não é distinta daquela que relatei no acórdão de 10.12.2019, proc. nº 1383/19.4BELSB, no qual se concluiu que: “de acordo com a Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso de uma decisão de transferência ou de uma decisão que declara um novo pedido de protecção internacional inadmissível dispõe de elementos apresentados pelo requerente para demonstrar a existência do risco de um trato desumano ou degradante no outro Estado-Membro, esse órgão jurisdicional deve apreciar a existência de deficiências, sistémicas ou generalizadas, ou que afectem certos grupos de pessoas. Contudo, tais deficiências só são contrárias à proibição de tratamento desumano ou degradante se tiverem um nível particularmente elevado de gravidade, que depende do conjunto dos dados da causa.

E a situação dos autos é, aliás, em tudo idêntica à tratada no recentíssimo acórdão do STA de 16.01.2020, proc. n.º 2240/18.7BELSB, em que estava igualmente em questão a retoma a cargo pelo Estado Italiano. Neste acórdão concluiu-se:

I - Apenas em casos devidamente justificados, ou seja, naqueles casos em existam motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes e que tais falhas implicam o risco de tratamento desumano ou degradante, nomeadamente por envolver tortura, é que se impõe ao Estado em causa diligenciar pela obtenção de informação actualizada acerca da existência de risco de o requerente ser sujeito a esse tipo de tratamentos;

II - A imigração ilegal, que ocorre por muitos e variados motivos, visando todos eles a melhoria das condições de vida do imigrante, não se pode confundir simplesmente com a situação do refugiado. Este, que em sentido amplo não deixa de ser imigrante, busca refúgio em país estrangeiro por recear, com razão, ser perseguido no seu país de origem em consequência de actividade exercida em favor da democracia, da liberdade social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, ou em virtude da sua raça, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social”.

Ou seja, a premissa de que parte o acórdão de que a decisão de transferência do requerente de protecção internacional para o primeiro Estado responsável tem como pressuposto a análise prévia de que nesse Estado não existem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado, salvo o devido respeito, não tem acolhimento na lei (ou pelo menos não o tem com o grau de injuntividade pretendido).

No caso concreto dos autos, face ao que vem evidenciado, nada mais se impunha ao SEF.

Neste pressuposto, concederia provimento ao recurso, revogaria a sentença recorrida e julgaria a acção improcedente.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2020


Pedro Marchão Marques