Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01693/06
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:10/23/2014
Relator:ESPERANÇA MEALHA
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR; ACESSO À INTERNET; PROTEÇÃO DADOS PESSOAIS; CONFIDENCIALIDADE COMUNICAÇÕES; MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Sumário:I – Não é nulo o acórdão que, embora tenha utilizado uma técnica remissiva no alinhamento dos factos provados (remetendo para a reprodução integral dos documentos aí identificados), posteriormente, e sempre que necessário, concretizou tal remissão, nomeadamente através da identificação e parcial transcrição do conteúdo de tais documentos, na parte que foi considerada determinante para a apreciação das diversas questões sob julgamento.
II – A gravação em disquete, e posterior utilização como prova em processo disciplinar, dos denominados “Internet Temporary Files”,demonstrativos da utilização de um computador da escola para acesso a sites de teor pornográfico, não consubstancia uma situação que se inclua no âmbito da proteção de dados pessoais ou que configure a interceção ou gravação de uma qualquer conversação ou comunicação. Nem constitui um caso de acesso, pela entidade patronal/escola, a registos de atividade na internet inserida na esfera da vida privada do trabalhador/professor, mas antes, a utilização de um computador da escola para fins alheios à escola e proibidos pelos deveres funcionais inerentes às funções desempenhadas.
III - Ao considerar provados os factos em que assentou o ato disciplinar impugnado, o acórdão recorrido não enfrentou qualquer questão que pudesse ou devesse ser resolvida por via das regras da repartição do ónus da prova (artigos 342.º e s. do CCiv), que, como é sabido, não têm a ver com o julgamento de facto, mas sim com a questão de direito de saber em que sentido deve o tribunal decidir no caso de não se provarem determinados factos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, 2.º Juízo, do Tribunal Central Administrativo Sul


I. Relatório
C……vem interpor recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 26.01.2006,que julgou improcedente a ação administrativa especial, intentada pelo Recorrente contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (atualmente, Ministério da Educação e Ciência), na pedia, além do mais, a anulação do despacho da Diretora Regional de Educação do Centro, de 06.04.2004, que lhe aplicou a pena de inatividade graduada em um ano.
O Recorrente conclui as suas alegações como se segue:
1. O acórdão, posto em crise, em sede de fundamentação de facto não discriminou qualquer facto, provado ou não provado, não formulou ou declarou a sua motivação quanto à factualidade em discussão nos autos, pelo que carecido em absoluto de fundamentação, viola o art. 205.°, n°1 da CRP, os arts. 158°, 1, 653°, n°2, 659° todos do CPC e, como tal, é nulo nos termos do 668°, n°1, al. b) do mesmo diploma aplicável ex vi art. 1.° do CPTA.
2. Do mesmo passo o acórdão é nulo nos termos do art.660°, n°2 e 668°, n.°1, a. d) do CPC e 95°, n°2 do CPTA, porquanto o Ilustre Colectivo deixou de se pronunciar sobre uma questão que devia apreciar, concretamente, uma das causas de pedir reportadas à invalidade do acto relativa à falta de pressupostos reais correspondentes aos da lei, para a verificação da base legal para a Administração actuar.
3. Efectivamente, o Recorrente invocou como causa de pedir, entre outras, o vício de fim, invocando que não fez pesquisas sobre pornografia, mas sim sobre educação sexual em meio escolar e que, nesse âmbito, inadvertidamente abriu páginas de tal teor por desconhecer o conteúdo, mas que de imediato fechou. Em virtude desse facto operou-se a abertura espontânea dos chamados "pop-ups" abrindo-se sucessivamente janelas do mesmo conteúdo, de outras entidades concorrentes, que se sobrepunham umas às outras, chegando a surgir 15 a 20 vezes, de que resultou a imediata criação dos respectivos ficheiros temporários que se alojam no Temporary Internet Files (os chamados "cookies") - factos alegados sob os arts. 28.°, 30.°, 31.° da p.i. e reiterados nas alegações escritas e suas conclusões.
4. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre os factos alegados pelo Recorrente, não os deu como não provados e não fundamentou porque razão seriam despiciendos para a causa, sendo que, no entender do Recorrente, se trata de matéria relevante para a decisão correcta e ponderada da causa de acordo com as várias decisões de direito plausíveis para o caso.
5. Pelo que deverá ser declarado nulo o acórdão, produzida a prova requerida pelo Recorrente e realizado o respectivo julgamento de facto e de direito.
6. Na falência das invocadas nulidades do acórdão, o que não se concede, sempre o acórdão está ferido de erro de julgamento pelo que deve ser revogado.
7. Em primeiro lugar, errou o Tribunal a quo quando julgou improcedente a nulidade invocada pelo Recorrente relativa à prova constante do processo instrutor e à forma de obtenção da mesma.
8. Considerou o Tribunal que o que está em causa não é o acesso a dados pessoais, mas a utilização de um computador da escola para fins diferentes dos previstos. Entendeu, ainda, que a recolha para uma disquete dos ficheiros temporários não se trata de um registo de dados. Concluindo que não está em causa um tratamento de dados pessoais em que tenha sido violada a Lei de Protecção de Dados Pessoais.
9. O Mm.° Colectivo de Juízes fez uma errada subsunção dos factos ao direito. Na verdade, entende o Recorrente que os dados em causa, enquanto dados de tráfego e de conteúdo, são dados pessoais na acepção do art. art. 3.° ai. a) da Lei de Protecção de Dados Pessoais (tal como assim o entende a Fundação para a Computação Científica Nacional a fls. 200 e 201 do processo disciplinar e a própria Comissão Nacional de Protecção de Dados - cfr. doc. 1 ora junto).
10. Assim, in casu, considera o Recorrente que se está perante uma recolha e tratamento de dados pessoais na acepção da al. b) do art. 3.° da Lei de Protecção de Dados Pessoais, que, como tal, está submetida às disposições deste diploma.
11. A recolha e tratamento de tais dados devia estar legitimada pela observância do preceituado na Lei de Protecção de Dados Pessoais, concretamente, autorização e notificação da Comissão Nacional de Protecção de Dados, antes do tratamento.
12. A entidade recorrida não fez prova nos autos da prévia legitimação de tal recolha, pelo que se verifica que tal recolha viola desde logo o mencionado diploma, concretamente, os arts. 2°, 4°, 5°, 6°, 7°, 10°, n°1, 13°, 27°, 28°, entre outros, sendo certo que o citado normativo sanciona ao nível contra -ordenacional e criminal a sua infracção.
13. Pelo que, não tendo a entidade recorrida feito prova nos autos de que a recolha e tratamento de tais dados estivesse legitimada pela observância do preceituado na Lei de Protecção de Dados Pessoais, o acórdão incorre em erro de julgamento ao assentar a sua decisão em prova obtida com violação da Lei de Protecção de Dados Pessoais.
14. Do mesmo passo, contrariamente ao explanado no acórdão sobre a noção de telecomunicações, entende o Recorrente que está em causa o sigilo e a confidencialidade das telecomunicações, consagrado tanto no art.17°, n°2 da Lei 91/97 de 1 de Agosto, Lei de Bases das Telecomunicações, como no art. 5°, n°1 e 2 da Lei n°69/98, de 28 de Outubro, lei que regula o tratamento dos dados pessoais e a protecção da privacidade no sector das telecomunicações (actualmente revogada pela Lei 41/2004, de 18 de Agosto, que mantém a mesma garantia no art. 4.°).
15. Assim, errou o Ilustre Colectivo ao não julgar nula a prova obtida por esta via, cuja aquisição ocorreu mediante intromissão na vida privada e nas telecomunicações, em violação dos arts. 26.°, 34.°, 1 e 4 da CRP, como tal, ferida de nulidade por via do art. 32.°, n°8 da CRP e, igualmente, do art. 126.°, n.° 3 do CPP por violação dos arts. 187.°, 188.°, 189.°, 190.° e 269°. n.°1, al. c) do mesmo diploma.
16. Se o Insigne Colectivo não tivesse incorrido em erro de julgamento quanto à invocada nulidade teria, igualmente, de considerar as suas consequências na restante prova - o chamado efeito-à-distância - e, assim, como resulta da análise do n°1 do art.122.° do CPP, teria de desconsiderar, porque proibida a sua valoração, a prova testemunhal contida no processo instrutor, motivo pelo qual entende o Recorrente que não podem os depoimentos ser valorados dado estarem feridos de nulidade.
17. Face ao exposto, considera o Recorrente que não há prova válida que sustente o acto sancionatório, facto que o Tribunal devia ter reconhecido.
18. Devia ainda o Tribunal recorrido ter considerado nulo o acto impugnado porquanto ofensivo do conteúdo essencial de direitos fundamentais consagrados no art. 26°, 32°, n° 8, 34°, nº1 e 4, 35°, n° 3, 4 e 6 e art. 37° da CRP, dado que no seu procedimento foram violentamente postergados aqueles direitos, constitucionalmente garantidos, do Recorrente e de todos os que utilizaram aquele equipamento, o que se projecta no acto principal invalidando-o - neste sentido Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, in Código do Procedimento Administrativo, Almedina, 1997, p. 647.
19. Entende o Recorrente que ao abrigo do art.149° do CPTA, atentos os poderes de cognição do Tribunal ad quem, deveria a Comissão Nacional de Protecção de Dados ser consultada no sentido de esclarecer se os dados em causa devem ser considerados dados pessoais e se o tratamento em causa é lícito face à Lei de Protecção de Dados Pessoais.
20. Sem prescindir, e a não serem atendidos os fundamentos supra alegados, errou igualmente o Ilustre Tribunal ao não considerar a acusação nula por ser vaga e imprecisa. Foi imputada ao Recorrente a realização de pesquisas na Internet, durante o ano lectivo de 2001/2002, num computador, cuja utilização não era exclusiva do Recorrente, tendo sido, inclusivamente, instaurados processos de averiguações e disciplinares contra outros docentes que também tinham acesso ao equipamento, como se alcança do relatório do processo de averiguações constante do processo administrativo junto aos autos. As exigências de uma descrição circunstanciada dos factos são substancialmente acrescidas!
21. A responsabilização do Recorrente pela "factualidade" constante nos pontos 1.1, 1.2 e 1.4 do libelo, cuja descrição é omissiva quanto às circunstâncias de modo, tempo e demais aspectos individualizadores da pretensa infracção, consubstancia uma preterição da audiência do Recorrente levando à nulidade consequencial insuprível, por falta de audiência do arguido, nos termos do art. 42°, n°1 e 59°, n° 4 do ED, o que não tendo sido reconhecido pelo Tribunal a quo representa uma errada interpretação e aplicação da lei.
22. Quanto à prova e sua apreciação o Tribunal a quo, como supra se invocou, não julgou ele próprio a matéria de facto, mas tomou como sua a apreciação da prova feita no âmbito do processo administrativo.
23. Andou mal o Tribunal a quo ao não considerar que existe erro na apreciação da prova produzida em sede de processo disciplinar e erro na qualificação dos pressupostos de facto, os quais, não correspondendo aos da lei, implicam a falta de base legal para a aplicação da pena concretamente imposta ao Recorrente porque, na verdade, nenhuma prova resulta dos autos que permita concluir que o Recorrente voluntariamente fez pesquisas a sites de teor pornográfico, assim utilizando indevidamente o equipamento da escola.
24. O acórdão recorrido sustenta a fIs. 21, em resposta à alegação de que não foi feita prova que sustente a acusação, que é o próprio Recorrente a referir que enquanto fazia pesquisas sobre educação sexual que se abriram janelas com conteúdo de natureza pornográfica. Salvo o devido respeito, o Recorrente não admitiu em momento algum que voluntariamente tenha usado o computador para pesquisas pornográficas, pelo que errou o Tribunal ao considerar como provado, porque admitido pelo Recorrente, que o mesmo fez pesquisas a páginas de pornografia.
25. Não obstante o requerimento de prova pericial feito pelo Recorrente logo com a sua petição inicial, o Insigne Juiz da causa decidiu não ser necessária a produção de mais prova. Sendo certo que, o Recorrente alegou factos integrativos de uma das causas de pedir, que sustentam a impugnação unitária do acto administrativo posto em crise, concretamente a falta de pressupostos de facto correspondentes aos da lei para que a Administração estivesse legitimada a actuar.
26. Pelo exposto, considera o Recorrente que decorre dos autos uma insuficiência factual para a boa decisão da causa em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito em violação do art. 90° do CPTA, como tal, deve o acórdão ser anulado e produzida a necessária prova. Entende o Recorrente que foi violado o princípio da investigação (do inquisitório ou da verdade material), uma vez que não constam dos autos todos os factos necessários para a decisão, atendendo aos factos integrantes da causa de pedir invocada pelo Recorrente constante nos arts. 28°, 30° e 31° da p.i.
27. A ser outro o entendimento, o que só por mero dever de patrocínio se concede, considera o Recorrente que o Ilustre Colectivo de Juízes aplicou de forma incorrecta as regras sobre a repartição do ónus da prova. O "ónus" da prova no processo administrativo, entendido em sentido objectivo, vai depender da situação processual das partes, mas terá de determinar-se, na ausência de norma expressa, de acordo com um quadro de normalidade concreto ou típico, construído com base nas regras específicas do domínio da vida em causa e nos princípios próprios do direito administrativo.
28. Assim, não pode pedir-se ao autor, por sistema, a prova dos factos constitutivos da sua pretensão de anulação (desde logo e, por exemplo a prova da não verificação dos pressupostos legais da prática do acto), de modo a caber à Administração apenas provar as excepções invocadas. Tal equivaleria na prática à pura e simples invocação da "presunção de legalidade do acto administrativo", fazendo recair sobre o particular o ónus da prova (subjectivo) da ilegalidade do acto impugnado.
29. Deve, pelo contrário, levar-se em conta, em geral, para a construção do quadro de normalidade que há-de servir de paradigma normativo para a distribuição das responsabilidades probatórias, a sujeição da Administração aos princípios da legalidade e da juridicidade e, pelo menos, no que respeita aos actos desfavoráveis o dever de fundamentação. Há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva, portanto deve ser a Administração a suportar a desvantagem de não ter sido feita prova da verificação dos pressupostos legais que permitem à Administração agir com autoridade (pelo menos quando produza efeitos desfavoráveis para os particulares).
30. Tratando-se de casos em que estão em causa actos sancionatórios deve ter-se em conta o princípio in dubio pro reo.
31. No concreto caso que nos ocupa não resultaram provados os pressupostos legais da actuação da Administração. Não resulta dos autos prova cabal que o Recorrente tenha feito voluntariamente um uso do equipamento para outros fins, acedendo a sites na internet de conteúdo pornográfico durante o seu horário de trabalho, dentro da sala de aula, tendo existido crianças que viram mulheres nuas, e que com essa actuação tenha atentado contra a dignidade e prestígio da função. Sendo certo que, como vimos de expor tal ónus da prova incumbia, pela positiva, à Administração,
32. Não resultou provada matéria que permita imputar com segurança a conduta ao Recorrente, pelo que em obediência ao principio in dúbio pro reo devia o Tribunal a quo ter anulado o acto impugnado, o que ao não ter ocorrido no acórdão recorrido configura um erro de julgamento da matéria de facto e de direito.
33. A ser outro o entendimento quanto à prova produzida, o que só por mero dever de patrocínio de concede, considera o Recorrente que o acto impugnado sofre de vícios determinam a sua invalidade, os quais não foram reconhecidos pelo Ilustre Tribunal a quo.
34. Entendeu o Digníssimo Colectivo de Juízes que o acto recorrido também não padece do alegado vício de falta de fundamentação, dado que as razões invocadas na informação n°369/04 são suficientes e congruentes.
Porém o acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação da lei.
35. No entender do Recorrente o acto impugnado sendo um acto que impõe uma sanção, desde logo, a determinação dos seus pressupostos é caracterizada por um momento de discricionaridade, concretamente, na integração de conceitos imprecisos cuja definição demanda um momento criativo, pelo que, deve ser fundamentado por força do art.124°, n°1, al. a) do CPA. Pelo que, o agente administrativo está obrigado a apor ao acto administrativo uma declaração na qual demonstre a verificação em concreto dos pressupostos abstractamente definidos na lei, tal declaração é a denominada justificação que é um dos elementos que constitui a fundamentação.
36. Contudo, do acto recorrido não se retira que elementos em concreto integram o segmento do nº1 do art.25° do ED, que constitui uma cláusula geral que exige que o procedimento atente contra a dignidade e prestígio do funcionário ou agente ou da função. A alínea g) do citado artigo exemplifica uma conduta susceptível de desencadear a aplicação de uma pena de inactividade, no entanto, esse comportamento deve passar sempre pelo crivo do n°1, ou seja, deve atentar gravemente contra a dignidade e prestígio do funcionário ou da função.
37. Na decisão, objecto da acção administrativa especial, não foram enunciados os factos que integram esta cláusula geral e que sustentaram a opção pela aplicação desta sanção em concreto. Dada a discordância face à proposta do Senhor Inspector as exigências de fundamentação são acrescidas, o que não foi observado no acto recorrido.
38. É que a não verificação efectiva de factos que provem que a conduta atenta gravemente contra a dignidade e prestígio do funcionário ou da função, implica o não preenchimento da hipótese do art.25° concluindo-se pela sua não aplicação, razão pela qual devia ter sido anulado o acto pelo Tribunal a quo.
39. Por outro lado, e ainda em sede de fundamentação, foi feita tábua rasa da defesa apresentada pelo Recorrente, o que, tendo em consideração o cariz punitivo da actuação administrativa, assume particular relevo constituindo uma situação de falta de fundamentação.
40. O presente acto enferma, ainda, de vícios reportados ao conteúdo e à decisão, com efeito, a sanção concretamente aplicada mostra-se, também, violadora dos princípios que devem reger toda a actividade administrativa, concretamente, o princípio da legalidade, justiça, proporcionalidade, e, ainda, do princípio geral da racionalidade.
41. Sobre o aspecto da violação dos princípios da legalidade, justiça e proporcionalidade entendeu o Ilustre Colectivo de Juízes que os referidos princípios não foram postergados, dada a correcta subsunção dos factos à norma e à comprovada culpa do Recorrente, apreciada na óptica da experiência do homem médio.
42. Salvo o devido respeito, incorreu em erro de julgamento o Tribunal a quo, pois, se por um lado não foi integrada com factos a cláusula geral do art.25° nº1 do ED, nem se alcança que a pesquisa de elementos na Internet sobre Educação Sexual seja uma utilização indevida do equipamento para efeitos de preenchimento da al. g) do citado normativo, não se verificando esteio para a aplicação da estatuição prevista naquele normativo, nem sequer se afiguram vilipendiados os objectivos do sistema educativo plasmados no art. 10°, n°2 do Estatuto da Carreira Docente.
43. Por outro lado, o art. 28° ED estabelece os critérios que devem ser tidos em conta na determinação da medida concreta da pena, ora, no caso em apreço, não foi dada qualquer relevância à análise do grau de culpa do agente, pois, a esse respeito nada é dito, nem quanto à personalidade do mesmo resultante da prova produzida em sede de defesa, a propósito os depoimentos das testemunhas arroladas pela mesma.
44. Pelo que, e tendo em conta o supra alegado quanto ao não preenchimento da hipótese do art.25° do ED e do art.10° n°2 do Estatuto da Carreira Docente, encontra-se violado o princípio da legalidade, que é não só limite mas também pressuposto da actividade administrativa.
45. Resultou igualmente violado o princípio da legalidade, porquanto a análise do elemento subjectivo da infracção foi postergada, dado que não foi respeitado o princípio da culpa, pressuposto e limite da pena. O Recorrente é punido com base num dolus in reipsa e não porque se tenha provado a culpa.
46. Não há culpa da parte do Recorrente seja na forma de dolo ou de negligência. A negligência consiste numa omissão de um dever objectivo de cuidado, sendo também necessário "que o agente possa ou se/a capaz segundo as circunstâncias do caso e as suas capacidades pessoais, de prever ou de prever correctamente a realização do tipo legal de crime" neste sentido Eduardo Correia, Direito Criminal I. p. 477, e. Cavaleiro Ferreira, Lições, p. 189 e ss.
Como prever a abertura espontânea de pop-ups?!
47. Ainda que de negligência se tratasse nunca estaria preenchido o art. 25° do Estatuto, seguimos o entendimento de Castro Neves ( in rev. do M.P., n.°20, p. 23 e ss.) no sentido de que o cometimento por negligência de qualquer infracção constante das alíneas do art.25° deve ser punida com uma pena inferior à prevista nesse normativo. No mesmo sentido, Vinício Ribeiro in Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos, Comentado.
48. Mesmo admitindo que a acusação tinha obtido prova cabal, o que não se concede, é manifesta a desproporção entre os factos e a decisão, sendo que o Tribunal devia ter feito tal sindicância controlando a conformidade entre a actividade da Administração e os fins que a justificam. O princípio da proporcionalidade demanda o princípio da "justa medida" na prossecução do interesse público, com vista a evitar o excessivo encargo para a esfera jurídica dos administrados, e uma relação de adequação entre meio e fim.
49. No actual direito disciplinar, constante do Estatuto Disciplinar, funciona para as penas o princípio da taxatividade e quanto às faltas ou infracções mantém-se a tradição legislativa de não tipicizar a ilicitude dos factos. O preenchimento da cláusula geral do art. 25°, n°1 deve ser concretizada pela Administração com margem de liberdade, mas vinculada pelos princípios de vinculação ao fim, da imparcialidade, justiça e proporcionalidade, parâmetros que devem ser respeitados pela actividade decisória.
50. Entende o Recorrente que a pena aplicada excede manifestamente a gravidade da falta, existindo por isso erro manifesto por parte da autoridade administrativa, sendo que não se verificando em concreto o preenchimento da cláusula geral do nº1 do art.25º do ED, nem da al. g) do mesmo preceito, nem sequer do art.10°, 2, al. i) do Estatuto da Carreira Docente, foram violados os referido normativo e os princípios que regem a actividade administrativa.
Erro manifesto que o Tribunal a quo devia ter sindicado concluindo pela anulação do acto.
51. O Recorrente é docente há cerca de vinte e dois anos, tendo prestado pelo menos vinte anos de serviço com exemplar comportamento e zelo, circunstância atenuante especial que não foi sequer atendida para a determinação da pena e que, a nosso ver, deveria ter sido considerada para efeitos de aplicação do art.30° do Estatuto (atenuação extraordinária).
52. A pena aplicada ao Recorrente é desproporcionada e infamante, abstrai-se por inteiro da Humanidade que deve estar subjacente a qualquer sanção!
*
O Recorrido contra-alegou, concluindo o seguinte:
1. A prova colhida, designadamente quanto à natureza dos sites visitados, é válida, por não estar em causa a privacidade do autor enquanto utilizador de internet.
2. Tal validade decorre não só do modo como a prova foi colhida, sem que resulte de uma devassa da Administração, mas antes de um acesso espontâneo ao registo que se encontrava sem reserva ou qualquer protecção.

3. Como decorre da irrazoável utilização do serviço de internet, atendendo ao conteúdo da função do autor e das suas particulares responsabilidades como professor de crianças de tenra idade, não sendo deste modo irrazoável, desproporcionada ou inadequada a acção da Administração levada a cabo.

4. Por ter tido em conta todos os aspectos relevantes, invocados nos articulados e nas alegações, o Douto Acórdão recorrido é válido, evidencia clara garantia de atendimento dos direitos do autor enquanto arguido em processo disciplinar e corresponde aos desígnios de interesse público sempre presentes em casos como o aqui controvertido.
5. A prova colhida é suficiente à sustentação da acusação formulada em processo disciplinar.
6. A acusação é portadora de suficiente discriminação dos factos, em termos de tempo, de modo e de lugar e contém os demais elementos necessários à sua validade formal.

7. É adequada a medida da pena aplicada e o despacho punitivo atendeu a todos os parâmetros, fixando-a no limite mínimo da pena aplicável em abstrato.
8. Os registos que foram copiados em disquete referem-se a visitas de internet e não se confundem com registos de cokie ou pop ups.
9. O despacho punitivo encontra-se fundamentado de facto e de direito, a pena é adequada aos factos praticados, sendo o reflexo da ponderação de todas as circunstâncias relevantes capazes de influenciar a sua medida.

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O tribunal a quo pronunciou-se sobre as nulidades invocadas, defendendo a sua improcedência.
O representante do Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
O Recorrente respondeu, reiterando os fundamentos do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Questões a decidir
As extensas conclusões das alegações de recurso dificultam a identificação, com o rigor exigível, das questões objeto do recurso, até porque os diversos problemas suscitados nem sempre correspondem a questões materialmente distintas, antes repetindo os mesmos argumentos que, no essencial, se baseiam em dois vetores principais (e, cumpre sublinhar, algo contraditórios): de um lado, que a prova em que se baseou o processo disciplinar e, consequentemente, o acórdão recorrido, é nula porque a recolha do histórico de navegação na internet viola a proteção de dados pessoais e o sigilo e confidencialidade das telecomunicações; do outro, que a pesquisa efetuada nesse computador da escola sobre “sexo” ou “sexualidade” resultou de um erro, pois o Recorrente pretendia pesquisar sites sobre “educação sexual”, ou foi acidental, por ser causada pela abertura espontânea de “pop-ups”.
Não obstante, é possível delimitar o objeto do recurso às nulidades e erros de julgamento que a seguir se enunciam, pela ordem pela qual vêm invocados:
a) Nulidades do acórdão, por falta de discriminação dos fundamentos de facto e de direito e por omissão de pronúncia, por não ter conhecido uma das questões invocadas para sustentar a invalidade do ato impugnado, concretamente, o “vício de fim”;
b) Erros de julgamento quanto à prova, respeitantes à nulidade da prova constante do processo instrutor, à omissão de diligências probatóriasem tribunal e à repartição do ónus da prova;
c) Erro de julgamento quanto aos vícios do ato recorrido de falta de fundamentação e de violação de lei;
d) Erro de julgamento quanto à desproporcionalidade da medida da pena aplicada.
São estas as questões de que cumpre conhecer.
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III. Factos
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. O Autor é professor do quadro distrital de vinculação do 1.° Ciclo do ensino básico;
2. Através de despacho datado de 5 de Abril de 2003 a Directora Regional de Educação do Centro, mandou instaurar processo disciplinar ao Autor, na sequência de processo de averiguações (fls. 4 do PA - vol-I);
3. Foi deduzida Acusação a fls. 224-226 do PA -vol. II, que aqui se dá como inteiramente reproduzido;
4. O Autor apresentou a sua defesa a fls. 263-2270 do PA vol. II , que aqui se dá como inteiramente reproduzida;
5. Foi elaborado relatório final a fls. 282-293 do PA- vol II, que aqui se dá como inteiramente reproduzida;
6. Por Despacho datado de 6 de Abril de 2004, prolatado na informação n° 369/04, que aqui se dá como inteiramente reproduzida, a Diretora Regional de Educação do Centro aplicou ao Autor a pena disciplinar de inatividade graduada em um ano (fls. 75 e sgs);
7. O Autor recorreu hierarquicamente da pena aplicada ( doc. anexo à pi e que aqui se dá como inteiramente reproduzido);
8. Por Despacho de 12 de Julho de 2004, do Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa ( doc. n°1 anexo à pi), foi indeferido o recurso hierárquico referido em 7.
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IV. Direito
a) Nulidades do acórdão
O Recorrente afirma que o acórdão recorrido não discriminou qualquer facto, provado ou não provado, nem formulou ou declarou a sua motivação quanto à factualidade em discussão, sendo carecido em absoluto de fundamentação.
Sem razão.
É evidente, pela simples leitura do acórdão recorrido, que o mesmo contém fundamentação de facto e de direito, separada em capítulos autónomos e que, no respeitante à matéria de facto, enuncia e individualiza com clareza os elementos probatórios (documentais) em que se baseou para considerar cada facto como assente ou provado. Além disso, embora o acórdão recorrido tenha utilizado uma técnica remissiva no alinhamento dos factos provados, remetendo para a reprodução integral dos documentos (constantes dos autos ou do processo administrativo) aí identificados, o certo é que tal remissão é posteriormente, e por diversas vezes, concretizada no arrazoado fundamentador da decisão, nomeadamente através da identificação e parcial transcrição do conteúdo de tais documentos, na parte que foi considerada determinante para a apreciação das diversas questões sob julgamento (cfr., por exemplo, os pontos 3.-I e II do acórdão).
É quanto basta para considerar cumprido o disposto no artigo 94.º/1 e 2 do CPTA e não verificada a invocada nulidade.
Também não assiste razão ao Recorrente quando alega uma nulidade por omissão de pronúncia, por considerar que o tribunal a quo não apreciou, nem de facto nem de direito, uma das causas de pedir da invalidade do ato, concretamente, o “vício do fim”, que teria sido alegado pelo Recorrente, segundo o qual as pesquisas que fez na internet, através do computador da escola, não foram sobre “pornografia”, mas sim sobre “educação sexual” e que, nesse âmbito, inadvertidamente abriu páginas de tal teor por desconhecer o seu conteúdo, que de imediato fechou e nessa altura se operou a abertura espontânea dos chamados “pop ups”, que abriram sucessivas janelas e resultaram na criação de ficheiros que se alojam no “Temporary Internet Files” (ou “cookies”).
Por um lado, resulta da leitura da petição inicial que tal “vício de fim” não foi autonomamente suscitado, enquanto tal, o que, só por si, o retirava do universo de questões que o tribunal estava obrigado a apreciar (cfr. artigo 660.ºdo CPC, na versão anterior à Lei n.º 41/2013, à data em vigor, correspondente ao atual artigo 608.º). Por outro lado, e ainda que assim não fosse, verifica-se que o acórdão recorrido não deixou de analisar a factualidade referente aos “Temporary Internet Files”, que foram gerados pela utilização que o aqui Recorrente fez do computador da escola (e que o próprio acaba por não negar), tendo considerado tal matéria de facto por assente, por remissão para o relatório final do processo disciplinar e para os documentos do processo administrativo identificados ao longo da decisão, e tendo concluído, além do mais, que a “constatação de que um computador tem alojado determinados Temporary Internet files, (…) só por si provam que o referido computador foi utilizado para fins diferentes do que estava previsto.” (cfr. ponto 2.1.-5. dos factos provados e ponto3.-I. do acórdão).
Por último, a teoria do Autor/Recorrente de que o acesso a tais sites resultava de um “engano” ou de um efeito de “pop ups” foi rebatida pelo acórdão recorrido da seguinte forma: “oAutor acedeu a sites pornográficos através de um computador da escola onde prestava serviço, tendo tal facto sido visualizado por algumas crianças que frequentavam essa mesma escola. Ora, perante tais factos e fazendo a sua subsunção ao artigo 25° n° 1) alínea g) do Estatuto Disciplinar, não se vê onde possam ter sido violados os princípios invocados nomeadamente o princípio dalegalidade, da justiça e da proporcionalidade. Por outro lado também não vemos como pode o Autor afirmar que agiu sem culpa, dado que, segundo refere, o acesso aos sites constantes da acusação teria sido meramente involuntário, resultando de uma pesquisa sobre educação sexual e da abertura de "pop-ups".// Ora, verifica-se pela experiência de qualquer homem médio que o acesso a sites como os referidos na acusação "ww.pornogound.com/ e www.sexofixe.hpg.ig.com.br/" não têm nada a ver com educação sexual, mas sim com pornografia, e o aparecimento dos "pop-ups" só acontece quando se acede a esses mesmos sites. Por outro lado também não colhe a afirmação doAutor de que procedia de imediato ao encerramento dos referidos sites, porquanto, se assim fosse, não teria sido possível que duas crianças o tivessem visto com imagens desse cariz no ecrã.” (cfr. ponto III do acórdão recorrido).
Resta dizer que o próprio Recorrente se contradiz na invocada “omissão de pronúncia”, uma vez que, como veremos (na alínw b), infra), a questão do caráter (in)voluntário do acesso a tais sites, é precisamente uma das questões colocadas, pelo Recorrente, em sede dos erros de julgamento imputados ao acórdão recorrido.
Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, se conclui pela não verificação das nulidades invocadas, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.
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b) Erros de julgamento quanto à prova
O Recorrente começa por suscitar um erro de julgamento consubstanciado na circunstância de o tribunal recorrido ter considerado válida a prova constante do processo administrativo, quando, no entender do Recorrente, tal prova foi obtida ilegalmente, quer em violação das regras constantes da Lei de Proteção de Dados Pessoais, quer em violação do sigilo e confidencialidade das telecomunicações consagrado na Lei de Base das Telecomunicações, com a consequente violação das garantias constitucionais de proteção da vida privada e das telecomunicações. Assim, no entender do Recorrente, o processo disciplinar não continha qualquer prova válida, uma vez que a restante prova, designadamente a testemunhal, estava igualmente inquinada pelo chamado “efeito à distância”.
A este respeito, o acórdão recorrido deu como provado que, no âmbito do apoio técnico prestado a um dos computadores da escola onde o Recorrente lecionava, por um funcionário da Câmara Municipal da Figueira da Foz, verificou-se, através do conteúdo do “Temporary Internet Files” que o mesmo servira para aceder a sites (sítios eletrónicos na internet) de natureza pornográfica e que, a fim de formatar o disco, o dito funcionário copiou esses ficheiros para uma disquete, tendo sido com base nesta disquete que, em processo de averiguações, se concluiu que através do referido computador, colocado na Escola do 1.º CEB de A…., se tinha acedido a sites de conteúdo pornográfico e, posteriormente, em sede de processo disciplinar, se conclui que durante o ano letivo de 2001/2002 (concretamente, no dia 06.12.2001, pelas 12.22h) o Recorrente, enquanto professor na dita escola tinha efetuado pesquisas de sites pornográficos na internet, na sala de aulas, no período em que se encontrava na Escola e dentro do seu horário letivo (8.00h-13.00h).
Com base nestes factos, o acórdão recorrido considerou que o que estava em causa era a “utilização de um computador da escola para fins diferentes dos previstos, através do acesso a determinados sites da internet e não o acesso a quaisquer dados pessoais” e, por isso, a situação em causa não implicava o tratamento de “dados pessoais”, sendo insuscetível de violar a Lei de Proteção de Dados Pessoais (Lei n.º 69/98, de 28 outubro). Mais concluiu que, não tendo o Autor provado que podia utilizar o computador da escola para fins privados, também não nos encontrávamos no âmbito da Recomendação da CNPD, de 29.10.2002, referente ao controlo, pela entidade patronal, do registo dos telefonemas, emails ou acessos à internet para fins privados dos trabalhadores. A decisão recorrida salientou, ainda, que o facto decisivo na acusação e punição disciplinar do Autor/Recorrente foi o “alojamento” de “Temporary Internet Files” demonstrativo do acesso, em horário escolar a tais sites, o que, só por si, era revelador da utilização do computador da escola para fins estranhos às funções e “nada tem a ver com a confidencialidade a que os operadores de rede e os prestadores de serviço de internet estão obrigados”.
Ora, este fundamento determinante – o de que a situação em causa não se inclui no âmbito da proteção de dados pessoais e que não está em causa a interceção ou gravação de uma qualquer conversação ou comunicação– não foi minimamente rebatido pelo Recorrente no presente recurso,onde se limita a reiterar que a situação está submetida às disposições da Lei de Proteção de Dados Pessoais, por força do disposto no seu artigo 3.º/b). Na medida em que o Recorrente não invoca qualquer argumento em sentido contrário ao fundamento que foi ratio decidendi nesta parte, forçoso é desde logo concluir pela improcedência do alegado.
Contudo, sempre se dirá que o acórdão recorrido não padece de qualquer erro de julgamento quando concluiupela inexistência de nulidade na recolha da prova que instruiu o procedimento disciplinar em causa, antes se mostrando devidamente fundamentado no entendimento de que a situação dos autos não recai sob a alçada da Lei de Proteção de Dados ou sob o sigilo e confidencialidade das telecomunicações. Na verdade, não estava aqui em causa o acesso, pela entidade patronal/escola, a registos de atividade na internet inserida na esfera da vida privada do trabalhador/professor, mas antes, e pelo contrário, a utilização, pelo dito professor, de um computador da escola para fins alheios à escola e, mais grave, para fins legalmente proibidos, atenta a natureza e os deveres inerentes às funções letivas desempenhadas e a faixa etária dos alunos da escola em causa. Sobre casos idênticos, embora ocorridos em contexto de contrato individual de trabalho (privado), a jurisprudência tem salientado, precisamente, que o acesso a sites pornográficos constitui uma violação do dever laboral de não utilizar o computador da entidade patronal para fins alheios à empresa (cfr., por exemplo, o Acórdão do TRLx, 02.04.2003, P. 0099564).
Em suma, andou bem o tribunal recorrido quando concluiu pela não verificação de qualquer nulidade no que se refere à recolha da prova no processo disciplinar (gravação em disquete dos “Temporary Internet Files” registados no computador da escola), nomeadamente, por não estar em causa um situação regida pela lei de proteção de dados pessoais ou pelas disposições (legais e constitucionais) relativas à interceção e gravação de comunicações.
Resta dizer que ainda que, por mera hipótese de raciocínio, se admitisse a invalidade da prova constante da citada disquete, sempre essa circunstância não seria de molde a afetar a restante prova recolhida no processo disciplinar, designadamente o testemunho dos alunos que, durante o intervalo da manhã, viram o Recorrente a utilizar o computador para “ver mulheres nuas”.
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Em segundo lugar, o Recorrente considera que o tribunal recorrido errou ao não ter considerado que a acusação no processo disciplinar era nula, por ser vaga e imprecisa. Mais uma vez sem razão.
Como cabalmente ficou demonstrado no acórdão recorrido (cfr. ponto 3.-II do acórdão), a acusação disciplinar continha uma descrição suficiente e circunstanciada dos factos imputados ao arguido, nomeadamente o dia e a hora (06.12.2001, pelas 12.22h) em que o Recorrente acedeu aos sites de conteúdo pornográfico e quais os sites em causa ("ww.pornogound.com/ e www.sexofixe.hpg.ig.com.br/") e que em “três terças-feiras do ano letivo de 2001/2002, cuja data não foi possível precisar, durante o intervalo da manhã, utilizou o computador para ver mulheres nuas, imagens que foram vistas por alunos”.
Ou seja, não só a acusação se mostra devidamente circunstanciada no tempo, no espaço e no modo de realização dos factos, como é certo que o teor da acusação não impediu o Autor/Recorrente de identificar corretamente os factos que lhe eram imputados, como é revelado pelo próprio teor da petição inicial e do presente recurso.
Pelo que, também nesta parte, deve o acórdão recorrido ser confirmado.
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Em terceiro lugar, o Recorrente alega que o tribunal a quo andou mal ao não considerar que existia um erro na apreciação da prova produzida em sede de processo disciplinar e erro na qualificação dos pressupostos de facto, por não haver prova que sustentasse que o Recorrente voluntariamente fez pesquisas a sites de teor pornográfico e, concretamente, por o tribunal ter considerado como provado que o Recorrente admitiu que voluntariamente tinha utilizado o computador para pesquisa de páginas de pornografia, quando o Recorrente não admitiu tal facto em momento algum.
De novo não assiste razão ao Recorrente.
Por um lado, a questão suscitada não corresponde a uma verdadeira impugnação, em sede de recurso, da matéria de facto provada, que o Recorrente nem sequer identifica devidamente. Por outro lado, contrariamente ao alegado, o que consta do acórdão recorrido (ponto 3.-III. do acórdão) é uma ponderação dos vários depoimentos constantes do processo disciplinar, incluindo o do próprio arguido, aqui Recorrente, da qual se extrai a conclusão de que o ato disciplinar impugnado não fez uma errada valoração da prova, nomeadamente, quando conclui que o Recorrente utilizou o computador para aceder a sites de tipo pornográfico, ou seja, nas palavras do próprio Recorrente “acedia a alguns sítios e acontecia por vezes abrirem-se janelas com conteúdos pornográficos”. No demais, a questão do caráter voluntário da atuação é de novo convocada pelo Recorrente a propósito da apreciação do elemento da culpa, pelo que se remete para o que a seguir se decide a esse respeito.
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Em quarto lugar, não procede a arguição de que o tribunal recorrido omitiu diligências probatórias necessárias, uma vez que o Recorrente – que, sublinhe-se, em momento algum impugnou o despacho proferido a fls. 129 dos autos, que indeferiu a prodição de nova prova, com fundamento em desnecessidade da mesma – se limita (cfr. conclusões 24. a 26.) a invocar vagamente a necessidade de produção de mais prova, sem qualquer referência concretizadora que permita aquilatar dessa indispensabilidade, não havendo, por isso, qualquer fundamento para a peticionada anulação do acórdão recorrido.
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Finalmente, o Recorrente imputa ao acórdão recorrido a errada aplicação das regras de repartição do ónus da prova. Contudo, tal alegação não tem fundamento legal, pois o sentido do acórdão foi o de considerar provados os factos em que assentou o processo disciplinar e o ato disciplinar impugnado, não chegando, por isso, a suscitar-se qualquer problema que pudesse ou devesse ser resolvido por via das regras do ónus da prova (artigos 342.º e s. do CCiv), que, como é sabido, não têm a ver com o julgamento de facto, mas sim com a questão de direito de saber em que sentido deve o tribunal decidir no caso de não se provarem determinados factos.Por razões idênticas, não havia lugar à convocação do princípio in dubio pro reo, por não haver qualquer “dúvida” que pudesse ou devesse ser resolvida dessa forma.
Termos em que se conclui pela não verificação dos referidos erros de julgamento relativos à prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.
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c) Erro de julgamento quanto aos vícios do ato recorrido de falta de fundamentação e de violação de lei
Alega o Recorrente que o acórdão recorrido errou quando decidiu que o ato disciplinar impugnado não padecia do vício de falta de fundamentação, uma vez que este ato não enunciou os fatos que integram a cláusula geral, vertida no artigo 25.º/1 do Estatuto Disciplinar (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, em vigor à data), que exige que a conduta suscetível de desencadear a aplicação da pena de inatividade seja atentatória da “dignidade e prestígio do funcionário ou agente ou da função”; e que, no caso, as exigências de fundamentação eram acrescidas, por haver discordância relativamente à proposta do Inspetor, tendo também sido feita “tábua rasa” da defesa apresentada pelo Recorrente. Na conclusão 42. do recurso, afirma o Recorrente que “não foi integrada com factos a cláusula geral do art.25° nº1 do ED, nem se alcança que a pesquisa de elementos na Internet sobre Educação Sexual seja uma utilização indevida do equipamento para efeitos de preenchimento da al. g) do citado normativo, não se verificando esteio para a aplicação da estatuição prevista naquele normativo, nem sequer se afiguram vilipendiados os objectivos do sistema educativo plasmados no art. 10°, n°2 do Estatuto da Carreira Docente.
É manifesta a insustentabilidade de tal alegação.
Como se refere no acórdão recorrido, na parte em que se apreciou a alegada falta de fundamentação do ato impugnado, este “baseou-se na informação n.° 369/04 (n.° 6 do probatório), que fez uma apreciação exaustiva de todo o procedimento disciplinar referindo, nomeadamente, que deve ser aplicada a pena de inactividade ao Autor dado que ficou provado no processo que o " arguido fez uso do computador para outros fins, acedendo a sites na Internet de conteúdo pornográfico durante o seu horário de trabalho, dento da sala de aula, tendo existido crianças que viram mulheres nuas, o que configura também, um procedimento gravemente atentatório da dignidade e do prestígio do funcionário e essencialmente da sua função".” O que significa que não apenas o ato assenta numa fundamentação clara, suficiente e coerente, vertida na referida Informação n.º 369/04, como os atos praticados pelo Recorrente foram valorados nos termos e para os efeitos do disposto no citado artigo 25.º do ED, em termos que não oferecem qualquer dúvida: não apenas se considerou preenchida a alínea g) do seu n.º 2 (utilização de bens da Administração para fim diferente daquele a que se destinam), como se enquadrou a situação no n.º 1 daquele preceito, por ser considerado atentatório da dignidade e prestígio do funcionário e da sua função um comportamento consistente em um professor de uma escola básica aceder a sites de teor pornográfico, no computador da escola, durante o período letivo, tendo tal acesso sido parcialmente visionado por alunos. Neste ponto lembra que a elevação moral e dignidade de caráter exigíveis a qualquer servido do Estado são, por maioria de razão, impostas a quem é professor, atenta a função de desenvolvimento cultural e ético que lhe está adstrita, bem expressa nos deveres gerais do pessoal docente, explanados no artigo 10.º/2 do Estatuto da Carreira Docente.
Foram, por isso, clara e suficientemente explicitados os factos integradores das referidas “cláusulas gerais” do artigo 25.º do ED e, em suma, suficientemente fundamentado o ato impugnado.
Também não colhe o argumento de que o acórdão recorrido errou ao não considerar violado o princípio da legalidade, porque, segundo o Recorrente, não era possível prever a abertura de “pop ups” pelo que não pode tal comportamento ser-lhe imputado a título de “culpa” (dolo o negligência). Neste ponto, cumpre apenas lembrar e aqui reiterar a seguinte passagem do acórdão recorrido: “verifica-se pela experiência de qualquer homem médio que o acesso a sites como os referidos na acusação "ww.pornogound.com/ e www.sexofixe.hpg.ig.com.br/" não têm nada a ver com educação sexual, mas sim com pornografia, e o aparecimento dos "pop-ups" só acontece quando se acede a esses mesmos sites. Por outro lado também não colhe a afirmação do Autor de que procedia de imediato ao encerramento dos referidos sites, porquanto, se assim fosse, não teria sido possível que duas crianças o tivessem visto com imagens desse cariz no ecrã.” É quanto basta para concluir que os comportamentos em causa são fundadamente imputáveis ao Recorrente, a título de culpa.
Pelo exposto, não merece qualquer reparo o acórdão recorrido quanto julgou improcedentes os vícios de falta de fundamentação e de violação de lei.
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d) Erro de julgamento quanto à desproporcionalidade da medida da pena aplicada
Finalmente, o Recorrente considera que o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento quanto à proporcionalidade da sanção concretamente aplicada, defendendo que a pena aplicada excede a gravidade da falta e salientando que é docente há cerca de vinte e dois anos, tendo prestado pelo menos vinte anos de serviço com exemplar comportamento e zelo, o que constitui uma atenuante especial que não foi atendida.
No acórdão recorrido considerou-se que não ocorreu violação do disposto nosartigos 29.º e 30.º do ED, pelo facto de não ter sido atendida como circunstância especial atenuante “a prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo”, pois, embora o Autor/Recorrente tivesseaquele tempo de serviço, não resultou provado que nesse período tivesse tido um “exemplar comportamento e zelo”, não tendo sido trazidos aos autos quaisquer elementos que permitisse classificar o seu comportamento anterior como “modelar”.
Como já referido, a infração imputada ao Recorrente apresenta uma gravidade compatível com a pena que concretamente lhe foi aplicada, sendo certo que, como salientado na decisão recorrida, os elementos carreados aos autos (eao processo disciplinar), não permitem concluir pela verificação daquela atenuante, que, no presente recurso, o Recorrente se limita a invocar a título meramente conclusivo, sem qualquer substanciação de factos que pudessem preencher esse conceito e justificadamente contrariar o anteriormente decidido.
Pelo que, improcede o recurso nesta parte, como nas restantes.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando na íntegra o acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 23.10.2014

(Esperança Mealha)




(Maria Helena Canelas)




(António Vasconcelos)