Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1294/14.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/08/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:NÃO DEDUTIBILIDADE DAS QUANTIAS PAGAS A TÍTULO DE TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA, EM SEDE DE IRC.
Sumário:1) Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável em IRC os gastos em tributações autónomas, no período de tributação.
2) A não dedutibilidade dos gastos em apreço resulta, quer do disposto no artigo 45.º/1/a), do CIRC (versão anterior a 2014), quer do disposto no artigo 23.º-A do CIRC, aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.
3) Através das normas sobre tributação autónoma, o legislador propõe ao contribuinte uma de três alternativas, a saber:
a) não deduzir a despesa;
b) deduzir mas pagar a tributação autónoma, dispensando-se, quer a si quer à Administração Tributária de discutir a questão da empresarialidade da despesa;
c) provar a empresarialidade integral da despesa, e deduzi-la integralmente, não suportando a tributação autónoma.
4) O reconhecimento da natureza presuntiva das normas em apreço constitui uma salvaguarda da não inconstitucionalidade das mesmas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório

... – Engenharia e Construções, S.A.”, m.i. nos autos, interpõe o presente recurso jurisdicional da sentença proferida a fls.247/258vº, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), relativo ao exercício de 2010.

Nas alegações de recurso de fls.272/289vº, a recorrente formula as conclusões seguintes:
1) O presente Recurso vem interposto da Douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que, em suma, improcedeu o pedido de redução do lucro tributável relativo ao IRC do exercício de 2010, contabilizado pela sociedade ..., apresentado pela Recorrente, mediante a dedução do valor total das Tributações Autónomas no valor de €39.228,36, a que corresponderia, em caso de procedência da ação, um valor total de IRC e de Derrama Municipal, a recuperar, de € 10.371,98;
2) A RECORRENTE é a sociedade dominante do GRUPO ..., tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedade (‘RETGS'), da qual faz parte a sociedade ....
3) A ... é uma das sociedades dominadas pela RECORRENTE, e desenvolve a sua atividade no âmbito do sector da construção civil e das obras públicas ou privadas, especialmente as de caráter subterrâneo, realizando trabalhos na área das explorações minerais, incluindo a exploração de direitos de prospeção e pesquisa de depósitos minerais, levando a cabo a gestão, tratamento, valorização e comércio de resíduos industriais, bem como a realização de quaisquer atividades conexas ou afins com todas as indicadas.
4) Salvo o devido respeito, o Douto Tribunal a quo não valorou corretamente toda a prova carreada para os autos, o que resultou num manifesto erro de julgamento da matéria de facto, não tendo ainda, com o devido respeito, valorado corretamente a principal questão de direito que subjaz aos presentes autos.
Da Matéria de Facto:
5) A RECORRENTE não aceita o fundamentado para a improcedência da Impugnação Judicial apresentada no pressuposto, errado, de que as Tributações Autónomas são efetivamente IRC, ao afirmar, em jeito de conclusão, que «o IRC deve passar a ser definido não apenas como um imposto sobre o rendimento mas, também, como um imposto que contempla elementos de obrigação única, tais como as taxas de tributação autónoma.»
6) A ... contabilizou como gasto do exercício de 2010, o montante de € 39.228,36 relativo a Tributações Autónomas, que tem subjacentes encargos com viaturas ligeiras de passageiros, despesas de representação, ajudas de custo e despesas confidenciais, ou seja, referem-se quase em exclusivo, a imposto que incidiram sobre encargos/despesas que constituem gastos da sociedade,
7) Donde, face ao objeto social prosseguido pela sociedade que integra o Grupo, os gastos incorridos com despesas de representação, encargos com viaturas ligeiras de passageiros e ajudas de custos são absolutamente necessários e essenciais para o prosseguimento da atividade comercial exercida pelas sociedades, e para a manutenção da fonte produtora da mesma, nos termos e para os efeitos do artigo 23º do Código do IRC;
8) Subjacente às Tributações Autónomas em causa não existem despesas confidenciais ou indocumentada ou despesas não aceites fiscalmente, uma vez que as mesmas foram utilizadas no exclusivo interesse para a manutenção da fonte produtora da sociedade.
Da Matéria de Direito:
9) Conforme se demonstrou, deverá este Douto Tribunal, com base na letra da lei (artigos 23º do CIRC e 88º do CIRC), na doutrina e jurisprudência citadas, designadamente do Tribunal Constitucional, revogar a Sentença do Tribunal a quo na parte em que qualifica a tributação autónoma como imposto que incide, de forma indireta, sobre lucros, devendo, ao invés, este Douto Tribunal proceder à correta qualificação da tributação autónoma como imposto que incide sobre determinadas despesas incorridas pelos sujeitos passivos;
10) Concluindo-se, como se impõe a este Douto Tribunal, que as tributações autónomas incidem sobre a despesa, e não, de forma direta ou indireta, sobre lucro, deve, por conseguinte, o Douto Tribunal ad quem admitir a dedutibilidade dos montantes pagos a título de tributação autónoma ao lucro tributável no exercício de 2010, facto que era inequivocamente permitido à data dos factos tributários, designadamente face à redação do então art.º45º, nº1, al. a) do CIRC, e que apenas não ocorreu por lapso da RECORRENTE.
11) O argumento de que a não dedutibilidade das tributações autónomas já decorria da alínea a) do artigo 45º do Código de IRC, enquanto tributação sobre o lucro tributável/rendimento, ainda que de forma indireta, não pode proceder ainda na medida em que as tributações autónomas aplicam-se, inclusivamente, a despesas efetuadas por sujeitos passivos não sujeitos a IRC, como sejam as entidades sujeitas a imposto especial do jogo - vd. artigo 88º nº2 e artigo 7º do Código do IRC;
12) Por fim, deve ainda este Douto Tribunal revogar a Douta Sentença recorrida na parte em que - com o devido respeito, com alguma falta de rigor técnico - confere à norma plasmada no novo artigo 23º A do CIRC (e que passa a prever, de forma expressa, a não dedutibilidade das tributações autónomas), carácter interpretativo, e não inovador;
13) Sendo certo que não existe na Lei que procedeu ao aditamento do artº23º A, e revogou o art.º45º do CIRC, qualquer indício de que a nova norma tenha um mero caráter interpretativo, o que se impunha atento os princípios da segurança e certeza jurídicas.
14) Inovação essa que não permite, de todo, por totalmente ilegal, daí se retirar, como pretende a IRFP bem como a Douta Sentença, que no caso em concreto existirá qualquer tentativa de 'fraude fiscal', por não ser possível determinar com exatidão se as despesas documentadas e supra descriminadas foram, efetivamente utilizadas para a atividade produtora da sociedade, ou antes para outra satisfações fora do seu objeto social.
15) O objeto social que é levada a cabo, nomeadamente, obras, explorações de terreno, tratamentos de resíduos e afins, acarretam, indubitavelmente, despesas e encargos com viaturas e ajudas de custos associadas, uma vez que é fundamental a deslocação dos trabalhadores e outros profissionais para satisfazer não só a manutenção da fonte produtora da empresa como também a necessidade dos seus clientes e fornecedores.
16) Veja-se, por fim, que apesar de ser transversal a toda a fundamentação da Douta Sentença recorrida justificar a não dedutibilidade das tribulações autónomas com base em justificações "éticas" relativas ao combate à fraude e evasão fiscal,
17) Alegando, sem qualquer fundamento objetivo, que as despesas possam ter sido utilizadas para a satisfação de necessidades que extravasam as necessidades do âmbito da atividade produtora da Recorrente,
18) Tal fundamentação não faz qualquer sentido na presente situação, pelo que a justificação ética para não aplicar a letra da lei numa questão de incidência contributiva e cálculo de imposto não faz qualquer sentido legal ou outro.
19) Dado que a totalidade das Tributações Autónomas aqui subjacentes têm por base gastos indispensáveis para a manutenção da fonte produtora - encargos com viaturas e ajudas de custos relacionados -, nos termos do art.23º do CIRC, e nunca rendimentos atribuídos a terceiros não identificados (ou seja, confidenciais).
20) Pelo que, com todo o respeito, é totalmente inconcebível que na situação aqui vertente possa existir qualquer evasão fiscal, muito menos um "risco de promiscuidade entre a esfera empresarial e a esfera pessoal".
21) Uma vez que, conforme demonstrado, as despesas correspondem a gastos incorridos com a atividade produtora da empresa, em concreto, gastos com viaturas e ajudas de custos aceites fiscalmente nos termos do artº23º do CIRC.
22) Procedendo o presente recurso quanto às matérias acima referidas, deve, por conseguinte, ser totalmente revogada a Douta Sentença recorrida, inclusivamente na parte em que não reconhece à RECORRENTE o direito aos juros indemnizatórios peticionados.


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Não há registo de contra-alegações.

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A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 301) no qual se pronuncia no sentido da recusa do provimento do presente recurso jurisdicional.

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II- Fundamentação

1.De Facto.

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
1. A Impugnante é a sociedade dominante do Grupo ..., tributado ao abrigo do «Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades» (cfr. artigo 8.º da petição inicial, admitido por acordo);
2. Do grupo de sociedades descrito no ponto antecedente faz parte a sociedade ... – ... Obras Subterrâneas, SA (cfr. art. 8.º da petição inicial, admitido por acordo);
3. No dia 28 de Maio 2011, a sociedade ... – ... Obras Subterrâneas, SA entregou a declaração de rendimentos Modelo nº22, relativa ao exercício de 2010, onde acresceu, no campo n.º724 do quadro nº07, relativo a «IRC e outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», o valor de €874.645,68 (cfr. declaração de rendimentos, de fls. 41 a 49 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. E apurou, no campo nº365 do quadro nº10, relativo a «Tributações autónomas», o montante de € 68.498,14 (cfr. declaração de rendimentos, de fls. 41 a 49 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. No dia 18 de Outubro de 2011, a Impugnante entregou a declaração de rendimentos Modelo nº 22 do Grupo, relativa ao exercício de 2010, onde apurou, no campo n.º 365 do quadro nº10, relativo a «Tributações autónomas», o montante de €625.138,27 (cfr. declaração de rendimentos, de fls. 15 a 18 do processo administrativo tributário, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6. No dia 19 de Outubro de 2011, os serviços da administração tributária emitiram a liquidação n.º 2011 2010409175, em nome da Impugnante, relativa ao período de 2010, no valor a reembolsar de € 983.512,28 (cfr. liquidação, de fls. 51 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7. No dia 11 de Fevereiro de 2014, a Impugnante apresentou um pedido de revisão oficiosa onde requereu “(…)
a) A revisão, por esses Serviços, da autoliquidação efectuada na DM22 do exercício de 2010 da ..., nos termos do nº1 do artigo 78.º da LGT e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CPPT;
b) Que, no âmbito dessa revisão, seja considerado como gasto fiscal do exercício de 2010, o valor de €39.228,36; e,
c) Em conformidade, seja recalculada a liquidação de IRC emitida à Requerente na qualidade de sociedade dominante e, consequentemente, processado o reembolso do IRC, Derrama Municipal e Derrama Estadual correspondentes, tudo com as devidas e legais consequências.
(…)”(cfr. pedido de revisão e data aposta no pedido, de fls. 2 a 6 do processo  administrativo tributário, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8. Por despacho exarado, no dia 28 de Abril de 2014, pela Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes, no uso de subdelegação de competências, o pedido de revisão oficiosa foi indeferido (cfr. despacho e informação, de fls. 136 a 138 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9. Na informação nº102-AIR1/2014, de 27 de Março de 2014, que serviu de base à decisão descrita no ponto antecedente, pode ler-se designadamente, que “(…)

“texto no original”
(…).” (cfr. informações, de fls. 123 a 133, 137 e 138 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10. Através do ofício nº1651, de 13 de Maio de 2014, da Unidade dos Grandes Contribuintes, remetido à Impugnante por carta registada, foi comunicada a decisão descrita no ponto antecedente (cfr. ofício e registo dos CTT, de fls. 117 e 118 do processo administrativo tributário, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
11. No dia 04 de Junho de 2014, a Impugnante entregou a presente impugnação, via postal (cfr. registo dos CTT, de fls. 139 dos autos).


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Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:

«Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa, considerando o pedido e a causa de pedir.»//«MOTIVAÇÃO DE FACTO»//«A decisão sobre a matéria de facto efectuou-se com base no acordo das partes e no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme especificado nos vários pontos do probatório, os quais não foram objecto de qualquer oposição.»


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2.2. De Direito

2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls.247/258vº, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), relativo ao exercício de 2010.

2.2.2. Nos presentes autos, está em causa a pretensão consistente na dedução das quantias pagas a título de tributação autónoma, no exercício de 2010, e que perfazem o total de €39.228,36. Ou seja, a pretensão da impugnante/recorrente consiste «no reconhecimento e correcção do erro na autoliquidação relativa ao IRC de 2010, reduzindo o lucro tributável declarado, pelo dedução do gasto com o imposto contabilizado a título de tributações autónomas, no valor de €39.228,36».

2.2.3. A sentença julgou improcedente a impugnação, mantendo o acto tributário impugnado, com base, em síntese, na argumentação seguinte:
«Em face desta jurisprudência, ficou assente que os factos tributários sobre os quais incidem as tributações autónomas têm uma natureza instantânea, uma vez que se esgotam com a realização de cada despesa de per si.
Consequentemente, a taxa a aplicar a cada despesa é aquela que vigorar à data da sua realização, sob pena de violação do princípio da irretroactividade da lei fiscal, ínsito no art. 103.º, n.º 3, da CRP.
Todavia, a questão que ora nos ocupa não se confunde com aquela que é tratada nos acórdãos supra citados, ao contrário do que parece entender a Impugnante.
E sobre a questão que ora nos ocupa já se pronunciou o STA, no acórdão de 06 de Abril de 2016, processo n.º 0363/15, onde sumarizou que “I - A tributação autónoma visa que a empresa faça um ajuste entre os seus recursos financeiros e os seus objectivos negociais desmotivando-a de adoptar comportamentos que beneficiando pessoas diversas da empresa, aumentando seja o património seja o bem-estar ou a reputação social destas, conduzindo a uma diminuição da sua capacidade contributiva da empresa.
II- A tributação autónoma de certas despesas ocorre quando simultaneamente a totalidade ou parte dessas despesas – de representação e com viaturas, por exemplo – são fiscalmente aceites como custos fiscais da empresa.
III- Na determinação do lucro tributável, tais despesas são tidas como custo fiscal, mas o valor da tributação autónoma que sobre essas mesmas despesas é determinado por lei não é, em si mesmo, tido como custo fiscal para efeitos de determinação de lucro tributável, não sendo tidas, para efeitos fiscais, como gastos suportados pela empresa, indispensáveis à realização dos proveitos ou à manutenção da sua fonte produtora.
IV- Não pode retirar-se da alteração ao Código do IRC, efectuada pela Lei 2/2014, de 16/1, ao estabelecer que as tributações autónomas não são custo fiscal (art° 23°-A, n° 1, a), o entendimento de que antes da entrada em vigor de tal dispositivo legal constituíam tais despesas um custo fiscal para determinação do lucro tributável.
Seguindo de perto este acórdão, não se pode deixar de referir que, até ao momento em que se discutiu na jurisprudência dos tribunais superiores a natureza dos factos tributários sobre os quais incidem as taxas de tributação autónoma, não subsistiam quaisquer dúvidas acerca respectiva inclusão no art. 45.º, n.º 1, al. a), do CIRC».

2.2.4. A recorrente põe em causa o entendimento que fez vencimento na instância, baseada em duas linhas de argumentação distintas, a saber: i) as despesas em causa correspondem a custos incorridos com vista ao prosseguimento do objecto social da sociedade impugnante, pelo que não eram abrangidas pela norma do artigo 45.º/1/a), do CIRC, vigente à data[1]; ii) o artigo 23.º-A/1/a) do CIRC[2], que passou a prever de forma expressa a não dedutibilidade das tributações autónomas não assume carácter interpretativo, pelo que não existiria norma que à data do facto tributário excluísse a dedutibilidade das despesas em causa.

2.2.5. A este propósito, constitui jurisprudência assente a de que «As tributações autónomas, inicialmente previstas como meio de combater a evasão e fraude fiscais, designadamente as despesas confidenciais e não documentadas, reportavam-se a encargos fiscalmente não dedutíveis; ulteriormente, na prossecução da obtenção de receita fiscal, o seu âmbito foi progressivamente alargado a despesas cuja justificação do ponto de vista empresarial se revela duvidosa e a despesas que podem configurar uma atribuição de rendimentos não tributados a terceiros, relativamente às quais a dedutibilidade só era admitida se acompanhada pela tributação autónoma.
Estando em causa tributações autónomas respeitantes a “encargos com viaturas”, “despesas de representação” e “encargos com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalho”, i.e., respeitantes a despesas dedutíveis, a ratio legis parece ser, não só a de obviar à erosão da base tributável e consequente redução da receita fiscal, mas também a de tributar (na esfera de quem os distribui) rendimentos que de outro modo não conseguiriam ser tributados na esfera jurídica dos seus beneficiários.

Estas tributações autónomas, que, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal materialmente distinta deste, espoletadas por despesas, foram incluídas pelo legislador no CIRC através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.

Mesmo antes das alterações introduzidas no CIRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, os encargos fiscais com as tributações autónomas não eram dedutíveis para efeitos de IRC, como resultava da conjugação dos arts. 23.º, n.º 1, alínea f) e 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, naquela que se nos afigura a melhor interpretação, pois, por um lado, o legislador (bem ou mal e, a nosso ver, mal) sempre as considerou como IRC, incluindo o seu regime legal no âmbito do respectivo código (pelo menos desde a referida Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro) e, por outro, não faria sentido que o efeito pretendido pelo legislador com essas tributações autónomas, de atenuar ou mesmo anular o efeito financeiro decorrente da dedução das despesas por elas tributadas, fosse, depois, contrariado pela dedução dos encargos com essas tributações.

O art. 23.º-A do CIRC – aditado pela Lei n.º 2/2014, lei que, do mesmo passo, revogou o art. 45.º daquele Código –, pese embora a sua incorrecção terminológica, na medida em que parece reconduzir a espécie tributária tributações autónomas ao IRC (permanecendo o legislador no mesmo erro), não configura uma lei inovadora, porque de facto nada inovou, tendo-se limitado a consagrar uma interpretação possível da lei anterior»[3].

No mesmo sentido, reitera-se no Acórdão do STA, de 27.09.2017, P. 0146/16, o seguinte:
«Será que basta a conclusão a que chegamos acima, de que as tributações autónomas, substancialmente, não constituem imposto sobre o rendimento, para considerarmos que a regra geral da dedutibilidade dos encargos fiscais não pode ter-se por excepcionada, relativamente às tributações autónomas, pela alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRS?
Afigura-se-nos que não.
Desde logo, porque, apesar de, como deixámos dito, as tributações autónomas constituírem uma imposição tributária distinta do IRC, a verdade é que, pelo menos desde 1 de Janeiro de 2001, com a entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro – que, nos seus próprios termos, reforma a tributação do rendimento e adopta medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais, alterando, para além do mais, o CIRC –, sempre as tributações autónomas foram incluídas neste Código. Ou seja, formalmente, sempre as tributações autónomas foram tratadas no âmbito do IRC, dentro do Código que regula este imposto, sendo liquidadas simultaneamente com este.
Essa situação, por si só, poderá ter convencido o legislador da desnecessidade de consagrar expressamente na alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC as tributações autónomas (A inclusão das tributações autónomas nesse conceito de IRC, aliás, nunca foi objecto de controvérsia até que a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, na esteira do mencionado voto de vencido lavrado no acórdão n.º 18/2011 do Tribunal Constitucional, veio salientar a natureza distinta das tributações autónomas relativamente ao IRS.).
Tanto mais que, a nosso ver, a teleologia das tributações autónomas impõe a recusa da dedutibilidade dos encargos fiscais suportados com as mesmas. Essa recusa é evidente relativamente àquelas despesas que não são, elas mesmas, dedutíveis para efeitos de determinação da matéria tributável, como é o caso das despesas não documentadas e quanto às importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal privilegiado. Mas também nos casos – como o de que ora nos ocupamos – em que as tributações incidem sobre encargos fiscalmente dedutíveis, mal se compreenderia que a intenção do legislador, que é a de atenuar ou mesmo anular o efeito financeiro decorrente da dedução, fosse depois contrariada pela dedução dos encargos com essas tributações. Se a tributação autónoma serve, nestes casos, para fazer face à dificuldade de controlo rigoroso de despesas de carácter empresarial e de carácter pessoal, desincentivando a realização das mesmas, e para compensar a perda de receita fiscal decorrente dessa realização, constituindo, ao final, uma redução do montante dos custos dedutíveis na determinação da matéria tributável, não faria sentido que, depois, fosse permitir a dedução dos encargos com a tributação autónoma.
A não ser assim, estaria afinal (e ao arrepio da apontada natureza das tributações autónomas como imposição tributária sobre despesas) a permitir-se que as tributações autónomas influíssem na determinação da base tributável para efeitos de tributação em IRC.
Tenha-se presente que na interpretação da lei é de considerar, para além do mais, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas [cfr. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil (CC)]. Podemos, pois, admitir que o pensamento do legislador era o de que no conceito de IRC (se bem que exclusivamente dum ponto de vista formal) utilizado na alínea a) do n.º 1 do art. 45.º cabiam ainda as tributações autónomas, interpretação que respeitaria o mínimo de correspondência verbal, apesar de imperfeitamente expresso, exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do CC. Isto porque aquelas tributações estavam, como estão, previstas no Código do IRC. Finalmente, temos de ter em conta que o art. 23.º-A do CIRC, aditado pela Lei n.º 2/2014, lei que, do mesmo passo, revogou o art. 45.º daquele Código, veio solucionar expressamente a questão, afirmando: «1-Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros; […]».
Pese embora a sua incorrecção terminológica, na medida em que parece reconduzir a espécie tributária tributações autónomas ao IRC (persistindo no erro), é hoje seguro que os encargos suportados com as tributações autónomas não são susceptíveis de dedução»[4].

E recorrendo ao Acórdão do Tribunal Arbitral de 04.03.2014, proferido no P. 183/2013-T dir-se-á que:

«(…) uma coisa é o tipo de facto tributário que está na base de determinada imposição. Outra coisa é o título a que tal imposição é devida, no fundo, a causa[6] da obrigação de imposto. E no caso das tributações autónomas em sede de IRC, essa causa, o título a que o imposto é exigido, será, ainda, o IRC.
Neste sentido, dever-se-á atentar, para além de tudo o mais, que o regime legal das tributações autónomas em questão apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas, por completo, de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.
De fato as tributações autónomas ora em análise, pertencem, sistematicamente ao IRC, e não ao IVA (como se viu), ao IS, ou a um qualquer novo imposto. É que, embora se possa aceitar que o facto tributário impositivo será cada uma das singulares despesas legalmente tipificadas, o certo é que não são estas, qua tale, o objecto final da tributação, a realidade que se pretende gravar com o imposto. Se assim fosse, seriam, obviamente taxadas, todas as despesas realizadas por todos os sujeitos, e não apenas por alguns deles.
Ou seja, as tributações autónomas do género que ora nos ocupam estão fortemente ligadas aos sujeitos do imposto sobre o rendimento respectivo, e, mais especificamente, à actividade económica por eles levada a cabo.
Este aspecto torna-se ainda mais evidente, se se atentar num outro dado fundamental: a circunstância de as tributações autónomas que ora nos ocupam apenas incidirem sobre despesas dedutíveis!
Esta circunstância, crê-se, é elucidativa da imbricação existente entre aquelas e o IRC (no caso), e justificativa não só da sua inclusão no CIRC, mas, igualmente, da sua integração, de pleno direito, como parte do regime jurídico do IRC.
De fato, não só apenas as despesas realizadas por sujeitos passivos de IRC é que estão sujeitas à imposição de tributação autónoma em tal quadro, como tais despesas apenas o estarão se aqueles sujeitos as elegerem como despesas dedutíveis no apuramento da matéria tributável de tal imposto.
O quadro deste modo traçado é, considera-se, substancialmente distinto do que seria um imposto que incidisse sobre determinadas despesas, objectivamente consideradas, afigurando-se que a qualidade e a opção do sujeito passivo têm aqui uma relevância, senão maior, pelo menos idêntica à despesa que despoleta a imposição tributária.
De resto, sempre se poderá dizer que se o sujeito passivo de IRC optar por não deduzir ao lucro tributável para efeitos daquele imposto os encargos correspondentes às despesas sujeitas a tributação autónoma, não terá de suportar esta, o que será demonstrativo do que acima se apontou, ou seja, de que a causa das tributações autónomas radica, ainda e em última análise, no regime do IRC.
(…)
Assim, e em suma, as tributações autónomas cujo encargo pretendem as Requerentes ver subtraídas ao seu lucro tributável, poderão ser encaradas como uma espécie de norma antiabuso consensual, em que o legislador propõe ao contribuinte uma de três alternativas, a saber:
a) não deduzir a despesa;
b) deduzir mas pagar a tributação autónoma, dispensando-se, quer a si quer à Administração Tributária de discutir a questão da empresarialidade da despesa;
c) provar a empresarialidade integral da despesa, e deduzi-la integralmente, não suportando a tributação autónoma.
De resto, o reconhecimento desta natureza presuntiva, será, para além de tudo o mais, uma salvaguarda da sua constitucionalidade, na medida em que estará garantida a possibilidade da respectiva dedução integral pelo contribuinte, ou a sua não dedução, consoante o lado para o qual a presunção que lhes está subjacente seja, em cada caso, infirmada»[5].

Em face do exposto, impõe-se reiterar o veredicto emitido na sentença recorrida no sentido da não dedutibilidade das quantias pagas a título de tributação autónoma, em sede de IRC, com base no disposto no artigo 45.º/1/a), do CIRC (versão vigente). Pelo que a norma do artigo 23.º-A do CIRC, aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, assume o sentido de esclarecimento do direito anterior.

A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não enferma do apontado erro de direito. Como se decidiu na sentença recorrida.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


Dispositivo


Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunta – Cristina Flora)

(2º. Adjunta – Ana Pinhol)



[1] «Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: // a) O IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre lucros».
[2] Aditado pela Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro: «Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros».
[3] Acórdão do STA, de 27.09.2017, P. 0146/16

[4] Acórdão do STA, P. 0146/16, de 27.09.2017;

[5] Acórdão do Tribunal Arbitral de 04.03.2014, P. 183/2013-T, in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/index.php?s_processo=187%2F2013&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=