Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1363/19.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRS
MAIS-VALIAS
NÃO RESIDENTES
Sumário:O ato de liquidação de IRS contestado encerra uma ilegalidade, na parte que respeita exclusivamente à não aplicação à Recorrida da limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas, por aquela ser não residente em território nacional, uma vez que a norma do nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

M …………………., deduziu impugnação judicial contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º ……………………., referente aos rendimentos de 2018.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra julgou procedente a impugnação e, consequentemente, anulou o ato impugnado.

Inconformada, a Fazenda Pública veio recorrer contra a sentença. As suas alegações terminam com a formulação das seguintes conclusões:

I) O thema decidendum do presente recurso assenta em aferir se liquidação de IRS ora impugnada, relativa ao ano de 2018, é ilegal por violação do Direito da União Europeia, maxime o art.º 63.° do TFUE, em virtude da interpretação efetuada pela AT do n.°2 do artigo 43.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares no sentido de limitar a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas por residentes em Portugal, excluindo, todavia, dessa limitação, as mais valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado-Membro da União Europeia.

II) Nos termos do artigo 9.º do CIRS constituem incrementos patrimoniais as mais valias definidas no artigo 10.º do CIRS.

III) Preceitua a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS que constituem mais valias os ganhos obtidos que resultem, nomeadamente, da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis.

IV) O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, sendo que quando respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas na al. a) do n.º 1 do art.º 10.º, positivo ou negativo, esse saldo é apenas considerado em 50% do seu valor (cf. n.º 1 do art.º 43.º do CIRS).

V) As mais-valias previstas na al. a) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRS auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado são tributados à taxa autónoma de 28% (cf. al. a) do n.º 1 do art.º 72.º do CIRS).

VI) Os residentes noutro Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos de mais-valias resultantes de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do art.º 68.º do CIRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo para efeitos de determinação dessa taxa tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes (cf. n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º do CIRS, na redação dada por aditamento pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12).

VII) A técnica de opção pelo englobamento como forma de afastar o tratamento fiscal desigual para os não residentes da União Europeia/Espaço Económico Europeu está igualmente presente na redação do art.º 17-A do CIRS, não sendo do conhecimento público que exista um eventual pedido de reenvio prejudicial perante o TJUE sobre a inconformidade ou compatibilidade da referenciada opção pelo englobamento com o direito comunitário.

VIII) Este aditamento dado pela Lei n.º 67-A/2007 visou adequar o sistema tributário nacional à decisão constante do acórdão do TJUE de 2007-10-11, Processo n.º C-443/06, mais conhecido por acórdão Hollmann, e nesta matéria foi pelo Centro de Estudos Fiscais (CEF) proferido o Parecer nº 71/07, de 27de novembro.

IX) O TJUE considerou que a questão que importava elucidar era saber se a disposição constante do art.º 56 do Tratado CE se opunha “a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes de alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado - Membro, a uma carga fiscal superior àquela que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel” (n.º 22 do acórdão).

X) A resposta do TJUE a esta questão consistiu em considerar que “o art.º 56.º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado–Membro, a uma carga fiscal superior àquela que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”.

XI) Conforme resulta desta afirmação, o que releva, do ponto de vista da compatibilidade com o Direito Comunitário, não é, simplesmente, o facto do n.º 1 do art.º 43 do CIRS excluir da limitação da incidência de imposto a 50% as mais valias realizadas por um residente noutro Estado-membro da UE, mas é sim, decisivamente, o facto de daí poder resultar uma carga fiscal superior à que seria aplicável a um residente para o mesmo tipo de operações, que como refere o acórdão, o que não é admissível do ponto de vista do Direito Comunitário é “um tratamento fiscal desigual para os não residentes, na medida em que permite, o caso de realização de mais—valias, uma tributação mais gravosa e, por isso, uma carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objetivamente comparável” (nº. 54).

XII) A resolução da questão da incompatibilidade com o Direito Comunitário verificada na situação em apreço assenta no facto de, tal como se afirma no n.º 58 do acórdão do TJUE, “a vantagem fiscal concedida aos residentes, que consiste numa redução de metade da matéria coletável correspondente às mais valias, excede, em todo o caso, a contrapartida que consiste na aplicação de uma taxa progressiva à tributação dos seus rendimentos”.

XIII) Desta forma, para que se possa detetar o “tratamento fiscal desigual para os não residentes” há que atender à redução a metade da matéria coletável das mais valias imobiliárias, mas é também necessário considerar a taxa que se aplicaria com o mesmo nível de rendimentos, por força da progressividade, por escalões relativamente aos residentes, não se tratando de proceder à extensão ilimitada e incondicional da vantagem resultante do n.º 2 do art.º 43 do CIRS para os não residentes pois, caso contrário, tal teria como consequência inadmissível, e não pretendida, em face do princípio da não discriminação, que seria suportado, independentemente do valor da matéria coletável, imposto apenas a uma taxa de 12,5% por aplicação da taxa proporcional de 25% (atualmente de 28%) correspondente a 50% do saldo positivo entre as mais valias e as menos valias.

XIV) Portanto, o quadro jurídico em que se afere, em relação à tributação das mais valias imobiliárias, a existência de uma “carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objetivamente comparável (n.º 54 do acórdão) compreende, para além do n.º 2 do art.º 43 do CIRS, as disposições constantes dos artigos 22 nº 1 e 68.º do CIRS, no que respeita aos não residentes e à sua tributação à taxa de 25% (atualmente de 28%).

XV) Tendo em conta o teor do Acórdão Hollmann, e no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada, foi assim aditado ao artigo 72.º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7 (atual n.º 9), no qual se estabelece que os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, possam optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

XVI) Por sua vez, o n.º 8 (atual n.º 10) do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, prescrevia, na redação à data dos factos, que para efeitos de determinação da referida taxa progressiva, fossem tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições aplicáveis aos residentes.

XVII) Ora, o n.º 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, à semelhança do n.º 1 do artigo 15º do Código do IRS, exige que, para efeitos de tributação pelas taxas do artigo 68.º, devam ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro) e assinalados os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).

XVIII) Resulta dos factos provados que, no ano de 2018, a ora Impugnante era não residente em território português tendo no dia 23-02-2018 vendido, pelo preço de €215.000,00, o direito de propriedade sobre o imóvel designado pela letra «…» correspondente ao 5.º andar B do prédio urbano sito na Rua ……….., n.º 8, tornejando para a Travessa ……….., n.º 2, com traseiras para a Rua ……………, n.º 9, freguesia da …….., ……….., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de .................. sob o n.º 1.202, da citada freguesia, e inscrito na matriz predial sob o artigo provisório 1892, cfr. alíneas a), j) e k) do probatório.

XIX) “Em 28-06-2019, a Impugnante apresentou a declaração modelo 3 de IRS, referente aos rendimentos de 2018, onde, na folha de rosto, declarou, no campo 8, ser não residente em Portugal, por ter «[r]esidência em país da UE ou EEE», e assinalou a opção «[p]retende a tributação pelo regime geral» (provado pelo documento n.º 6 junto à petição inicial)”, cfr. alínea l) do probatório.

XX) Subsequentemente foi emitida a liquidação de IRS de 2018, ora impugnada, da qual resulta que, sobre a totalidade do rendimento coletável da categoria G, foi aplicada a taxa especial de 28% [cfr. alíneas j), k), l), m) e n) dos factos provados].

XXI) Ora os n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, permitem que não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que OPTEM pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território, aplicando-se, neste caso, a mesma taxa que se aplicaria aos residentes com o mesmo nível de rendimentos, por força da progressividade, de acordo com os escalões estabelecidos no art.º 68 CIRS.

XXII) Situação que no caso concreto dos presentes autos não ocorreu uma vez que, conforme supra referido, a impugnante na Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2018, assinalou no campo 8, da folha de rosto, a opção pela «tributação pelo regime geral».

XXIII) A Fazenda Publica não pode assim concordar com o entendimento da Mma. Juiz de acordo com o qual “o ato de liquidação ora impugnado é ilegal, na parte que respeita exclusivamente à não aplicação à Impugnante da limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, por aquela ser não residente em território nacional, uma vez que a norma do n.º 2 do art.º 43.º do Código do IRS constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art.º 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou”

XXIV) Como se referenciou, a AT limitou-se a aplicar a lei e dessa atuação não decorre qualquer questão de interpretação ao nível da inconformidade ou incompatibilidade com o Direito Comunitário, relativamente ao disposto nos n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º do CIRS, pelo que não poderia a AT desaplicar uma norma com este fundamento, uma vez que a AT se encontra sujeita ao princípio da legalidade (cf. n.º 2 do art.º 266.º da CRP e art .º 55 da LGT), até porque o disposto no n.ºs 9 e 10.º do art.º 72 CIRS foram aditados na sequência da pronúncia do TJUE, que como se invocou no parecer do CEF, não procedia à extensão ilimitada e incondicional da vantagem resultante do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS para os não residentes.

XXV) Entende assim a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, devendo a sentença ser revogada.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, e atento aos fundamentos expostos, deve o presente Recurso ser dado como procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente”.


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A Recorrida ofereceu as suas contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
A) Surgem as presentes contra-alegações no âmbito do Recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul apresentado pela Fazenda Pública da Douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob o n.º 1363/19.0BESNT, datada de 23 de março de 2021, a qual julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida, anulando o ato de liquidação de IRS impugnado, na parte em que não aplicou à ora Recorrida o limite de tributação de 50% do saldo das mais valias previsto no n.º 2 do art.º 43.º do Código do IRS.
B) No entender da Recorrida, considerando que a sentença em causa fez uma correta apreciação dos factos e aplicou de forma criteriosa o direito, deverá a mesma ser mantida na íntegra.
C) Como resulta da sentença recorrida, o objeto do processo de impugnação judicial pode ser resumido da seguinte forma:
A Impugnante começa por explicar que, em 2018, encontrava-se registada como não residente em Portugal. E que, nesse mesmo ano, vendeu um imóvel localizado em território nacional, da qual resultaram mais valias. Em síntese, a Impugnante defende a ilegalidade da liquidação de IRS, porque, na determinação do rendimento coletável, a Autoridade Tributária e Aduaneira («AT») incorretamente considerou a totalidade da mais valia realizada, em violação do disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 43.º do Código do IRS e, atenta a discriminação entre residentes em território português e residentes noutro Estado Membro da União Europeia e a restrição da liberdade de circulação de capitais entre Estados Membros, do disposto no art.º 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia («TFUE»). A final, pede a procedência da presente impugnação judicial e, em consequência, a anulação da liquidação de IRS impugnada.
D) Os factos alegados pela Recorrente em sede de impugnação judicial foram, termos gerais, considerados provados, não tendo sido identificados quaisquer factos não provados com relevância para a decisão da causa.
E) Perante a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, o Douto Tribunal, julgou o referido processo de impugnação judicial totalmente procedente.
F) Não concordante com a Douta sentença, veio a Recorrente impugná-la, por meio de recurso por entender que a incompatibilidade com o Direito da União do Artigo 43.º do Código do IRS é afastada pela possibilidade de opção prevista nos referidos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, entendimento do qual discorda a Recorrida, bem como, também discordou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra na decisão recorrida.
G) A Douta Sentença recorrida acompanhou a mais recente jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente, pelos Acórdãos de 09-12-2020, proferidos nos processos n.ºs 064/20.0BALSB e 075/20.6BALSB, bem como, pelo Acórdão de 03-02-2021 referente ao processo n.º 0171/13.6BELRS.
H) Ora, relativamente aos fundamentos apresentados pela Recorrente em sede de Alegações, haverá que assinalar que a sentença recorrida já teve oportunidade de se pronunciar sobre os mesmos, citando nesta parte a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nos Acórdãos datados de 09.12.2020, proferidos em sede de Recurso de Uniformização de Jurisprudência relativos aos processos n.º 064/20.0BALSB e 075/20.6BALSB e o recente Acórdão de 03.02.2021 no processo 0171/13.6BELRS.
I) A sentença recorrida seguiu a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que a incompatibilidade da norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com o artigo 63.º do TFUE não fica sanada pelo regime opcional introduzido no artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, não merecendo por isso qualquer reparo.
J) Acresce ainda que, ao contrário do que alega a Recorrente no artigo 14 das suas Alegações e em VII) das Conclusões, esta matéria foi já objeto de análise pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, em situações manifestamente semelhantes, no sentido de que a incompatibilidade de legislação discriminatória com o artigo 63.º do TFUE não é eliminada pela previsão de um regime opcional não discriminatório (neste sentido, veja-se, designadamente, o Acórdão Gielen, de 18 de Março de 2010 proferido no processo n.º C-440/08, citado pela sentença recorrida, o Acórdão de 28-02-2013, proferido no processo Beker, C168/11 e o acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 162).
K) Com efeito, conforme resulta da jurisprudência, a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito.
Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.
L) Ora, daqui resulta que a Recorrente nas suas Alegações não teve em consideração as decisões mais recentes do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) nesta matéria, uma vez que dos acórdãos destacados resulta que a alteração legislativa invocada pela Recorrente (artigo 72.º n.º 9 e n.º 10 do Código do IRS, na redação em vigor em 2018) não retira a discriminação existente no artigo 43.º do Código do IRS face às normas de Direito Europeu.
M) Neste sentido, o fundamento invocado pela Recorrente em sede de Recurso não tem razão de ser nem com base na jurisprudência do TJUE, nem com base na jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que, dos acórdãos acima mencionados e da sentença recorrida resulta que a opção por parte dos não residentes, pela tributação de acordo com as regras dos residentes, nos termos do artigo 72.º n.º 9 e n.º 10 do Código do IRS, na redação em vigor em 2018 não sana a discriminação vertida no artigo 43.º n.º 2 do CIRS.
TERMOS EM QUE DEVERÃO IMPROCEDER AS ALEGAÇÕES DE RECURSO APRESENTADAS PELA FAZENDA PÚBLICA E O MESMO SER JULGADO IMPROCEDENTE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, COM O QUE SE FARÁ A DEVIDA JUSTIÇA!

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

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Colhidos os vistos, nada obsta à decisão. Vêm, assim, os autos à conferência.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão se como provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:

a) No dia 07-11-2008, a Impugnante, M …………….., adquiriu, pelo preço de €75.000,00, 50% do direito de propriedade sobre a fração autónoma designada pela letra «….» correspondente ao 5.º andar B do prédio urbano sito na Rua …………, n.º 8, tornejando para a Travessa ……….., n.º 2, com traseiras para a Rua …….., n.º 9, freguesia da ….., .................., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de .................. sob o n.º 1.202, da citada freguesia, e inscrito na matriz predial sob o artigo provisório 1892 (provado pelo documento n.º 2 junto à petição inicial e, no que se refere à sua morada do imóvel, documento n.º 4 junto à petição inicial e documento n.º 3 junto à contestação);

b) O imóvel identificado na alínea anterior e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo provisório 1892, fração V, da (extinta) freguesia da .........., foi desativado e deu origem à inscrição matricial sob o artigo 1505, fração V, da freguesia de …….. ….. (provado pelo documento n.º 3 junto à contestação);

c) Em 05-11-2008, foram pagos preparos de €500,00 à Segunda Conservatória do Registo Predial de .................., para registo da aquisição do imóvel identificado na alínea a) do probatório e das hipotecas constituídas sobre o mesmo (provado pelo documento n.º 8 junto à petição inicial, a fls. 52 dos autos);

d) No mesmo dia 05-11-2008, foram pagos emolumentos do registo predial no valor de €60,00 à Segunda Conservatória do Registo Predial de .................. (provado pelo documento n.º 8 junto à petição inicial, a fls. 53 dos autos);

e) Foi pago Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis no valor de €1.079,50, apurado sobre um valor de €75.000,00, pela aquisição do imóvel identificado na alínea a) do probatório (provado pelo documento n.º 2 junto à contestação);

f) No dia 17-07-2014, a Impugnante adquiriu, por doação, os restantes 50% do direito de propriedade sobre o imóvel identificado na alínea a) do probatório, tendo sido atribuído à doação o valor de €66.330,00 (provado pelo documento n.º 3 junto à petição inicial);

g) Pela aquisição identificada na alínea anterior, foi liquidado Imposto do Selo sobre o valor de €66.330,00 (provado pelo documento n.º 5 junto à contestação);

h) A Impugnante pagou, ao Cartório Notarial de Lisboa de G ………………, a quantia de €613,77, por serviços relacionados com a escritura de doação identificada na alínea anterior e por emissão de certidão (facto não controvertido, alegado no artigo 35.º da petição inicial, e confirmado pelo documento n.º 8 junto à petição inicial, a fls. 59 dos autos);

i) A Impugnante pagou, a «P. ……… – Construções …………., Lda.», a quantia de €1.325,00, a título de obras de remodelação no imóvel identificado na alínea a) do probatório (facto não controvertido, alegado no artigo 35.ºconfirmado pelo documento n.º 8 junto à petição inicial, a fls. 57 dos autos);

j) No dia 23-02-2018, a Impugnante vendeu, pelo preço de €215.000,00, o direito de propriedade sobre o imóvel identificado na alínea a) do probatório (provado pelo documento n.º 4 junto à petição inicial);

k) Pelo menos em 2018, a Impugnante tinha residência no Reino de Espanha (facto não controvertido, alegado no artigo 9.º da petição inicial, e confirmado pelo documento n.º 6 junto à contestação);

l) Em 28-06-2019, a Impugnante apresentou a declaração modelo 3 de IRS, referente aos rendimentos de 2018, onde, na folha de rosto, declarou, no campo 8, ser não residente em Portugal, por ter «[r]esidência em país da UE ou EEE», e assinalou a opção «[p]retende a tributação pelo regime geral» (provado pelo documento n.º 6 junto à petição inicial);

m) Na declaração identificada na alínea anterior, a Impugnante preencheu o anexo G, relativo a mais valias e outros incrementos patrimoniais, onde declarou a alienação onerosa do imóvel identificado na alínea a) do probatório, nos seguintes termos:

«Texto no original»

(documento n.º 6 junto à petição inicial);

n) À Impugnante foi emitida a liquidação de IRS n.º ……………………., referente a 2018, onde foi apurado um valor a pagar de €11.330,58, onde se pode ler:

«Texto no original»

(provado pelo documento n.º 1 junto à petição inicial);

o) Em 30-07-2019, à Impugnante foi emitida a nota de cobrança n.º ……………, com o acerto da liquidação de IRS n.º ………………., onde se apurou um saldo a pagar de €11.330,58, até 06-09-2019 (provado pelo documento n.º 9 junto à contestação);

p) Os serviços da AT iniciaram procedimento de averiguações dos elementos declarados na declaração modelo 3 de IRS da Impugnante, referente aos rendimentos de 2018, notificando-a de que «[r]elativamente aos imóveis alienados ou afetados a atividade profissional, existe necessidade de comprovação dos mesmos» (provado pelo documento n.º 7 junto à petição inicial);

q) Em 01-08-2019, a Impugnante apresentou requerimento no procedimento de averiguações referido na alínea anterior (provado pelo documento n.º 8 junto à petição inicial);

r) Em 02-09-2019, foi paga a quantia de €11.330,58, identificada na alínea g) do probatório (provado pelo documento n.º 10 junto à petição inicial).

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Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.

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A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos constantes dos autos e dos processos administrativos tributários apensos, nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, assim como nas posições assumidas pelas partes nos articulados apresentados nos presentes autos”.


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, temos a seguinte questão a dirimir: saber se a sentença errou ao concluir pela ilegalidade do “ato de liquidação impugnado, na parte que respeita exclusivamente à não aplicação à Impugnante da limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas, por aquela ser não residente em território nacional, uma vez que a norma do n.º 2 do art.º 43.º do Código do IRS constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art.º 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou”.

O TAF de Sintra, para assim concluir, socorreu-se de inúmera e recente jurisprudência do STA, designadamente do acórdão de 09/12/20, proferido no processo n.º 064/20.0BALSB, do acórdão de 20/02/19, proferido no processo nº 0901/11.0BEALM, e do acórdão proferido, em 09/12/20, no processo n.º 075/20.6BALSB.

Nos sumários de tais arestos pode ler-se o seguinte, respetivamente:

I - Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.

II - O entendimento contrário é discriminatório, nos termo do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa”

No segundo aresto referido,

“I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.

III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo)”.

E, ainda, no terceiro,

“(…)

III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.

IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros”.

A Recorrente, Fazenda Pública, insurge-se contra o decidido em 1ª instância por defender que “… os n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, permitem que não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que OPTEM pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território, aplicando-se, neste caso, a mesma taxa que se aplicaria aos residentes com o mesmo nível de rendimentos, por força da progressividade, de acordo com os escalões estabelecidos no art.º 68 CIRS”, evidenciando que essa é uma situação que “no caso concreto dos presentes autos não ocorreu uma vez que, conforme supra referido, a impugnante na Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2018, assinalou no campo 8, da folha de rosto, a opção pela «tributação pelo regime geral”. Rematando, sublinha a Recorrente que “a AT limitou-se a aplicar a lei e dessa atuação não decorre qualquer questão de interpretação ao nível da inconformidade ou incompatibilidade com o Direito Comunitário, relativamente ao disposto nos n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º do CIRS, pelo que não poderia a AT desaplicar uma norma com este fundamento, uma vez que a AT se encontra sujeita ao princípio da legalidade (cf. n.º 2 do art.º 266.º da CRP e art .º 55 da LGT), até porque o disposto no n.ºs 9 e 10.º do art.º 72 CIRS foram aditados na sequência da pronúncia do TJUE, que como se invocou no parecer do CEF, não procedia à extensão ilimitada e incondicional da vantagem resultante do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS para os não residentes”.

Vejamos, então, deixando claro que o julgamento da matéria de facto não vem posto em causa, pelo que importa ter presente que a Impugnante, ora Recorrida, em 2018 não era residente fiscal em Portugal, mas noutro País da União Europeia (Espanha), e que, em 2018, vendeu um imóvel localizado em território nacional [cfr. alíneas j) e k)]. Na sequência dessa venda, a M…………..……………apresentou a declaração modelo 3 de IRS, referente aos rendimentos de 2018, na qual optou pelo regime geral de tributação [cfr. alíneas l) e m) dos factos provados]. Posteriormente, foi emitida liquidação de IRS de 2018, objeto da impugnação, da qual resulta que, sobre a totalidade do rendimento coletável da categoria G, foi aplicada a taxa especial de 28% [cfr. alíneas j), k), l), m) e n) dos factos provados].

Antecipamos, desde já, que a Fazenda Pública não tem razão, o que não nos oferece dúvidas face àquela que tem sido a jurisprudência recente e uniforme dos Tribunais Superiores, como as transcrições acima feitas bem evidenciam. Ainda mais recentemente, outros acórdãos foram proferidos a este propósito, como deixaremos nota seguidamente.

Lê-se no acórdão do STA, de 24/02/21, processo nº 058/20.6BALSB, proferido no recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral n.º 748/2019-T, em 07/04/20, do Centro de Arbitragem Administrativa, além do mais, o seguinte:

“Não obstante, importa ainda deslindar se a decisão recorrida perfilha orientação que esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo – a afastar a admissibilidade do recurso, nos termos do art. 152.º, n.º 3, do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT –, até porque quer a Recorrida quer o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo entenderam que o recurso não deveria ser admitido com esse fundamento.

Aquilatando:

Não obstante a verificada contradição, o recurso não deve prosseguir para conhecimento do mérito, porquanto a decisão recorrida se encontra em plena sintonia com orientação mais recentemente consolidada deste STA sobre a matéria, isto em plena adesão ao discurso fundamentador vertido no Acórdão do Pleno deste STA prolatado em 20.01.2021, no Processo nº 056/20.0BALSB e cuja solução foi seguida pelos Acórdãos do Pleno daquela mesma data, nos Processos nºs 071/20.3BALSB e 0108/20.6BALSB e que foi elaborada nos seguintes termos:

“(…)

“Efectivamente, no passado dia 9 de Dezembro foram proferidos em Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal administrativo dois Acórdãos – proferidos nos processos n.º 75/20.6BALSB e n.º 64/20.0BALSB -, pelos quais se consolidou o entendimento – já antes consagrado em Acórdãos da Secção -, segundo o qual o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, ou, na outra versão, Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo

II - O entendimento contrário é discriminatório, nos termos do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

Estando a decisão recorrida em plena sintonia harmonia com esta jurisprudência do STA, que entretanto se consolidou, e tendo o recurso sido admitido, não há que conhecer do respectivo mérito, porquanto dispõe o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT, que o recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, o que se verifica in casu.”

Nessa conformidade, foi uniformizada jurisprudência no seguinte sentido:

«o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.»

(…)”

A posição aqui manifestada pelo Pleno da SCT do STA, não deixa margem para dúvidas sobre a existência de uma jurisprudência consolidada no sentido justamente adotado pelo TAF de Sintra.

Importa, ainda, convocar o recente acórdão do TJUE, no processo C‑388/19, de 18/03/21, proferido em sede de pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267° TFUE, pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal). Justifica-se a convocação de tal jurisprudência, sobretudo para esclarecer a Recorrente quanto ao alcance da opção de tributação dos não residentes (justamente as mais –valias) segundo as mesmas modalidades que os residentes, ponto em que a Recorrente põe especial ênfase.

Com efeito, escreveu-se em tal acórdão, no que para aqui importa, que:

“(…)

42 Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.os 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.°, n.° 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, e outro que não o é.

43 Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

44 Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.° TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C‑440/08, EU:C:2010:148, n.° 52).

45 Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C‑440/08, EU:C:2010:148, n.° 53 e jurisprudência referida).

46 Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.° 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.

47 Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à questão submetida que o artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável”.

Concluindo, atendendo à matéria de facto já evidenciada e face ao acervo de jurisprudência convocada (nacional e da União Europeia), a qual se mostra uniforme, é sem hesitações que se acompanha o decidido em 1ª instância, no sentido de o ato de liquidação encerrar uma ilegalidade, na parte que respeita exclusivamente à não aplicação à Recorrida da limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas, por aquela ser não residente em território nacional, uma vez que a norma do nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.

Sem necessidade de outros considerandos, há que julgar improcedentes todas as conclusões da alegação de recurso e negar provimento ao mesmo.


*




III- DECISÃO




Face ao exposto, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 30/09/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Isabel Fernandes e Jorge Cortês]


Catarina Almeida e Sousa