Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1195/11.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/24/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IRS
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
Sumário:I - Recai sobre os contribuintes o dever de declarar anualmente os rendimentos auferidos no ano anterior (artigo 57º CIRS) e o incumprimento desse dever é censurável e passível de ser sancionado.
II - A falta de apresentação atempada da declaração dos rendimentos, conduz à emissão de liquidação oficiosa de IRS respeitante ao ano em falta, efetuada com base os elementos de que disponha a Autoridade Tributária e Aduaneira.

III - Esta liquidação oficiosa é por natureza uma liquidação provisória uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode na sequência de inspeção tributária vir a alterar a mesma.

IV - O sujeito passivo pode entregar declaração de rendimentos, dentro do prazo de caducidade estabelecido nos artigos 45.º e 46.º da LGT, que ainda que não goze da presunção de veracidade não podia ser totalmente ignorada na sua substância.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por I…, contra o ato de liquidação de Imposto sobre Pessoas Singulares (IRS), relativo ao exercício de 2009, no valor global de € 24 955,63, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a recorrente, Autoridade Tributária e Aduaneira, formula as seguintes conclusões:

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial interposta por I..., NIF 102..., deduzida contra a liquidação oficiosa de IRS n.º 2011 500… e juros compensatórios, referente ao ano de 2009, no montante apurado de imposto a pagar de € 24.955,63

B. A Fazenda Pública, com o devido respeito, não pode conformar-se com a douta Sentença, aqui recorrida, face ao entendimento de que a mesma procede a um desacertado julgamento da matéria de facto, incorrendo em consequente erro de julgamento de direito, com violação do disposto no art.º 76.º do CIRS, na redacção vigente à data dos factos.

C. A questão decidenda nos presentes autos consiste em saber se a entrega da declaração de substituição do IRS de 2009, apresentada já depois da emissão da liquidação oficiosa efectuada pela AT, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 76.º do CIRS, mas ainda dentro do prazo da caducidade, poderá produzir os efeitos de anular a liquidação controvertida nos autos.

D. Nos termos do disposto no n.º 1 al. b) do CIRS, “Não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Direção-Geral dos Impostos disponha, na redacção à data dos factos”.

E. E, de acordo com o estatuído no n.º 2 do mesmo artigo “Na situação referida na alínea b) do número anterior, o rendimento líquido da categoria B determina-se em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no n.º 2 do artigo 31.°.

F. Por sua vez, dispõe o n.º 3 do citado artigo que “Quando não seja apresentada a declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efectuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.º e sendo apenas efectuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º e no n.º 3 do artigo 97.º.

G. A AT, tomando em consideração os valores declarados em sede de IVA, pela recorrida no de 2009, no montante de € 57.316,50, e em estrito cumprimento dos normativos atrás enunciados, estruturou a liquidação oficiosa aqui sindicada, atendendo às regras do regime simplificado expressando e aplicando-lhe o coeficiente mais elevado previsto no nº 2 do art.º 31º do CIRS.

H. Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 76.º do CIRS “Em todos os casos referidos no n.º 1, a liquidação pode ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.

I. Todavia, estes dois artigos da L.G.T. apenas se referem a prazos (de caducidade do direito a liquidação e seu modo de contagem), e não aos termos em que a liquidação pode ser corrigida.

J. A correcção de um acto tributário pode ser obtida, nos termos do artº.79, nº.1, da L.G.T., através de revogação, ratificação, reforma, conversão ou rectificação.

K. Igualmente se deve levar em consideração o prazo e condições de revisão do acto tributário previstos no artº.78, da L.G.T.

L. A dita norma constante do artº.76, nº.4, do C.I.R.S., deve ser interpretada no sentido de a liquidação poder ser corrigida, antes de completado o prazo de caducidade, nos termos dos ditos artºs.78 e 79, da L.G.T.

M. Atendendo ao elemento teleológico da interpretação do n.º 4 do art.º 76.º do CIRS, a intenção do legislador não foi a de afastar a aplicação do n.º 2, isto é, as regras do rendimento líquido da categoria B em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, sob pena de assim ser possível contornar a não entrega de declaração.

N. O que se visa com o disposto no n.º 2 do art.º 76.º do CIRS é penalizar o incumprimento e desincentivar a não entrega de declaração.

O. No caso concreto, face à falta de apresentação da declaração mod. 3 de IRS de 2009, nem no prazo legal, nem depois de a recorrida haver sido expressamente notificada para o fazer, o rendimento liquido da categoria B só poderia ter sido determinado em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no n.º 2 do artigo 31.º nos termos definidos no art.º 76.º n.º 1 e 2 do CIRS.

P. Assim, conjugadas as disposições dos artigos 31.º n.º 2 com o disposto o artigo 76.º n.º 1 e 2 todos do CIRS, deve manter-se na ordem jurídica a liquidação adicional do IRS nos termos em que foi efectuada.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação totalmente improcedente.

Sendo que, V. Exas. Decidindo, farão a Costumada Justiça.»



Nas contra-alegações, a Recorrida I..., formula as seguintes conclusões:

1. A douta sentença sob recurso não merece qualquer censura.

2. Entendeu o Tribunal a quo que a falta de apresentação da declaração modelo 3 do IRS relativa ao ano de 2009 dentro do prazo legal permitiu à Administração Fiscal (AF) a emissão da declaração oficiosa e a consequente liquidação, em 26/01/2011, nos termos do disposto no art. 76.º, n.º 2 do CIRS.

3. Dali resultou que os rendimentos tributáveis o fossem como prestações de serviços e não como vendas, com a consequente aplicação de um coeficiente mais elevado, conforme art. 31.º, n.º 2 do CIRS.

4. No entanto, a douta sentença considerou provada a apresentação via internet, em 28/01/2011, pela impugnante ora Recorrida, da declaração de IRS relativa ao ano de 2009 (2.1. FACTOS PROVADOS, al. G, a fls. 5 da decisão sob recurso).

5. Declaração que foi recepcionada e validada pela AF, conforme se alcança do documento a fls. 9 a 15 dos autos.

6. Por outro lado, e tal como refere a douta decisão sob recurso, o valor bruto dos rendimentos auferidos em 2009 no âmbito da actividade independente (categoria B) é igual ao da liquidação oficiosa promovida pela AF, ou seja, € 57 316,50, pelo que a única diferença reside no facto de a Recorrida os ter declarado como vendas, às quais se aplicaria um coeficiente de 20% (cf. art. 31.º, n.º 2 do CIRS).

7. Em virtude da apresentação daquela declaração, o Tribunal recorrido considerou que deve atender-se ao preceituado no n.º 4 do art. 76.º do CIRS “… nos termos do qual, a liquidação emitida nos casos previstos no n.º 1 e portanto, também nos casos das liquidações oficiosas, pode ser corrigida, dentro dos prazos e nos termos do art. 45.º e 46.º da LGT”.

8. De acordo com o doutamente decidido, a única determinação legal para a correcção das liquidações de IRS é que a mesma “… tenha lugar dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação (…) nada se referindo “… quanto à forma dessa correcção (declaração ou reclamação graciosa) ou quanto aos aspectos a corrigir…”.

9. Mais considerou o Tribunal recorrido que a doutrina administrativa emitida pela AF não vincula os Tribunais, como é, no caso, o ofício-circulado n.º 20142, de 03/12/2009.

10. Concluindo, assim, que a declaração apresentada pela ora Recorrida em 28/01/2011 respeita o prazo de caducidade previsto no art. 45.º da LGT.

11. Por isso, decidiu que a AF ao não considerar “… a declaração apresentada pela Recorrida dentro do prazo de caducidade, designadamente quanto à qualificação dos rendimentos da actividade independente como vendas e não prestações de serviços (…) a liquidação impugnada não pode subsistir na esfera jurídica da impugnante, o que determina a sua anulação, no montante que corresponder aos rendimentos da categoria B de IRS auferidos (…) no ano de 2009.”.

12. A FP interpôs recurso daquela decisão, alegando, em síntese, o seguinte:

a). a AF tomou em consideração os valores declarados pela Recorrida em sede de IVA no ano de 2009 e, com base neles procedeu à liquidação oficiosa;

b). essa liquidação oficiosa atendeu às regras do regime simplificado de que resultou a aplicação do coeficiente mais elevado previsto no art. 31.º, n.º 2 do CIRS;

c). é certo que nos termos do n.º 4 do art. 76.º do CIRS, a liquidação pode ser corrigida dentro dos prazos e nos termos previstos nos arts. 45.º e 46.º da LGT;

d). no entanto, aqueles artigos da LGT apenas se referem a prazos de caducidade do direito à liquidação e seu modo de contagem, e não aos termos em que a liquidação pode ser corrigida;

e) a correcção de um acto tributário pode ser obtida nos termos do art. 79.º, n.º 1 da LGT, através de revogação, ratificação, reforma, conversão ou rectificação;

f). também se deve levar em consideração o prazo e condições de revisão do acto tributário previstos no art. 78.º da LGT;

g). salienta-se, no entanto, que, conforme ficou provado, a Recorrida apresentou a declaração do IRS do ano de 2009, em 28/01/2011, mas fê-lo já depois de emitida a liquidação oficiosa;

h). por isso, a apresentação de tal declaração é intempestiva, nos termos dos arts. 60.º e 76.º, n.º 3 do CIRS;

i). a douta sentença recorrida não fez uma correcta interpretação do disposto no art. 76.º do CIRS;

m). donde, conjugadas as disposições dos arts. 31.º, n.º 2 e 76.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS, deve manter-se na ordem jurídica a liquidação adicional (?) impugnada.

13. Salvo o devido respeito, carecem de fundamento os argumentos aduzidos pela Ilustre Representante da FP no seu recurso.

14. Deve sublinhar-se que a declaração de IRS, apresentada pela Recorrida em 28/01/2011, foi recepcionada e validada pelos serviços da AF, que emitiram o respectivo comprovativo, dele constando a identificação da declaração, bem como o código de validação, tudo conforme documento a fls. 9 a 15 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

15. Fica, assim, por entender como é que tendo sido já emitida pela AF a liquidação oficiosa, em 26/01/2011 – dois dias antes da declaração apresentada pela Recorrida -, os serviços tenham recepcionado e validado aquela outra.

16. Com efeito, seguindo a argumentação expendida no recurso da FP, a declaração apresentada pela Recorrida em 28/01/2011 não deveria ter sido recebida, muito menos validada, porque “intempestiva”!

17. No entanto, conforme demonstrado, e resulta provado (alíneas F e G dos FACTOS PROVADOS, a fls. 5 da douta sentença) não foi isso que ocorreu.

18. Na verdade, os serviços da AF, ao recepcionarem e validarem a declaração apresentada, limitaram-se a aceitar a correcção da liquidação oficiosa, nos termos do supracitado art. 76.º, n.º 4 do CIRS, isto é, dentro do prazo de caducidade previsto nos arts.45.º e 46.º da LGT.

19. O mesmo prazo de caducidade que também permite à AF a correcção dos rendimentos e demais elementos declarados pelo contribuinte e, sendo o caso, a realização de uma liquidação adicional.

20. Assim, o preceituado no art 76.º, n.º 2 do CIRS apenas pode significar a possibilidade de a AF promover uma liquidação que seguirá os seus termos legais, designadamente cobrando o tributo assim liquidado, sempre que o contribuinte não venha a apresentar dentro dos prazos previstos nos arts. 45.º e 46.º da LGT (prazos de caducidade) qualquer declaração de IRS.

21. O que não é o caso dos autos, como é manifesto.

22. Por outro lado, deve entender-se que o regime contido no art. 76.º, n.º 2 do CIRS, na redacção ao tempo vigente, não pode representar uma sanção que colida com o princípio da tributação do rendimento real.

23. Deve aqui convocar-se o decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) no Acórdão proferido em 05/12/2018 no processo 0220/11.2BEVIS 0286/2018 (in www.dgsi.pt): “No caso dos autos essa declaração relativa ao referido ano de 2009 veio a ser apresentada pela contribuinte (…) E, ainda que a entrega desta declaração não pudesse ter como efeito necessário a anulação da liquidação oficiosa, desde logo por não beneficiar da presunção de verdade estabelecida no artº 75º da LGT (…) devia ter sido considerada e livremente valorada pela AT na procura tanto quanto possível da verdade fiscal, não se aceitando que o nº 2 do artigo 76º do CIRS encerre uma sanção obstativa do alcance do princípio da tributação do rendimento real” (sublinhado nosso).

24. No caso em apreço o valor bruto dos rendimentos auferidos em 2009 no âmbito da actividade independente (categoria B) é igual ao da liquidação oficiosa promovida pela AF (€ 57 316,50) pelo que não está sequer em causa a presunção de verdade estabelecida no art. 75.º da LGT.

25. O decidido no douto Acórdão do STA em análise não consente dúvidas sobre a insubsistência da liquidação oficiosa promovida pela AF sempre que o contribuinte faça uso atempado - dentro do prazo de caducidade – da possibilidade conferida pelo n.º 4 do art.76.º do CIRS, apresentando a respectiva declaração.

26. Como bem refere “… a contribuinte enquanto sujeito passivo de IRS que incorreu em omissão declarativa do tributo, podia, após a liquidação oficiosa e respeitados os prazos legais, apresentar, como apresentou, a declaração modelo 3 de IRS, que se configura como que “uma declaração de substituição da liquidação oficiosa”. Tal decorre do disposto no nº 4 artº 76º do CIRS que constitui letra da lei que não pode ser ignorada sendo essa a vontade do legislador que aditou este número através da Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro) e que se aplica já à liquidação questionada que é de 2009”.

27. No mesmo sentido, também o douto Acórdão deste Tribunal Central Administrativo proferido em 10/11/2016 no proc. 06790/13, quando refere “5. A estruturação da liquidação oficiosa ao abrigo do artº.76, nº.3, do C.I.R.S., em virtude do incumprimento do dever declarativo do sujeito passivo, tem por base os elementos de que a Fazenda Pública disponha, não atendendo ao mínimo de existência consagrado no artº.70, do C.I.R.S., e mais levando em consideração somente as deduções previstas nos artºs.79, nº.1,al.a), e 97, nº.3, do C.I.R.S.

6. Esta liquidação oficiosa de I.R.S. é passível de ser reformada, por força do artº.76, nº.4, do C.I.R.S., desde que dentro dos prazos e nos termos previstos nos artºs.45 e 46, da L.G.Tributária.”

28. Em face do exposto não pode proceder a liquidação oficiosa promovida pela AF por violação, nomeadamente, do que se dispõe nos arts. 76.º n.º 4 do CIRS e 45.º e 46.º da LGT.

29. Devendo, em consequência, ser confirmada a douta decisão sob recurso.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Excias, Senhores Desembargadores, melhor suprirão, deve a sentença recorrida ser mantida.

V. Excias., melhor decidindo, farão a costumada Justiça.



O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.



Os autos foram com vista ao Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber, em suma, se se verifica erro de julgamento na apreciação dos factos e na aplicação do direito.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) A Impugnante não apresentou a declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2009, dentro do prazo legal para o efeito – alegado e não contestado;

B) Através de ofício expedido em 16/09/2010, sob o registo postal RY511108744PT foi remetida à Impugnante “notificação de Código de Análise de IRS” – cfr. fls. 51 do PA;

C) Do sítio informático dos CTT, consta que o registo postal RY511108744PT foi entregue em 17/09/2010 – cfr. fls. 52 dos autos;

D) Em 22/01/2011 foi elaborada em nome da Impugnante, como único sujeito passivo, “declaração oficiosa” de IRS do ano de 2009, ora a fls. 53 a 58 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

E) No anexo B da declaração referida em D), foi inscrito o valor de € 57 316,50, no campo relativo a “prestações de serviços e outros rendimentos (inclui Mais-Valias) ”do quadro “Rendimentos Agrícolas, Silvícolas e Pecuários” – cfr. fls. 55 do PA;

F) Em 26/01/2011 foi emitida a liquidação de IRS n.º 2011 50000…, ora impugnada – cfr. fls. 18 dos autos;

G) Em 28/01/2011, foi submetida via internet, em nome de I..., ora Impugnante, relativamente ao ano de 2009, a declaração n.º 1589-J3429-62, ora a fls. 9 a 15 dos autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

H) No anexo B da declaração referida em G), foi inscrito o valor de € 57 316,50, no campo relativo a “vendas de produtos” do quadro “Rendimentos Agrícolas, Silvícolas e Pecuários” – cfr. fls. 11 dos autos;

I) Na declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2007, n.º 3158-…-67, foi inscrito no anexo B em nome da Impugnante, o valor de € 45 074,50, no campo relativo a “vendas de produtos” do quadro “Rendimentos Agrícolas, Silvícolas e Pecuários” – cfr. fls. 21 dos autos;

J) Na declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2008, n.º 1589-…-42, foi inscrito no anexo B em nome da Impugnante, o valor de € 28 892,70, no campo relativo a “vendas de produtos” do quadro “Rendimentos Agrícolas, Silvícolas e Pecuários” – cfr. fls. 33 dos autos;

K) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada no Serviço de Finanças de Torres Vedras em 06/06/2011 – cfr. fls. 2 dos autos.»



Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

1) Que a Impugnante fosse casada no ano de 2009;

2) Que tenha pretendido apresentar via internet em 24/01/2011, declaração de rendimentos relativa ao ano de 2009, como casada.»


E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo administrativo, conforme indicado em cada uma das alíneas.

Quanto aos factos não provados, porque embora alegados pela Impugnante e que se provariam por documento, os mesmos não foram juntos aos autos.»



II.2 Do Direito

Vem a Autoridade Tributária e Aduaneira, recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada contra a liquidação oficiosa de IRS do ano de 2009, e a anulou parcialmente na parte respeitante aos rendimentos auferidos pela contribuinte na categoria B de IRS.

Nas alegações apresentadas a Recorrente alega que o tribunal a quo procedeu a um desacertado julgamento da matéria de facto, incorrendo em consequente erro de julgamento de direito, com violação do disposto no art.º 76.º do CIRS, na redação vigente à data dos factos (conclusão 2 das alegações de recurso).

O Recorrente discorda, nestes termos singelos, do julgamento da matéria de facto adotado na decisão recorrida.

Todavia, na impugnação da matéria de facto, impõe a lei, nos termos do disposto no artigo 640º CPC, um ónus rigoroso cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso.

Ora, o Impugnante e ora Recorrente não identifica os factos que entende terem sido mal julgados: quer por terem sido dados como provados quando o não deveriam ter sido, quer os que foram desconsiderados e considera serem relevantes à decisão, com indicação dos meios de prova que suportam esta sua pretensão de alteração do probatório.

Com efeito, o Recorrente não indica nas alegações e respetivas conclusões os factos que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, e a decisão que, no seu entender pretende aditar, complementar ou substituir, limitando-se a apresentar razões de discordância com o decidido na sentença por entender que os documentos carreados para os autos não foram tomados em devida consideração. Em suma, não requer qualquer alteração ou aditamento, seja por complementação, seja por substituição, da matéria assente, apenas argui o erro de julgamento, discordando do decidido.

Assim, e sem necessidade de mais fundamentar, rejeita-se o recurso nesta parte.

Recapitulemos os factos assentes na sentença recorrida:
(i) A Impugnante e ora Recorrida, no ano de 2009, auferiu rendimentos das categorias A, B e F) de IRS;
(ii) E não entregou atempadamente a declaração de rendimentos relativa a esse ano de 2009;
(iii) Em 26 de janeiro de 2011, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação oficiosa que vem impugnada;
(iv) Posteriormente à emissão da liquidação oficiosa a Impugnante a ora Recorrida entregou declaração de rendimentos em que declara que os rendimentos auferidos na categoria B de IRS são relativos a vendas e não a prestações de serviços, contrariamente ao que foi considerado na liquidação oficiosa impugnada.

A questão suscitada nos presentes autos, prende-se, sobretudo, com a tributação dos rendimentos auferidos pela Contribuinte na categoria B) de IRS, rendimentos empresariais.

Como conclui a Recorrente na alínea C) das alegações de recurso a questão a decidir consiste em saber se a entrega da declaração de substituição do IRS de 2009, apresentada já depois da emissão da liquidação oficiosa efectuada pela AT, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 76.º do CIRS, mas ainda dentro do prazo da caducidade, poderá produzir os efeitos de anular a liquidação controvertida nos autos.

Como é consabido, recai sobre os contribuintes o dever de declarar anualmente os rendimentos auferidos no ano anterior (artigo 57º CIRS) e que o incumprimento desse dever é censurável e passível de ser sancionado.

Nos termos do artigo 76º CIRS, com a redação aplicável, aliás transcrito na sentença recorrida:
1 - A liquidação do IRS processa-se nos termos seguintes:
a) (…);
b) Não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha;
c) Sendo superior ao que resulta dos elementos a que se refere a alínea anterior, considera-se a totalidade do rendimento líquido da categoria B obtido pelo titular do rendimento no ano mais próximo que se encontre determinado, quando não tenha sido declarada a respetiva cessação de atividade.
2 - Na situação referida na alínea b) do número anterior, o rendimento líquido da categoria B determina-se em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no n.º 2 do artigo 31.º.
3 - Quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efetuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.º e sendo apenas efetuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º e no n.º 3 do artigo 97.º.
4 - Em todos os casos previstos no n.º 1, a liquidação pode ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.»


Assim a falta de apresentação atempada da declaração dos rendimentos, conduziu à emissão da liquidação oficiosa de IRS respeitante ao ano de 2009, efetuada com base os elementos de que dispunha a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo sido apurado um rendimento coletável na categoria B de IRS de € 57 316,50.

Anote-se que não vem questionado nos presentes autos a quantificação dos rendimentos que serviram de base à liquidação oficiosa impugnada, tendo o rendimento líquido da categoria B sido determinado em conformidade com o regime simplificado de tributação, socorrendo-se aos valores apurados em sede de IVA.

A liquidação oficiosa teve, pois, por base o rendimento assim apurado com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no nº 2 do artigo 31º CIRS (artigo 76/2 CIRS).

Depois da emissão da liquidação oficiosa a Impugnante e ora Recorrida apresentou a declaração de rendimentos e no anexo B da declaração inscreveu o montante de € 57 316,50, no campo relativo a vendas de produtos do quadro Rendimentos Agrícolas, Silvícolas e Pecuários [cf. alínea H) dos factos provados].

Na declaração apresentada o sujeito passivo não alterou o montante do rendimento que tinha sido apurado com base nos elementos de que Autoridade Tributária e Aduaneira dispunha.

Com a apresentação da declaração pretendia a Contribuinte alterar a qualificação dos refendimentos da categoria B de IRS, como vendas e não como prestações de serviços, afastando, pois, a aplicação do coeficiente mais elevado para apuramento ou determinação do imposto a pagar.

Em regra, nos termos do artigo 75/1 da Lei Geral Tributária, presumem-se e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei.

Mas já não será assim, no caso em que a declaração é apresentada fora do prazo legal e depois da liquidação oficiosa.

Nesse sentido tem decidido a jurisprudência dos tribunais superiores, da qual citamos o Ac. STA de 2018.12.05, proferido no Proc. nº 0…/11.2BEVIS, disponível em www.dgsi.pt, também citado na decisão recorrida, [as declarações apresentadas fora de prazo] (…) não gozam da presunção de veracidade (artº 75º nº 1 da LGT), mas no reverso não pode ignorar-se o disposto no artº 76º nº 4 do CIRS, vigente à data dos factos, que alguma razão de ser, na harmonia do sistema legislativo, há-de ter e que a nosso ver possibilita/impõe à Administração Tributária a correcção da liquidação oficiosa por si elaborada quando seja suprida pelo sujeito passivo a sua falta declarativa dentro dos prazos ali previstos.
(…)
Acresce referir que, a liquidação oficiosa efectuada pela AT é por natureza uma declaração provisória ainda que estejamos em sede de IRS uma vez que a AT pode na sequência de inspecção tributária vir a alterar a mesma.
(…) não se aceitando que o nº 2 do artigo 76º do CIRS encerre uma sanção obstativa do alcance do princípio da tributação do rendimento real. Vemos antes na expressão legal do referido preceito uma forma/método(s) de edificar uma liquidação a que será de dar o devido seguimento com as consequências legais, no caso de o contribuinte não a impugnar ou nunca (…) vir a apresentar dentro dos aludidos prazos dos artigos 45º e 46º da LGT qualquer declaração de IRS, situação que não se verificou no caso dos autos.

Está, pois, em causa nos presentes autos, saber se a liquidação oficiosa efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em que o rendimento foi fixado nos termos previstos no artigo 76º CIRS, pode ainda assim ser corrigida pelo sujeito passivo, dentro do prazo de caducidade estabelecido nos artigos 45.º e 46.º da LGT e no artigo 92.º CIRS.

Ora, como vimos, a declaração apresentada pela Impugnante, ora Recorrida, foi submetida em 2011.01.28 e, logo, antes de se completar o prazo de caducidade.

Contudo, esta liquidação oficiosa é por natureza uma liquidação provisória uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode na sequência de inspeção tributária vir a alterar a mesma e que, por isso mesmo, esta não deveria, sem mais averiguar, desconsiderar a declaração apresentada.

Não tem, aliás, razão a Recorrente quando defende que o artigo 76/2 CIRS tenha natureza sancionatória e que deve ser interpretado no sentido de afastar a possibilidade de correção da liquidação oficiosa.

A sentença recorrida citou e seguiu a jurisprudência vertida no citado Acórdão do STA, proferido no Proc. nº 0220/11.2BEVIS, no sentido de:
“No presente caso a apresentação da declaração de substituição, referida na alínea I) do probatório, dentro do prazo de caducidade previsto no artº.45, nº.1, da L.G.T. (cfr.artº.76, nº.4, do C.I.R.S.), não podia ser desconsiderada na sua substância, como o foi pela AT (…)”, logo, “[n]o caso dos autos a declaração modelo 3 do IRS (a que vimos por facilidade de expressão chamando “de substituição” porque visa substituir a declaração oficiosa apresentada pela AT na circunstância de omissão declarativa do contribuinte mesmo depois de notificado para a prática do acto declarativo) foi apresentada não na sequência de uma primitiva declaração do contribuinte (que inexistiu) mas na sequência da declaração oficiosa elaborada pela AT e nas circunstâncias dos autos, necessariamente antes de ao sujeito passivo ser dada a conhecer a liquidação. Nestas condições, salvo o devido respeito por opinião diversa, devia ter sido considerada a declaração do contribuinte em toda a extensão do seu conteúdo como mais um elemento a considerar para uma eventual reforma/correcção da liquidação oficiosa com prévio recurso aos serviços de inspecção tributária em ordem ao apuramento da verdade fiscal. Neste sentido segundo cremos a lição de J. Lopes de Sousa no seu CPPT comentado e Anotado 6ª edição vol. I página 507 a 509.

Assim, ao decidir que a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter ponderado e considerado a declaração apresentada pela Impugnante e ora Recorrida, dentro do prazo de caducidade, designadamente quanto à qualificação dos rendimentos da atividade independente como vendas e não prestações de serviços, e determinar a anulação da liquidação, no montante que corresponder aos rendimentos da categoria B de IRS auferidos pela Impugnante no ano de 2009, não merece a censura que lhe foi feita e é de manter.

Termos em que improcedem as alegações de recurso.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, custas são pela Recorrente que ficou vencida.


Sumário/Conclusões:


I. Recai sobre os contribuintes o dever de declarar anualmente os rendimentos auferidos no ano anterior (artigo 57º CIRS) e o incumprimento desse dever é censurável e passível de ser sancionado.

II. A falta de apresentação atempada da declaração dos rendimentos, conduz à emissão de liquidação oficiosa de IRS respeitante ao ano em falta, efetuada com base os elementos de que disponha a Autoridade Tributária e Aduaneira.

III. Esta liquidação oficiosa é por natureza uma liquidação provisória uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode na sequência de inspeção tributária vir a alterar a mesma.

IV. O sujeito passivo pode entregar declaração de rendimentos, dentro do prazo de caducidade estabelecido nos artigos 45.º e 46.º da LGT, que ainda que não goze da presunção de veracidade não podia ser totalmente ignorada na sua substância.



III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente que decaiu.

Lisboa, 24 de março de 2022

Susana Barreto


Tânia Meireles da Cunha


Cristina Flora