Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1924/08.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/28/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:FATURAS FALSAS
PROVA
IVA
Sumário:I. A circunstância de a empresa emitente das faturas estar indiciada por emissão de faturas falsas e ter falhas declarativas e de cumprimento das suas obrigações (considerando que a AT se fundou exclusivamente no n.º 3 do art.º 19.º do CIVA) não afasta o facto de ter ficado provado que foram prestados os serviços por quem se apresentou perante a Impugnante, cuja boa-fé nunca foi posta em causa, como trabalhador / encarregado da sociedade emitente das faturas.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 10.12.2020, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por E. – T. – T., S.A. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto as liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e as dos respetivos juros compensatórios, relativas aos meses compreendidos entre janeiro e dezembro de 2004.

Apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“i. Vem a presente Impugnação interposta contra os atos tributários de liquidação adicional de IVA e correlativos juros compensatórios, referente aos períodos compreendidos entre Janeiro e Dezembro de 2004, no montante de €47.358,05 resultantes da desconsideração da dedução do imposto (IVA) mencionado nas faturas emitidas pela “E. E.”, que a Administração Tributária entendeu não existir por considerar que as operações eram simuladas - artigo 19.º n.º 3 do CIVA - em virtude de os serviços descritos nessas faturas não terem sido prestados pelo respetivo emitente.

ii. Salvo o devido respeito, a douta sentença incorre em erro de julgamento que resulta, não só da incorreta valoração da factualidade assente como também da errónea interpretação e violação da lei.

iii. Estando em causa operações simuladas cabe à AT demonstrar os indícios consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as faturas não titulam operações reais para cumprir o ónus da prova (art.º 74 n.º 1 e 75.º n º 2 da LGT)

iv. Ora, conforme resulta da sentença recorrida, a AT logrou fazer tal prova.

v. Recaindo sobre a impugnante a prova de que os serviços descritos nas faturas foram efetivamente prestados pelo emitente das faturas (“E. E.”).

vi. Salvo o devido respeito, considera a Fazenda Pública que não foi feita essa prova pela Impugnante.

vii. Nos autos não existem elementos probatórios que comprovem de forma inequívoca que os serviços subjacentes às faturas emitidas pela “E. E.”, cujo IVA foi deduzido pela impugnante, foram efetivamente efetuados.

viii. Assim é de concluir que não tendo a impugnante logrado demonstrar que as faturas em causa titulam serviços realmente prestados não pode o IVA ser deduzido nos termos do art 19.º n.º 3 do CIVA.

ix. Em face do exposto, deve a sentença sufragada pelo Tribunal a quo ser revogada por Vossas excelências, em consequência, deverá a mesma ser substituída por nova decisão que contemple a interpretação de Direito supra explanada, dando-se provimento à pretensão da recorrente.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO

A COSTUMADA JUSTIÇA”.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questões a decidir:

a) Há erro de julgamento, em virtude de a administração tributária (AT) ter reunido indícios suficientes de se estar perante uma situação de utilização de faturas falsas e de a Impugnante não ter logrado demonstrar a efetividade das operações?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1)A Impugnante é uma sociedade anónima, cujo objeto social consiste no “Comércio de material e a indústria de instalações, compreendendo a tecnologia de sistemas de comando e de sinalização em geral e seus automatismos de electrónica aplicada à indústria de instalações electromecânicas e luminosas em geral, de instalações de electromedicina e, ainda, o fabrico e montagem de peças destinadas a tais aplicações e à electrónica em geral, tanto analógicas como digital” - cf. cópia da certidão permanente da Impugnante junta entre fls. 118 a 121 dos autos, documento que se dá por integralmente reproduzido.

2) A ação inspetiva desencadeada à ora Impugnante “… foi despoletada a partir do ofício n.º4740, de 28/09/2006, remetido pela Polícia Judiciária – Departamento de Investigação Criminal de Leiria, referente ao processo de inquérito n.º4/03.1 IDACB (Secção BRICCEF), de acordo com o qual o sujeito passivo E. T .T. SARL (doravante designada por SP), com o NIF – 5….., terá contabilizado facturas provenientes de uma empresa indiciada como emitente de facturação falsa, nomeadamente a E. E. – L. e M. G., Lda., (doravante designado por “E. E.”), com o NIF – 5.., conforme consta das cópias certificadas das facturas encontradas num CD na posse do emitente, que acompanhava o ofício n.º6…, de 23/11/2006, remetido igualmente pela Polícia Judiciária – Departamento de Investigação Criminal de Leiria, em aditamento ao ofício supracitado, a saber: (Anexo I)

· Original da Factura n.º20/03, de 30/04/2003, no montante total de €23.681,00;

· Original do Recibo/Factura n.º20/03, de 30/04/2003, no montante total de €23.681,00;

· Triplicado da Factura n.º35/03, de 30/06/2003, no montante total de €37.128,00;

· Original do Recibo/Factura n.º47/03, de 30/07/2003, no montante total de €36.295,00;

· Duplicado do Recibo/Factura n.º56/03, de 29/08/2003, no montante total de €18.445,00;

· Triplicado da Factura n.º33/04, de 30/04/2004, no montante total de €1.734,43;

· Triplicado da Factura n.º34/04, de 30/04/2004, no montante total de €1.506,54;

· Triplicado da Factura n.º35/04, de 30/04/2004, no montante total de €2.356,20;

· Triplicado da Factura n.º36/04, de 30/04/2004, no montante total de €190,40;

· Triplicado da Factura n.º37/04, de 30/04/2004, no montante total de €22.865,85;

· Original do Recibo/Factura n.º39/04, de 31/05/2004, no montante total de €22.889,65;

· Triplicado da Factura n.º40/04, de 31/05/2004, no montante total de €1.972,43;

· Triplicado da Factura n.º41/04, de 31/05/2004, no montante total de €368,90. - cf. teor de fls.6 e 7 do relatório de inspeção tributária (RIT), ínsito no processo administrativo tributário (PAT) apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

3) A ora Impugnante possui contabilidade informatizada e organizada nos termos dos artigos 17.º, 115.º e 117.º, todos do Código do IRC, artigo 28.º do código do IRC, e artigo 28.º do código do IVA, não registando, nesta data, qualquer atraso de escrituração - cf. teor de fls.8 do RIT, ínsito no PAT apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

4) “Na sequência e com base no teor do supracitado ofício nº4740, de 28/09/2006, da Polícia Judiciária, e em antecipação às Ordens de Serviço que determinaram a acção inspectiva ao SP, através do ofício nº83474, de 17/10/2006 (remetido por via postal com o registo nº RO …… PT), nos termos do nº4 do artigo 59º da Lei Geral Tributária (LGT), efectuou-se um pedido de colaboração a esta entidade, através da qual foram solicitados:

- Os extractos de conta do fornecedor E. E. – Lda., relativos aos anos de 2003 a 2005 (inclusive), bem como, as cópias dos documentos neles registados e provas do seu pagamento;

- A identificação dos responsáveis da empresa fornecedora, que intervinham no relacionamento comercial;

- E, para a eventualidade de futuros contactos, a indicação do contacto telefónico e/ou departamento/secção/pessoa a contactar.

Em resposta ao pedido de colaboração, foi recepcionada a carta do SP (N/Entrada nº119771, de 09/11/2006), fornecendo os seguintes elementos:

- Fotocópias das facturas emitidas pela “E. E.” que foram contabilizadas pelo SP (ver Quadro I, na página seguinte), bem como dos inerentes recibos e/ou recibos/facturas emitidos pela mesma entidade;

-Extracto da conta corrente de Fornecedores “22….. – E. E., Lda”, de cada um dos anos, com a evidência dos lançamentos antes enunciados;

-Que o responsável da firma “E. E.”, que intervinha no relacionamento comercial, fora o Sr. C. F. (Ver ponto 3.2.6 – Análise ao Emitente/Prestador de Serviços “E. E.”);

(…) - cf. teor de fls.9 do RIT, ínsito no PAT apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

5) A Administração Fiscal (AF), “Após ter sido recebida e analisada a correspondência referida no ponto anterior, e antes de se dar início ao procedimento externo de inspecção, procedeu-se à consulta da informação disponível nos sistemas informáticos relativa às obrigações declarativas e de pagamentos inerentes ao SP, referentes ao período compreendido entre 2002 e 2005.

(…)

Dessa análise não se detectou qualquer irregularidade ou incumprimento ao nível declarativo e de pagamento.” - cf. teor de fls.13 do RIT, ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

6) “ANÁLISE CONTABILÍSTICA E FISCAL

Nos termos do artigo 50º do RCPIT, conciliado com o art.49º do mesmo diploma, em 31/05/2007 deu-se início à acção inspectiva, nas instalações do SP, através da assinatura da competente Ordem de Serviço, tendo-se desde logo iniciado a análise da informação contabilística e fiscal na sua posse, e inerentes documentos de suporte, relativamente ao ano de 2004 (ano de análise), com o objectivo de se analisar a relevação contabilística das facturas emitidas pela “E. E.”, cujas fotocópias constam da documentação remetida pelo já citado ofício proveniente da Polícia Judiciária, bem como das restantes facturas, emitidas pela mesma entidade, cujas cópias foram remetidas pelo SP.

Em simultâneo, procurou-se verificar a existência de outras facturas e/ou documentos contabilizados, nesse mesmo período, cujos emitentes fossem algumas das entidades identificadas no mesmo ofício.

Nesse sentido, efectuou-se uma análise exaustiva aos documentos arquivados nas pastas da contabilidade do SP directamente relacionados (demonstrações financeiras, balancetes, extractos de conta e documentos de suporte), a saber:

· Conta de Fornecimentos e Serviços Externos (62), e respectivas sub-contas;

· Conta de Fornecedores (22), e respectivas sub-contas;

· Conta de IVA (24), e respectivas sub-contas;

· Disponibilidades, designadamente as contas de Caixa (11) e Bancos (12).

Da análise efectuada, verificou-se que as facturas emitidas pela “E. E.” no ano de 2004, remetidas pelo SP na resposta ao pedido de colaboração, nas quais se incluem as facturas n.º33/04, 34/04, 35/04, 36/04, 37/04, 39/04, 40/04 e 41/04, encontravam-se relevadas contabilisticamente, não se tendo detectado, nesse ano, outros documentos emitidos por aquela entidade e/ou registo contabilístico de qualquer outro documento emitido por algumas das outras entidades identificadas no já citado ofício da Polícia Judiciária - cf. teor de fls.14 e 15 do RIT, ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

7) Contabilização das facturas emitidas pela "E. E.”

Os montantes totais inscritos em cada uma das respectivas contas, inerentes à contabilização das referidas facturas são resumidos no quadro seguinte:

Imagem: Original nos autos

Ao nível dos pagamentos, o SP, após ter solicitado essa informação junto das entidades bancárias com quem mantém relações comerciais, disponibilizou fotocópias frente e verso de alguns dos cheques (no total de 26) que terão sido utilizados para pagar à "E. E." pelos serviços por esta prestados prestados, nos anos de 2003. 2004 e 2005 (Ver Anexo V - por motivos de economia processual constam deste anexo apenas os cheques, no total de 11. inerentes aos pagamentos dos serviços efectuados em 2004 - Ver ponto 3.2.4 - Análise aos documentos apresentados pelo SP na resposta à notificação pessoal).

Quadro IV – Relação dos meios de pagamento apresentados pelo SP referente ao ano de 2004

cf. teor de fls.15 a 17 do RIT ínsito no PA apenso a este processo.

Imagem : Original nos autos

8) 3.2.3.2 Notificação Pessoal para prestação de esclarecimentos

Em virtude das facturas emitidas pela entidade "E. E." terem sido objecto de registo contabilístico por parte do SP, com as inerentes consequências ao nível fiscal (Iva deduzido e custo), e atendondo a que o mesmo alegou que os serviços que lhes estão por base haviam sido efectivamente prestados por aquela entidade (a qual, recorda-se, trata-se de uma empresa indiciada como emitente de facturação falsa - ver ponto 2.1. - Motivo), foi necessário recolher informação que comprovasse, por um lado que os referidos trabalhos foram de facto executados pela "E. E.”, e por outro, que os inerentes custos foram indispensáveis para a realização dos proveitos obtidos pelo SP.

Nestes termos:

1. Notificou-se pessoalmente o SP para que esclarecesse e comprovasse as operações realizadas com aquela entidade, provando a sustentabilidade das mesmas bem como a imprescindibilidade dos referidos custos (ver ponto 3.2.4);

2. No sentido de se verificar se os trabalhos, inerentes às facturas emitidas, foram de facto executados, e. a sô-lo, se o foram pela entidade que as emitiu, isto é. pela "E. E.", bem como da existência de estrutura apropriada por parte desta entidade para a execução dos mesmos, foram ouvidos em termo de declarações 3 dos intervenientes desses trabalhos, como tal identificados pelo SP (veros pontos 3.2.4 - ponto 6 e 3.2.5).

3. Posteriormente, e tendo por base a informação entretanto recolhida, houve a necessidade de efectuar uma nova notificação pessoal, na qual se solicitaram novos esclarecimentos. - cf. fls.17 do RIT ínsito no PAT apenso a este processo.

8)) A ora Impugnante apresentou a sua resposta - cf. resulta do RIT, ínsito no PAT, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

9) III- DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL

Com base nos vários elementos obtidos, referidos e analisados no capitulo anterior, designadamente no quo se refere à prova documental e testemunhai recolhida, verifica-se quo a intervenção da entidade "E. E.', ou dito de outra forma, do Sr C. F. (seu responsável), nas supostas relações comerciais mantidas com o SP. se limitou à elaboração e emissão das respectivas facturas. de acordo com as instruções dadas pelo Sr. A. C. O., inerentes aos trabalhos efectuados por este último e por um conjunto de homens sob a sua orientação.

Como tal. verifica-se que existiu simulação, quanto a um dos intervenientes. nas operações subjacentes aos já mencionados trabalhos, que todos os indícios levam a crer, no caso dos trabalhos de limpeza e manutenção das canalizações do sistema semafórico da cidade de Lisboa (SCAL), que foram efectivamente executados, porquanto foi uma entidade, "E. E.”, que emitiu as inerentes facturas, e outra, no caso o Sr. A. C. O. o um conjunto de homens sob a orientação deste, que os realizou.

Estas operações simuladas, ao nível da substituição de um dos intervenientes. que se verificam nas 67 facturas emitidas pela 'E. E.*, no ano de 2004. as quais foram objecto de registo contábilistico por parte do SP, com as inerentes consequências ao nível fiscal (Iva deduzido e custo), implicam que. em sede de cada um destes impostos em questão (IRC e IVA), sejam analisadas as inerentes consequências:

Em sede de IVA

Nos termos do n.° 3 do art.° 19.° do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (CIVA). "Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”.

Atendendo a que toda a prova recolhida evidencia o facto de que. na emissão de cada um das facturas inerentes aos já mencionados trabalhos de obra civil, se verifica a existência de uma operação simulada, quanto a um dos intervenientes, no caso a entidade „E. E.", pelo facto de não ter sido esta a executar os trabalhos, o SP não se encontraria, de acordo com aquela norma legal, em condições de poder deduzir o imposto constante nas facturas emitidas por aquela entidade, como o fez.

Como tal, o SP deverá proceder à regularização da sua situação tributária através da entrega de declarações periódicas de IVA, de substituição, para os meses de Janeiro a Dezembro de 2004, nas quais devem ser retirados os montantes de IVA anteriormente deduzidos, de acordo com o quadro seguinte:

Fls.30 a 31 do PAT apenso a este processo.

10) IV- MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

Toda a prova recolhida, referida e analisada no Capitulo II do presente projecto de relatório, evidencia o facto de que os trabalhos de limpeza e manutenção das canalizações do sistema semafórico da cidade de Lisboa (SCAL). mencionados nos oito autos de medição, apresentados pelo SP, e elaborados pela sua DirecçãoTécnica, relativos aos meses de Abril a Novembro de 2004, foram efectuados por um conjunto de homens, angariados pelo Sr. A. C. O., e a este subordinados, sem que nenhum deles, incluindo este último, tenha tido qualquer tipo de vinculo laborai de trabalho dependente e/ou independente, ou qualquer outro tipo de relação comercial, com a "E. E.", entidade que procedeu à emissão das correspondentes facturas.

No que respeita aos restantes trabalhos de obras civis de construção de novas canalizações, executados noutros concelhos do país. não abrangidos pelo já citado contrato de prestação de serviços, supostamente efectuados pela 'E. E.l' no ano de 2004. e referenciados nas restantes 59 facturas emitidas, nesse ano. por esta entidade, o SP não apresentou quaisquer elementos que comprovem que esses serviços foram efectuados (por aquela ou por outra entidade) e/ou que foram efectivamente pagos e/ou que foram indispensáveis nos termos do art. 23.° do CIRC.

A este respeito, importa salientar que. de acordo com o alegado pelo SP, tais serviços pelo facto de serem pontuais, de pequena dimensão e dispersos por várias zonas do país, foi adoptado um processo de controlo distinto, baseado na medição final obra a obra, elaboração da respectiva factura e pagamento em regime de conta corrente, sendo que os três meios de pagamento apresentados como tendo sido utilizados para fazer face a parte destes trabalhos, além de se tratarem de pagamentos parciais, não identificam as inerentes facturas a que respeitam, e encontram-se passados ao portador, impossibilitando assim aferir a que operações a que os mesmos respeitam.

Note-se que. como já foi amplamente referido, esta entidade. "E. E.', se trata, de acordo com a Polida Judiciária - Departamento de Investigação Criminal de Leiria, de uma empresa indidada como emitente de facturação falsa.

Não existem quaisquer indícios que apontem no sentido da entidade "E. E.' ter apresentado, no periodo em análise, qualquer exercido de actividade econômica, bem como de estrutura empresarial compatível com a execução dos serviços mencionados nas facturas por ela emitidas ao SP, e por este registadas contabilisticamente.

Mesmo que esta entidade. "E. E.", tenha, eventualmente, exercido qualquer tipo de actividade (o que se desconhece) e/ou possuido qualquer tipo de estrutura econômica, no periodo analisado, ficou igualmente demonstrado que nunca a exerceu e/ou utilizou, respectivamente, nas supostas relações comerciais mantidas com o SP.

Em súmula, da prova recolhida, verifica-se que a intervenção da entidade "E. E.", ou dito de outra forma, do Sr. C. F. (seu responsável), nas supostas relações comerciais mantidas com o SP. se limitou à elaboração e emissão das respectivas facturas. de acordo com as instruções dadas pelo Sr. A. C. O., inerentes aos trabalhos, supostamente, efectuados por este último e por um conjunto de homens sob a sua orientação.

Como tal. verifica-se que existiu simulação, quanto a um dos intervenientes, nas operações subjacentes aos já mencionados trabalhos de limpeza e manutenção das canalizações do sistema semafórico da cidade de Lisboa (SCAL), que todos os indicios levam a crer que foram efectivamente executados, porquanto foi uma entidade. "E. E.", que emitiu as inerentes facturas. e outra, no caso o Sr. A. C. O. e um conjunto de homens sob a orientação deste, que os realizou. Pelo exposto, e atendendo a que os documentos emitidos pela entidade 'Equipe Especial' foram objecto de registo contabilístico por parte do SP. com as inerentes consequências ao nível fiscal (Iva deduzido e custo), os elementos constantes da contabilidade do SP, inerentes à totalidade destas operações, não permitem a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis á correcta determinação da matéria tributável das mesmas, nos termos da alínea b) do art.° 87°. conciliada com a alínea a) do art° 88°, ambos, da LGT, bem como com o art.° 52° do CIRC. pelo que se irá proceder à determinação da matéria tributável subjacente a estas operações através da aplicação de métodos indirectos utilizando para tal os critérios enunciados no capítulo seguinte. – cf. doc. de fls.32 a 33 do PAT (correspondente ao RIT) apenso a este processo.

11) V- CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

Com base nos vários elementos obtidos, designadamente no que se refere à prova documental e testemunhai recolhida, todos os indícios apontam no sentido de que os trabalhos de limpeza e manutenção das canalizações do sistema semaíórico da cidade de Lisboa (SCAL), mencionados nos oito autos de medição elaborados pela Direcção Técnica do SP. relativos aos meses de Abril a Novembro de 2004 1. foram de facto efectuados.

Ficou igualmente demonstrado que o SP efectuou o pagamento inerente a esses serviços, bem como. que os mesmos foram indispensáveis para a realização dos proveitos, sujeitos a imposto, por si obtidos nesse exercício econômico.

Nestes termos, com base na prova recolhida, pese embora o facto da entidade que emitiu as facturas não ter sido aquela que os executou, existe uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte, neste caso, relativamente ao conjunto de operações em apreço, que permitem a determinação da sua matéria tributável por métodos indirectos nos termos da alínea i) do n.° 1 do art. 90° da LGT.

Assim, os valores propostos a corrigir com recurso a métodos indirectos, em sede de IRC, serão:

1. Todos os indicios apontam no sentido de que os serviços de limpeza e manutenção das canalizações do sistema semafórico da cidade de Lisboa (SCAL), relativos aos meses de Abril a Novembro de 2004, foram de facto efectuados por um conjunto de homens, angariados pelo Sr. A. C. O., e a este subordinados, sem que nenhum deles, incluindo este último, tenha tido qualquer tipo de vínculo laborai de trabalho dependente e/ou independente, ou qualquer outro tipo de relação comercial, com a 'E. E.", entidade que procedeu à emissão das correspondentes facturas;

2. O descritivo dos trabalhos efectuados. constante em cada uma das facturas emitidas relativamente aos serviços mencionados no ponto anterior, no total de oito, encontra-se de acordo com o respectivo auto de medição elaborado pela direcção técnica do SP;

3. Os montantes facturados estão de acordo com os valores constantes na respectiva proposta de orçamento, a qual apresenta os preços mais baixos comparativamente com as restantes duas propostas de orçamento apresentadas;

4. Esses serviços de limpeza e manutenção das canalizações do sistema semafórico da cidade de Lisboa (SCAL), foram efectuados no âmbito do contrato celebrado, em 2004, entre o SP e a Câmara Municipal de Lisboa (CML) para a aquisição de serviços e realização de trabalhos referentes ã manutenção permanente dos sistemas de sinalização semaíórica dessa cidade, pelo que se demonstra que os mesmos foram indispensáveis para a realização dos proveitos, sujeitos a imposto, obtidos pelo SP nesse exercido econômico;

5. Apesar dos respectivos beneficiários se tratarem, em alguns casos, de pessoas externas a ambas as entidades, o SP pagou todas as oito facturas. 2 ou 3 meses após a emissão das mesmas, através de cheques passados à ordem da entidade que as emitiu, pelo montante constante em cada uma delas o qual coincide com o constante nos inerentes autos de medição;

6. Os elementos constantes da contabilidade do SP, relativos ao ano de 2004. evidenciam os lançamentos inerentes aos documentos acima mencionados, quer quanto ao proveito obtido com o contrato de prestações de serviços celebrado com a CML, quer no que diz respeito à contabilização dos custos. Iva, meios de pagamento e conta corrente de fornecedor, relacionados com a facturaçào emitida, nesse período, pela firma 'E. E.”.

Pelo exposto, todos os elementos de prova recolhidos apontam no sentido de que os trabalhos em apreço (serviços de limpeza e manutenção das canalizações do sistema semafórico da cidade de Lisboa - SCAL) foram de facto efectuados por outra 'entidade" 2, pagos pelo SP, e que os mesmos foram indispensáveis para a realização dos seus proveitos, sujeitos a imposto, obtidos nesse exercício econômico, e como tal. o montante total inerente aos pagamentos por si efectuados. pela aquisição desses serviços, deverá ser deduzido à matéria colectável, desse ano. para efeitos de determinação do lucro tributável.

No que concerne a essa quantificação, todos os elementos recolhidos evidenciam o facto de que o encargo incorrido pelo SP, pela aquisição dos já citados serviços, no ano de 2004. corresponde ao somatório do valor das facturas anteriomiente referidas, no total de € 153.061.00 (ver facturas n.°s 37/04. 39/04, 45/04, 62/04, 71/04. 82/04, 97/04 e 98/04 - Anexo VI. fls. 21 a 44). pelo que deverá ser esse o montante a deduzir ao lucro tributável desse ano.

Já no que diz respeito ao montante facturado pela 'E. E.", no ano de 2004, no total de € 66.585,90. inerente aos restantes trabalhos de construção civil executados noutros concelhos do pais, não abrangidos pelo já citado contrato de prestação de serviços celebrado com a Câmara Municipal de Lisboa, supostamente efectuados por essa entidade, e referenciados nas restantes 59 facturas emitidas, o SP não apresentou quaisquer elementos que comprovem que os mesmos foram executados (por aquela ou por outra entidade) e/ou que foram efectivamente pagos e/ou que foram indispensáveis nos termos do art. 23.° do CIRC.

Nestes termos, esta correcção proposta de € 66.585.90, dada pela diferença entre os custos contabilizados pelo SP e os pela Administração fiscal aceites, resulta no essencial de não ter sido possível provar, por parte do SP, que os mesmos foram executados e/ou as entidades que efectivamente terão prestado os serviços e/ou que foram pagos, em oposição às provas por nós exibidas. - cf. teor de fls.34 a 35 do RIT, ínsito no PA apenso aos autos, cuj teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

12) Em 28.08.2008, a Impugnante procedeu ao pagamento das liquidações em causa nos presentes autos (conforme se infere da aposição das vinhetas apostas a cada uma das cópias das liquidações, com a indicação “Cobrança Postal”, uma determinada referência e o valor da liquidação) - cf. docs. de fls.50 a 61 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

13) Em 26.11.2008, a Impugnante apresentou a juízo a petição inicial dos presentes autos de impugnação judicial - cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos, atestando a data da sua entrega.

14) A E. E. não dispunha de qualquer estrutura administrativa ou operacional que formalmente a habilitasse a prestar os serviços contratados com a Impugnante (facto não controvertido).

15) A E. E. não celebrou quaisquer contratos de trabalho ou de prestação de serviços nem procedeu a qualquer desconto, fiscal ou contributivo, relativamente a trabalhadores (facto não controvertido).

16) Os serviços subjacentes às faturas emitidas pela E. E., cujo IVA foi deduzido pela Impugnante, foram efetivamente prestados por uma equipa de pessoas, sob a orientação do Sr. A. C. O. (prova testemunhal).

17) O Sr. A. C. O. apresentava-se e atuava enquanto encarregado de obra da E. E. (prova testemunhal)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não existem outros factos provados ou não provados com interesse para a decisão dos autos”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Conforme especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base no teor das alegações das partes e no exame dos documentos constantes dos autos.

Assim, enquanto que as testemunhas O. C. R. M. e R. C. C. S., ambos colaboradores da Impugnante à data dos factos, relataram, com conhecimento direto, em termos similares ao que consta do relatório de inspeção tributária, o procedimento de realização, acompanhamento e faturação dos trabalhos realizados, titulados pelas faturas emitidas pela E. E.

A prestação de tais serviços foi também admitida pela testemunha N. M. S. N. G., Inspetor Tributário, que quando confrontado com tal questão, afirmou que tudo levava a crer que os serviços faturados haviam sido efetivamente prestados.

O depoimento das testemunhas O. C. R. M. e R. C. C. S. foram ainda relevantes para este Tribunal, pois, de forma consistente e credível, ambos afirmaram, inequivocamente, não ter conhecimento de qualquer irregularidade atinente à E. E., na sequência dos contactos informais que naturalmente iam encetando com o Sr. A. C. O., bem como com a sua equipa”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, na sua perspetiva, tendo sido reunidos, pela AT, indícios suficientes que permitem concluir que as faturas emitidas não corresponderam a efetivos serviços prestados, não resultou provado nos autos o contrário.

Apreciando.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir. O direito à dedução do IVA é um direito que assiste aos sujeitos passivos de IVA, desde que os bens e os serviços, a que respeita tal imposto a deduzir, sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis.

O IVA funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs. Trata-se de um reflexo do princípio da neutralidade, subjacente a este imposto, que, no que toca ao direito à dedução em específico, se reflete na necessidade de o IVA não condicionar os produtores a alterar o seu processo produtivo.

Como reflexo da mecânica do imposto, resulta do n.º 3 do art.º 19.º do CIVA que não se pode deduzir o IVA que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.
“[C]omo decorre do preâmbulo do CIVA, ao fazer intervir na recolha do imposto a generalidade dos operadores económicos, diluindo-se o seu peso por um maior número de operadores e sendo a dívida tributária de cada operador calculada pelo método do crédito do imposto, decorre daqui a importância que uma dedução indevida do imposto reveste (…). O objecto da dedução são as quotas suportadas pelos sujeitos passivos nos termos prescritos nos artigos 19 e segs. do CIVA. Ora o artigo 19 nº3 deste diploma legal exclui de dedução o imposto resultante de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura”.(1)

Por outro lado, nos termos do art.º 75.º da Lei Geral Tributária (LGT):

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…”.

Cabe, pois, à AT ilidir esta presunção de veracidade da contabilidade, carreando, maxime em sede de fundamentação do ato tributário, elementos suficientes para esse efeito.
É pacífico o entendimento de que, em situações como a dos autos, para efeitos designadamente do art.º 74.º, n.º 1, da LGT, a AT não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do art.º 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais.(2) Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no art.º 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.

Cumpre, assim, verificar se a AT cumpriu o seu ónus probatório, ou seja, aferir se foi pela mesma alegada e demonstrada a existência de indícios que, de forma séria, abalam a presunção de veracidade dos documentos em causa.

In casu, em sede de RIT, a AT elencou uma série de indícios, que, em seu entender, permitiram pôr em causa a presunção de veracidade.

A este propósito, o Tribunal a quo considerou que, com efeito, foram reunidos indícios suficientes para os efeitos assinalados supra. Logo, nesta parte, que não foi posta em causa por nenhuma das partes, nada há a acrescentar face ao decidido pelo Tribunal a quo.

Assim sendo, reunidos que estejam tais indícios, resta aferir se a Impugnante logrou demonstrar a efetividade das operações.

O Tribunal a quo considerou, a este propósito, que a AT não pôs em causa a realização dos serviços em causa, mas tão-só a sua realização pela sociedade Equipe Especial, Lda., entendendo que, face à prova produzida, as liquidações se revelam ilegais.

Adiante-se, desde já, que não acompanhamos o entendimento da Recorrente.

Com efeito, desde logo, atento o relatório de inspeção tributária (RIT) (e abstraindo do afirmado em torno do comportamento tendencialmente cumpridor da Impugnante, que, in casu, não apresenta relevância, face às exigências de prova a seu cargo), extrai-se que a AT, ancorando-se, para o efeito, exclusivamente no art.º 19.º, n.º 3, do CIVA, entendeu que as faturas em causa foram emitidas por C. F., de acordo com instruções dadas por A. C. O., inerentes a trabalhos efetuados por este e por um conjunto de homens sob sua orientação.

Ou seja, em bom rigor, a efetividade dos serviços não é posta em causa (“todos os indícios levam a crer, no caso dos trabalhos de limpeza e manutenção das canalizações do sistema semafórico da cidade de Lisboa (SCAL), que foram efectivamente executados”, refere-se no RIT).

A AT considerou, no entanto, que não foi a E. E. quem realizou tais serviços, mas sim A. C. O.

Sucede, porém, que ficou provado nos presentes autos (prova não posta em causa pela Recorrente) que:

a) Os serviços subjacentes às faturas em causa foram prestados;

b) Foram-no por uma equipa de pessoas sob orientação de A. C. O.;

c) A. C. O. apresentava-se e atuava na qualidade de encarregado de obra da E. E.

Face a esta prova produzida, nunca posta em causa, não pode deixar de se acompanhar o entendimento do Tribunal a quo, na medida em que ficou provada a efetividade dos serviços e que os mesmos foram prestados por quem se apresentava perante a Impugnante como encarregado de obra da E. E.

Ora, o que deste quadro factual resulta é que, pelo menos na ótica da Impugnante, a mesma adquiriu serviços à E. E., que lhe foram prestados por um conjunto de pessoas liderados por alguém que se apresentava como encarregado de obra dessa mesma sociedade, tendo sido emitidas faturas pela mesma sociedade a favor da Impugnante.

Se a relação entre A. C. O. e a E. E. era ou não aquela que a AT retrata no RIT, trata-se de questão que, face à fundamentação do RIT (que, como já mencionado, se ancorou exclusivamente no art.º 19.º, n.º 3, do CIVA), não se pode impor à Impugnante, porquanto esta, na sua perspetiva e face àquilo que lhe foi dado a conhecer, sempre atuou na convicção de que era a E. E. quem lhe prestava serviços. Ou seja, a prova produzida permite concluir que a Impugnante, neste circuito, se encontrava de boa fé – o que afasta o conceito de simulação [cfr. Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos (coord.), Código do IVA e RITI, Almedina, Coimbra, 2014, p. 241].

Como se refere no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 06.07.2006, Kittel, C-439/04, EU:C:2006:446:

“44 O Tribunal concluiu, no n.° 51 do acórdão Optigen e o., já referido, que operações que não são em si mesmas fraudulentas em relação ao IVA constituem entregas de bens realizadas por um sujeito passivo agindo nessa qualidade e uma actividade económica na acepção dos artigos 2.°, n.° 1, 4.° e 5.°, n.° 1, da Sexta Directiva, na medida em que cumpram os critérios objectivos em que assentam esses conceitos, independentemente da intenção de um operador diferente do sujeito passivo em causa, interveniente na mesma cadeia de entregas, e/ou da eventual natureza fraudulenta, de que esse sujeito passivo não tinha nem podia ter conhecimento, de uma outra operação dessa cadeia de entregas, anterior ou posterior à operação realizada pelo referido sujeito passivo.

45 O Tribunal precisou que o direito de um sujeito passivo, que efectue tais operações, a deduzir o IVA pago a montante também não pode ser afectado pela circunstância de, na cadeia de entregas na qual se inserem essas operações, sem que esse sujeito passivo saiba ou possa saber, uma outra operação, anterior ou posterior à realizada por este último, estar viciada de fraude ao IVA (acórdão Optigen e o., já referido, n.° 52).

46 Esta conclusão não pode ser diferente quando tais operações, sem que o sujeito passivo o saiba ou possa saber, sejam efectuadas no âmbito de uma fraude cometida pelo vendedor.

47 Efectivamente, o direito à dedução previsto nos artigos 17.° e seguintes da Sexta Directiva é parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse direito exercese imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante (v., nomeadamente, acórdãos de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz, C62/93, Colect., p. I1883, n.° 18, e de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o.,

C110/98 a C147/98, Colect., p. I1577, n.° 43).

48 O regime das deduções destinase a libertar completamente o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, assim, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as mesmas estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (v., nomeadamente, acórdãos de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C408/98, Colect., p. I1361, n.° 24, e de 21 de Abril de 2005, HE, C25/03, Colect., p. I3123, n.° 70).

49 A questão de saber se o IVA devido sobre as operações de vendas anteriores ou posteriores dos bens em causa foi ou não pago à Administração Fiscal é irrelevante para efeitos do direito do sujeito passivo a deduzir o IVA pago a montante (v., neste sentido, despacho de 3 de Março de 2004, Transport Service, C395/02, Colect., p. I1991, n.° 26). Segundo o princípio fundamental inerente ao sistema comum do IVA, que resulta dos artigos 2.° da Primeira e da Sexta Directiva, o IVA aplicase a cada operação de produção ou de distribuição, deduzindose o imposto que incidiu directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço (v., designadamente, acórdãos de 8 de Junho de 2000, Midland Bank, C98/98, Colect., p. I4177, n.° 29; de 27 de Novembro de 2003, Zita Modes, C497/01, Colect., p. I14393, n.° 37; e Optigen e o., já referido, n.° 54).

(…) 52 Daí resulta que quando uma entrega é efectuada a um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo vendedor, o artigo 17.° da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma norma de direito nacional segundo a qual a anulação do contrato de venda, por força de uma disposição de direito civil que comina a nulidade absoluta do contrato pelo facto de este ser contrário à ordem pública por ter um fim ilícito imputável ao vendedor, implica a perda do direito à dedução do IVA pago pelo sujeito passivo. É irrelevante, a este propósito, a questão de saber se a referida nulidade resulta de uma fraude ao IVA ou de outras fraudes”.

Em sentido idêntico, v. o Acórdão do TJUE de 21.06.2012, C-80/11, Mahagében e Dávid, EU:C:2012:373:

“45 (…) [O] benefício do direito a dedução não pode ser recusado ao sujeito passivo senão com base na jurisprudência resultante dos n.os 56 a 61 do acórdão Kittel e Recolta Recycling (…), segundo a qual se deve demonstrar, à luz de elementos objetivos, que o sujeito passivo, a quem foram fornecidos os bens ou os serviços que servem de base para fundamentar o direito a dedução, sabia ou devia saber que essa operação fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou por outro operador a montante.

46 Com efeito, um sujeito passivo que sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA deve, para efeitos da Diretiva 2006/112, ser considerado participante nessa fraude, independentemente da questão de saber se retira ou não benefícios da revenda dos bens ou da utilização dos serviços no quadro das operações tributáveis efetuadas a jusante (v. acórdão Kittel e Recolta Recycling, já referido, n.° 56).

47 Em contrapartida, como recordado nos n.os 37 a 40 do presente acórdão, não é compatível com o regime do direito a dedução previsto pela referida diretiva sancionar com a recusa desse direito um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Optigen e o., n.os 52 e 55, e Kittel e Recolta Recycling, n.os 45, 46 e 60).

48 Com efeito, a instituição de um sistema de responsabilidade objetiva ultrapassa o necessário para preservar os direitos do Tesouro Público (v., neste sentido, acórdãos de 11 de maio de 2006, Federation of Technological Industries e o., C-384/04, Colet., p. I-4191, n.° 32, e de 21 de fevereiro de 2008, Netto Supermarkt, C-271/06, Colet., p. I-771, n.° 23).

49 Dado que, em conformidade com o n.° 45 do presente acórdão, a recusa do direito a dedução é uma exceção à aplicação do princípio fundamental que constitui o referido direito, incumbe à autoridade fiscal estabelecer corretamente os elementos objetivos que permitam concluir que o sujeito passivo sabia ou devia saber que a operação invocada para fundamentar o direito a dedução fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou por outro operador interveniente a montante na cadeia de fornecimento”.

Ora, a prova produzida, como referido, permite concluir que a Impugnante sempre tratou com quem surgia perante ela como sendo trabalhadores e encarregado da Equipe Especial, pessoas que realizaram efetivamente os trabalhos que vieram a ser faturados, nada resultando dos elementos coligidos que não tivesse atuado com boa-fé.

Portanto, a circunstância de a empresa fornecedora estar indiciada por emissão de faturas falsas e ter falhas declarativas e de cumprimento das suas obrigações (e tendo, adicionalmente, em conta que a atuação da AT se fundou exclusivamente no n.º 3 do art.º 19.º do CIVA e não no seu n.º 4) não afasta o facto de ter ficado provado que foram prestados os serviços por quem se apresentou perante a Impugnante como trabalhador / encarregado da E. E.

Como tal, carece de razão a Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 28 de outubro de 2021

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)

1)Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.05.2002 (Processo: 5650/01).
2) Vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.02.2016 (Processo: 0591/15), de 16.03.2016 (Processos: 0400/15, 0587/15), de 19.10.2016 (Processo: 0511/15), de 16.11.2016 (Processo: 0600/15) e de 27.02.2019 (Processo: 01424/05.2BEVIS 0292/18).