Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2482/17.2BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/15/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
URGÊNCIA
DESPACHO LIMINAR DE REJEIÇÃO DA PI
EMISSÃO DE TÍTULO OU DE AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA
PRESUNÇÃO JUDICIAL
Sumário:I – A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é uma tutela subsidiária, configurada para ser accionada quando os restantes meios processuais não se mostram suficientes para acautelar a situação concreta;

II - Para o uso desta intimação exige-se (i) a urgente emissão de uma decisão de mérito visando a protecção de um direito, liberdade ou garantia, ou um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP; (ii) e que não seja ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar;

III – Estão preenchidos os pressupostos indicados no art.º 109.º, n.º1, do CPTA, numa situação em que o A. requer a condenação do SEF a emitir-lhe um título de residência, ou subsidiariamente a ser-lhe concedida uma uma autorização de residência, alegando ter-se verificado um deferimento tácito desse pedido e que desde Junho de 2017 deixou de ter um título que lhe permitisse estar legal no nosso território, estando assim violados os seus direitos à liberdade, à segurança, à identidade pessoal, a procurar trabalho, a trabalhar, à estabilidade no trabalho ou à saúde;

IV- As regras da experiência, que valem como presunção judicial, nos termos do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, indicam-nos que a falta de um título que permita a permanência do A. e Recorrente no território nacional, podem pôr em causa o reduto básico, que se liga ao princípio da dignidade da pessoa humana, dos indicados direitos, porquanto o A. pode ver-se coibido, na vida quotidiana, com receio de uma possível expulsão, de invocar um apoio policial, caso necessite, de se deslocar livremente, ou de se apresentar e celebrar de negócios civis básicos, ou de deslocar-se a um hospital, ou de tentar alcançar trabalho, ou, ainda, de reclamar as devidas condições para o trabalho que consiga angariar nessa situação;

V- Por conseguinte, neste caso, a urgência da situação é evidente e trata-se de uma urgência actual;

VI- No indicado caso, o uso de meios cautelares, nomeadamente antecipatórios, mostram-se inidóneos, pois equivaleriam à atribuição de facto, efectiva, do direito que só por via do processo definitivo havia de ser concedido, sobrepondo-se tal tutela àquela que pudesse corresponder à do processo principal. A tutela cautelar aniquilaria os efeitos que resultariam de uma hipotética procedência do pedido feito no processo principal, isto pelo menos no iter processual desse processo principal;

VII- Na supra-indicada situação, apresentada a PI não deve a mesma ser liminarmente rejeitada por se entender não preenchidos os pressupostos indicados no art.º 109.º, n.º1, do CPTA e nomeadamente o pressuposto da urgência.
Votação:COM UMA DECLARAÇÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: Mitra …………………….
Recorrido: Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

Mitra ……………… interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa que rejeitou liminarmente a presente intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, na qual se peticionava, a final, para que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) fosse condenado a emitir o título de residência do A. e ora Recorrente, por se considerar tacitamente deferido tal pedido frente ao requerimento entregue em 25-01-2016 ou, subsidiariamente, para que se declarasse que ocorreu um deferimento tácito do pedido para autorização de residência, procedendo-se à aludida condenação e posterior emissão do título.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: A) Sentença a quo é deficiente.
B) O Tribunal a quo baralha e confunde conceitos.
C) Até 31 de Julho do corrente o procedimento para art.88°/2 tinha natureza excepcional e não estava sujeito a qualquer tipo de prazo legal.
D) Somente a partir dessa data constitui uma garantia do cidadão Imigrante.
E) A sujeição a prazos legais para decisão correspondia nos antigos diplomas ao n°1 do art.° 88°.
F) O Autor provou documentalmente que NÃO VAI AO NEPAL há mais de QUATRO(4) ANOS rever a sua família.
G) Há uma lesão séria em curso do direito à família que o tribunal a quo ignora por completo.
H) O Autor está refém da sua Entidade Empregadora.
I) A sentença a quo não valora nem pondera devidamente os valores constitucionais cm causa.
J) Só o uso do presente instrumento legal garante eficazmente o cumprimento da Constituição da República Portuguesa.
L) O Tribunal a quo não faz o convite para a propositura de uma providência cautelar como está obrigado por lei.”

O Recorrido nas contra-alegações não formulou conclusões.
O DMMP apresentou a pronúncia de 15-01-2018 (em fls. não numeradas do processo), no sentido da improcedência do recurso.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório por a presente intimação dever ser admitida, por estarem em causa os direitos fundamentais que o A. e ora Recorrente invocou, a saber, os direitos à família, ao trabalho, à liberdade, à segurança, à identidade pessoal e à saúde;
- aferir do erro decisório por o A. e Recorrente ter direito à condenação pretendida e não existir aqui caducidade alguma a invocar, por não haver prazos para a resposta do SEF e
- aferir do erro decisório por a decisão recorrida não ter convidado o A. a convolar a presente PI numa providência cautelar.

A decisão recorrida foi tomada no âmbito do despacho liminar, que vem previsto no art.º 110.º, n.º 1, do CPTA. Ou seja, apresentada a PI, foi presente o processo ao juiz, que proferiu a sentença sob recurso. Não houve lugar, portanto, à apresentação da correspondente contestação ou à junção do PA aos autos.
A indicada decisão começou por julgar inadequado o meio processual utilizado, considerando que inexistia o pressuposto de urgência que vem exigido no art.º 109.º, n.º 1, do CPTA, porquanto o A. alegava na PI que tinha apresentado, em 25-01-2016, um pedido de autorização de residência, que fora deferido tacitamente e que desde esse pedido decorreram 22 meses até à interposição desta acção, pelo que não se compreendia a razão da inércia do A. para fazer uso de um meio judicial para acautelar o seu direito. Depois, na decisão recorrida analisou-se o pedido subsidiário, considerando-o manifestamente improcedente, por o A. não invocar “qualquer normativo legal que sustente a possibilidade de deferimento tácito do seu pedido de autorização de residência, o qual foi apresentado, a título excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 88.º n.º2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho”. Por último, na decisão recorrida analisa-se da possibilidade de convolação da presente intimação em uma providência cautelar, previamente a uma acção administrativa com um pedido condenatório, considerando-se que tal convolação também era impossível, porque o prazo para a propositura da acção principal já estava ultrapassado, pelo que a indicada providência cautelar teria de ser rejeitada por essa razão. Julgou-se, então, que se verificava “a nulidade de todo o processo” e determinou-se a rejeição liminar do requerimento inicial.
Na PI, o A. e ora Recorrente veio dizer que tinha entregue, em 25-01-2016, no SEF, no Posto de Atendimento de Alverca, um pedido para lhe ser emitido um título de residência, relativamente ao qual pagou as taxas devidas. Refere também o A., que na mesma data, lhe foi autorizada pelo SEF a prorrogação de permanência, nos termos dos art.ºs. 71.º, n.º 1 e 72.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 04-07. Diz ainda o A., que nessa data de 25-01-2016, foi elaborada uma proposta de decisão para a concessão de autorização de residência, ao abrigo do art.º 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 04-07, ali se considerando “estarem reunidas as condições para que V. Exa. utilize o poder discricionário previsto no n.º2 do art.º 88.º da Lei 23/2007, de 4 de julho, na sua actual redacção e determine que seja concedida autorização de residência para trabalho a favor do cidadão “MITRA ………………….”. Quanto à comprovação deste facto, o A. fá-la remeter para o PA, cuja junção requer.
Mais alega o A., que em 11-10-2017 solicitou ao SEF informações sobre o seu pedido e para que lhe fosse emitido o titulo de residência, mas que até à data da apresentação da PI, não obteve resposta alguma.
Indica o A. que continua a viver e a trabalhar em Portugal, mas agora em situação de ilegal “o que não lhe traz qualquer tranquilidade, nem sequer para andar em público”, “pois, a todo o tempo, e em qualquer local (na rua, no metro, no seu local de trabalho), pode ser objecto de acções de fiscalizações, e pode ser mandado parar pela polícia (em que se inclui o próprio SEF)”. Em decorrência destas alegações, o A. invoca como razão para o uso desta intimação, a defesa dos direitos à liberdade, à segurança, à identidade pessoal, o direito a procurar trabalho, a trabalhar, à estabilidade no trabalho, em paridade com os nacionais, aliando-os ao princípio da equiparação dos estrangeiros, consagrado no art.º 15.º, n.º 1, da CRP.
O A. diz que desde que ficou em situação ilegal deixou de conseguir trabalhar, ou de ter estabilidade laboral. Mais alega, que desde Junho de 2017 passou a auferir remunerações abaixo do salário mínimo nacional e a trabalhar “de sol a sol”, sendo um “escravo moderno”.
O A. alega, também, que nos termos da Lei n.º 5/95, de 21-02, é obrigatório o porte de documentos de identificação, e que não os têm agora. O A. e Recorrente diz, ainda, que deixando de estar legal, deixará de pagar as taxas para o sistema de saúde e impostos e perderá o seu direito de acesso à saúde. Igualmente, o A. invoca na PI que não vai ao país de origem há 4 anos e que sem o título de residência não poderá visitar a família, a mulher e os filhos, ou de tentar o seu reagrupamento, ficando em causa o seu direito à família.
Na PI o A. alega, também, a violação dos princípios da confiança, da decisão, da eficiência, da celeridade e da boa administração, previstos no CPA, porque solicitou a autorização de residência, instruiu o processo com os documentos necessários, pagou as taxas devidas e preenche os pressupostos legais para ver o pedido de autorização deferido - tal como vêm previstos nos art.ºs 82.º, n.º 3, 105.º, n.º 3, 117.º, n.º 7, 129.º n.º 6, da Lei n.º 23/2007, de 04-07 e 70.º, n.º 2, do Decreto-Regulamentar n.º 84/2007, de 05-11 – mas há cerca de 22 meses que espera que lhe seja emitido o título de residência.
Alega o A. que tal como ora resulta da lei, a autorização que foi peticionada é um acto vinculado e deve entender-se como já concedida por deferimento tácito, faltando apenas a emissão do correspondente título, o que requer nesta acção.
Por fim, na PI, o A. vem alegar que se se entender que a autorização de residência não lhe foi já concedida, estando por emitir apenas o título, ainda assim se deve entender-se que houve um deferimento tácito daquele pedido de autorização.
Diga-se, desde já, que a decisão recorrida terá de ser revogada, por errada. Quanto ao erro dessa decisão, decorre desde logo do contra-senso que resulta do facto de ter conhecido, em simultâneo, no despacho liminar a que alude o art.º 109.º, n.º 1, do CPTA, não apenas dos pressupostos para o uso do meio processual intimação, mas, ainda, do mérito do pedido subsidiário, entendendo-o improcedente. Quanto a este conhecimento, do mérito do pedido subsidiário, só poderia ocorrer, primeiro, se a intimação fosse admitida e prosseguisse até ao final dos articulados e, depois, se claudicasse o pedido feito a título principal.
Igualmente, frente à PI, tal como a mesma vem delineada, não se pode considerar, em sede de despacho liminar, que não estão verificados os pressupostos para o uso da intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias.
Na PI o A. cumpriu muito deficientemente o seu ónus de instrução, limitando-se a alegar factos e a remeter para o PA. Como ocorreu a rejeição liminar da PI, a entidade demandada não chegou a ser citada para apresentar contestação (sendo só citada já em sede deste recurso) e, consequentemente, não veio juntar o PA aos autos.
Assim, da PI resulta que o A. e Recorrente reside e trabalha no território nacional pelo menos desde 01-2016 (cf. extracto de remunerações da SS anexo à PI; refira-se que autos que não estão numerados, não permitindo, por isso, melhor indicação das fls. em que se encontram os referidos documentos). Em 25-01-2016 o A. requereu ao SEF quer uma prorrogação da autorização de permanência, que terá sido concedida, quer um pedido de autorização de residência temporária, com a emissão do respectivo título de residência (factos alegados na PI, mas não comprovado nos autos, onde constam apenas os documentos relativos ao pagamentos das taxas por esses requerimentos). Quanto a este último pedido, de autorização de residência temporária, terá sido alvo de uma proposta em sentido positivo (facto igualmente não provado nos autos). Em 11-10-2017, o A. e ora Recorrente solicitou ao SEF informações sobre o seu pedido e para que lhe fosse emitido o titulo de residência, mas que até à data da apresentação da PI deste processo não obteve resposta alguma.
Conforme o que vem alegado na PI – mas não resulta provado nos autos – o A. e Recorrente terá entrado legalmente no território nacional, mas desde Junho de 2017 terá ficado ilegal, presumindo-se ter terminado a prorrogação de autorização de permanência que lhe fora concedida em 25-06-2016. Daí que o A. indique que a partir desse mês passou a ser um “escravo moderno”.
Apreciado o extracto de remunerações junto à PI, é, na realidade, visível, que sensivelmente a partir dessa data as remunerações auferidas pelo A. e Recorrente diminuem para cerca de ½ ou 1/3 daquilo que vinha auferindo anteriormente.
Entretanto, em 05-11-2017, o A. apresentou a presente PI (cf. mail relativo à entrega da PI).
Neste enquadramento, contrariamente ao que vem aduzido na decisão recorrida, não é possível concluir que o A. e Recorrente tenha esperado 22 meses para apresentar a presente acção e que haja aqui uma inacção que lhe seja unicamente imputável, que possa retirar o carácter de urgência na tutela judicial, tal como vem indicado no art.º 109.º, n.º 1, do CPTA. Ou, pelo menos, não é possível chegar-se a tal conclusão apenas com base na PI e nos documentos que ali foram juntos, em sede de despacho liminar.
Diversamente, frente ao que vem alegado na PI, deriva que após Junho de 2017 o A. e Recorrente passou a estar ilegal no território, que em 11-10-2017 insistiu junto do SEF para saber informações acerca dos seus pedidos. Por seu turno, em 05-11-2017 (e não a 6-11-2017, como se indica na sentença recorrida) apresentou a presente PI.
Subsumindo a factualidade indicada na PI no regime da Lei n.º 23/2007, de 04-07 (na versão anterior, aplicável ao caso), o que ocorrerá nos autos é que o A. e Recorrente terá entrado no território nacional com um visto para uma estada temporária e aqui permaneceu para além da data permitida por esse visto.Terá solicitado e ter-lhe-á sido concedida em 25-06-2016 uma prorrogação de permanência, provavelmente por um ano (pois na PI não se alega, de forma clara, tal facto) – cf. art.ºs. 45.º, al. c), 51.º, 52.º, 54º, 71.º e 72.º da Lei n.º 23/2007, de 04-07. Na mesma data de 25-06-2016, o A. e Recorrente requereu a autorização temporária de residência, ao abrigo da prorrogativa que vinha indicada no art.º 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 04-07 (na anterior redacção da lei). Até Junho de 2017 o A. esteve legal no território – ao abrigo da tal prorrogação de permanência - e a aguardar a decisão de autorização temporária de residência, ou a emissão do respectivo título, porque, na óptica do Recorrente, por via do art.º 82.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 04-07, aquela autorização tinha de ser considerada tacitamente deferida.
Nos termos do art.º 109.º, n.º 1, do CPTA, “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”.
Trata-se de uma tutela subsidiária, configurada para ser accionada quando os restantes meios processuais não se mostram suficientes para acautelar aquela situação concreta.
Assim, para o uso desta intimação exige-se (i) a urgente emissão de uma decisão de mérito visando a protecção de um direito, liberdade ou garantia, ou um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP; (ii) e que não seja ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar.
Ora, no que concerne à urgência no uso do meio processual intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, frente ao alegado na PI, terá de considerar-se um pressuposto verificado.
Porque a partir de Junho de 2017 o A. deixou de ter um título que lhe permitisse estar legal no nosso território, veio em 05-11-2017 apresentar a presente PI. Na data da apresentação da PI o A. apresenta-se a residir no nosso país ilegalmente, por não ser titular nem de uma autorização de permanência, nem de uma autorização de residência, quando, na sua óptica, tinha direito a esta última autorização e respectivo título.
Por conseguinte, a urgência da situação é evidente e trata-se de uma urgência actual.
Enquanto o indicado título de residência não for emitido ao A. e Recorrente, ou enquanto a autorização de residência não lhe for concedida, ele padecerá de todos os males que decorrem de estar ilegal no nosso país. Parte desses males, para além de alegados, vêm também indiciariamente comprovados com base nos documentos juntos à PI, pois do extracto de remunerações junto aos autos é possível constatar que a partir de Junho de 207 as remunerações aferidas pelo A e Recorrente baixaram consideravelmente.
Portanto, frente ao que vem alegado na PI, consideramos existir uma necessidade imediata do A. e Recorrente deter um título ou uma autorização para poder manter-se a residir legalmente em Portugal e aqui continuar a viver e a trabalhar nessa qualidade – de estrangeiro com título legal para cá permanecer.
Quanto à legalização da permanência do A. e Recorrente no nosso território, é uma condição sine qua non para que consiga uma integração no mercado de trabalho, de forma igualmente legal, e para que beneficie dos demais direitos que invoca, à segurança, à tranquilidade, à liberdade de circulação ou à saúde.
No caso, o uso de meios cautelares, nomeadamente antecipatórios, mostram-se também inidóneos, pois a atribuição de uma providência desse tipo implicaria a atribuição efectiva, durante o tempo em que decorresse o processo principal, da indicada autorização de permanência ou de residência. Isto é, o uso da tutela cautelar antecipatória equivaleria à atribuição de facto, efectiva, do direito que só por via do processo definitivo havia de ser concedido, sobrepondo-se tal tutela àquela que pudesse corresponder à do processo principal. A tutela cautelar aniquilaria os efeitos que resultariam de uma hipotética procedência do pedido feito no processo principal, isto pelo menos no iter processual desse processo principal.
Por seu turno, como decorre do acima assinalado, o uso de um meio principal, não urgente, não acautelaria, em tempo útil, a situação do Recorrente.
No caso em apreço, o A. invoca como direitos a salvaguardar os direitos à liberdade, à segurança, à identidade pessoal, o princípio da equiparação dos estrangeiros, consagrado no art.º 15.º, n.º 1, da CRP e o direito a procurar trabalho, a trabalhar e à estabilidade no trabalho, à saúde e à família ou ao reagrupamento familiar.
As regras da experiência, que aqui valem como presunção judicial, nos termos do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, indicam-nos que a falta de um título que permita a permanência, em termos de legalidade, do A. e Recorrente no território nacional, podem pôr em causa o reduto básico, que se liga ao principio da dignidade da pessoa humana (cf. art.º 1.º da CRP) dos indicados direitos à liberdade, à livre deslocação no território nacional, à segurança (cf. art.ºs. 27.º e 44.º da CRP), à identidade pessoal (art.º 26.º, n.º 1, da CRP), a procurar trabalho, a trabalhar e à estabilidade no trabalho (cf. art.ºs. 53.º, 58.º e 59.º da CRP) ou à saúde (cf. art.º 64.º da CRP). Frente à situação em apreço, o A. pode ver-se coibido, na vida quotidiana, com receio de uma possível expulsão, de invocar um apoio policial, caso necessite, de se deslocar livremente, ou de se apresentar e celebrar de negócios civis básicos, ou de deslocar-se a um hospital, ou de tentar alcançar trabalho, ou, ainda, de reclamar as devidas condições para o trabalho que consiga angariar nessa situação. Em suma, a falta de tal título contende quer com um feixe alargado de direitos de índole pessoal, que serão reconduzíveis à tipologia de direitos, liberdades e garantias, quer com direitos económicos, sociais e culturais, como o direito ao trabalho ou à saúde, que são direitos fundamentais não integrados pela Constituição naquela primeira categoria, mas que quando coarctados na sua dimensão mais essencial, ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana e à própria liberdade individual – como ocorre no caso ora em apreço - terão de ficar abrangidos pelo regime aplicável àqueles direitos, liberdades e garantias e logicamente pelo âmbito desta intimação.
Já quanto ao invocado direito à família e ao reagrupamento familiar do A. e Recorrente, não estará directamente ameaçado, pois só após a concessão do direito a residir no território fará sentido a invocação destes direitos.
Portanto, com o supra-indicado enquadramento, não se pode entender, em sede de mero despacho liminar, que da leitura da PI resulte não estarem verificados os pressupostos para o uso deste meio cautelar.
Quanto à análise a seguir feita na decisão recorrida, relativa ao mérito do pedido subsidiário, como já referimos, não faz sentido ocorrer nesta fase processual, em que ainda não terminaram os articulados. Igualmente, é um contra-senso proceder a tal análise quando não se aferiu, primeiro, da alegação e pedido feito a título principal e , depois, quando se entendeu de rejeitar a intimação proposta.
No que concerne à apreciação feita na decisão recorrida quanto à possibilidade da convolação da presente intimação em processo cautelar, como acima se mencionou, também não faz sentido, pois pretendendo-se a (mera) emissão de um título de residência ou, subsidiariamente, a condenação no deferimento da autorização de residência e respectivo título, a eventual procedência dos pedidos cautelares consumiria, em termos de facto, a decisão que pudesse ocorrer no processo principal. Ou seja, aqui não poderia nunca ocorrer uma convolação para uma providência cautelar.
Nestes termos, a verificar-se a caducidade do direito de acção do A. e ora Recorrente, essa mesma verificação terá de fazer-se considerando o direito do A. a apresentar a presente intimação, atendendo aos pedidos aqui concretamente feitos.
Atentando à PI apresentada e a respectiva prova, aquela mesma verificação acerca da caducidade do direito de acção do A. e ora Recorrente, também só haveria de ocorrer em sede de decisão final - e não no despacho liminar, a propósito da análise dos pressupostos para o uso da intimação, tal como se fez na decisão sindicada.
Há, portanto, que revogar a recorrida quando rejeitou liminarmente a PI do presente intimação e há que determinar a baixa dos autos para que se admita a PI apresentada, fazendo o processo prosseguir os seus demais termos, se a tal nada mais obstar.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida quando rejeitou liminarmente a PI do presente intimação, determinando-se a baixa dos autos para que o processo prossiga os seus termos;
- sem custas, por isenção objectiva (cf. art.ºs. 7.º, n.º 2, al. b), do RCJ e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2018.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)
(Com declaração de voto- Voto a decisão, com a ressalva do entendimento de que considero inidóneo o meio processual intimação para direitos, liberdades e garantias escolhido pela recorrente).

(José Correia)