Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1385/18.8 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IVA
DIREITO À AUDIÇÃO
FRAUDE
Sumário:I - O exercício do direito à dedução do IVA pago a montante está condicionado ao preenchimento de requisitos que podem ser podem ser de cariz subjetivo (relacionados com a qualidade de sujeito passivo), objetivo (relacionados com a tipologia de bens ou serviços), finalístico (atinentes ao fim dos bens ou serviços) e temporal (relacionados com a determinação do momento da exigibilidade)
II - Nos termos da alínea a) do nº 2 e no nº 3 do artigo 19.º CIVA, só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas na forma legal e não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura.
III - E, nos termos do nº 4 do mesmo artigo 19º CIVA: não pode igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial suscetível de exercer a atividade declarada
IV - Para recursar o exercício do direito à dedução do imposto, não basta a constatação de que o fornecedor dos bens ou serviços não possuía uma estrutura empresarial adequada ao exercício da atividade, sendo necessário que o sujeito passivo soubesse ou tivesse obrigação de saber a situação dos fornecedores ou que com eles tivesse atuado em conluio.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:***

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2ª Subseção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade A… & B… T…, C… e Exploração Florestal Unipessoal, LDA., deduzida contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa proferido pelo Diretor do Serviço de Finanças de Santarém, apresentada contra as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respetivos juros compensatórios, referentes aos períodos de 2013 e 2014, no valor global de € 963.495,02, dela veio interpor o presente recurso.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, formula as seguintes conclusões:

A. «A Autoridade Tributária e Aduaneira não tem que provar a falsidade das faturas, bastando-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios, credíveis e reveladores de que determinada operação comercial titulada por uma fatura não é real;

B. De igual modo, a AT não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório bastando-lhe provar a factualidade que a levou a não aceitar a dedução e que deve ser suscetível de abalar a presunção de veracidade da escrita do contribuinte;

C. Incorreu o Tribunal em erro na apreciação da matéria de facto quando entendeu que a realidade fática convocada pela Entidade Impugnada não é suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita da Impugnante e dos respetivos documentos de suporte, quer no que concerne à simulação, quer no que concerne à estrutura empresarial adequada;

D. A demonstrada absoluta falta de estrutura dos alegados fornecedores da Impugnante, revelada pelos inúmeros factos relatados pelos Serviços de Inspeção da DF de Santarém, será um argumento mais do que suficiente para abalar a presunção de veracidade daqueles documentos;

E. A falta de estrutura empresarial dos fornecedores é um elemento fundamental e até primordial, na prova das operações simuladas, e em especial, nas operações simuladas quanto aos intervenientes;

F. Embora a lei não defina o conceito, afigura-se evidente que uma adequada estrutura empresarial, suscetível de conformar uma determinada atividade, não poderá deixar de consistir numa organização apta à prossecução do objeto social prosseguido pela empresa, nomeadamente, em termos de instalações e equipamentos, recursos humanos e materiais, assim como numa necessária organização administrativa, financeira, contabilística, etc, que lhe permitam desenvolver-se em condições apropriadas de qualidade e eficiência;

G. Sendo que a inexistência absoluta desses elementos, revela, desde logo, a incapacidade de uma empresa prosseguir o seu objeto social – a venda ou prestação de serviços – e, consequentemente, indícios de que estaremos perante operações simuladas, para efeitos do que dispõe o artigo 19.º, n.º 3 do CIVA;

H. Sendo especialmente gritante a falta dessa estrutura empresarial nos fornecedores em questão nos autos, tanto mais que foram alegadamente por estes transacionadas várias centenas de milhares de quilogramas de mercadorias;

I. Apesar de se admitir a possibilidade dos alegados fornecedores poderem recorrer a serviços externos, quer de mão-de-obra, quer de transporte, certo é que nenhum elemento coligido no Relatório de Inspeção permitiu ratificar essa eventualidade, sendo, ao invés, refutada;

J. E, com efeito, foi a partir da análise destes pressupostos que a AT logrou concluir, em sede inspetiva, que os emitentes das faturas identificadas nos autos não eram detentores, nos períodos económicos em questão, da logística material e humana indispensável à obtenção e colocação à disposição da totalidade dos bens mencionados em tais faturas;

K. Errou, por isso, o Tribunal a quo quando entendeu que o conceito de falta de estrutura empresarial não constitui um elemento do regime previsto no artigo 19.º, n.º 3, do CIVA, nem constitui um elemento atinente à prova da simulação subjetiva;

L. Apesar de ter sido efetuada a prova dos indícios da existência de operações simuladas, e, não ser, por isso necessário recorrer à norma constante do artigo 19.º, n.º 4 do CIVA, sempre se dirá, à cautela, que, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, a Impugnante deveria efetivamente ter conhecimento de que os alegados fornecedores não possuíam uma adequada estrutura empresarial suscetível de exercer a atividade declarada;

M. Pois, não será possível olvidar a especial obrigação dos operadores económicos, onde se inclui a Impugnante, de conhecerem minimamente as entidades com quem se relacionam no âmbito da sua atividade, não se devendo, nomeadamente, coibir de, em termos preventivos, as indagar relativamente à sua situação contabilística e fiscal;

N. Não bastando, para tal, que efetuem a mera consulta ao Portal das Finanças para confirmar se os mesmos fornecedores estão coletados;

O. Nesse sentido, basta lembrar, a título de exemplo, que a contabilidade, longe de ser uma mera obrigação legal das sociedades, tem hoje um papel determinante na tomada de decisão de gestão, constituindo um sistema de informação que serve a própria entidade e as partes que com ela relacionam, não sendo apenas relevante no plano interno;

P. Uma empresa não existe isoladamente, está inserida num determinado setor e estabelece relações a vários níveis com outros agentes económicos (clientes, fornecedores, bancos, Estado, etc.);

Q. Também a essas entidades exteriores a contabilidade da empresa é essencial, pois permite-lhes saber se a empresa tem condições de cumprir as suas obrigações, sejam elas de fornecer os seus serviços ou produtos a tempo e na melhor qualidade, seja pagar as suas dívidas, cumprir com as suas obrigações fiscais, entre outras informações relevantes;

R. Deste modo, torna-se evidente que se a Impugnante não obteve informação fidedigna relativamente à realidade tributária e contabilística dos sujeitos passivos com quem se relacionou apenas a si deverá censurar, na medida em que evidenciou notória negligência quando, em concreto, não procurou aprofundar a realidade dos sujeitos passivos emitentes das faturas por si contabilizadas;

S. A AT fez cessar a presunção de boa-fé das declarações apresentadas pela Impugnante, nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária;

T. Pelo que passou a caber à Impugnante o ónus de demonstrar a veracidade das faturas emitidas pelos alegados fornecedores, o que, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, aquela não logrou fazer;

U. Os factos provados na sentença recorrida não contendem com a demonstração da falsidade das faturas que alegadamente titulavam essas vendas de bens, visto que a AT logrou demonstrar que não foram, nem poderiam ser, aqueles fornecedores que venderam as mercadorias mencionadas nas faturas emitidas à Impugnante;

V. Conforme anteriormente referido, não basta que se efetue a mera consulta ao Portal das Finanças para confirmar se os mesmos fornecedores estão coletados para que se considere que a Impugnante agiu com a diligência necessária no exercício da sua atividade;

W. Conforme ficou provado nos autos, a Impugnante não logrou demonstrar o pagamento de todas as faturas emitidas pelos alegados fornecedores em questão;

X. Apesar desta falta de demonstração de pagamento de todas as faturas, sempre terá de se dizer que a existência de comprovativos de pagamentos não demonstra que as operações foram verdadeiras;

Y. Pese embora a AT não tenha concluído que, ao nível dos pagamentos, tenha ocorrido alguma irregularidade que reflita a existência de um indício de operação simulada, a somar aos indícios efetivamente detetados, isso não pode significar que tais pagamentos tenham ocorrido nos exatos termos verificados, e, principalmente, que tais operações são verdadeiras quantos aos intervenientes;

Z. Pois, neste tipo de operação simulada, os pagamentos são, em regra, formalmente efetuados, de forma a evitar suspeitas de faturação falsa, sendo normalmente seguidos de movimentos financeiros com intervenção dos verdadeiros fornecedores, muitas vezes com retorno de dinheiro também para os adquirentes, os quais são virtualmente impossíveis de detetar, na medida em que na maioria das situações, tal como sucedeu in casu, são imediatamente efetuados levantamentos em numerário (ao balcão) das importâncias pagas através de cheque, perdendo-se assim o “rasto” ao dinheiro envolvido (Neste sentido, vide o Acórdão do TCA Sul, proc. 08666/15, de 25-05-2017);

AA. Refuta-se, por isso, no que diz respeito aos pagamentos apurados, o “grau de importância elevada em termos de prova da efetividade das operações” invocado pelo Tribunal a quo;

BB. Já no que diz respeito à prova da gerência de facto da sociedade E..., e a prova de que J... foi sócio e gerente da “E…, Lda.”, até 28 de maio de 2013, e atuava como representante da “C..., Lda.”, entende-se que tais factos em nada se relacionam com a qualificação das operações simuladas;

CC. Se, no caso da alegada fornecedora E…, essa conclusão foi acompanhada de outros factos, que se refutam pela incapacidade de afastar os indícios apurados pela AT, já no caso das sociedades comerciais E... e C... o Tribunal aludiu apenas à prova da sua gerência / representação;

DD. Dito isto, não se vislumbra como é que o facto de as sociedades possuírem um gerente de facto ou de direito poderá conduzir à conclusão de que as faturas emitidas por estas sociedades correspondem a operações verdadeiras;

EE. Pois, até as empresas que são constituídas tendo em vista unicamente a emissão de faturas falsas têm um responsável ou gerente, o qual terá sido igualmente responsável pela sua constituição;

FF. Aliás, a prova de que estes alegados fornecedores da Impugnante tinham como gerentes de direito autênticos “testas de ferro”, é, pelo contrário, um facto bastante revelador da verdadeira natureza daquelas sociedades comerciais (propósito de emissão de faturas falsas), as quais, como referido anteriormente, não possuíam qualquer estrutura empresarial;

GG. Já no que concerne à empresa R... UNIPESSOAL LDA, conforme se afere do probatório da sentença, o Tribunal nada concluiu a este respeito;

HH. Por tudo o exposto, entende-se que errou o Tribunal a quo quando considerou que a Impugnante demonstrou que “as transações declaradas correspondem à realidade, quer quanto ao objeto, quer quanto o sujeito, logrando demonstrar a veracidade das operações com as referidas entidades fornecedoras com a exigência e rigor probatórios que se impunham”;

II. Facto que consubstancia igualmente um erro de julgamento, respeitante à apreciação da matéria de facto;

JJ. Por tudo o exposto, considera-se que andou bem a AT quando corrigiu o IVA relativo às faturas emitidas pelos fornecedores da Impugnante, pois ficou provada a factualidade que a levou a não aceitar essa dedução, a qual foi suficiente para abalar a presunção de veracidade das operações constantes da contabilidade da Impugnante, não tendo esta logrado demonstrar a veracidade das faturas emitidas pelos alegados fornecedores;

KK. Ponderados os critérios de razoabilidade e proporcionalidade que devem necessariamente presidir à aplicação do n.º 7 do artigo 6.º do RCP entende-se justificar-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça, o que, desde já, se requer ao Tribunal ad quem.

Nestes termos e nos restantes de Direito que o distinto Tribunal entender por bem suprir, advoga a Representação da Fazenda Pública a procedência do presente recurso jurisdicional, determinando-se a revogação da sentença do Tribunal a quo e, desse modo, julgar totalmente improcedente a impugnação judicial interposta pela Recorrida, com o que V. Exas. farão a almejada Justiça!»


Notificada do recurso interposto, a Recorrida apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

A) «A douta sentença recorrida não padece de erro de julgamento, nomeadamente erro na apreciação da prova.

B) A douta sentença encontra-se motivada, quer de facto, quer de direito, sendo que a recorrente não identifica a prova que, em concreto foi mal apreciada.

C) As liquidações de IVA subjacentes à douta sentença recorrida incorrem em falta de fundamentação substancial, porquanto, nos indícios que a AT descreveu no RIT não são suficientes e são idóneo a arredar a PRESUNÇÃO DA VERDADE DO DECLARADO, de que os sujeitos passivos beneficiam;

D) A fundamentação das liquidações, como a própria recorrente admite (Cfr. Artigo 41.º das Alegações de Recurso), invocaram a existência de simulação e bem assim a falta de estrutura empresarial dos fornecedores indiciado, apontado a verificação dos pressupostos do disposto no artigo 19.º n.º 3 e n.º 4 do CIVA.

E) Mas nem a AT logrou demonstrar indícios de que as transações entre a impugnante e os fornecedores apontados são simulados, nem sequer que a recorrida conhecia ou devesse conhecer a alegada falta de estrutura desses fornecedores e a situação de dívidas ao estado.

F) Seria o mesmo de colocar o contribuinte no papel que o Estado deve assumir qual seja o que controlar qualquer operador de comércio mundial, atrasando, dessa forma a economia (a recorrida não pode ser polícia dos seus fornecedores).

G) Por outro lado, ficou provado a veracidade das transações, quer pela documentação bancária (extratos bancários que comprovam o fluxo financeiro inerente a todas as faturas, assim como cópia certificada dos cheques nominativos, bem assim a prova do fluxo físico das mercadorias através das pesagens.

H) Em face ao exposto não deverá a douta sentença recorrida ser revogada, devendo manter-se a mesma na ordem jurídica.

NESTES TERMOS e nos melhores de direito, com o douto suprimento de V/Ex.ª Ex.mos Senhores Desembargadores deve improceder o Recurso interposto pela IRFP, mantendo-se a douta sentença recorrida intacta, uma vez que só assim se fará a COSTUMADA JUSTIÇA.»


O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

O Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na apreciação dos factos e na aplicação do direito ao ter julgado procedente a impugnação.

Em causa nos presentes autos está o direito à dedução do IVA suportado pela Impugnante e ora Recorrida nas faturas desconsideradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com fundamento no disposto nos nº 3 e 4 do artigo 19º CIVA.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) «A sociedade comercial, com a denominação social “A... & B..., t… de c… e exploração florestal, Unipessoal, Lda.” do tipo sociedade por quotas, com o número de identificação de pessoa coletiva 5… (doravante Impugnante), exerce, desde 02 de janeiro 2008, a atividade de transportes rodoviários de mercadorias, a que corresponde a classificação de atividade económica n.º 49410, e de aluguer de máquinas e equipamentos agrícolas, a que corresponde a classificação de atividade económica n.º 77310, realizando, ainda, vendas de produtos silvícolas, designadamente lenha, cortiça e pinhas, bem como diversas prestações de serviços com estas conexas, nomeadamente serviços de tiragem de cortiça e de apanha de pinhas, encontrando-se enquadrada no regime geral em sede de IRC e no regime normal mensal em sede de IVA, tendo como gerente J…, contribuinte fiscal número 1… (cf. fls. 232 e 233 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B) No dia 08 de março de 2017, foram proferidas, por despacho do Chefe de Divisão, ao abrigo de delegação do Diretor de Finanças da Direção de Finanças de Santarém, as Ordens de Serviço OI201401566 e OI201700191 (doravante Ordens de Serviço) que determinaram a inspeção externa à Impugnante, de âmbito geral, ao exercício de 2013 e 2014, respetivamente (cf. fls. 344 a 348 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C) A Impugnante tomou conhecimento da Ordens de Serviço referidas na alínea precedente no dia 09 de março de 2017 (cf. fls. 344 a 348 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D) No dia 24 de agosto de 2017, no âmbito da Ordens de Serviço, foi emitido projeto de relatório de inspeção (cf. fls. 371 a 375 e 260 a 275 e 211 a 219 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

E) No dia 04 de setembro de 2017, no âmbito da Ordens de Serviço, foi proferido e aposto no projeto referido na alínea precedente um despacho pelo Chefe de Divisão, ao abrigo de delegação do Diretor de Finanças da Direção de Finanças de Santarém, do qual consta “Concordo.

Proceda-se conforme imposto. Notifique-se.” (cf. fls. 371 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F) No dia 26 de setembro de 2017, no âmbito da Ordens de Serviço, foi emitido relatório de inspeção, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

(…)

I.4 - Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção.

Em resultado das irregularidades indiciadas ao Sujeito Passivo adiante descritas no capítulo III, foram recolhidos elementos nos procedimentos indicados, propondo-se as correções aritméticas sucintamente inscritas infra:



II - Objetivos, âmbito e extensão da ação de inspeção.

II.1.1 - Credencial e período em que decorreu a ação:

Os atos de inspeção tiveram por base as Ordens de Serviço 01201401556 e 01201700191, tendo decorrido entre 2017.03.09 e 2017.08.13.

II.2 - Âmbito e incidência temporal:

Âmbito: Geral

Incidência Temporal: 2013 e 2014

II.3 - Enquadramento tributário. Regime Normal Mensal

III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas.

Conforme se poderá verificar no sistema informático da AT, o Sujeito Passivo A... & B... – T… DE C… E EXPLORAÇÃO FLORESTAL UNIPESSOAL Lda., NIF: 5…, exerce a atividade a que correspondem o CAE Principal 49410 TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS desde 2008.03.06 e CAE Secundário 77310 ALUGUER DE MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS AGRÍCOLAS desde 2008.01.02, estando enquadrado no regime geral em sede de IRC e no regime normal mensal em sede de IVA.

Para uma consulta mais facilitada, junta-se a presente ficha de empresa que sintetiza os respetivos dados, bem como os seus intervenientes.


«Imagem em texto no original»

De salientar que, para além do exercício das atividades supra indicadas, o Sujeito Passivo realiza concomitantemente avultadas vendas de produtos silvícolas, designadamente, lenha, cortiça e pinhas, bem como diversas prestações de serviços com estas conexas, tais como serviços de tiragem de cortiça ou de apanha de pinhas.

O gerente J..., NIF: 1…, já havia exercido a título individual as atividades a que correspondem os CAE 02012 EXPLORACAO FLORESTAL e 71310 ALUGUER DE MAQUINAS E EQUIPAMENTOS AGRICOLAS e acumula desde 2013.10.16 as funções de gerência da empresa F. - EXPLORAÇÃO FLORESTAL UNIPESSOAL LDA, NIF: 5…, Sujeito Passivo que também desenvolve estas duas atividades.

Tendo em conta a análise efetuada ao volume de negócios e respetiva faturação, poder-se-á afirmar que o core business desta empresa se centra no comércio por grosso de produtos silvícolas (isto é, qualquer uma das empresas na medida em que, tratando-se de Sujeitos Passivos perfeitamente distintos, consubstanciam um único operador económico).

Com efeito, as duas empresas operam nas mesmas instalações, utilizam os mesmos equipamentos e desenvolvem a mesma atividade, cabendo a sua gerência de facto e de direito a J…, NIF: 1….

III.A Enquadramento do expediente utilizado:

Fornecedores sem Estrutura Empresarial

De acordo com elementos contabilísticos (faturas) recolhidos em 2017, contendo dados relativos ao período entre 2013.01.01 e 2014.12.31, o Sujeito Passivo adquiriu produtos e serviços a vários operadores, os quais se verificou não possuírem qualquer tipo de estrutura empresarial adequada ao exercício da atividade declarada, nomeadamente no que concerne à magnitude das operações faturadas e ao volume de negócios realizado.

Os Fornecedores sem Estrutura Empresarial são formalmente empresas, Sujeitos Passivos em nome individual ou através de sociedades por quotas ou unipessoais por quotas, que tendo muito recentemente iniciado a sua atividade, começam a faturar, de um momento para o outro, vendas múltiplas de milhares de toneladas de produtos silvícolas e prestações de serviços conexas, "justificando" assim a entrada dessas mercadorias nos armazéns do Sujeito Passivo.

Estes emitentes de faturas nunca chegam a entregar o imposto liquidado ao Estado. Por norma, nem sequer chegam a submeter as Declarações Periódicas de IVA a que estão obrigados, ou poderão mesmo cumprir alguma obrigação declarativa, por forma a criar uma aparência de operadores reais, mas que nunca tem concretização efetiva.

Saliente-se que ainda que venham a submeter uma Declaração Periódica de IVA contendo os valores reais, os emitentes destas faturas nunca chegam a pagar o lVA devido, pois as empresas e as pessoas desaparecem de um dia para outro. Em suma, os quatro emitentes das faturas serão não declarantes nos anos de 2013 e 2014 com exceção de uma declaração de 2014/03T pelo Emitente E… UNIPESSOAL LDA., NIF: 5…, por sinal em situação de crédito.

No caso dos fornecedores, é comum o recurso a empresas "criadas na hora", sendo utilizadas Sociedades Unipessoais por Quotas, onde o sócio único e/ou gerente emite, logo no momento da constituição da própria sociedade, uma procuração para movimentação de contas bancárias e para tratar de qualquer assunto em nome das empresas junto de entidades publicas ou privadas, assegurando desta maneira um controlo total ao verdadeiro operador.

Para concretizar deste expediente, e dificultar de forma adicional a fiscalização pela AT, são usados indivíduos de nacionalidade estrangeira que, imediatamente antes de saírem definitivamente de Portugal, assumem a titularidade dessas quotas ou, por vezes, a gerência de pessoas coletivas e mandam imprimir vários livros de faturas que depois continuam a circular no setor, muito tempo depois dessas mesmas pessoas terem abandonado o país.

Com efeito, mesmo admitindo que na generalidade das operações de compra e venda existiu uma circulação efetiva de mercadorias, a realidade é que muitos desses emitentes iniciaram atividade muito recentemente com o propósito único ou primordial de emissão de faturas "simuladas" para suportar operações eventualmente "reais" de grandes dimensões, onde o Sujeito Passivo acabava sempre por ser o utilizador final dessas mesmas faturas.

Foi esse modus operandi dos quatro "alegados fornecedores" do Sujeito Passivo, como se verá adiante, contactaram um Contabilista Certificado apenas para promover o inicio de atividade junto da Autoridade Tributária, juntar alguns documentos iniciais e depois deixam de estar contactáveis.

Deste modo, mesmo admitindo que, no limite, tenha existido uma transação real de mercadorias, bem como um pagamento efetivo dos valores indicados nas faturas (incluindo o próprio IVA), não se poderá descurar o disposto no n.º 3 e n.º 4 do artigo 19.º do CIVA, não podendo o utilizador final dessas mesmas faturas vir a beneficiar de deduções em sede de IVA.

Efetivamente, mesmo que tenha existido uma operação de compra e venda e ainda que se admita que o Imposto sobre o Valor Acrescentado tenha sido pago, não deveria o Sujeito Passivo ter deduzido o imposto sabendo ou não devendo ignorar que:

1. O transmitente que figurava formalmente na fatura não correspondia à pessoa real que realizou o negócio;

2. Tal transmitente era apenas uma empresa "no papel", sem a adequada estrutura;

3. Esse mesmo transmitente nunca iria entregar o IVA liquidado, e eventualmente pago pelo adquirente, nos cofres do Estado.

No âmbito das atribuições da Autoridade Tributária e Aduaneira, foram realizadas diversas diligências no sentido de procurar os fornecedores do Sujeito Passivo e verificar a sua contabilidade, escritórios, funcionários ou representantes, bem como comprovar a existência de algum tipo de estrutura empresarial que permitisse a realização de tais operações.

Pretendia-se ainda encontrar registos contabilísticos destas empresas elou pessoas que permitissem apurar a origem da mercadoria hipoteticamente transacionada, i.e., determinar quais as aquisições realizadas pelos emitentes das faturas para que estes pudessem, por sua vez, vender essa mercadoria ao Sujeito Passivo.

Não obstante, saíram goradas todas as tentativas para desenhar esse trajeto das mercadorias alegadamente vendidas pelos fornecedores e ainda questionar, ou, em alguns dos casos, sequer encontrar, estes fornecedores do Sujeito Passivo nos termos em que seguidamente se explanam.

III.A.1: Fornecedores sem Estrutura Empresarial

R… Unipessoal, Lda., NIF: 5…

III.A.1.a) Caracterização e enquadramento tributário da empresa.

Em 2008,2009 e 2010, o gerente e sócio único, R…, NIF: 2…, cidadão Brasileiro auferiu um rendimento global 6.261,82 €, 7.849,38 € e 5.047,39 €, respetivamente. Em termos médios, isso significaria cerca de 500,00 € mensais.

Posteriormente, decide constituir a empresa em 2011.10.12 e a declarar o início de atividade em 2011.10.19, tendo em ambas as ocasiões fornecido uma morada que sabia não ser a sua.

Esta empresa foi criada com o fim único ou primordial de emitir faturas para operações simuladas ou, no limite, para emitir faturas que titulassem operações realizadas por outros agentes económicos. Foi com esse intuito que tudo foi inicialmente pensado e concretizado ab initio, nunca tendo sido exercida ou desenvolvida qualquer atividade real, razão pela qual foi promovida a Cessação Oficiosa pela AT.

Para uma consulta mais facilitada, junta-se a presente ficha de empresa que sintetiza os respetivos dados, bem como os seus intervenientes


«Imagem em texto no original»

III.A.1. b) Diligências efetuadas que precederam a Cessação Oficiosa:

Visando traçar o trajeto comercial e identificação das operações do fornecedor R… UNIPESSOAL, LDA., NIF: 5…, realizaram-se (no âmbito da ação inspetiva a que coube o Despacho de lnspeção OI201400435) as seguintes diligências, no sentido de encontrar a sede, os seus escritórios administrativos, os seus funcionários ou representantes, i.e., algum tipo de estrutura empresarial suscetível de realizar as operações identificadas.

Por meio de carta registada com aviso de receção, foram enviados Ofícios, contendo questionários sobre a estrutura empresarial daquele fornecedor, onde constava o aviso expresso de que a falta de um integral esclarecimento às questões enunciadas poderia indiciar uma falta de estrutura adequada para a realização de tais transações (aquisições e vendas), o que, por sua vez, poderia conduzir à cessação oficiosa da atividade nos termos do n.º 2 do artigo 34.º do CIVA. Todavia, todas as cartas foram devolvidas.

A sede deste fornecedor é: AVENIDA ... N …, 3 ANDAR, 2… - 0… ALVERCA DO RIBATEJO. Após deslocação de técnicos à sede da empresa, constatou-se que naquela morada, desde 2004 até 2012.07.01, data em que se mudou para o primeiro andar do mesmo prédio, teria vivido um familiar (marido da prima) de R…, NIF: 2…, a saber: o Sr. A…, NIF: 2…, que afirmou em 2014.03.28: “Nunca o Sr. R… aqui residiu., embora tenha pedido para ficar em nossa casa durante uns 15 dias para tratar de uma documentação (...) Nessa altura falou que ia abrir uma empresa (...) sempre trabalhou ligado ao carvão, eucalipto e cortiça. Mas quanto à atividade da empresa nada sabe”.

No terceiro andar deste prédio nunca funcionou qualquer empresa. Há cerca de 1 ano, 1 ano e picos o Sr. R… regressou definitivamente ao Brasil. Desde aí, têm contactado regularmente, via Facebook, com o Sr. R… que continua a residir no Brasil.

Aquando da partida, disse aos familiares que tinha encerrado a empresa (...) A empresa tinha sido aberta pelo Sr. R..., juntamente com o seu patrão de Castelo Branco (segundo julga).

Disse-me que tinha sido o patrão a pedir para ele (R…) abrir a empresa. No terceiro andar deste prédio não funciona, nem nunca funcionou qualquer empresa."

III.A.1. c) Conclusão:

O Sujeito Passivo A… & B…· T… DE C…E EXPLORAÇÃO FLORESTAL UNIPESSOAL LDA, NIF: 5…, deduziu IVA de faturas emitidas pelo Sujeito Passivo R… UNIPESSOAL, LDA., NIF: 5…, e cuja estrutura empresarial se afigura como inexistente, na medida em que, como é exposto nos pontos anteriores, aquela se reconduz apenas a uma morada que o sócio e gerente R…, NIF: 2…, usurpou de alguns dos seus familiares, quando lhes pediu para aí residir durante apenas 15 dias.

Quando as faturas recolhidas foram emitidas, já essa morada se encontrava devoluta (3.º andar), pois os seus primos passaram a residir no 1.º andar do mesmo prédio, onde vivem presentemente.

Todavia, considerando elementos recolhidos neste e noutros adquirentes, este fornecedor “teria alegadamente emitido” faturas já depois de ter regressado a definitivamente ao Brasil, provavelmente perto do final de 2012, de acordo com o testemunho do seu familiar.

De acordo com o Sistema Informático da AT, o último ano em que existe cruzamento das várias declarações integradas de remunerações e recebimentos, remonta precisamente a 2012.

O emitente das faturas não dispunha entre janeiro e agosto de 2013, nem se veio a conhecer posteriormente, nenhum tipo de estrutura adequada suscetível de realizar estas operações de venda ao adquirente, tendo sido promovida a Cessação Oficiosa pela AT, uma vez que nunca foi possível:

• Localizar a sua sede ou sequer contactar o emitente das faturas;

• Justificar as elevadas vendas de através de faturas de compra por meio de uma correspondência em quantidades e valores;

• Localizar qualquer local de produção, armazenamento ou instalações que permitissem de algum modo realizar as operações a que referem as faturas emitidas;

Face ao exposto, mesmo que tenha existido alguma transação de bens ou serviços, não poderiam as operações que figuram nas respetivas faturas ter sido praticadas por este interveniente, configurando um conjunto de operações simuladas no sentido e alcance definido pela alínea c) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT.

III.A.1. d) Síntese das faturas emitidas por R… Unipessoal. Lda. NIF: 5…


«Imagem em texto no original»

III.A.2: Fornecedores sem Estrutura Empresarial

ESFERA FLORIDA· LDA., NIF: 5…

III.A.2. a) Caracterização e enquadramento tributário da empresa.

A sociedade foi criada para emitir faturas para operações simuladas e eventualmente para emitir faturas referentes a operações realizadas por outros agentes económicos sem nunca ter sido exercida ou desenvolvida qualquer atividade real, razão pela qual foi promovida a Cessação Oficiosa pela AT.

Tratava-se de uma sociedade por quotas com o capital social de 5.000,00 €, originariamente dividido em duas quotas detidas pelos sócios J…, com o NIF: 1…, detentor de uma quota de valor nominal de 4.999,00 €, o qual foi designado gerente e E…, com o NIF: 2…, detentor de uma quota de 1,00 €. Em 2013.05.28 as duas quotas passam a ser detidas pelo Sr. E…, desempenhando, a partir desta data, as funções de gerente na sociedade.

Para uma consulta mais facilitada, junta-se a presente ficha de empresa que sintetiza os respetivos dados, bem como os seus intervenientes.


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III.A.2. b) Diligências efetuadas que precederam a Cessação Oficiosa:

Procurou-se a identificação das operações do fornecedor E… - LDA., NIF: 5…, realizaram-se as seguintes diligências, no sentido de encontrar a sede, os seus escritórios administrativos, os seus funcionários ou representantes, i.e., algum tipo de estrutura empresarial suscetível de realizar as operações identificadas:

No âmbito da ação inspetiva credenciada pela Ordem de Serviço 01201501024, houve lugar à deslocação ao suposto local da sede da empresa, i.e., a morada constante do cadastro da AT e do Portal da Justiça que é L… s/n, 2.. -1… Benavente, para procurar as instalações da sociedade.

A referida morada corresponde a uma área territorial vasta e que o facto de não dispor de identificação de número de policia dificultou a diligência. O "L…" engloba uma área de maior densidade habitacional e outra de maior concentração industrial/comercial e dada a impossibilidade em localizar a sociedade optou-se por indagar junto de algumas empresas instaladas na zona e também na zona residencial, mas todas as respostas foram negativas, ou seja, desconheciam a existência daquela empresa instalada naquela zona, tão pouco tinham ouvido falar dela ou do nome dos seus sócios/gerentes.

A este respeito importa salientar a implementação do mesmo modus operandi presente em outras empresas associadas a J…, NIF: 1…, (a título exemplificativo, C… LDA, NIF: 5…) ou seja, é atribuída uma morada falsa, ou manifestamente incompleta, à qual é acrescentado um apartado, neste caso o AP.52, que também é inscrito nas faturas e que permite de algum modo gerir uma correspondência junto dos CTT, mesmo sem a existência de uma morada real.

Também se procurou confirmar os recursos humanos agregados tendo-se concluído que: “a empresa não possui quaisquer trabalhadores ao seu serviço, no perto em análise, o que foi confirmado pela consulta à aplicação informática da Segurança Social de Santarém, da qual resultou que não dispõe de dados relativos à consulta de beneficiários inscritos. "

Deslocação dos técnicos da IT ao escritório do TOC da empresa, F… que declarou: "fui contactado pelo gerente Sr. J…, que me entregou os primeiros papeis da contabilidade. Posteriormente, o Sr. J… veio juntamente com O Sr. E… ao meu gabinete, informando-me que a gerência passava a ser exercia pelo Sr. E…. A frequência com que os documentos chegavam à contabilidade era irregular. Por vezes os documentos eram deixados na Caixa de correio do gabinete, outras vezes eram o Sr. H… ou o Sr. E… a entrega-los pessoalmente";

Questionado o TOC sobre outros aspetos da empresa declarou que nunca se deslocou às instalações da sociedade e que não conheceu a estrutura empresarial da sociedade, uma vez que todo o conhecimento que teve da mesma se baseia na documentação que lhe chegava ao gabinete; Da análise aos documentos da contabilidade, que nos foram disponibilizados pelo TOC, também não se detetou a existência de aquisições de bens que pudessem sustentar as vendas tituladas pejas faturas emitidas pela sociedade nos anos em questão.

III.A.2. c) Conclusão:

Face ao exposto, nunca poderiam as operações ter sido praticadas por este emitente, configurando um conjunto de operações simuladas no sentido e alcance definido pela alínea c) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT (Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho).

III.A.2. d) Síntese das faturas emitidas por E…, Lda., NIF: 5…: Ano 2013


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III.A.2. e) Síntese das faturas emitidas por E…, Lda., NIF: 5…: Ano 2014

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III.A.3. a) Caracterização e enquadramento tributário da empresa.

Trata-se de uma sociedade que desde foi constituída, logo desde o seu início, com o objetivo de emitir faturas para operações simuladas ou, eventualmente para emitir faturas referentes a operações realizadas por outros agentes económicos. Foi com esse intuito que tudo foi inicialmente pensado, nunca tendo sido exercida ou desenvolvida qualquer atividade real, razão pela qual foi promovida a Cessação Oficiosa pela AT.

Para uma consulta mais facilitada, junta-se a presente ficha de empresa que sintetiza os respetivos dados, bem como os seus intervenientes.


«Imagem em texto no original»

A empresa foi criada em simultâneo com uma segunda empresa, B… UNIPESSOAL LDA, NIF: 5…, ambas em 2012.12.10, embora quem figure como sócio e gerente em ambas seja B…, NIF: 2….

Pelo menos no caso desta última foi, desde o momento da sua constituição, outorgada uma procuração (com poderes de movimentação de contas bancárias e prática de atos de gestão, pelo seu sócio único e gerente B… NIF: 2…, a favor J…, NIF: 1….

Existe ainda identidade na morada das duas sociedades, embora esta se tenha revelado como falsa, pois na esteira do expediente revelado no fornecedor E… -LDA., NIF: 5…, toda a correspondência era encaminhada para apartados nos CTT.

III.A.3. b) Diligências efetuadas que precederam a Cessação Oficiosa:

Realizaram-se as seguintes diligências, visando encontrar a sede deste fornecedor, os escritórios administrativos, os seus funcionários ou representantes, i.e., algum tipo de estrutura empresarial suscetível de realizar as operações identificadas. As conclusões foram exaradas em sede do Procedimento Inspetivo credenciado pelo Despacho de Inspeção OI201400432.

Por meio de carta registada com aviso de receção, foram enviados Ofícios, contendo questionários sobre a estrutura empresarial daquele fornecedor, onde constava o aviso expresso de que a falta de um integral esclarecimento às questões enunciadas poderia indiciar uma falta de estrutura adequada para a realização de tais transações (aquisições e vendas), o que, por sua vez, poderia conduzir à cessação oficiosa da atividade nos termos do n.º 2 do artigo 34.º do CIVA. Todavia, todas as cartas foram devolvidas.

A sede deste fornecedor é: Rua P…, n.º …, 2…-4… Carregado. Após deslocação de técnicos à sede da empresa, constatou-se que aquela morada corresponde um edifício de escritórios com 8 frações (7 das quais devolutas). Foram contactados os vizinhos das lojas ao lado da entrada principal do n.º 59, de modo a tentar perceber onde se situava aquela empresa. Ninguém ouvira falar da empresa C… LDA, NIF: 5… ou do seu gerente, o Sr. B…, NIF: 2… ou sequer de J…, NIF: 1….

Posteriormente, foi contactada uma das proprietárias do prédio em questão. Em termo de declarações, declarou a Sra. E…, NIF: 1…: "não tenho nenhum conhecimento da empresa ou representante da mesma (...) a morada não poderia estar correta (...) nenhum escritório está afeto somente ao n.º 59. São 8 escritórios distribuídos por 2 pisos (...) sou a responsável pela gestão daqueles espaços no que diz respeito à elaboração de contratos e emissão dos respetivos recibos. Tendo em conta o supra referido, é de todo impossível que as empresas possam lá ter alguma vez funcionado”".

Na realidade, esta morada incompleta (Rua P…, n.º …, 2…·4… Carregado) foi usada para figurar como sede de várias empresas, a saber:

F… LDA, NIF: 5…

B… UNIPESSOAL LDA NIF: 5…

C… BRILHANTE LDA. NIF: 5…

R… - EXPLORAÇÃO FLORESTAL, LDA, NIF: 5…

Contudo, de acordo com todos os testemunhos recolhidos junto de vizinhos, nunca terá funcionado nesta morada qualquer destas empresas. Note-se que a morada que consta de cada fatura emitida é a mesma que consta no sistema informático da AT ainda que com uma ligeira alteração: A morada fiscal é acrescentada "Ap. 98", a que corresponderá um APARTADO dos CTT.

Os técnicos deslocaram-se ao domicílio fiscal do gerente, B…, NIF: 2…, sito na Rua P… N° 2…, 2… - 4…, no Granho. Os vizinhos confirmaram a sua residência naquele local, mas afirmaram que não o viam por ali havia meses.

Por fim, não tendo encontrado qualquer empresa fornecedora, não tendo sido possível contactar o emitente das faturas, localizar a sua sede, bem como qualquer local de produção, armazenamento ou instalações que permitissem de algum modo realizar as operações a que referem as faturas emitidas ou justificar as eventuais aquisições de pinhas que antecedessem essas vendas, deslocaram-se os técnicos ao escritório do TOC da empresa desde 2013.07.08, F…, NIF: 1….

Este declarou nunca ter conhecido o Sr. B…, NIF: 2…, tendo sempre falado sobre os assuntos da empresa com um Sr. J…, NIF: 1…, e foi este que lhe teria entregue os documentos para organização da contabilidade da firma C… LDA, NIF: 5…. Os valores recolhidos no escritório do TOC do emitente das faturas confirmaram aqueles dados anteriormente recolhidos junto do utilizador.

III.A.3. c) Conclusão:

O Sujeito Passivo A… & B… - T… DE C… E EXPLORAÇÃO FLORESTAL UNIPESSOAL LDA, NIF: 5…, deduziu IVA de faturas emitidas pelo Sujeito Passivo C…LDA, NIF: 5… e cuja estrutura empresarial se afigura como inexistente, na medida em que, como é exposto nos pontos anteriores, aquela se reconduz apenas a alguns documentos que foram entregues ao TOC.

O emitente das faturas não dispunha entre janeiro e agosto de 2013, nem se veio a conhecer posteriormente, nenhum tipo de estrutura adequada suscetível de realizar estas operações de venda ao adquirente, tendo sido promovida a Cessação Oficiosa pela AT, uma vez que nunca foi possível:

• Contactar o emitente das faturas:

• Localizar a sua sede;

• Localizar qualquer local de produção, armazenamento ou instalações que permitissem de algum modo realizar as operações a que referem as faturas emitidas;

Face ao exposto, admitindo-se uma eventual circulação efetiva de mercadorias, ficou comprovada a absoluta impossibilidade de que as operações tenham sido praticadas por este emitente, configurando um conjunto de operações simuladas no sentido e alcance definido pela alínea c) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT

III.A.3. d) Síntese das faturas emitidas por C… Lda., NIF: 5…: Ano 2013


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III.A.3. e) Síntese das faturas emitidas por Carrossel Brilhante Lda., NIF: 5…: Ano 2014

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III.A.4: Fornecedores sem Estrutura Empresarial

E… UNIPESSOAL LDA., NIF: 5….

III.A.4. a) Caracterização e enquadramento tributário da empresa.

Tal como no caso dos fornecedores anteriores, também esta empresa aparenta ter sido criada com o fim único ou primordial de emitir faturas para operações simuladas ou, no limite, para emitir faturas que titulassem operações realizadas por outros agentes económicos. Aparentemente, nunca foi exercida ou desenvolvida qualquer atividade real, razão pela qual poderá vir a ser promovida a Cessação Oficiosa pela AT.

Para uma consulta mais facilitada, junta-se a presente ficha de empresa que sintetiza os respetivos dados, bem como os seus intervenientes.


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III.A.4. b) Diligências efetuadas:

Citamos a esse respeito as diligências (com o intuito encontrar a sede da E… UNIPESSOAL LDA., NIF: 5…, os escritórios administrativos, os seus funcionários ou representantes, i.e., algum tipo de estrutura empresarial suscetível de realizar as operações identificadas) efetuadas pela DF Portalegre em sede do Procedimento Inspetivo credenciado pela Ordem de Serviço OI201500168 emanada daquela Unidade Orgânica e que demonstram a existência de um gerente de facto: V…, NIF: 1…

"Foi também contactado o Contabilista Certificado (CC), que nos referiu que não falava com o sócio há bastante tempo e que o mesmo tinha deixado de lhe entregar elementos relativamente à empresa. Quando lhe questionámos se os documentos dos anos de 2013 e 2014 estavam na sua posse referiu que tinham sido recolhidos pela Polícia Judiciária de Coimbra.

Da morada ou sede de empresa.

(…) na morada indicada no sistema informático - Rua …, n.º 28, apenas existe um poste com um marco de correio que identifica o n.º 28. Por detrás desse marco há uma pequena rua em terra batida que dá acesso a uma moradia. Quando nos dirigíamos à mesma apareceu um dos seus habitantes que referiu que a morada da casa não é o n.º 28, apesar do carteiro ir constantemente entregar lá a correspondência para esse número. De um lado do marco não existem habitações e do outro existe um pequeno edifício fechado sem indicação de n.º de porta. (...) As instalações do sujeito passivo, nomeadamente o local da sede, que foi visitado pelos nossos serviços, não apresenta as condições adequadas à atividade de comércio de cortiça nas quantidades e valores descritos nas faturas;"

Dos colaboradores e funcionários.

"Verifica-se assim que o sujeito passivo não teve ao seu serviço colaboradores durante o exercício de 2013 e em 2014 teve alguns colaboradores durante alguns meses do ano, entre fevereiro e Julho, que cessaram, entretanto, o contrato. Pela consulta ao sistema informático não se verifica a existência de pagamentos de retenção na fonte a quaisquer contribuintes por parte do sujeito passivo, não tendo sido apresentado pelo mesmo nenhuma Declaração Modelo DMR para os anos de 2013 e 2014. ( .. .) Não possui meios humanos adequados ao comércio dos bens e quantidades faturadas."

Das faturas e guias de transporte.

O sujeito passivo, na qualidade do seu sócio B… que assina a requisição, solicitou em 2013/09/02 a emissão de 4 livros de faturas 4x50 (n.º 1 a 200), 4 livros de aquisições 4x50 (n.º 1 a 200) e 10 livros de guias de transporte 3 x 50 (n.º 1 a 500).

Na data de 2014/09/25 houve uma nova requisição, desta vez assinada por V…, referente à emissão de 4 livros de faturas 4x50 (n.º 201 a 400).

"Não possui viaturas e equipamentos suficientes para o exercício dos transportes referentes aos bens e quantidades por si faturados. Por um lado, o sujeito passivo apenas dispõe de um trator de mercadorias para o período em causa com a matricula 16-…-…, que nos parece claramente insuficiente para responder à quantidade de cortiça transacionada que soma nestes 4 meses de inicio de atividade a quantidade de 110.300 @ de cortiça e 4.800 Kg de pinhas. Por outro lado, o sujeito passivo requisitou a 2013/09/02 a emissão de 4 livros de guias de transporte à gráfica, sendo que nestes quatro meses preencheu 79 guias de transporte, uma vez que a primeira guia de transporte do exercício de 2014 apresentação n.º 80. Ora isto significa que o único meio de transporte do sujeito passivo adequado para os transportes em causa, efetuou em quatro meses 79 transportes, que parece muito para um só veículo e por outro lado estes transportes não seriam por si só suficientes para fazer face à quantidade de bens faturada pelo sujeito passivo”.

A este respeito, poderá referir-se que foi recolhida a guia de transporte n.º 500, com data de 2014.12.23, o que significa que teriam sido realizados pelos 500 transportes em 437 dias entre 2013.09.01 e 2014.12.23, ou seja 1,15 transportes por dia, mesmo se se incluir sábados, domingos e feriados, o que não se afigura credível.

Por outro lado, se se considerasse apenas as faturas e guias de transporte emitidas em nome do utilizador Sujeito Passivo A… & B… - T… DE C… E EXPLORAÇÃO FLORESTAL UNIPESSOAL LDA, NIF: 5…, teriam sido alegadamente transportados 11.000.000 de Kg de produtos silvícolas nesse mesmo período de 437 dias.

Contas bancárias

"As contas bancárias tituladas pelo sujeito passivo não evidenciam os fluxos financeiros inerentes ao negócio refletido nas faturas emitidas".

IIl.A.4. c) Conclusão:

Face ao exposto, sem prejuízo da eventual consideração de que bens e serviços tenham sido transmitidos, não restam dúvidas de que as operações não foram praticadas por este interveniente, configurando um conjunto de operações simuladas no sentido e alcance definido pela alínea c) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT.

1II.A.4. d) Síntese das faturas emitidas por E… Unipessoal Lda. Anos 2013 e 2014


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III.6. DO IVA INDEVIDAMENTE DEDUZIDO: Fornecedores

Dos factos enunciados resulta como claro e inequívoco que o Sujeito Passivo A… & B…-T… DE C… E EXPLORAÇÃO FLORESTAL UNIPESSOAL LDA, NIF: 5…, desenvolve como veio principal da sua atividade a compra e venda de cortiça, lenha e pinhas, por vezes associada a prestações de serviços conexas, como o serviço de tiragem de cortiça e apanha de pinhas.

O volume de negócios em 2013 foi de 4.181.298,79 € e em 2014 foi de 2.589.440,41 €. No primeiro ano, os principais adquirentes são S… - Soc. Cortiças d… S.A com aquisições no valor de 2.212.130,58 € e A… Florestal, S.A. com aquisições no montante de 1.092.937,09 €. No segundo ano, os principais adquirentes são S… - Soc. Cortiças d… S.A com aquisições no valor de 1.008.350,18 €, Corticeira T…, Lda. com aquisições de cerca de 537.255,43 € e A…Florestal, S.A. com aquisições no montante de 326.866,55 € (valores de aquisição com IVA incluído).

Ora, todos os indícios recolhidos apontam como credíveis e verdadeiras as vendas efetuadas pelo Sujeito Passivo A… & B…, NIF: 5… (a estes e aos remanescentes clientes). Sobre estas vendas, foram emitidas faturas e liquidado o respetivo IVA nos termos gerais.

Posto isto, será lícito concluir que se as vendas do Sujeito Passivo são reais, também as respetivas aquisições de bens e serviços serão presumivelmente verdadeiras quanto ao seu conteúdo, natureza, data e valor, ainda que se revelem como falsas quanto aos seus intervenientes.

Do mesmo modo, será também lícito concluir que foram efetivamente realizadas as prestações de serviços conexas com as vendas, como por exemplo serviços de tiragem de cortiça. Simplesmente tais serviços foram prestados por outros intervenientes que não constam das faturas, estabelecida que está a inexistência de estrutura minimamente apropriada à magnitude das operações faturadas.

Neste último caso, não são muitas as faturas referentes a Serviços Prestados por esses fornecedores, devendo, contudo, salientar-se a maior parte dos documentos contém uma menção genérica de prestação dos serviços prestados em herdades, nem sempre identificadas, e uma expressão quantitativa em arrobas que calcula o valor, geralmente bastante elevado.

Com efeito, decorre das diligências realizadas pelos Serviços de Inspeção Tributaria a conclusão de que as operações efetuadas por aqueles Emitentes em 2013 e 2014 são "negócios simulados", pois de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT constitui fraude fiscal a “celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas”.

Destarte, em face do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, não poderia o Sujeito Passivo ter deduzido o IVA constante daqueles documentos.

Salienta-se que os 3.795.766,22 € de compras realizadas no ano de 2013, o Sujeito Passivo A… & B…, NIF: 5…, veio a adquirir 2.253.955,40 € a apenas quatro "alegados fornecedores".

Por outro lado, dos 2.227.091,68 € de compras realizadas no ano de 2014, veio a adquirir 1.363.689,59 € aos mesmos quatro "alegados fornecedores".

Dito de outro modo, as ditas faturas referem-se a aquisições efetuadas a pessoas desconhecidas, sem suporte documental, tendo sido emitidas as faturas destes quatro emitentes, para suportar as aquisições reais do Sujeito Passivo e que representam 59% do total de compras em 2013 e 61% do tal de compras em 2014.

III.C. DO IVA INDEVIDAMENTE DEDUZIDO: Lançamentos contabilísticos

Conforme foi exposto anteriormente, houve lugar a diversos lançamentos contabilísticos com vista à dedução de imposto com recurso a faturas emitidas pelos 4 fornecedores identificados, documentos relacionados com a aquisição de Existências para venda e ainda aquisições de Outros Bens e Serviços, geralmente prestação de serviços conexos como tiragem de cortiça de várias herdades.

Os registos da Contabilidade de 2013 confirmam estas duas realidades, por meio dos lançamentos contabilísticos nas contas 2432141 IVA dedutível Existências à Taxa Normal - Mercado Nacional e 2432371 IVA dedutível Outros Bens e Serviços à Taxa Normal - Mercado Nacional. conforme se observa infra.




Salienta-se ainda que o IVA liquidado na vasta maioria das faturas em 2013 foi de 23% quando (mesmo que não se colocasse a questão da simulação de intervenientes nos documentos) a IVA a liquidar seria de 6% em virtude da alteração da taxa para reduzida, atualização que em rigor já devia ter ocorrido com a Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro (LOE 2013), que no seu artigo 197.º veio acrescentar as verbas 4.2 e 5 à Lista I anexa ao CIVA.

Os registos da Contabilidade de 2014 espelha esta realidade, havendo por vezes lugar a dedução de imposto à taxa normal e outras vezes dedução de IVA à taxa reduzia, conforme evidenciam os lançamentos contabilísticos nas contas 2432141 IVA dedutível Existências à Taxa Normal - Mercado Nacional, 2432161 IVA dedutível Existências à Taxa Reduzida - Mercado Nacional e 2432371 IVA dedutível Outros Bens e Serviços à Taxa Normal- Mercado Nacional, conforme se observa infra.

III.C.2 IVA indevidamente deduzido em 2014 - Lançamentos contabilísticos:

Finalmente, ainda que tivessem existido transações reais, o Sujeito Passivo sabia ou não devia ignorar que os nomes que constavam formalmente das faturas não correspondiam aos operadores materiais, que estes não dispunham da estrutura adequada, e que o IVA liquidado nunca seria entregue ao Estado (vide art.º 19, n.º 4, CIVA), pois não se trata aqui de operadores desconhecidos. São os mesmos com quem aquele negoceia anualmente, simplesmente faturam em nomes diferentes todos os anos.

Face ao exposto, propõem-se as seguintes correções em sede de IVA:

III.C.3 Correções propostas em sede de IVA 2013:

III. C.4 Correções propostas em sede de IVA 2014:

III.D DO LUCRO TRIBUTÁVEL: Considerações em sede de IRC

Nos procedimentos inspetivos 01201401556 e OI201700191 foram propostas correções aritméticas em sede de IVA em resultado de deduções indevidas daquele imposto por parte do Sujeito passivo com base em faturas cujos emitentes não dispunham de qualquer estrutura empresarial adequada à prática daquelas operações.

Sem prejuízo da eventual substância material das compras e vendas realizadas, resulta como claro e inequívoco que tais operações não poderão ter sido praticadas pelos emitentes e, nessa medida, são operações suportadas por faturas falsas.

Contudo, ainda que não possam ser considerados em sede de IVA os documentos lançados na contabilidade em matéria de aquisições aos emitentes R… UNIPESSOAL. LDA, NIF: 5…, E… - LDA, NIF: 5…, E… UNIPESSOAL LDA, NIF: 5… e C… LDA, NIF: 5…, admitem-se as significativas vendas fruto dessas aquisições e que foram realizadas aos clientes S…-Soc. Cortiças d… S.A, Corticeira T…, Lda. e A… Florestal, S.A.

Face ao exposto, na falta de elementos que espelham os verdadeiros Fornecedores do Sujeito Passivo, aceitam-se (em face das vendas realizadas aos clientes finais) como plausíveis os restantes dados constantes dessas faturas, designadamente: descrição de produtos ou serviços, quantidade e preço, contribuinte para a estrutura de Custos das Mercadorias Vendidas de 3.407,888,92 € em 2013 e 2.227.889,18 € em 2014, concorrendo os respetivos lançamentos contabilísticos para a formação do Resultado Liquido do Período (17.371,86 € em 2013 e 9.931,48 € em 2014), pelo que não são propostas correções em sede de IRC.

(…)

VII-Infrações verificadas.




VIII - Outros factos relevantes.

Ao imposto em falta acrescem juros compensatórios nos termos do artigo 35.° da LGT (Lei Geral Tributária Decreto-Lei 398/98, de 17 de dezembro), dado que existiu atraso na liquidação por motivo imputável ao Sujeito Passivo.

IX - Direito Audição - Fundamentação

O sujeito passivo foi notificado nos termos do artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPIT, em 04/09/2017 através dos ofícios 3381 e 3382, para exercer o direito de audição por escrito ou oralmente, sobre o projeto de relatório de inspeção que seguiu anexo à notificação, não tendo exercido o mesmo.

(cf. fls. 223 a 226 e 229 a 256 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

A) No dia 27 de setembro de 2017, foi proferido e aposto no relatório de inspeção referido na alínea precedente um despacho pelo Chefe de Divisão, ao abrigo de delegação do Diretor de Finanças, do qual consta “Confirmo as correções nos termos propostos à margem. Procedimentos subsequentes adequados” (cf. fls. 223 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B) No dia 07 de novembro de 2017, foram emitidas as liquidações de IVA do exercício do 2013, n.º 21212111, referente ao período de 1301, no valor de € 4.639,07, n.º 21242120, referente ao período de 1302, no valor de € 18.015,89, n.º 21242129, referente ao período de 1303, no valor de € 23.096,12, n.º 2017 021242160, referente ao período de 1304, no valor de € 63.245,71, n.º 2017 00000330708, referente a juros compensatórios de IVA do período de 1304, no valor de €10.867,86, n.º 201242175, referente ao período 1305, no valor de € 14.338,91, n.º 2017 00027971320, referente a juros compensatórios do período 1306, no valor de €100.833,89, n.º 2017 00000330709, referente a juros compensatórios de IVA do período 1306, no valor de €16.641,73, n.º 2017 021242223, referente ao período de 1307, no valor de € 43.810,40, n.º 2017 00000330710, referente a juros compensatórios de IVA do período de 1307, no valor de €7.091,28, n.º 21242241, referente ao período de 1308, no valor de € 45.021,96, n.º 2017 00027971324, referente ao período de 1309, no valor de € 115.383,17, n.º 2017 00000330711, referente a juros compensatórios de IVA do período de 1309, no valor de € 17.892,29, n.º 2017 021242291, referente ao período de 1310, no valor de €22.223,22, n.º 2017 00000330712, referente a juros compensatórios de IVA do período de 1310, no valor de € 3.375,49, n.º 2017 021242303, do período de 1311, no valor de € 78.652,32, n.º 2017 00000330713, referente ao período de 1311, no valor de € 11.679,33, n.º 2017 021242317, referente ao período de 1312, no valor de €87.821,79, n.º 2017 00000330714, referente ao período de 1312, no valor de € 12.742,45, no valor total de € 697.372,88, com data limite de pagamento no dia 18 de dezembro de 2017 (cf. fls. 21 a 40 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C) No dia 29 de novembro de 2017, foram emitidas as liquidações de IVA do exercício do 2014, n.º 2017 021596650, referente ao período de 1401, no valor de € 1.206,20, n.º 2017 00000354908, referente a juros compensatórios do período de 1401, no valor de € 171,31, n.º 2159669, referente ao período de 1402, no valor de € 3.703,00, n.º 2017 021596704, no período de 1403, no valor de €46.106,64, n.º 2017 00000354909, referente a juros compensatórios do período de 1403, no valor de € 6.230,08, n.º 2017 021596814, referente ao período de 1404, no valor de € 38.689,51, n.º 2017 00000354910, referente a juros compensatórios do período de 1404, no valor de € 5.100,65, n.º 2017 021596824, referente ao período de 1405, no valor de € 12.229,91, n.º 2017 00000354911, referente a juros compensatórios do período de 1405, no valor de €1.573,47, n.º 2017 021596851, referente ao período de 1406, no valor de € 49.008,48, n.º 2017 00000354912, referente a juros compensatórios do período de 1406, no valor de € 6.133,44, n.º 2017 021596964, referente ao período de 1407, no valor de € 12.266,95, n.º 2017 00000354913, referente ao período de 1407, no valor de € 1.494,88, n.º 2017 021596977, referente ao período de 1408, no valor de € 10.949,69, n.º 2017 00000354914, referente a juros compensatórios do período de 1408, no valor de €1.298,36, n.º 21596994, referente ao período de 1409, no valor de € 4.652,83, n.º 2017 021597104, referente ao período de 1410, no valor de € 5.378,16, n.º 2017 00000354915, referente a juros compensatórios do período de 1410, no valor de € 601,76, n.º 0214597109, referente ao período de 1411, no valor de € 9.726,90, n.º 2017 00000354916, referente a juros compensatórios do período de 1411, no valor de € 1.053,17, n.º 2017 021597140, referente ao período de 1412, no valor de €43.929,90, n.º 2017 00000354917, referente a juros compensatórios do período de 1412, no valor de € 4.616,85, no valor total de € 266.122,14, com data limite de pagamento no dia 10 de janeiro de 2018 (cf. fls. 41 a 110 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D) No dia 10 de abril de 2018, a Impugnante apresentou reclamação graciosa relativamente às liquidações referidas nas duas alíneas precedentes (cf. fls. 281 a 292 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

E) No dia 27 de julho de 2018, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, na sequência de projeto de relatório de indeferimento que concluiu, entre o mais, que “as ditas faturas, ao não obedecerem aos requisitos normativos vindos de afirmar, e ao indiciarem vivamente a prática de operações simuladas, não são fiscalmente relevantes” e que propôs o indeferimento da reclamação, foi proferido, face ao decurso do prazo para exercício do direito de audição e informação no sentido da manutenção do referido projeto, despacho de indeferimento pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças, do qual consta que “corrobora-se o teor da informação infra que, nos termos do art.º 77.º da Lei Geral Tributária, fica a fazer parte integrante do presente despacho como fundamentação, pelo que indefiro o pedido nos termos propostos. Procedimentos em conformidade. Este despacho é proferido no âmbito de competência delegada pelo Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Santarém (cf. fls. 291 a 309 e 113 a 127 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F) No dia 27 de julho de 2018, foram emitidos ofícios 1293, 1165 e 1166, destinados a levar ao conhecimento da Impugnante e respetivos mandatários a decisão de indeferimento referida na alínea precedente, tendo o ofício 1293 sido recebido no dia 05 de setembro de 2018 (cf. fls. 291 a 309 e 116 e 117 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G) No dia 04 de dezembro de 2018, foi apresentada a impugnação judicial dos autos no presente tribunal (cf. fls. 1 a 3 e 4 a 17 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

H) No dia 22 de janeiro de 2019, foi proferida informação pela Direção de Finanças de Santarém, da qual consta que “não tendo o Impugnante apresentado factos novos ou provas susceptíveis de alteração de decisão, somos de parecer, que o ato tributário deverá ser mantido e, em consequência, o pedido indeferido, por não serem válida as razões de facto e de direito invocadas, devendo o mesmo permanecer na ordem jurídica tributária, com as legais consequências” (cf. fls. 190 a 198 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

I) No dia 23 de janeiro de 2019, foi proferida informação pela chefe de divisão da Direção de Finanças de Santarém, ao abrigo de competência delegada pelo Diretor de Finanças da Direção de Finanças de Santarém, da qual consta que “considerando a informação infra, que fica a fazer parte integrante do presente despacho, mantenho o ato tributário na totalidade” (cf. fls. 191 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

Mais se apurou com relevância para a decisão da causa:

J) A Impugnante dispõe de um estaleiro, sem escritório, com uma cozinha na qual eram realizadas reuniões com os fornecedores situado na estrada da l… (cf. fls. 777 a 779 do SITAF e declarações de O…);

K) A mercadoria destinada a ser adquirida pela Impugnante era pesada na entrada do estaleiro da Impugnante, através de balança (cf. declarações de E… e O…);

L) Após o procedimento referido na alínea precedente, o fornecedor emitia a fatura com o peso conferido da mercadoria (cf. declarações de E… e O…);

M) Em momento anterior à contabilização das faturas, a Impugnante verificava no “portal das finanças” que as entidades emitentes tinham atividade declarada e se encontravam devidamente “coletadas” no que concerne ao regime de IVA (cf. faturas juntas aos autos e depoimento de F…);

N) O Sr. V… é uma pessoa conhecida no meio empresarial de comércio de compra e venda madeira como um homem de negócios que negoceia cortiça e lenha (cf. declarações de E… e O…);

O) O Sr. V… tinha um logradouro que utilizava como estaleiro, sem qualquer edificação para guardar máquinas ou veículos (cf. declarações de E…);

P) O Sr. V… conduzia veículos automóveis pesados de mercadorias para entrega de mercadoria (cortiça e lenha) (cf. fls. 777 a 779 do SITAF e declarações de E…);

Q) No dia 09 de julho de 2014, V…, encontrava-se a conduzir uma viatura pesada de mercadorias, da marca volvo, com a matrícula 27-…-…, com reboque, tendo entrado, pelas 12h00, nas instalações da Impugnante, situadas na estrada da l… (cf. fls. 777 a 779 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

R) No dia 09 de julho de 2014, a propriedade da viatura pesada de mercadorias, da marca volvo, com a matrícula 27-…-…, encontrava-se registada em nome da sociedade com a denominação “E…, Unipessoal, Lda.” (cf. fls. 777 a 779 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

S) O Sr. V…atuava como gerente de facto da sociedade “E… Unipessoal, Lda.” (facto não controvertido; cf. ponto III do RIT na alínea f) da matéria de facto provada);

T) O Sr. J… foi sócio e gerente da “E…, Lda.”, até 28 de maio de 2013 (facto não controvertido; cf. ponto III do RIT na alínea f) da matéria de facto provada);

U) O Sr. J… atuava, nomeadamente perante o técnico oficial de contas da sociedade, como gerente de facto da sociedade “C…, Lda.” (facto não controvertido; cf. ponto III do RIT na alínea f) da matéria de facto provada);

V) No dia 08 de agosto de 2017, no âmbito do processo de inquérito 36/17.2IDSTR, a correr termos no departamento de investigação e ação penal de Santarém, Secção de Coruche, foram apreendidos os seguintes documentos (doravante listagem):


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(cf. fls. 156 a 167 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

W) As faturas referidas na listagem referentes à sociedade “R… Unipessoal, Lda.” foram pagas através de cheque à ordem da referida sociedade, com exceção da fatura 67, de 29 de junho de 2013, no valor de €50.485,55 (cf. fls. 706 a 733 do SITAF e 499 a 511 e 482 a 496, 462 a 479, 439 a 457 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

X) As faturas referidas na listagem referentes à sociedade “E…, Lda.” foram pagas através de cheque à ordem da referida sociedade, com exceção das faturas n.º 437, de 08 de maio de 2013, no valor de € 9.038,74, cujo pagamento parcial, no valor de € 8.938,74, foi realizado através de cheque à ordem da respetiva entidade e n.º 552, de 27 de novembro de 2013, no valor de € 134.094,60 (cf. fls. 649 a 699 do SITAF e 499 a 511 e 482 a 496, 462 a 479, 439 a 457 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

Y) As faturas referidas na listagem referentes à sociedade “C…, Lda.” foram pagas através de cheque à ordem da referida sociedade, com exceção da fatura n.º 18E, de 0318 de dezembro de 2013 (cf. fls. 626 a 661 do SITAF e 499 a 511 e 482 a 496, 462 a 479, 439 a 457 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

Z) As faturas referidas na listagem referentes à sociedade “E… Unipessoal, Lda.” foram pagas através de cheque à ordem da respetiva sociedade, com exceção das faturas n.º 11, no valor de € 88.026,80, n.º 13, cujo pagamento parcial, no valor de € 30.000,00, foi realizado através de cheque à ordem da respetiva entidade, n.º 22, no valor de € 109.199,40, cujo pagamento parcial, no valor de € 88.780,00, foi realizado através de cheque à ordem da respetiva entidade, n.º 23, no valor de € 1.311,87, n.º 29, no valor de €11.089,07, n.º 32, no valor de € 59.012,94, n.º 153, cujo pagamento parcial, no valor de €26.436,04, foi realizado através de cheque à ordem da respetiva entidade, n.º 154, cujo pagamento parcial, no valor de € 15.788,06, foi realizado através de cheque à ordem da respetiva entidade, n.º 234, cujo pagamento parcial, no valor de € 14.525,00, foi realizado através de cheque à ordem da respetiva entidade, n.º 246, cujo pagamento parcial, no valor de € 14.647,58, foi realizado através de cheque à ordem da respetiva entidade, e n.º 273, no valor de € 28.350,27 (cf. fls. 586 a 625, 547 a 583 e 514 a 544 do SITAF e 499 a 511 e 482 a 496, 462 a 479, 439 a 457 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).»



Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Compulsados os autos e analisada a prova que dos mesmos consta não existem quaisquer factos, atento o objeto do litígio, com relevância para a decisão da causa.»


E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos meios de prova indicados em cada facto julgado provado, designadamente dos documentos juntos aos autos, de cujo teor se extraem os factos provados, e, bem assim, na parte dos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, se encontram corroborados pelos documentos identificados em cada um dos factos.

No que concerne ao estaleiro da Impugnante relevou o teor do auto de diligência, do qual consta imagem que identifica o “espaço vedado e associado à empresa A… e B…, Lda.”, com edificações diversas. Tal factualidade foi explicitada pelo depoimento da testemunha O…que, de forma reiterada, esclareceu que a Impugnante tem estaleiro, sem escritório, com uma cozinha na qual eram realizadas reuniões com os fornecedores.

Mais relevaram os depoimentos, que se reputaram credíveis e, em geral, congruentes, prestados pelas testemunhas E… e O…, no que concerne à pesagem da mercadoria em balança e às reuniões com os fornecedores, bem como do contabilista certificado, F…, no que diz respeito à verificação da situação contributiva dos fornecedores previamente ao registo contabilístico das faturas.

No que concerne a V… resulta do auto de diligência e do depoimento de E… que o mesmo efetivamente conduzia veículos automóveis pesados de mercadorias para entrega de mercadoria (cortiça e lenha) e procedia à entrega de bens nas instalações da Impugnante. Sendo certo que a propriedade da viatura pesada de mercadorias, da marca volvo, com a matrícula 27-…-…, que o mesmo conduzia, no dia 09 de julho de 2014, se encontrava registada em nome da sociedade fornecedora “E…, Unipessoal, Lda.”. Mais resulta da prova produzida nos autos e, bem assim, do próprio relatório de inspeção, que V… atuava como gerente de facto da sociedade “E… Unipessoal, Lda.” e que o Sr. J… foi sócio e gerente da “E…, Lda.”, até 28 de maio de 2013, e atuava, nomeadamente perante o contabilista certificado, na qualidade de representante da “C…, Lda.”.

Por fim, resulta do teor do auto de apreensão e dos cheques e documentos bancários juntos aos autos a identificação dos documentos apreendidos no âmbito do processo de inquérito 36/17.2IDSTR, bem como o pagamento das faturas em causa nos autos através de cheque à ordem da respetiva entidade fornecedora.

A restante matéria de facto alegada não foi julgada provada ou não provada, por constituir alegação de factos conclusivos, matéria de direito ou por se revelar inútil ou irrelevante para a decisão da causa.»



II.2 Do Direito

A Impugnante e ora Recorrida impugnou judicialmente as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de juros, dos anos de 2013 e 2014.

Como enunciado supra, em causa nos presentes autos está o direito à dedução do IVA suportado pela Impugnante e ora Recorrida nas faturas desconsideradas e melhor identificadas na alínea F) dos factos provados.

Não se conformando com a sentença que julgou a impugnação procedente, veio a Autoridade Tributária e Aduaneira recorrer da mesma, alegando, em suma, erro de julgamento na apreciação e valoração da prova produzida e da subsunção do direito aos factos. Nas alegações de recurso apresentadas, porém, a Recorrente não impugna a matéria de facto dada por provada, mas manifesta discordância com o decidido.

Alega a Recorrente ter reunido prova a seu ver suficiente de os emitentes das faturas não possuírem estrutura empresarial e logística para fornecer aquela quantidade de mercadorias e/ou prestarem aqueles serviços. Não pondo em causa, todavia, nem nas alegações de recurso, nem durante o procedimento inspetivo, que a Impugnante e ora Recorrida por sua vez, transmitiu aquelas mesmas mercadorias a terceiros.

Com efeito, quando a administração tributária desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade.

Desde já adiantaremos que a sentença não merece a censura que lhe foi feita e encontra-se bem fundamentada, citando e seguindo a principal jurisprudência sobre a matéria e é de confirmar.

Vejamos:

Como é consabido o imposto sobre o valor acrescentado é um imposto indireto que incide sobre o consumo (transmissão de bens e prestações de serviços), plurifásico porque se aplica a todas as fases do circuito económico e não cumulativo, porque em cada uma delas apenas se tributa o valor acrescentado, em cada fase, por cada um dos operadores económicos.

Nas palavras de Clotilde Celorico Palma: [o] IVA é caracterizado, essencialmente, como um imposto indireto, de matriz europeia, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o ato de consumo através do método subtrativo indireto (1 - PALMA, Clotilde Celorico, AS ENTIDADES PÚBLICAS E O IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO: Uma rutura no Princípio da Neutralidade, Almedina, dezembro de 2010, pág. 43.).

A dedução pode operar através dos métodos subtrativo indireto, do reporte ou do reembolso (2- Cf. PALMA, Clotilde Celorico — Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, 4.ª edição, Coimbra: Livraria Almedina, 2009, págs. 210-213, contendo além do mais a referência detalhada aos ofícios circulados relevantes.).

Significa isto que, em cada fase, os sujeitos passivos ou operadores ao montante de imposto apurado, subtraem os montantes de imposto que tenha sido suportado em fase anterior.

Com efeito, o direito à dedução é essencial ao funcionamento do imposto e permite assegurar o respeito pelo princípio da neutralidade.

O exercício do direito à dedução do IVA pago a montante está, no entanto, condicionado ao preenchimento de requisitos que podem ser podem ser de cariz subjetivo (relacionados com a qualidade de sujeito passivo), objetivo (relacionados com a tipologia de bens ou serviços), finalístico (atinentes ao fim dos bens ou serviços) e temporal (relacionados com a determinação do momento da exigibilidade) – cf. Ac. TCAS de 2021.05.27, Proc nº 744/11.1BELRA, disponível em www.dgsi.pt.

A impugnante e ora Recorrida, é caracterizada como sendo sujeito passivo de IVA, no regime normal de periodicidade mensal, e dedica-se à compra e venda de cortiça, lenha e pinhas, por vezes associada a prestações de serviços conexas, como o serviço de tiragem de cortiça e apanha de pinhas. Tem, pois, a qualidade de sujeito passivo, o que não é contestado no presente recurso.

Além de os bens ou serviços adquiridos terem sido efetuada por um sujeito passivo enquanto tal, para conferir o direito à dedução necessário se torna que se destinem efetivamente a ser utilizados na atividade tributada, o que também não é contestado nos presentes autos.

Em causa está, como vimos, o IVA constante das referidas faturas emitidas por R… Unipessoal, Lda., E… Lda., E… Unipessoal, Lda. e C… Lda., cujo IVA que nelas figura não foi considerado dedutível essencialmente por os emitentes das faturas não possuírem estrutura empresarial e logística bastante para justificar os fornecimentos titulados pelas faturas (não terem instalações nem trabalhadores suficientes ao seu serviço) e serem sujeitos passivos que não cumprem com as obrigações declarativas.

Efetivamente, nos termos da alínea a) do nº 2 e no nº 3 do artigo 19.º CIVA, só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas na forma legal e não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura.

Assim, para além do cumprimento dos requisitos formais, o exercício do direito à dedução requer que as operações constantes das faturas se tenham efetivamente realizado e pelo preço nelas constante (3 - Cf. PALMA, Clotilde Celorico, SANTOS, António Carlos dos, CÓDIGO DO IVA E RITI: Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág. 241.).

Não concretizando o CIVA o que se deve entender aqui por operação simulada coloca-se a questão de saber se faz apelo ao conceito civilista de simulação.

Diz o artigo 240º do Código Civil (CC):

Artigo 240.º
(Simulação)
1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo.

São elementos essenciais do conceito de simulação: (i) o acordo simulatório: o coluio entre declarante e declaratário; (ii) a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; (iii) o intuito de enganar terceiros, designadamente o Estado.

Ora, tal como configurado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, estaríamos perante um caso de simulação relativa decorrente da interposição fictícia de pessoas, por não serem aquelas pessoas os sujeitos do negócio jurídico celebrado.

Nesse sentido veja-se o decidido no Ac. TCAN, de 2014.02.27, Proc nº 01679/06.5BEBRG, disponível em www.dgsi.pt, do qual citamos:

A simulação pode ser absoluta ou relativa. Na primeira (absoluta), as partes declaram celebrar determinado negócio jurídico mas, na realidade, não querem nenhum negócio jurídico e na simulação relativa as partes, tendo celebrado um determinado negócio jurídico, tinham a intenção de celebrar outro diferente daquele, ou seja, fingem celebrar um negócio diverso do que na realidade querem concluir.

Ora, um dos tipos característicos da simulação relativa é aquele que decorre da interposição fictícia de pessoas, quando são simulados os sujeitos do negócio jurídico.

No caso vertente, segundo a administração tributária, estaríamos perante negócios cuja simulação derivaria da interposição fictícia de pessoas, uma vez que a Impugnante teria declarado contratar com os emitentes das facturas mas quis, efectivamente, contratar com o MC .... Ou seja, teria ocorrido, no entender da administração tributária, uma simulação relativa justificativa do não reconhecimento do direito da Impugnante à dedução do IVA liquidado nas facturas, já que a Impugnante não estaria a comprar a mercadoria (cimento) àqueles que nas facturas figuravam como emitentes (F... e L..., Construção Civil, Lda.) mas a MC ....

Porém, os elementos recolhidos pela administração tributária apenas apontam no sentido de que o MC ... não era o intermediário na venda da mercadoria (cimento) mas era, na realidade, o verdadeiro vendedor dessa mercadoria, utilizando os emitentes das facturas como interpostas pessoas nesse negócio.

Não está, aliás, em causa o fornecimento das mercadorias [ao invés do referido pela Fazenda Pública na conclusão 3 das alegações de recurso, vem expressamente dito no relatório de inspecção que “Não é posta em causa a materialidade das operações, as quais se têm por efectivas” (fls. 108 do p. a. apenso)] nem o respectivo pagamento.

É certo que a administração tributária não tem de fazer a prova directa da simulação, isto é, a prova dos pressupostos exigidos pela lei civil para que se verifique a simulação (artigo 240º do Código Civil), sendo suficiente a prova indirecta a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” - cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Coimbra, 1972, pág. 154.


Prosseguindo:

Nos termos do nº 4 do mesmo artigo 19º CIVA, aditado pela Lei nº 55-B/2004, de 30 de dezembro:

4 - Não pode igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial suscetível de exercer a atividade declarada.

Como referem Alexandra Martins e Lídia SantosIn CÓDIGO DO IVA E RITI: Notas e Comentários, Coordenação de PALMA, Clotilde Celorico, SANTOS, António Carlos dos, Almedina, 2014, pág. 242 na anotação ao nº 4 a este artigo 19º CIVA:

«O nº 4 impede a dedução do IVA nos casos de inexistência ou desadequação da estrutura empresarial do fornecedor ou prestador à atividade desenvolvida, se não ocorrer o pagamento do imposto ao Estado.
Não se exige, para este efeito, que o sujeito passivo adquirente tenha conhecimento da intenção fraudatória do fornecedor, de não entrega nos cofres do Estado do imposto, mas apenas que conhecesse ou deva conhecer que este não tem condições adequadas à prossecução da atividade declarada
Porém, o princípio da neutralidade do IVA impõe a salvaguarda do direito à dedução quando inexistam elementos objetivos que demonstrem que o sujeito passivo sabia ou devia sabe que, com a sua aquisição, participava numa fraude ao IVA.
Neste âmbito o TJUE tem entendido que não é compatível com o regime do direito à dedução previsto na Diretiva recursar esse direito a um sujeito passivo que não sabia, não lhe sendo exigível que soubesse, que a operação em causa fazia parte de uma fraude, ou que outra operação na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo sujeito passivo, era constitutiva de uma fraude ao IVA (…)».

Com efeito a jurisprudência do Tribunal de Justiça (TJUE), nomeadamente nos processos apensos C439/04 e C440/04, Kittel e Recolta Recycling, disponível em https://eur-lex.europa.eu, que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pela Cour de cassation (Bélgica), por decisões de 7 de Outubro de 2004, entrados no Tribunal de Justiça em 19 de Outubro de 2004, apresentados relativamente à recusa da Administração Fiscal belga em admitir o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») pago a montante sobre operações implicadas em fraudes de tipo «carrossel». Do sumário transcreve-se:

Quando é efectuada uma entrega a um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo vendedor, o artigo 17.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, na redacção dada pela Directiva 95/7/CE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma norma de direito nacional segundo a qual a anulação do contrato de venda, por força de uma disposição de direito civil que comina a nulidade absoluta do contrato pelo facto de este ser contrário à ordem pública por ter um fim ilícito imputável ao vendedor, implica a perda do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago pelo referido sujeito passivo. É irrelevante, a este propósito, a questão de saber se a referida nulidade resulta de uma fraude ao imposto sobre o valor acrescentado ou de outras fraudes.
Em contrapartida, quando se demonstrar, perante elementos objectivos, que a entrega é efectuada a um sujeito passivo que sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, incumbe ao órgão jurisdicional nacional recusar ao referido sujeito passivo o benefício do direito à dedução.

Do Acórdão de 31 de janeiro de 2013, processo C-642/11, disponível em https://eur-lex.europa.eu/ transcreve-se:

47. Assim, cabe às autoridades e aos tribunais nacionais recusar o direito a dedução se se demonstrar, face a elementos objetivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, acórdão de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p. I-6161, n.o 55; e acórdãos, já referidos, Mahagében e Dávid, n.o 42, e Bonik, n.o 37).
48. Contudo, também segundo jurisprudência bem assente, não é compatível com o regime do direito a dedução previsto pela Diretiva 2006/112 sancionar com a recusa desse direito um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., especialmente, acórdão de 12 de janeiro de 2006, Optigen e o., C-354/03, C-355/03 e C-484/03, Colet., p. I-483, n.os 52 e 55; e acórdãos, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.os 45, 46 e 60, Mahagében e Dávid, n.o 47, e Bonik, n.o 41).
49 Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.os 61 a 65 do acórdão Mahagében e Dávid, já referido, que a Administração Fiscal não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretenda exercer o direito a dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura referente aos bens e aos serviços em função dos quais o exercício deste direito é pedido dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de os entregar e cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA, a fim de se certificar de que não há irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a este respeito.
50 Daqui decorre que o tribunal nacional que deva decidir se, num determinado caso, existe operação tributável, tendo a Administração Fiscal alegado no processo que a existência de irregularidades cometidas pelo emitente da fatura ou por um dos seus fornecedores, como omissões contabilísticas, deve zelar por a apreciação da prova não conduza a esvaziar de sentido a jurisprudência recordada no n.º 48 do presente acórdão, obrigando de forma indireta o destinatário da fatura a proceder a verificações junto do seu contratante que, em principio, não lhe incumbem.»

E a final declarou:

«(…)
2- Os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da confiança legitima devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante seja recusado ao destinatário de uma factura, por inexistência de uma operação tributável efectiva, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o imposto sobre o valor acrescentado declarado pelo emitente não tiver sido corrigido. Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito a dedução, se considerar que essa operação não foi efectivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objectivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que lhe não incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha obrigação de saber que a operação estava implicada numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.»


Do Acórdão TJUE de 16 de outubro de 2019, Caso Glencore Agriculture Hungary Kft., disponível em https://eur-lex.europa.eu/ transcreve-se:

35. Embora seja o que sucede quando o próprio sujeito passivo comete uma fraude, é também o que acontece quando um sujeito passivo sabia ou deveria saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA. Assim, o direito a dedução só pode ser recusado a um sujeito passivo se, à luz de elementos objetivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito à dedução, sabia ou deveria saber que, ao adquirir estes bens ou estes serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador interveniente a montante ou a jusante na cadeia dessas entregas ou dessas prestações (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de dezembro de 2012, Bonik, C285/11, EU:C:2012:774, n.os 38 a 40, e de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C18/13, EU:C:2014:69, n.os 27 e 28).

36. Uma vez que a recusa do direito à dedução é uma exceção à aplicação do princípio fundamental que constitui este direito, incumbe às autoridades fiscais fazer prova bastante de que os elementos objetivos que permitem concluir que o sujeito passivo sabia ou deveria saber que a operação invocada para fundamentar o direito a dedução fazia parte de tal fraude (v., neste sentido, Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C18/13, EU:C:2014:69, n.º 29 e jurisprudência referida).


Feita esta necessariamente breve incursão pela jurisprudência do TJUE, vejamos o que se decidiu na sentença recorrida no segmento que aqui interessa:

Volvendo ao caso dos autos, resulta da matéria de facto provada que, em sede de relatório de inspeção, se apurou que “os sujeitos passivos fornecedores não possuíam qualquer tipo de estrutura empresarial adequada ao exercício da atividade declarada, nomeadamente no que concerne à magnitude das operações faturadas e ao volume de negócios realizado”, que “os Fornecedores sem estrutura empresarial são formalmente empresas, Sujeitos Passivos em nome individual ou através de sociedades por quotas ou unipessoais por quotas, que tendo muito recentemente iniciado a sua atividade, começam a faturar, de um momento para o outro, vendas múltiplas de milhares de toneladas de produtos silvícolas e prestações de serviços conexas, "justificando" assim a entrada dessas mercadorias nos armazéns do Sujeito Passivo”. Mais é invocado que “estes emitentes de faturas nunca chegam a entregar o imposto liquidado ao Estado e que, por norma, nem sequer chegam a submeter as Declarações Periódicas de IVA a que estão obrigados, ou poderão mesmo cumprir alguma obrigação declarativa, por forma a criar uma aparência de operadores reais, mas que nunca tem concretização efetiva”. Mais se refere que “ainda que venham a submeter uma Declaração Periódica de IVA contendo os valores reais, os emitentes destas faturas nunca chegam a pagar o lVA devido, pois as empresas e as pessoas desaparecem de um dia para outro. Mais se conclui que, em suma, os quatro emitentes das faturas serão não declarantes nos anos de 2013 e 2014 com exceção de uma declaração de 2014/03T pelo Emitente E… UNIPESSOAL LDA., NIF: 5…, por sinal em situação de crédito. E que, no caso dos fornecedores, é comum o recurso a empresas "criadas na hora", sendo utilizadas Sociedades Unipessoais por Quotas, onde o sócio único e/ou gerente emite, logo no momento da constituição da própria sociedade, uma procuração para movimentação de contas bancárias e para tratar de qualquer assunto em nome das empresas junto de entidades publicas ou privadas, assegurando desta maneira um controlo total ao verdadeiro operador” (cf. alínea F) da matéria de facto provada).
No RIT é, ainda, explicitado que “para concretizar deste expediente, e dificultar de forma adicional a fiscalização pela AT, são usados indivíduos de nacionalidade estrangeira que, imediatamente antes de saírem definitivamente de Portugal, assumem a titularidade dessas quotas ou, por vezes, a gerência de pessoas coletivas e mandam imprimir vários livros de faturas que depois continuam a circular no setor, muito tempo depois dessas mesmas pessoas terem abandonado o país” e que “com efeito, mesmo admitindo que na generalidade das operações de compra e venda existiu uma circulação efetiva de mercadorias, a realidade é que muitos desses emitentes iniciaram atividade muito recentemente com o propósito único ou primordial de emissão de faturas "simuladas" para suportar operações eventualmente "reais" de grandes dimensões, onde o Sujeito Passivo acabava sempre por ser o utilizador final dessas mesmas faturas”, tendo sido esse o “modus operandi dos quatro "alegados fornecedores" do Sujeito Passivo, como se verá adiante, contactaram um Contabilista Certificado apenas para promover o inicio de atividade junto da Autoridade Tributária, juntar alguns documentos iniciais e depois deixam de estar contactáveis”. (cf. alínea F) da matéria de facto provada).
Rematando que “deste modo, mesmo admitindo que, no limite, tenha existido uma transação real de mercadorias, bem como um pagamento efetivo dos valores indicados nas faturas (incluindo o próprio IVA), não se poderá descurar o disposto no n.º 3 e n.º 4 do artigo 19.º do CIVA, não podendo o utilizador final dessas mesmas faturas vir a beneficiar de deduções em sede de IVA”. (cf. alínea F) da matéria de facto provada).
Compulsados os elementos apurados em sede de inspeção, cremos ser manifesto que a Entidade Impugnada recolheu factualidade relacionada, apenas e somente, com as entidades fornecedoras, nomeadamente o incumprimento de obrigações declarativas e de obrigações de entrega de imposto, o início de atividade recente e a gerência por indivíduos ausentes, com procurações emitidas a favor do verdadeiro operador, e a falta de estrutura empresarial aliada ao elevado volume de negócios ou transações.
No que concerne à Impugnante propriamente dita, do relatório de inspeção não consta qualquer factualidade que permita concluir que as transações não tivessem sido realizadas ou que tivessem sido realizadas em moldes distintos ou com entidades distintas das constantes dos documentos contabilísticos registados pela Impugnante ou mesmo que a Impugnante tinha qualquer efetivo conhecimento da factualidade constante do relatório de inspeção relativamente às sociedades fornecedoras.
A própria Entidade Impugnada refere no relatório de inspeção que “mesmo admitindo que na generalidade das operações de compra e venda existiu uma circulação efetiva de mercadorias, a realidade é que muitos desses emitentes iniciaram atividade muito recentemente com o propósito único ou primordial de emissão de faturas "simuladas" para suportar operações eventualmente "reais" de grandes dimensões, onde o Sujeito Passivo acabava sempre por ser o utilizador final dessas mesmas faturas”.
Quer isto dizer que as entidades fornecedoras terão decidido atuar à margem das suas obrigações declarativas e de pagamento de imposto, em seu próprio benefício ou dos proprietários e produtores da mercadoria.
Contudo, não resulta indiciado o conhecimento, participação ou qualquer benefício da Impugnante na invocada simulação (a montante), nomeadamente que o preço das mercadorias fosse inferior ao valor de mercado, que se tivesse verificado qualquer outra vantagem indevida para a Impugnante ou mesmo que o pagamento das mercadorias não se destinou, total ou parcialmente, às entidades em causa, mas a terceiro ou à própria Impugnante.
Note-se que, em rigor, a Entidade Impugnada reconhece que as sociedades fornecedoras foram constituídas para atuar no mercado “com o fim único ou primordial de emitir faturas para operações simuladas ou, no limite, para emitir faturas que titulassem operações realizadas por outros agentes económicos” (cf. alínea F) da matéria de facto provada).
Donde decorre que a Entidade Impugnada recolheu indícios que sustentam que terá ocorrido um acordo simulatório a montante, isto é, entre os produtores ou proprietários da mercadoria e os adquirentes (aqui fornecedores) de mercadoria, com o intuito de “emitir faturas que titulassem operações realizadas por outros agentes económicos”, nomeada e possivelmente os diversos produtores e proprietários das mercadorias.
Nesta matéria, acompanhamos a jurisprudência superior, quando afirma que “o indício que se prende com uma alegada simulação de terceiro que não fornecedor direto da Recorrente, concatena-se com uma simulação indireta e a montante da mesma, não sendo, por isso, de molde a indiciar, de forma séria e razoável, que as operações constantes nas faturas sejam simuladas” (Vide Acórdãos TCAS de 11 de março de 2021, processo 914/16.6BEALM, e de 22 de maio de 2019, processo 1134/10.9BELRA, disponível em www.dgsi.pt).


Ora, apesar dos indícios recolhidos de falta de estrutura empresarial dos emitentes das faturas, a Autoridade Tributária reconhece que as operações tituladas pelas faturas são operações económicas reais e que as mercadorias foram entregues aos seus clientes, não tendo efetuado qualquer correção em sede de IRC.

Prossegue a sentença recorrida:

Note-se que relativamente às entidades adquirentes da mercadoria (clientes da Impugnante) o relatório de inspeção concluiu que “todos os indícios recolhidos apontam como credíveis e verdadeiras as vendas efetuadas pelo Sujeito Passivo A… & B… NIF: 5… (a estes e aos remanescentes clientes). Sobre estas vendas, foram emitidas faturas e liquidado o respetivo IVA nos termos gerais”. E, com particular relevo, que, ainda que não possam ser considerados em sede de IVA os documentos lançados na contabilidade em matéria de aquisições aos emitentes R… UNIPESSOAL. LDA, NIF: 5…, E… - LDA, NIF: 5…, E… UNIPESSOAL LDA, NIF: 5… e C… LDA, NIF: 5…, admitem-se as significativas vendas fruto dessas aquisições e que foram realizadas aos clientes S…-Soc. Cortiças d… S.A, Corticeira T…, Lda. e A…Florestal, S.A.”, pelo que, “na falta de elementos que espelham os verdadeiros Fornecedores do Sujeito Passivo, aceitam-se (em face das vendas realizadas aos clientes finais) como plausíveis os restantes dados constantes dessas faturas, designadamente: descrição de produtos ou serviços, quantidade e preço, contribuinte para a estrutura de Custos das Mercadorias Vendidas de 3.407,888,92 € em 2013 e 2.227.889,18 € em 2014, concorrendo os respetivos lançamentos contabilísticos para a formação do Resultado Liquido do Período (17.371,86 € em 2013 e 9.931,48 € em 2014), pelo que não são propostas correções em sede de IRC” (cf. alínea F) da matéria de facto provada).
Em suma, a venda dos bens adquiridos com invocado recurso a “faturação falsa” para efeitos de IVA foi aceite para registo de vendas e formação do resultado líquido do período da Impugnante, aceitando-se os como plausíveis os “restantes” dados constantes dessas faturas, designadamente descrição de produtos ou serviços, quantidade e preço (cf. alínea F) da matéria de facto provada).
E, relativamente à Impugnante afirmou, de seguida, que, “posto isto, será lícito concluir que se as vendas do Sujeito Passivo são reais, também as respetivas aquisições de bens e serviços serão presumivelmente verdadeiras quanto ao seu conteúdo, natureza, data e valor, ainda que se revelem como falsas quanto aos seus intervenientes. Do mesmo modo, será também lícito concluir que foram efetivamente realizadas as prestações de serviços conexas com as vendas, como por exemplo serviços de tiragem de cortiça. Simplesmente tais serviços foram prestados por outros intervenientes que não constam das faturas, estabelecida que está a inexistência de estrutura minimamente apropriada à magnitude das operações faturadas. Neste último caso, não são muitas as faturas referentes a Serviços Prestados por esses fornecedores, devendo, contudo, salientar-se a maior parte dos documentos contém uma menção genérica de prestação dos serviços prestados em herdades, nem sempre identificadas, e uma expressão quantitativa em arrobas que calcula o valor, geralmente bastante elevado (cf. alínea F) da matéria de facto provada).
Donde decorre que, em sede de relatório de inspeção, se conclui serem presumivelmente verdadeiras as aquisições, ainda que falsas quanto aos intervenientes, isto é, invocando-se não serem as referidas entidades as verdadeiras fornecedoras (simulação subjetiva).

Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira, não recolheu qualquer indício demonstrativo de que a Impugnante e ora Recorrida tinha conhecimento da situação empresarial das sociedades emitentes das faturas ou que atuou em conluio com estas para defraudar o Estado.

Consideramos que, tal como se decidiu na sentença recorrida e ao contrário do alegado pela ora Recorrente, a Impugnante e ora Recorrida não estava obrigada a averiguar da real situação empresarial ou fiscal dos emitentes das faturas que lhe vendiam a mercadoria.

Diz seguidamente a sentença recorrida no que aqui interessa:

Contudo, relativamente aos invocados intervenientes “dissimulados” nada é explicitado, invocando a Entidade Impugnada ter realizado “diligências para procurar os fornecedores e sua contabilidade, escritórios, funcionários ou representantes, bem como comprovar a existência de algum tipo de estrutura empresarial que permitisse a realização de tais operações”, a fim de “encontrar registos contabilísticos destas empresas elou pessoas que permitissem apurar a origem da mercadoria hipoteticamente transacionada, i.e., determinar quais as aquisições realizadas pelos emitentes das faturas para que estes pudessem, por sua vez, vender essa mercadoria ao Sujeito Passivo” e que, “não obstante, saíram goradas todas as tentativas para desenhar esse trajeto das mercadorias alegadamente vendidas pelos fornecedores e ainda questionar, ou, em alguns dos casos, sequer encontrar, estes fornecedores do Sujeito Passivo” (cf. alínea F) da matéria de facto provada).
Assim, não vemos que resulte indiciado, no que concerne à Impugnante, a existência de qualquer simulação relativamente ao objeto ou ao sujeito das operações constantes das faturas dos fornecedores em causa nos autos e, com particular relevância, não vemos que resulte dos autos qualquer efetivo indício da existência de acordo simulatório que envolva a Impugnante.
É que, sublinhe-se, tal como se concluiu, em sede de relatório de inspeção, ter sucedido com os clientes da Impugnante, esta poderá também não ter tido qualquer envolvimento nesta matéria, isto é, poderá ter ocorrido um acordo simulatório entre, apenas e somente, o produtor e as fornecedoras da Impugnante.
Daí que, inexistindo, como vimos, indícios de simulação objetiva, a Entidade Impugnada, a fim de colmatar a ausência de suporte fáctico relativamente à matéria da simulação subjetiva, tenha, em sede de relatório de inspeção, invocado a falta de estrutura adequada.
Sucede que tal conceito não constitui um elemento do regime previsto no artigo 19.º, n.º 3, do CIVA, nem constitui um elemento atinente à prova da simulação subjetiva.
E ainda que se entenda que tal elemento constitui um elemento relevante para a matéria em causa, no que concerne à falta de estrutura adequada, em sede de relatório de inspeção afirma-se que “mesmo que tenha existido uma operação de compra e venda e ainda que se admita que o Imposto sobre o Valor Acrescentado tenha sido pago, não deveria o Sujeito Passivo ter deduzido o imposto sabendo ou não devendo ignorar que: 1. O transmitente que figurava formalmente na fatura não correspondia à pessoa real que realizou o negócio; 2. Tal transmitente era apenas uma empresa "no papel", sem a adequada estrutura; 3. Esse mesmo transmitente nunca iria entregar o IVA liquidado, e eventualmente pago pelo adquirente, nos cofres do Estado” (cf. alínea F) da matéria de facto provada).
A este propósito, no relatório de inspeção, a Entidade Impugnada reporta-se, como vimos, à inexistência do domicílio físico das entidades, impossibilidade de contactar os seus representantes, inexistência de qualquer possibilidade de localizar a sua sede ou sequer contactar o emitente das faturas, justificar as elevadas vendas de através de faturas de compra por meio de uma correspondência em quantidades e valores, e localizar qualquer local de produção, armazenamento ou instalações que permitissem de algum modo realizar as operações a que referem as faturas emitidas.
Ora, a jurisprudência recente tem vindo a vincar que “a inexistência de estrutura empresarial das aludidas sociedades” (…) “são, efetivamente, fatores exógenos que indiciam comportamento relapsos dos fornecedores e não da própria Recorrida, mas a verdade é que a entidade fiscalizadora não pode, nem deve descurar essa informação só pelo simples facto de se tratar de conduta de terceiro. Tal constatação pode e deve representar um ponto de partida para uma ação de inspeção, mas não exime a Administração Tributária de demonstrar os elementos, os factos que permitem concluir pela existência de indícios seguros de faturação falsa e legitimar as correções por operações simuladas”, sendo que “a qualidade dos emitentes só quando é desacompanhada de outros elementos fácticos que revelem falsificação das faturas é que é manifestamente insuficiente para ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade do adquirente” (cf. Acórdão do TCAS de 07 de maio de 2020, processo 236/08.6BEFUN, disponível em www.dsgi.pt).
Na esteira da citada jurisprudência, consideramos que tal factualidade não diz respeito à Impugnante, nem permite concluir que a Impugnante conhecesse ou tivesse qualquer obrigação de conhecer tal factualidade.
Sem prejuízo, relativamente a uma das entidades fornecedoras inclusivamente demonstrou-se nos presentes autos que ocorreu efetivo fornecimento e que foi realizado em viatura pesada de mercadorias cuja propriedade se encontrava registada em nome da entidade fornecedora (cf. alíneas X) e V) da matéria de facto provada), factualidade que aponta no sentido da existência material dos fornecimentos e de ativos próprios destinados à atividade em causa. E, relativamente a esta fornecedora, o relatório de inspeção invoca que o local da sede não tem condições para a atividade, que a Entidade teve trabalhadores apenas durante alguns meses de 2014, e que o número elevado de transportes realizados se afigura inverosímil (cf. alínea F) da matéria de facto provada).
Ora, não se pode deixar de analisar a factualidade em causa no âmbito de uma atividade de aquisição de substanciais quantidades de madeira, não sendo inverosímil que a Impugnante, como é usual em diversos mercados, realize aquisições de elevados volumes a fornecedores intermediários que, ainda que sem substancial ou até residual estrutura empresarial, têm gerentes ou representantes que conhecem o mercado, isto é, os diversos proprietários de terrenos e produtores de madeira, procedendo aos contactos iniciais e negociação, aquisição e agendamento da recolha e entrega dos bens, procedendo, também, à sua entrega nas instalações da Impugnante - atividade que a Impugnante designa de “angariação” de madeira.
No contexto sobredito, não vemos que a Impugnante, verificando a existência formal das entidades fornecedoras, que as mesmas tinham atividade e se encontravam devidamente registadas, no que concerne ao regime de IVA, tenha incumprido qualquer dever no que concerne à qualificação dos fornecedores em causa (cf. alínea S) da matéria de facto provada).
Nem é crível que, face ao volume de operações em causa, não se tenha detetado em sede de inspeção tributária, um único elemento documental, nomeadamente um email, carta, fax, nota de encomenda, contrato, fatura, pagamento ou saque de cheque que denote que a Impugnante tinha conhecimento da factualidade invocada relativamente aos fornecedores ou que o circuito material dos bens e pagamentos era diverso do formalmente registado em termos contabilísticos.
Nesta matéria, não vemos que tenha sido invocada factualidade concreta que permita concluir que a Impugnante sabia ou devia ter conhecimento que as entidades fornecedoras não tinham estrutura empresarial adequada para a atividade em causa, não sendo despiciendo ter em conta que a compra e venda em causa, consubstanciada na intermediação entre produtores e proprietários e a Impugnante, poderá efetivamente não carecer, ou pelo menos tal factualidade não foi devidamente invocada, de substancial estrutura empresarial. E, muito menos ficou indiciado que sabia ou devia ter conhecimento que o transmitente que figurava formalmente na fatura não correspondia à pessoa real que realizou o negócio ou que esse mesmo transmitente nunca iria entregar o IVA liquidado nos cofres do Estado.
É que, reitera-se, tal como se concluiu, em sede de relatório de inspeção, ter sucedido com os clientes da Impugnante, esta poderá, também, não ter qualquer envolvimento nesta matéria, isto é, poderá ter ocorrido um acordo simulatório entre, apenas e somente, o produtor e as fornecedoras da Impugnante.
Por outro lado, não vemos que tenha sido invocada qualquer factualidade que cabalmente indicie a inexistência de aquisição, transporte e entrega da mercadoria à Impugnante.
Nem resulta do relatório de inspeção que a Impugnante tenha adquirido as mercadorias abaixo do valor de mercado ou que tenha beneficiado indevidamente da conduta das entidades fornecedoras.
E, por fim, que tenha sido invocada qualquer irregularidade formal nos documentos contabilísticos e no circuito financeiro de pagamento das faturas em causa dado que foram apreendidas faturas, com as respetivas guias de transporte e talões de pesagem, e que a Impugnante demonstrou que a generalidade das faturas em causa foi paga com cheque sacado à ordem da entidade fornecedora (cf. alíneas BB), CC) a FF) da matéria de facto provada).
Nesta matéria, acompanhamos a recentíssima jurisprudência superior quando explicita que “não sendo controvertido que foram emitidos cheques nominativos pela Recorrida à ordem dos visados fornecedores, e materializado o correspondente pagamento, então para legitimar a insusceptibilidade de dedução do IVA, a AT teria de ter ido mais longe, não sendo suficiente bastar-se em elementos (indícios externos), tendo, necessariamente, de obter alguns indícios junto do contribuinte (indícios internos) que, ainda que conjugado com aqueles outros, conduzam à elevada probabilidade de que as faturas não correspondem a operações efetivas” (cf. Acórdão do TCAS, de janeiro de 2022, processo 379/19.0BELRA, e, no mesmo sentido, Acórdãos TCAS de 11 de março de 2021, processo 914/16.6BEALM, de 22 de maio de 2019, processo 1134/10.9BELRA, disponível em www.dgsi.pt).
Não vemos que resulte da inspeção que existam indícios objetivos e fundados, internos e externos, com análise detalhada e casuística, dos quais se possa deduzir a elevada probabilidade de as operações em causa, no que concerne à aquisição pela Impugnante, se tratarem de operações simuladas.
Dito de outro modo e no que concerne à aquisição da Impugnante, que se possa concluir que, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência”, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura” (Vide Acórdão do TCAS, de 31 de outubro de 2019, processo 1729/14.1BELRA, disponível em www.dgsi.pt).
E inclusivamente por razões de congruência e segurança jurídica, não vemos que a Entidade Impugnada possa concluir, em sede de IRC, que as vendas devem ser aceites para efeitos de apuramento do resultado tributável e simultaneamente que as aquisições (que originam tais vendas) são simuladas e não permitem o direito à dedução em sede de IVA.
Assim, dos factos constantes do relatório de inspeção, por si só, não se poderá considerar indiciado que a Impugnante tivesse violado qualquer obrigação legal ao adquirir a mercadoria, proceder ao lançamento contabilístico e à dedução do imposto das respetivas faturas.
Concluindo-se que a realidade fática convocada pela Entidade Impugnada não é suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita da Impugnante e dos respetivos documentos de suporte, quer no que concerne à simulação, quer no que concerne à estrutura empresarial adequada.


Em suma, para recursar o exercício do direito à dedução do imposto, consideramos que não bastava, pois, a constatação de que o fornecedor dos bens ou serviços não possuía uma estrutura empresarial adequada ao exercício da atividade, sendo necessário para o funcionamento da norma prevista nos nº 3 e 4 do artigo 19º CIVA, que o sujeito passivo soubesse ou tivesse obrigação de saber a situação dos fornecedores ou que com eles tivesse atuado em conluio.

E não ficou demonstrado que a Impugnante e ora Recorrida tinha conhecimento da estrutura empresarial dos emitentes das faturas ou que tivesse que ter. Nenhum indício foi apurado nesse sentido, nem nenhuma prova relevante foi feita.

Bem como que tivesse existido um acordo simulatório ou que tenha tido conhecimento que o imposto suportado a montante não tinha dado entrado nos cofres do Estado.

Aliás, Autoridade Tributária e Aduaneira não coloca em causa que a Impugnante e ora Recorrida vendeu aquela mesma mercadoria que adquiriu seus clientes. As operações económicas são reais, não tendo sido reunidos indícios que que a Impugnante e ora Recorrida sabia não poderem ser os emitentes das faturas os verdadeiros fornecedores das mercadorias.

Em face do exposto, improcedem as conclusões de recurso da Recorrente.


Sumário/Conclusões:

I - O exercício do direito à dedução do IVA pago a montante está condicionado ao preenchimento de requisitos que podem ser podem ser de cariz subjetivo (relacionados com a qualidade de sujeito passivo), objetivo (relacionados com a tipologia de bens ou serviços), finalístico (atinentes ao fim dos bens ou serviços) e temporal (relacionados com a determinação do momento da exigibilidade)
II - Nos termos da alínea a) do nº 2 e no nº 3 do artigo 19.º CIVA, só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas na forma legal e não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura.
III - E, nos termos do nº 4 do mesmo artigo 19º CIVA: não pode igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial suscetível de exercer a atividade declarada
IV - Para recursar o exercício do direito à dedução do imposto, não basta a constatação de que o fornecedor dos bens ou serviços não possuía uma estrutura empresarial adequada ao exercício da atividade, sendo necessário que o sujeito passivo soubesse ou tivesse obrigação de saber a situação dos fornecedores ou que com eles tivesse atuado em conluio.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu

Lisboa, 4 de maio de 2023

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Jorge Cortês