Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8388/15.2BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/22/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS
Sumário:I. A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.
II. A simples constatação de existência de irregularidades na contabilidade não é suficiente para a demonstração do recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria tributável.
III. A evidenciação dos pressupostos de recurso a métodos indiretos não se basta com a existência de meros elencos de irregularidades da contabilidade, sendo imprescindível que se espelhe de que forma essas irregularidades são impeditivas, no todo ou em parte, do recurso ao método direto de avaliação da matéria tributável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 10.11.2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por J…. e E…. (doravante Recorridos ou impugnantes), que teve por objeto as liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), referentes aos anos de 1995, 1996 e 1997.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“a) A douta sentença violou os artigos os artigos 661/1 do CPC, 668/1 alínea d) do CPC [actuais artigos 609° e 615° do CPC], o artigo 125° do CPPT, o artigo 413° do CPC (anterior artigo 515° do CPC), em virtude do tribunal "a quo" não ter considerado toda a prova carreada aos autos e não se ter pronunciado sobre questões que devia apreciar. A douta sentença violou também o artigo 38/ 1 alínea d) e 38/2 do CIRS em virtude da AT ter logrado demonstrar a existência de indícios suficientes que permitem descredibilizar a escrita do sujeito passivo e justificar a impossibilidade de comprovação exacta e directa da matéria tributável.

b) Não foi tido em conta pelo tribunal "a quo" a constatação, pela inspecção tributária, da inexistência, "na contabilidade , de qualquer movimento na conta bancos mas tão só na conta caixa", facto de maior relevo na demonstração da necessidade inelutável de recurso a métodos indirectos para cálculo da matéria tributável, uma vez que, tal como salientado em sede de pedido de revisão da matéria tributável no Parecer do perito da administração tributária - também desconsiderado pelo tribunal "a quo" -, a determinação da matéria tributável por métodos indirectos radicou também na "não contabilização de qualquer movimento na conta bancos apesar de haver recebimentos e pagamentos suportados por cheque".

c) Reincidindo o perito da administração tributária ao evidenciar que "de facto a contabilidade sofre de insuficiências, irregularidades e inexactidões acima expostas, revelando indícios de incorrecção na determinação da matéria tributável. A não exibição de contratos promessa de compra e venda, a não contabilização dos cheques por si emitidos e pelos seus clientes (sublinhado nosso), a contabilização da venda de fracções e moradias muito abaixo do preço de mercado como é o caso de um T3 por apenas 8.000 contos em 1997 no Bº da Srª dos Remédios e de uma vivenda que curiosamente não contabilizou mas diz ter vendido por apenas 10.500 contos são prova das anomalias apontadas".

d) Foi desconsiderada pelo tribunal "a quo" a prova testemunhal tendo, nessa sede, a testemunha J….., técnico de contas do impugnante à data dos factos, no concernente aos motivos que implicaram o recurso a métodos indirectos, respondido que o impugnante não pediu dinheiro emprestado ao banco para a construção das três moradias e do bloco habitacional constituído por 8 fracções e que a firma não recebeu adiantamentos dos compradores das moradias e das fracções, não sabendo, no entanto, responder se foi com dinheiro próprio que construiu as moradias e as fracções e se a compra dos materiais e o pagamento das prestações de serviços foi sempre feita em dinheiro ou através de cheques ou outro meio de pagamento, refugiando-se na resposta de que se limitava a lançar na contabilidade os documentos que lhe eram facultados pelo impugnante. Ou seja, nada se sabe sobre a origem do dinheiro, por que formas é que o impugnante conseguiu fazer face às enormes despesas de construção.

e) A inspecção constatou, e a testemunha corroborou, que a contabilidade do impugnante nada tem a ver com a realidade, uma vez que não reflecte qualquer movimentação de cheques, empréstimos, livranças ou outras formas de movimentação de dinheiro, tratando-se de quantias tão elevadas.

f) Estão em causa, no âmbito da actividade levada a cabo pelo impugnante - construção e venda de prédios -, quer na aquisição de material e de serviços, quer na venda das fracções e moradias, valores avultados que exigem a intervenção de entidades financeiras e que são incompatíveis com pagamentos em dinheiro, uma vez que estão em causa quantias avultadas que pressupõem a montante contratos garantísticos, que pressupõem a obtenção de empréstimos, a assunção de hipotecas e de outras garantias sucedâneas, valores e contratos que são incomportáveis com o transporte e pagamento em dinheiro vivo e, logo, de forma inelutável e imprescindível obrigando à movimentação da conta bancos . Factos que, por si e concatenados com a inexistência de adiantamentos por conta e não exibição de contratos­ promessa de compra e venda , são reveladores da evasão fiscal ostensiva perpetrada pelo impugnante. Verificou-se, pois, a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, verificando-se a necessidade de recurso a métodos indirectos.

g) Quanto ao indício área da construção , a douta sentença, embora enunciando este indicador, não o procura depois desconstruir ou destruir no sentido de não ser revelador de fundamentação para aplicação de métodos indirectos, em violação dos artigos supra.

h) Quanto aos indícios/ indicadores preços praticados no mercado, área da construção e localização, o tribunal "a quo" desconsiderou [para além do facto do impugnante , nos anos de 1995 a 1997, ter vendido três moradias e oito fracções obtendo no conjunto desses três anos apenas um lucro de cerca de 5.500 contos, ou seja, em média um lucro de 500 contos (2.500 €) por cada venda], a comparação efectuada pela inspecção tributária com os valores unitários de custo de construção por m2 previstos nas portarias n° 975-C/94, de 31/10, n° 1330-C/95, de 31/10 e n° 616-C/96, de 30/10, para os anos de 1995, 1996 e 1997, respectivamente, portarias estas a aplicar aos contratos de arrendamento para habitação de renda condicionada, evidenciando o perito da administração tributária em sede de pedido de revisão estar em causa a comparação entre um preço de venda e um preço de custo, obviamente mais favorável ao sujeito passivo, e depois, estar em causa naquelas portarias um mercado de habitação para as classes médias/baixas, sendo as habitações necessariamente de custos mais modestos . Comparação que iria servir de critério para a quantificação dos valores em causa nos presentes autos. Comparação a corroborar à saciedade a evasão fiscal planeada e levada a cabo pelo impugnante.

i) Ainda quanto aos indicadores supra - preços praticados no mercado, área da construção e localização -, o tribunal "a quo" desconsiderou também as escrituras juntas aos autos concernentes a outros imóveis, desde logo as escrituras concernentes à venda de moradias, a dar conta de valores de venda superiores aos valores dados a conhecer pelo impugnante, respectivamente de 15.500 contos, 16.000 contos e 14.000 contos a última com a concessão dum empréstimo bancário no total de 20.000 contos. E quanto às fracções, valores de 8.500 contos, 9.000 contos e 9.500 contos, a corroborar que os imóveis em causa nos presentes autos foram vendidos por valor inferior ao real, ao de mercado.

j) Desconsiderou ainda o tribunal "a quo" as conclusões a que chegou a peritagem ou o "parecer técnico" requerido e junto pelo impugnante aos autos, em violação do artigo 413° do CPC (anterior artigo 515° do CPC), ex vi artigo 2° do CPPT. Note-se, quanto ao valor dos imóveis, e sobretudo das moradias, a que chegou a peritagem do impugnante, que esta, para além de dar a conhecer valores diferentes dos que foram dados a conhecer pelo impugnante, conclui sempre no sentido dos imóveis vendidos -apesar de neles encontrar muitos defeitos, desde a construção à localização, e esmiuçar áreas a fim de lhes atribuir diferentes valores de construção -, terem necessariamente um valor superior ao declarado pelo impugnante, corroborando a evasão fiscal perpetrada a jusante, ou seja, na declaração de venda dos imóveis bem abaixo do preço real.

k) Sendo ainda, mais uma vez, de evidenciar a prova testemunhal do técnico de contas Jorge João Martins Farias, desconsiderada pelo tribunal "a quo", que confirma a venda dos imóveis sem pressa, sem necessidade de fazer dinheiro rapidamente mas feita imediatamente a seguir ao acabamento dos mesmos, a dar conta do interesse manifestado na sua compra.

I) Assim, deverá ser revogada a douta sentença.

m) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda. O tribunal "a quo" na matéria de facto desconsiderou: a) a constatação, pela inspecção tributária, da inexistência, "na contabilidade, de qualquer movimento na conta bancos mas tão só na conta caixa"; b) o indício área da construção; c) o parecer do perito da administração tributária em sede de comissão de revisão; d) a prova testemunhal; e) a comparação efectuada pela inspecção tributária com os valores unitários de custo de construção por m2 previstos nas portarias n° 975-C/94, de 31/10, n° 1330-C/95, de 31/ 10 e n° 616-C/96, de 30/ 10, para os anos de 1995, 1996 e 1997, respectivamente; f) as escrituras juntas aos autos; g) o parecer técnico junto pelo impugnante aos autos; elementos que vêm corroborar , explicitar e aprofundar os vícios da contabilidade apontados pela inspeccão como fundamentadores da necessidade inelutável do recurso a métodos indirectos, sendo de importância relevante no sentido de determinar a revogação da douta sentença, como supra evidenciado”.

Os Recorridos apresentaram contra-alegações, das quais resulta que:

“1. Antes de mais, o impugnante discorda da não aplicação retroativa dos artigos 87.º e 88.º da LGT defendida na sentença recorrida, e o que se lhe oferece dizer sobre a evolução da jurisprudência nesse sentido é que, no mínimo, pecaria por tardia, ao por eventualmente em causa a uniformidade de julgamento, e o próprio princípio da certeza e segurança jurídica.

2. Ao que acresce que, e salvo melhor opinião, no que a retroatividade se refere, às normas de direito tributário são aplicáveis as regras do direito sancionatório, o que significa um regime mais favorável criado por lei nova tem aplicação retroativa.

3. Ora, conforme se julga ter demonstrado na petição inicial, a LGT disciplina de forma bem mais clara e restritiva o recurso à avaliação indireta da matéria tributável, consagrando garantias dos contribuintes que, quando muito, se poderiam considerar de alguma maneira já inerentes à aplicação das normas do CIRS, CIRC, CPT e CPPT através do dever implícito de a administração fundamentar as suas decisões.

4. É verdade que na sentença se considera que a aplicação da norma do CIRS conduz ao mesmo resultado da aplicação das normas da LGT, mas, seja como for, não se afigura prudente que a jurisprudência abra agora uma porta que nunca sabe exatamente onde pode conduzir.

5. Para além de que, na exata medida em que permitissem negar a retroatividade do regime de garantias mais favorável criado pela LGT, sempre as normas em que se baseasse tal jurisprudência se revelariam feridas de inconstitucionalidade.

6. Pelas razões expostas, não concede o Impugnante em relação a nenhum dos fundamentos da impugnação, alguns dos quais foram, na sua opinião indevidamente, omitidos da apreciação da sentença, configurando assim o vício de falta de pronúncia.

7. Mas a concorda com a, aliás absoluta, falta de fundamentação da avaliaçào indireta da matéria tributável, quer em matéria de pressupostos e da sua quantificação, quer em matéria de direito e em matéria de facto, como julga resultar sobejamente demonstrado da petição inicial apresentada”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir, delimitadas pelas conclusões das alegações do recurso (cfr. art.º 639.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT):

a) Há nulidade por omissão de pronúncia, em virtude de o Tribunal a quo não ter considerado toda a prova carreada aos autos e não se ter pronunciado sobre questões que devia apreciar?

b) Há erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto?

c) Há erro de julgamento em virtude de estarem demonstrados todos os pressupostos de recurso a tributação por métodos indiretos?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) O sujeito passivo J…, ora impugnante, desenvolveu a actividade de construções de edificios com o CAE 45…. [cf. relatório de inspecção tributária a fls. 108 a 117 dos autos].

B) Com base na Ordem de Serviço n° 57…. de 15-03-99, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças da Guarda realizaram uma acção inspectiva ao sujeito passivo, com incidência, designadamente, sobre o IRS dos anos de 1996 e 1997 [cf. relatório de inspecção tributária a fls. 108 a 117 dos autos).

C) Em 22-10-1999 foi elaborado o relatório final da acção inspectiva, constante de fls. 108 a 117 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, e do qual se destaca o seguinte teor:

«IV - MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

A construção de uma moradia no Bairro …..e outra no Bairro da…., bem localizadas, isto é, perto do Instituto Politécnico da Guarda.

A construção de um Bloco habitacional no Bairro ….localizado junto do complexo das piscinas e da Escola Secundária da Sé (Guarda).

A não exibição de contratos de promessa de compra e venda, que sabemos que nesta actividade é normal existirem.

A contabilidade não reflectir os custos imputados a cada uma das obras.

A não existência de adiantamentos por conta, o que também é procedimento normal neste tipo de actividade.

A não contabilização de 10 500$00 resultante da venda de uma moradia.

Os preços praticados no mercado e a área de construção.

Assim, verificados os pressupostos supra referidos enquadráveis no artigo 38° do CIRS e tendo em conta a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, conforme o previsto nos artigos 87° e 88° da L.G.T, propõe-se a determinação da matéria colectável por métodos indirectos nos termos do artigo 90° da LGT, conjugado com o artigo 52° do CIRC por remissão do artº 31º do CIRS, aos anos de 1995, 1996 e 1997, por aplicação das portarias respectivas dos valores unitários por m2 como a seguir indicaremos.( ...)».

D) Na sequência da referida acção de inspecção, e conforme melhor consta das conclusões da acção de inspecção, foram efectuadas correcções à matéria tributável com recurso a métodos indirectos, em sede de IRS, dos anos de 1995, 1996 e 1997, respectivamente, nos montantes de 22.745.342$00, 26.924.650$00 e 15.070.900$00, bem como, uma correcção de natureza meramente aritmética, referente ao IRS do ano 1997, no montante de 10.500.000$00 [cf. relatório de inspecção tributária a fls. 108 a 117 dos autos, em especial fls. 108].

E) Em 16-05-2000 o Director de Finanças da Guarda (por delegação de competências), exarou despacho, através do qual, com os fundamentos constantes do relatório de inspecção tributária, procedeu "Nos termos das normas constantes dos artºs 87º, al. b), 88º, al. a) e 90º da Lei Geral Tributária e artºs 66º2/ al. a), 38º/1 al. d) do Cód. do IRS e 53° do CIRC'' à fixação, em sede de IRS, dos seguintes rendimentos líquidos ao sujeito passivo: 24.652.866$00 para o ano de 1995, 35.397.884$00 para o ano de 1997 e 34.403.171 $00 para o ano de 1997 [cf. despacho de fls. 108 dos autos].

F) O impugnante foi notificado do relatório final de inspecção e do despacho que sobre o mesmo recaiu por ofício de 26-06-2000, remetido por carta registada com aviso de recepção assinado em 27-06-2000 [cf. ofício e AR a fls. 106 e 107 dos autos].

G) Em 27-07-2000 o impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável ao abrigo do disposto no artigo 91° da LGT [cf. requerimento de fls. 76 a 105 dos autos].

H) Em 29-08-2000 reuniram os peritos designados pela Administração Tributária e pelo impugnante, e não tendo sido possível o acordo entre os mesmos foram anexados à acta os respectivos pareceres [cf. acta e pareceres, a fls. 254 a 260 dos autos].

I) Sobre o pedido de revisão da matéria tributável apresentado pelo impugnante recaiu despacho do Director de Finanças da Guarda (por delegação de competências), datado de 6-10-2000, constante de fls. 261 a 263 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, nos termos do qual manteve a fixação da matéria tributável a que se refere a alínea E).

J) O impugnante foi notificado da decisão a que alude a alínea anterior por ofício datado de 6-10-2000, remetido por carta registada com aviso de recepção assinado em 9-10-2000 [cf. ofício e AR a fls. 64 e 65 dos autos].

K) Em 27-10-2000 foi emitida, em nome dos impugnantes, a liquidação nº 532…., referente ao IRS de 1995, no montante total a pagar de €58.087,72, com data limite de pagamento em 20-12-2000 [cf. doc. de fls. 178 dos autos].

L) Em 27-10-2000 foi emitida, em nome dos impugnantes, a liquidação n° 5323…., referente ao IRS de 1996, no montante total a pagar de €78.971,94, com data limite de pagamento em 20-12-2000 [cf. doc. de fls. 179 dos autos].

M) Em 27-10-2000 foi emitida, em nome dos impugnantes, a liquidação n° 53235…., referente ao IRS de 1997, no montante total a pagar de €58.897,80, com data limite de pagamento em 20-12-2000 [cf. doc. de fls. 180 dos autos].

N) A presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças da Guarda em 19-03-2001 [cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos]”.

II.B. Refere-se, ainda, na sentença recorrida:

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos juntos aos autos, conforme discriminado em cada alínea do probatório.”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, e considerando o disposto no art.º 249.º do Código Civil, corrigem­-se os lapsos constantes dos factos B), C) e E) supratranscritos, que passarão a ter a seguinte redação:

B) Com base na Ordem de Serviço n° 57… de 15-03-99, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Guarda realizaram uma ação inspetiva ao sujeito passivo, com incidência, designadamente, sobre o IRS dos anos de 1995, 1996 e 1997 [cf. relatório de inspeção tributária a fls. 108 a 117 dos autos).

C) Em 22-10-1999 foi elaborado o relatório final da ação inspetiva, constante de fls. 108 a 117 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, e do qual se destaca o seguinte teor:

«IV - MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

A construção de uma moradia no Bairro …..e outra no Bairro….., bem localizadas, isto é, perto do Instituto Politécnico da Guarda.

A construção de um Bloco habitacional no Bairro da ….localizado junto do complexo das piscinas e da Escola Secundária da Sé (Guarda).

A não exibição de contratos de promessa de compra e venda, que sabemos que nesta actividade é normal existirem.

A contabilidade não reflectir claramente os custos imputados a cada uma das obras.

A não existência de adiantamentos por conta, o que também é procedimento normal neste tipo de actividade.

A não existência na contabilidade, de qualquer movimento na conta bancos mas tão só na conta caixa.

A não contabilização de 10 500$00 resultante da venda de uma moradia.

Os preços praticados no mercado e a área de construção.

Assim, verificados os pressupostos supra referidos enquadráveis no artigo 38° do CIRS e tendo em conta a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, conforme o previsto nos artigos 87° e 88° da L.G.T, propõe-se a determinação da matéria colectável por métodos indirectos nos termos do artigo 90° da LGT, conjugado com o artigo 52° do CIRC por remissão do artº 31° do CIRS, aos anos de 1995, 1996 e 1997, por aplicação das portarias respectivas dos valores unitários por m2 como a seguir indicaremos.( ...)».

E) Em 16-05-2000 o Director de Finanças da Guarda (por delegação de competências), exarou despacho, através do qual, com os fundamentos constantes do relatório de inspecção tributária, procedeu "Nos termos das normas constantes dos artºs 87º, al. b), 88º, al. a) e 90º da Lei Geral Tributária e artºs 66º2/ al. a), 38º/1 al. d) do Cód. do IRS e 53° do CIRC'' à fixação, em sede de IRS, dos seguintes rendimentos líquidos ao sujeito passivo: 24.652.866$00 para o ano de 1995, 35.397.884$00 para o ano de 1996 e 34.403.171 $00 para o ano de 1997 [cf. despacho de fls. 108 dos autos].

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade por omissão de pronúncia

Entende a Recorrente que ocorreu omissão de pronúncia do Tribunal a quo, uma vez que, na sua perspetiva, este não considerou toda a prova carreada aos autos e não se pronunciou sobre questões que devia apreciar.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar (cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC).

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, desde já se refira que não se verifica a mencionada nulidade. Com efeito, o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre o erro nos pressupostos de que depende a tributação por métodos indiretos, tendo considerado prejudicada a apreciação dos demais vícios alegados, nos termos do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do CPC.

Por outro lado, o que a Recorrente designa de omissão de pronúncia por falta de consideração de elementos de prova não se consubstancia como tal, configurando, quando muito, erro de julgamento.

Logo, não se verifica qualquer omissão de pronúncia, nos termos invocados pela Recorrente.

III.B. Do erro no julgamento da matéria de facto

Considera a Recorrente que o Tribunal recorrido não conheceu tendo em consideração todos os elementos de prova de que dispunha, o que, em seu entender, faz enfermar a sentença de vício, violando o disposto no n.º 1 do art.º 609.º do CPC.

Desde já se sublinhe que a referência à violação do n.º 1 do art.º 609.º do CPC, constante das conclusões das alegações do recurso, carece de qualquer materialidade. Com efeito, nos termos desta disposição legal, “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”, situação que configura nulidade da sentença, como resulta do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. e), do CPC. Atentas as conclusões das alegações da FP, nada é referido que se enquadre na norma contida na referida disposição legal, decorrendo de tais conclusões entender a Recorrente, no fundo, existir erro de julgamento, sendo, pois, nessa perspetiva a análise que se fará infra.

Vejamos.

Antes de mais, refira-se que não é impugnada a decisão da matéria de facto do Tribunal a quo, como resulta não só das conclusões das alegações da FP, mas também as próprias alegações, nas quais as referências à prova produzida são feitas de forma global, sem a circunscrição exigida do ponto de vista processual, para se poder falar em impugnação da matéria de facto.

Com efeito, considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão(1).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados (cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC);

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC), sendo de atentar nas exigências constantes dos n.ºs 2 e 4 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC).

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus já mencionados(2).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que não foram cumpridos os referidos ónus.

Com efeito, quanto à prova testemunhal, a referência que a Recorrente faz à mesma não obedece às exigências constantes do art.º 640.º, n.º 2, do CPC, pelo que o invocado a este propósito não pode ser considerado. Mesmo em relação à prova documental, é feita a referência de forma conclusiva, ao arrepio das já mencionadas exigências, não sendo sequer explanado de forma evidente o facto que se pretende dar ou não como provado. Aliás, o que decorre do alegado, considerando, a par, o teor da decisão recorrida, é que a Recorrente considera que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, não tendo considerado factos que, em seu entender, deveriam ter sido considerados, mas sem que tal esteja segregado nos termos exigidos.

Por outro lado, na presente sede, como resulta do ponto II.D. supra, foi feita correção do facto C), por forma a que do mesmo constasse a referência contida no Relatório de Inspeção Tributária (RIT) mencionada na conclusão b), primeira parte (sublinhe-se que em primeira instância o RIT foi dado integralmente por reproduzido; no entanto, considerando que, do trecho transcrito, não constava a menção referida pela Recorrente e que não foi utilizada na formulação factual adotada pelo Tribunal a quo qualquer pontuação, designadamente reticências, que permitisse concluir pela não transcrição integral dessa parte, entendeu-se pertinente corrigir nesta sede o lapso de escrita em causa).

Quanto ao invocado no que respeita aos pareceres dos peritos [com maior enfoque no da administração tributária (AT)], reitere-se que, para além de tais pareceres constarem da matéria de facto assente e, por isso, terem sido considerados pelo Tribunal a quo, os elementos indicados pela FP nas suas alegações prendem-se com a quantificação da matéria tributável, questão que resultou prejudicada pela decisão proferida. Logo, não houve aqui qualquer violação do art.º 413.º do CPC.

Finalmente, o facto de o Tribunal a quo não ter considerado, atenta a sua motivação, a prova testemunhal produzida e alguma prova documental (designadamente o parecer e as escrituras públicas juntos nos presentes autos pelos Recorridos) não implica, per se, que se ponha em causa a decisão recorrida. Não pode deixar de se sublinhar que, com efeito, a completude da motivação exigiria que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre a (im)pertinência da prova testemunhal produzida. Também se exigiria que fossem fixados os factos pertinentes para as várias questões suscitadas, ainda que o julgamento de parte delas tenha ficado prejudicado. No entanto, como resulta da decisão proferida, a mesma ateve-se, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, à questão da demonstração ou não demonstração pela AT dos pressupostos de recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria tributável, questão para a qual releva apenas prova documental e, de entre esta, apenas aquela atinente aos documentos que constituem fundamento do ato tributário. Aliás, os elementos documentais referidos pela Recorrente foram apresentados pelos Recorridos, para efeitos de impugnação da quantificação da matéria tributável, questão cujo conhecimento resultou prejudicado, e em nada respeitam à fundamentação do ato tributário. Logo, o silêncio do Tribunal em torno da prova testemunhal produzida e de alguma prova documental, não obstante se considerar não ser uma técnica adequada, tem de ser interpretado no sentido de a mesma não ter tido qualquer relevância para a formação da sua convicção.

Em suma, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

III.C. Do erro de julgamento em virtude de estarem demonstrados todos os pressupostos de recurso a tributação por métodos indiretos

Entende, por outro lado, a Recorrente que houve erro de julgamento, na medida em que, em seu entender, estão demonstrados os pressupostos de recurso a métodos indiretos.

Apreciando.

O nosso ordenamento prevê que a avaliação da matéria tributável se possa realizar direta ou indiretamente.

O recurso à avaliação indireta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta. Daí o caráter subsidiário da avaliação indireta, previsto no art.º 85.º da LGT, avaliação esta que deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º e 89.º do mesmo diploma legal. Com efeito, dispõe o art.º 104.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que “… [o] imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar”, ou seja, prevê o princípio da capacidade contributiva, que determina que a tributação seja efetuada em função dos rendimentos efetivos. Daí a preferência pela avaliação direta, porquanto, em princípio, esta refletirá tais rendimentos efetivos.

A avaliação direta, por outro lado, tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o art.º 75.º, n.º 1, da LGT. No entanto, como decorre do mesmo art.º 75.º, mas do seu n.º 2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.10.2009 (Processo: 0422/09):

“[S]ão excepcionais e obedecem a tipificação legal (em especial a contida no artigo 87.º da Lei Geral Tributária) os casos em que é lícito à Administração tributária fixar a matéria tributável dos contribuintes por “avaliação indirecta”, afastando-se dos valores declarados, porque inexistentes ou fundamentadamente desmerecedores de confiança, recorrendo a outros elementos (também objecto de previsão legal) que permitem a determinação do valor tributável”.

Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos, cabe à AT o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação.

A este respeito, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.03.2010 (Processo: 01211/09):

“Tendo a avaliação indirecta carácter excepcional (cfr. o n.º 1 do artigo 81.º da LGT) e subsidiário em relação à avaliação directa (cfr. o artigo 85.º, n.º 1 da LGT), cabe à Administração tributária a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT)”.

Assim, cabe à AT a demonstração de que os pressupostos que legitimam o recurso a avaliação da matéria tributável por métodos indiretos se verificam, consubstanciando-se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fáticas, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação(3).

Nos termos do art.º 87.º da LGT (redação vigente à época):

“A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de:

a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei;

b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, da aplicação dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica referidos na presente lei”.

A situação prevista na alínea b) supratranscrita, única pertinente in casu, remete-nos para o art.º 88.º da LGT, nos termos do qual:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos da aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal”.

Em sentido idêntico prescrevia o então art.º 38.º do CIRS (e o art.º 52.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – CIRC, para o qual este remetia), em cujo n.º 1 eram elencados os factos que poderiam motivar a aplicação de métodos indiciários, sem prejuízo do seu caráter residual, a que já se fez referência, como decorre do n.º 2 da mesma disposição legal.

In casu, o Tribunal recorrido considerou não estarem demonstrados os pressupostos de recurso a métodos indiretos, tendo entendido, em síntese, que os pressupostos elencados ou encerravam juízos conclusivos ou não permitam extrair a conclusão extraída.

Antes de mais refira-se que não se acompanha o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de não ser aplicável in casu o regime previsto na LGT atinente à aplicação de métodos indiretos. Com efeito, e apesar de tal posição não ter impacto na decisão, na medida em que o Tribunal recorrido chega à mesma conclusão a que se chegaria pela aplicação do regime da LGT, mas considerando o regime do CIRS, as normas em questão são normas de cariz procedimental, logo de aplicação imediata.

Com efeito, nos termos do art.º 12.º da LGT:

“1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.

2 - Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.

3 - As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.

4 - Não são abrangidas pelo disposto no número anterior as normas que, embora integradas no processo de determinação da matéria tributável, tenham por função o desenvolvimento das normas de incidência tributária”.

Sendo as normas em causa normas de procedimento e não se integrando as mesmas no n.º 4 do mesmo art.º 12.º, a sua aplicação é imediata nos procedimentos iniciados após a entrada em vigor da LGT.

Tendo a LGT entrado em vigor a 01.01.1999 e tendo a ação inspetiva tido início já em 1999 [cfr. facto B)] é aplicável tal regime, como, aliás, foi entendimento da AT em todo o procedimento.

Como se referiu, no entanto, este entendimento, distinto do plasmado da decisão recorrida, não tem qualquer impacto do ponto de vista de solução jurídica, dada a similitude entre a disciplina jurídica constante da LGT e a constante do CIRS.

Cumpre, então, aferir se se encontra devidamente explanado e fundamentado o recurso a métodos indiretos, atendendo às regras do ónus da prova já referidas supra, ou seja, aferir se, no procedimento tributário, são identificadas situações de onde resulte a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável. Carecem, pois, de relevância todos os elementos invocados nas alegações de recurso, visando de certa forma explanar, concretizar ou complementar a fundamentação do ato tributário, porquanto a fundamentação a considerar tem de ser a que é contemporânea do ato, e não qualquer fundamentação a posteriori.

Vejamos.

Sublinhe-se novamente que não basta, na fundamentação do recurso a métodos indiretos, elencar irregularidades detetadas, sendo necessário demonstrar de que forma essas irregularidades foram impeditivas do recurso a métodos diretos.

Desde já se adiante que se entende que esteve bem o Tribunal recorrido, ao decidir pela não demonstração dos pressupostos de recurso à avaliação por métodos indiretos.

Com efeito, atendendo, desde logo, à secção IV do RIT, verifica-se que são elencadas as seguintes situações, consideradas como pressupostos enquadráveis no art.º 38.º do CIRS:

1. A construção de uma moradia no Bairro ….e outra no Bairro…., bem localizadas, isto é, perto do Instituto Politécnico da Guarda;

2. A construção de um Bloco habitacional no Bairro ..…. localizado junto do complexo das piscinas e da Escola Secundária da Sé (Guarda);

3. A não exibição de contratos de promessa de compra e venda, que sabemos que nesta atividade é normal existirem;

4. A contabilidade não refletir claramente os custos imputados a cada uma das obras;

5. A não existência de adiantamentos por conta, o que também é procedimento normal neste tipo de atividade;

6. A não existência na contabilidade, de qualquer movimento na conta bancos mas tão só na conta caixa;

7. A não contabilização de 10 500$00 resultante da venda de uma moradia;

8. Os preços praticados no mercado e a área de construção.

Este elenco é reiterado no despacho do diretor de finanças da Guarda, mencionado em I) do probatório.

São estes, em primeira linha, os fundamentos de que a AT se socorreu para lançar mão dos métodos indiretos.

Ora, da análise das situações elencadas, decorre que:

¾ Os n.ºs 1 e 2, per se, nada dizem. Não há qualquer conclusão adveniente da localização dos imóveis, não se podendo dali retirar qualquer elemento adicional para além dessa mesma localização.

Como referido pelo Tribunal a quo, se a intenção era a de comparar preços de mercado, a formulação utilizada não é suficientemente clara nem permite qualquer conclusão neste conspecto.

Aliás, sublinhe-se que, já em sede de quantificação [ponto V) do RIT], há uma remissão para os valores constantes das Portarias n.º 975-C/94, de 31 de outubro, n.º 1330-C/95, de 31 de outubro, e n.º 616-C/96, de 30 de outubro, valores fixados para efeitos de cálculo de renda condicionada (cfr. art.º 7.º do DL n.º 13/86, de 23 de janeiro) e que nada referem ou respeitam quanto a preços de venda de mercado (basta, aliás, verificar que são incluídas na Zona 1 todas as capitais de distrito, para daí se concluir que não se trata de valores de mercado, uma vez que é facto notório que os preços de mercado não são os mesmos em Lisboa ou na Guarda);

¾ O n.º 3 também não é suscetível de fundar qualquer conclusão. Sendo certo que há uma prática comum de celebração de contratos-promessa de compra e venda (CPCV), os mesmos não constituem uma formalidade obrigatória. Por outro lado, como bem refere o Tribunal a quo, não resulta do RIT que tenha havido qualquer diligência instrutória junto dos compradores para aferir da (in)existência de CPCV, que permitisse extrair qualquer conclusão sólida no sentido de a contabilidade não refletir os proveitos auferidos;

¾ Quanto ao facto de a contabilidade não refletir os custos imputados por obra, também esta circunstância não permite concluir pela falta de transparência da contabilidade dos impugnantes. Com efeito, não resulta do RIT qualquer elemento que permita concluir pela inexistência de custos registados na contabilidade, mas tão-só a sua não imputação por obra, o que não permite desconsiderar a contabilidade nessa parte;

¾ No tocante à inexistência de adiantamentos por conta, desprovida de qualquer elemento adicional que permita, com segurança, concluir pela omissão de proveitos (designadamente através de informação obtida junto dos compradores), também se trata de elemento que não permite extrair a conclusão atinente à falta de fiabilidade da contabilidade;

¾ A inexistência na contabilidade de movimentos na conta bancos, mas tão-só na conta caixa, também não permite concluir pela falta de fiabilidade da contabilidade. Seria necessário, mais uma vez, colher elementos adicionais para se poder extrair qualquer conclusão, no sentido da falta de fiabilidade dos registos contabilísticos.

Refira-se que, a este respeito, o despacho do diretor de finanças da Guarda, mencionado em I) do probatório, faz menção a uma questão de facto que pela primeira vez consta do procedimento, na sequência da sua alusão pelo perito da AT, relacionada com a existência de recebimentos e pagamentos suportados por cheque. Apesar de se considerar que é em sede de RIT que devem ser evidenciados os pressupostos de facto de recurso a métodos indiretos, dado que o procedimento de revisão tem como objetivo a apreciação pericial da quantificação da matéria(4), podendo abarcar as questões de direito referentes aos pressupostos da determinação indireta da matéria coletável (cfr. art.º 92.º, n.ºs 1 e 14, da LGT), este elemento adicional, de todo o modo, não alteraria a nossa posição. Com efeito, desde logo, é feita uma menção a cheques absolutamente descontextualizada e não quantificada nem caraterizada, não permitindo perceber que cheques foram, de que valor e de que forma tais cheques demonstram ou não a irregularidade da contabilidade e a impossibilidade de utilização de métodos diretos de correção. Como tal, a insuficiente explanação das circunstâncias em causa nunca permitiria extrair qualquer conclusão para além de existência de eventuais irregularidades que, se concretamente definidas (o que não se sabe, sequer), poderiam ser ultrapassadas.

Esta apreciação permite concluir pelo não impacto da circunstância de o Tribunal a quo não ter feito uma abordagem individual desta afirmação constante do RIT;

¾ A não contabilização de 10.500.000$00 carece de pertinência neste caso, dado que foi objeto de correção aritmética e por essa via suprida a irregularidade contabilística;

¾ A menção aos preços praticados no mercado e à área de construção não tem qualquer elemento factual concreto que permita, sequer, perceber em concreto o que pretende a AT demonstrar.

Ou seja, as situações elencadas não são, por si só e na sua maioria, irregularidades contabilísticas e mesmo as irregularidades detetadas são, desde logo, circunscritas e de alcance limitado, não estando evidenciado de que forma a contabilidade é irregular ao ponto de obrigar à ultima ratio, consubstanciada no recurso a métodos indiretos.

Ademais, como já referido supra, a evidenciação dos pressupostos de recurso a métodos indiretos não se basta com a existência de meros elencos de irregularidades da contabilidade, sendo imprescindível que se espelhe de que forma essas irregularidades são impeditivas, no todo ou em parte, do recurso ao método direto de avaliação da matéria tributável. Ora, compulsado o RIT, em momento algum é feita esta explanação. É apenas referido de forma conclusiva que foi tida em conta a “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável”, não se explanando por que motivo ocorre tal impossibilidade. Como referido pelo Tribunal a quo, não decorrendo que tenha havido quaisquer diligências, designadamente junto dos compradores, diligências essas sempre impostas quer pela subsidiariedade da aplicação de métodos indiretos de fixação da matéria tributável quer pelo princípio do inquisitório, que deve enformar a atividade da AT, fica sem evidenciação de pressupostos a conclusão de que se verificou impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável.

Ou seja, também por esta via a AT não demonstrou, ao contrário do que era seu ónus, a inviabilidade do recurso a métodos diretos de avaliação da matéria tributável.

Face ao exposto, não assiste razão à Recorrente, não padecendo a sentença recorrida dos vícios que lhe são assacados.

Vencida a recorrente seria a mesma responsável pelas custas do recurso. No entanto, há que ter em conta que, nos processos instaurados até 01.01.2004 (como é o caso), a FP se encontrava isenta do pagamento de custas, atento o disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os art.ºs 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o art.º 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso interposto, mantendo-se a sentença recorrida;

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.

Lisboa, 22 de maio de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Vital Lopes)

-------------------------------------------------------------------
(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
(3) Neste sentido, v., exemplificativamente, os Acórdãos deste TCAS de 25.05.2017 (Processo: 06473/13), de 17.03.2016 (Processo: 06556/13) e de 13.03.2014 (Processo: 07216/13).
(4) Cfr. José Maria Fernandes Pires (coord.), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, Lei Geral Tributária – Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 967.