Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1437/13.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRC
RETRVMRD
ISENÇÃO
BENEFICIÁRIO EFETIVO
Sumário:I - Nos termos do art.º 4.º, n.º 2, do Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida (RETRVMRD), são abrangidos pela isenção de imposto sobre o rendimento aí prevista os rendimentos devidos no momento do vencimento do cupão.
II - Para efeitos do RETRVMRD, beneficiário efetivo é todo o que obtenha rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida por conta própria.
III - Os ganhos obtidos na transmissão dos valores mobiliários e os rendimentos obtidos na altura do vencimento do cupão são realidades distintas.
IV - Sobre os beneficiários efetivos apenas recai o ónus de comprovação dos pressupostos da sua qualidade de entidade não sujeita a retenção ou de entidade isenta.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 25.03.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por B… (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico do deferimento parcial da reclamação graciosa que, por seu turno, versou sobre a retenção na fonte de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), do exercício de 2009.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

A) A douta sentença recorrida decidiu julgar, totalmente procedente, a impugnação judicial, deduzida pela Recorrida, contra os atos de retenção na fonte de IRC, incidentes sobre juros auferidos, no exercício de 2009, em território nacional, decorrentes de valores mobiliários representativos de dívida não pública emitidos pela P… (SGPS), S.A., por tais rendimentos não poderem ser excluídos do campo de aplicação das isenções objetiva e subjetiva consagradas pelos art.º 3º, 4º e 5º do Regime Especial de Tributação de Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida, aprovado pelo Decreto-lei nº 193/2005, de 07 de novembro.

B) Dissente esta RFP da fundamentação em que se baseou a douta sentença recorrida, porquanto, em face do regime legal aplicável, verifica-se que, contrariamente ao ali decidido, ficam apenas abrangidos pela isenção de tributação os juros corridos, isto é, os juros que o titular percebeu relativamente ao período de tempo em que deteve os títulos de dívida.

C) Com efeito, o que está em causa no Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida, aprovado pelo Decreto-Lei nº 193/2005, de 7/11 não é uma isenção objetiva (do rendimento em si), mas sim uma isenção subjetiva (atendendo às características particulares dos beneficiários dos rendimentos), pelo que só o beneficiário efetivo do rendimento pode beneficiar da referida isenção.

D) Ora, o beneficiário efetivo será o que detém a titularidade dos valores mobiliários representativos da dívida, razão pela qual, os juros são contabilizados dia a dia e pagos no momento da transmissão dos títulos ao cedente, sendo ele o beneficiário efetivo do rendimento relativamente ao período em que foi o titular dos valores mobiliários.

E) Assim, no momento da maturação dos valores mobiliários ou do vencimento de juros, o titular que recebe os rendimentos só é o beneficiário efetivo dos rendimentos relativos ao período em que deteve os valores mobiliários, recebendo os restantes rendimentos por conta dos anteriores detentores dos valores mobiliários, uma vez que já pagou esses rendimentos aos mesmos, incluído no preço de aquisição dos valores mobiliários.

F) Nestes termos, a entidade requerente (ora Recorrida) apenas é beneficiária efetiva dos rendimentos relativos ao período de tempo compreendido entre a data de aquisição dos títulos e o respetivo vencimento dos juros, e, como tal só deveria ter direito ao reembolso do imposto relativo aos rendimentos correspondentes a esse lapso temporal, o que, no caso sub judice, corresponde ao reembolso no valor de € 199,45.

G) É certo que o imposto retido na fonte na data do pagamento dos juros no presente caso incidiu sobre a totalidade dos juros pagos à entidade requerente (ora Recorrida), apesar da mesma ter sido detentora dos valores mobiliários apenas 1 dia, razão pela qual a mesma requer a restituição da totalidade do imposto.

H) Contudo, o regime criado pelo Decreto-Lei nº 193/2005, de 7/11, prevê que o reembolso ou a liquidação do imposto vá ocorrendo sempre que há uma transmissão dos títulos, levando-se em linha de conta o estatuto dos intervenientes da transação (artigo 11º), o qual é eficaz se os intervenientes tiverem estatuto diferente, mas se acontecer que os valores mobiliários sejam alienados por um beneficiário do regime de isenção a outro beneficiário do mesmo regime, não haverá nem retenção, nem reembolso.

I) O mesmo poderá ocorrer no caso de aplicação do disposto no art.º 17º daquele regime legal, uma vez que a Central de Liquidação Internacional se compromete a não efetuar serviços de registo a entidades não isentas.

J) Ora, numa situação destas, se não for efetuada a prova do estatuto de entidade isenta pelo titular dos valores mobiliários no momento do pagamento dos juros há lugar à retenção do imposto sobre a totalidade dos rendimentos, acabando por ser este último titular a suportar a totalidade do imposto apesar dos anteriores detentores dos valores também terem beneficiado do regime de isenção.

K) Nestes casos, até seria legítima a pretensão do titular dos valores mobiliários de que lhe seja restituída a totalidade do imposto retido na fonte, uma vez que não era só ele que beneficiava do estatuto de entidade isenta, mas também os anteriores detentores dos valores mobiliários.

L) Mas, para tanto, tornar-se-ia indispensável que fosse efetuada a prova de que durante todo o período que decorreu desde a emissão dos valores mobiliários ou desde o último vencimento de rendimentos e a data em que ocorre a retenção na fonte, os titulares dos valores mobiliários foram sempre sujeitos passivos beneficiários do regime de isenção.

M) Porém, não se afigurando ter sido efetuada esta prova nos autos, isto é, de que os anteriores detentores dos valores mobiliários geradores do rendimento também beneficiavam do regime de isenção, mostra-se legalmente correta a decisão da AT de autorizar apenas o reembolso do montante de € 199,45, correspondente ao período de detenção dos títulos por parte da ora Recorrida.

N) Motivo pelo qual, não padece de qualquer ilegalidade, a decisão administrativa de indeferimento parcial do pedido de restituição do IRC retido na fonte, efetuado pela ora Recorrida.

O) Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente, tudo com as legais e devidas consequências.

P) Finalmente, sendo a impugnação julgada improcedente, será a Recorrida, como parte vencida, que deverá suportar o pagamento das custas, impondo-se, portanto, também neste segmento, a reforma da sentença recorrida.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por Acórdão que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial.

Todavia,

Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça!”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

1.ª A douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida, considerando que, uma vez que os rendimentos em causa não poderiam ter sido excluídos do campo de aplicação das isenções objetiva e subjetiva consagradas nos artigos 3.º, 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro e que à Recorrida apenas cabia o ónus de comprovar que a sua situação concreta era suscetível de integrar os pressupostos daquela isenção, o que, no caso em apreço, sucedeu;

2.ª Inconformada, a Fazenda Pública recorreu daquela sentença, alegando, em suma, que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento por “(…) errónea interpretação e aplicação aos factos dados como provados, do direito que se mostrava aplicável (…)” (cf. artigo 7.º das alegações de recurso), alegando que, contrariamente ao que resulta da sentença recorrida, apenas ficam abrangidos pela isenção de tributação os juros que a Recorrida percebeu relativamente ao período em que deteve os títulos de dívida (correspondentes ao valor de € 199,45), pois só nesse período a Recorrida foi beneficiária efetiva daqueles rendimentos;

3.ª Não assiste, com o devido respeito, qualquer razão à Ilustre Representante da Fazenda Pública, devendo manter-se a sentença recorrida;

4.ª Em primeiro lugar, refira-se que a Ilustre Representante da Fazenda Pública assaca à sentença recorrida um erro de julgamento de direito, pelo que em momento algum se insurge contra a decisão da matéria de facto;

5.ª Pelo que, tendo o presente recurso por fundamento exclusivo a matéria de direito, o Tribunal Central Administrativo Sul é incompetente para o seu conhecimento, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do CPPT e do artigo 26.º, alínea b), do ETAF;

6.ª Ainda que se entenda que a questão controvertida não se resolve mediante uma exclusiva atividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas e que versam, portanto, igualmente matéria de facto, no que não se concede, sempre se dirá que a Fazenda Pública incumpriu com o ónus previsto no artigo 640.º-B, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, com a cominação de rejeição do recurso, na medida em que não especifica os pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem os concretos meios probatórios, constantes do processo, que, em sua opinião, impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados;

7.ª Não se poderá deixar de realçar que a isenção prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, abrange, nos termos do seu n.º 2, todos os rendimentos obtidos “(…) no momento do vencimento do cupão (…)”, isto é, para efeitos de pagamento/retenção na fonte a título de pagamento do IRC, o valor do imposto suportado incidirá sempre sobre a totalidade dos rendimentos obtidos no período temporal compreendido entre a data de emissão do cupão e a data do vencimento do cupão;

8.ª Prevendo o Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, uma isenção total de incidência de imposto sobre todos os rendimentos obtidos, não se alcança qualquer fundamento de facto ou de direito que sustente o entendimento ao qual adere a Fazenda Pública, e nos termos do qual, para efeitos de restituição do imposto indevidamente retido, deve ser considerado o período de detenção dos valores mobiliários (cf. neste sentido, designadamente, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 18.06.2015 e de 25.06.2020, proferidos no âmbito dos processos n.º 08456/15 e n.º 2197/11.5BELRS, respetivamente);

9.ª Na verdade, não só este entendimento da Recorrente (i) não tem qualquer apoio na letra dos artigos 4.º e 5.º, ambos do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, nos termos supra referidos, (ii) como sendo a Recorrida uma entidade isenta do pagamento do IRC, nos termos do referido artigo 4.º, e tendo suportado o imposto que incidiu sobre a totalidade dos rendimentos dos valores mobiliários dos valores mobiliários obtidos no período temporal compreendido entre a data de emissão do cupão e a data do vencimento do cupão, deve ser restituído o valor total retido na fonte, porquanto, caso assim não ocorra, a Recorrida estará a pagar ilegalmente a título de IRC o valor de € 5.000,55 (€ 5.200,00 - € 199,45);

10.ª Acresce que a referida interpretação dos artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, incorre em inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo lucro real, nos termos do artigo 104.º, n.º 2, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, pelo que deve ser mantido o entendimento vertido na sentença recorrida e, por consequência, a decisão de anulação do ato tributário sub judice, na parte impugnada, com a restituição à Recorrida do valor do imposto indevidamente suportado, com referência ao ano de 2009;

11.ª Acresce que a interpretação sufragada pela Fazenda Pública, de acordo com a qual beneficiário efetivo para efeitos da aplicação do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, será quem detiver a titularidade dos valores mobiliários representativos da dívida, pelo que o direito ao reembolso do imposto indevidamente retido na fonte se cingirá ao período de detenção dos valores mobiliários, não só procede a uma incorreta concretização do conceito de beneficiário efetivo para efeitos da aplicação do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, como também trata duas situações diferentes, quais seja, a obtenção de rendimentos por via da transmissão de valores mobiliários ou por via do vencimento do cupão, de forma idêntica;

12.ª Com efeito, a definição do conceito de beneficiário efetivo previsto no âmbito do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, não confere qualquer relevância à detenção dos valores mobiliários ou ao seu período de detenção, conforme se alcança da análise do artigo 2.º, alínea a), do Decreto-Lei sob análise;

13.ª E compreende-se que assim seja, desde logo, porque os valores mobiliários podem gerar rendimentos para os beneficiários em dois momentos distintos, quais sejam: (i) aquando da transmissão dos valores mobiliários antes da data do seu vencimento ou (ii) aquando do seu vencimento, sendo que o período de detenção só se afigura relevante para efeitos de determinação do valor dos rendimentos obtidos no âmbito da primeira situação;

14.ª De facto, o regime de reembolso do imposto indevidamente retido é diferente consoante os rendimentos obtidos derivem da operação de transmissão de valores mobiliários ou resultem do vencimento do cupão;

15.ª De acordo com a Circular n.º 7/2010, de 15.07.2010, da Direção de Serviços de Relações Internacionais, quando seja requerido o reembolso do imposto retido aquando da transmissão antes do vencimento dos juros, afigura-se relevante o prazo de detenção dos valores para a determinação dos rendimentos efetivos do beneficiário e consequentemente o valor de imposto que lhe é devido;

16.ª Situação bem diferente ocorre no caso do pagamento de rendimentos decorrentes do vencimento do cupão, em que não é relevante para a administração tributária saber qual o período de detenção, pois os rendimentos obtidos irão sempre corresponder ao juro relativo a um determinado período de tempo (compreendido entre a data da emissão ou a data do último vencimento até à data de vencimento) e será igual ao valor do capital a multiplicar pelo valor da taxa de juro nesse mesmo período – foi o que sucedeu no caso vertente;

17.ª Isto é, os regimes de retenção e reembolso previstos, respetivamente, nos artigos 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, aplicáveis aquando da obtenção de rendimentos decorrentes do vencimento dos valores mobiliários, não se confundem com os regimes de retenção e reembolso previstos, respetivamente, nos artigos 11.º e 13.º do mesmo diploma, aplicáveis aquando da obtenção de rendimentos decorrentes da transmissão dos valores mobiliários;

18.ª Efetivamente, à luz do regime supra transcrito, sempre se deverá entender que, caso o transmitente (vendedor) dos valores mobiliários seja titular de conta de entidade sujeita a retenção na fonte de IRS ou IRC (não isenta ou dispensada), aquando da aquisição, o comprador pagou o equivalente ao valor bruto dos juros corridos, pelo que o valor do imposto devido por essa entidade (vendedor) deverá ter sido retido no momento da transmissão, por aplicação do mencionado artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro;

19.ª Já no caso de o transmissário (adquirente) dos valores mobiliários ser titular de uma conta de entidade sujeita a retenção na fonte, como no caso concreto (em que a Recorrida ainda não tinha comprovado a sua isenção) a entidade registadora reembolsa aqueles (vendedores) do valor do imposto suportado na aquisição dos rendimentos de capitais, por aplicação do mencionado artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro;

20.ª No caso concreto, aquando da aquisição daqueles valores mobiliários, a Recorrida, porque não tinha comprovado a sua qualidade de entidade isenta, não obteve o reembolso do imposto determinado sobre o rendimento dos juros de capital nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), e n.º 5, do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, embora tenha pago ao vendedor, aquando da aquisição dos valores mobiliários, para além do valor do título, o valor bruto dos juros corridos até à data da operação de transmissão;

21.ª Assim, no momento do vencimento do cupão, o rendimento auferido pelo respetivo detentor, neste caso a Recorrida, engloba a totalidade dos juros que lhe são devidos, e são-lhe devidos porque quando os adquiriu pagou o preço correspondente ao somatório entre (i) o valor dos juros respeitantes ao período de detenção dos títulos de dívida (ii) acrescido do valor dos juros corridos apurados até à transmissão dos valores;

22.ª Deste modo, bem andou a sentença recorrida ao recorrer a jurisprudência (acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18.06.2015, proferido no âmbito do processo n.º 08456/15), na qual se decidiu que se é beneficiário efetivo da totalidade dos rendimentos recebidos, independentemente do período em que efetivamente se deteve os títulos, pelo que também com este fundamento deve ser julgado improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida;

23.ª Decorre ainda das alegações de recurso que “(…) o titular que recebe os rendimentos só é o beneficiário efetivo dos rendimentos relativos ao período em que deteve os valores mobiliários, recebendo os restantes rendimentos recebe-os por conta dos anteriores detentores dos valores mobiliários, uma vez que já pagou esses mesmos rendimentos aquando do pagamento do preço de aquisição.” (cf. artigo 23.º das alegações de recurso; sublinhado nosso);

24.ª Porém, não se alcança o que pretende a Fazenda Pública com semelhante afirmação, uma vez que os rendimentos obtidos pela Recorrida – € 26.000,00 – não deixam de ser rendimentos efetivos e próprios apenas porque, aquando da aquisição dos valores mobiliários supra identificados, a Recorrida os pagou ao transmitente;

25.ª Por fim, entende a Fazenda Pública que a procedência do pedido da Recorrida dependeria da apresentação, por esta, de prova, que certificasse que durante todo o período que decorreu desde a emissão do cupão ou desde o último vencimento de rendimentos e a data em que ocorreu a retenção na fonte, os titulares dos valores mobiliários foram sempre sujeitos passivos beneficiários do regime de isenção;

26.ª Todavia, o Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, não impõe aos sujeitos passivos que apresentem aqueles elementos de prova, nem para efeitos da constituição do direito à isenção do imposto nos termos dos artigos 4.º e 5.º daquele diploma, nem para efeitos de pedido de reembolso do imposto indevidamente retido no vencimento, nos termos do disposto no artigo 9.º do diploma sob análise;

27.ª Nesta medida, estando provado que a Recorrida reúne todos os pressupostos de facto e de direito para beneficiar da aludida isenção de imposto e que não lhe é legalmente exigível que proceda a qualquer diligência de prova adicional, deve soçobrar, também com este fundamento, o recurso apresentado pela Fazenda Pública;

28.ª É que, se a natureza jurídica dos transmitentes fosse verdadeiramente relevante para a decisão sobre a pretensão da Recorrida, o que apenas por dever de patrocínio se concebe, sem conceder, e se sobre este não impende qualquer obrigação de prova relativamente a esse facto, então impor-se-ia à administração tributária que realizasse todas as diligências convenientes para apurar a natureza jurídica dos transmitentes de valores mobiliários, como decorre do disposto no artigo 58.º da LGT;

29.ª Efetivamente, se a administração tributária omitir a realização de diligências junto das entidades registadoras a fim de averiguar junto das mesmas a natureza jurídica dos transmitentes dos valores mobiliários, mas se continuar a reputar essa informação como essencial para o deferimento da pretensão da Recorrida, estaremos perante uma violação daquele preceito e consequentemente do princípio do inquisitório – neste mesmo sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 31.05.2017, proferido no processo n.º 0418/16;

30.ª Assim, também por esta razão deve ser mantido o entendimento vertido na sentença recorrida e, por consequência, a decisão de anulação do ato tributário sub judice, na parte impugnada;

31.ª Atento o exposto, e considerando a factualidade melhor descrita na p.i. e a prova documental apresentada pela Recorrida, é manifesto que este reúne todos os pressupostos de facto e de direito para beneficiar da isenção de IRC relativamente aos rendimentos obtidos em território português durante o ano de 2009 e melhor identificados supra;

32.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, deve julgar-se improcedente o recurso apresentado pela Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida e a decisão de anulação do ato tributário sub judice, na parte impugnada, com a restituição à Recorrida do imposto indevidamente pago.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Questão prévia suscitada pela Recorrida:

a) É este TCAS incompetente, em razão da hierarquia?

Questão suscitada pela Recorrente:

b) Há erro de julgamento, na medida em que a isenção, prevista no regime especial de tributação dos rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida, não abrange o período antecedente à titularidade dos títulos em causa e que, de todo o modo, a Impugnante teria de provar que os titulares dos valores mobiliários foram sempre sujeitos passivos beneficiários do regime de isenção?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1) No exercício de 2009 a Impugnante era uma sociedade de direito alemão ali sedeada, não dispondo de sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em Portugal (facto não controvertido e cf. Doc. 2 a págs. 40 a 50 do ficheiro a fls. 1 a 98 do SITAF);

2) No exercício de 2009 recebeu juros referentes aos títulos de dívida não pública emitidos pela P… (SGPS), S.A. e suportou IRC no valor total de € 5.200,00 em Portugal por retenção na fonte à taxa de 20% (facto não impugnado e cf. Doc. 1 a págs. 34 a 39 do ficheiro a fls. 1 a 98 do SITAF);

3) Em 24-10-2011 deu entrada nos serviços da Administração Tributária (AT) um requerimento em nome da Impugnante do qual se extrai ter em vista o pedido de reembolso do imposto português sobre dividendos de ações e juros de valores mobiliários representativos de dívida, efetuado ao abrigo da CDT entre Portugal e a Alemanha, no valor de € 5.200,00 (cf. Doc. 1 a págs. 34 a 39 do ficheiro a fls. 1 a 98 do SITAF);

4) Em 20-12-2011 deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante do qual se extrai ter em vista a reclamação graciosa do IRC retido na fonte, descrito em 3) (cf. Doc. 2 a págs. 40 a 50 do ficheiro a fls. 1 a 98 do SITAF);

5) Em 16-08-2012 a reclamação graciosa descrita em 4) foi parcialmente deferida no valor de € 199,45 (cf. Doc. 2 a págs. 40 a 50 do ficheiro a fls. 1 a 98 do SITAF);

6) Em 27-09-2012 deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante do qual se extrai ter em vista o recurso hierárquico da decisão descrita em 5) (cf. Doc. 3 a págs. 51 a 69 do ficheiro a fls. 1 a 98 do SITAF);

7) Em 19-04-2013 os serviços da AT elaboraram a informação n.º 961/2013 sobre o recurso hierárquico descrito em 6), constando da mesma, além do mais, o seguinte:

«[...] III - DA ANÁLISE DO RECURSO HIERÁRQUICO

12. O recurso foi objeto de análise pelo nosso Parecer nº 212/2013, de 22 de janeiro último tendo-se concluído que:

12.1. Quanto ao pedido principal, o que está em causa no Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Divida, aprovado pelo Decreto-Lei nº 193/2005, de 7 de novembro não é uma isenção objectiva (do rendimento em si), mas sim uma isenção subjectiva (atendendo às características particulares dos beneficiários do rendimentos), pelo que só o beneficiário efectivo do rendimento pode beneficiar da referida isenção; pelo que o beneficiário efectivo será o que detém a titularidade dos valores mobiliários representativos da dívida, razão pela qual, os juros são contabilizados dia a dia e pagos no momento da transmissão dos titulas ao cedente, sendo ele o beneficiário efectivo dos rendimento relativamente ao período em que foi o titular dos valores mobiliários.

12.2. Assim, no momento da maturação dos valores mobiliários ou do vencimento de juros, o titular que recebe os rendimentos só é o beneficiário efectivo dos rendimentos relativos ao período em que deteve os valores mobiliários, recebendo os restantes rendimentos por conta dos anteriores detentores do valores mobiliários, uma vez que já pagou esses rendimentos aos mesmos, incluído no preço de aquisição dos valores mobiliários;

12.3. Pelo que a entidade requerente apenas é beneficiária efectiva dos rendimentos relativos ao período de tempo compreendido entre a data de aquisição dos títulos e o respectivo vencimento dos juros, e, como tal só deveria ter direito ao reembolso do imposto relativo aos rendimentos correspondentes a esse lapso temporal;

12.4. Razão pela qual, e levando em linha de conta que, de acordo com o disposto no Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Divida aprovado pelo Decreto-Lei nº 193/2005, de 7 de novembro, a isenção de tributação de tais rendimentos apenas beneficia o juro corrido, ou seja, o sujeito passivo representado pelo requerente apenas pode beneficiar da isenção de tributação relativamente aos juros que recebeu correspondentes ao período de tempo em que deteve os títulos de dívida, propusemos a restituição do imposto retido na fonte no seguinte montante: [...] 199,45 €

13.1. Quanto ao pedido alternativo de aplicabilidade da CDT Alemanha, pese embora o formulário modelo 22-RFI ter sido concebido para efeitos do pedido de reembolso nos termos do disposto no artigo 98° do CIRC e artigo 18° do DL 42/91, de 22 de Janeiro, o que é certo é que, de acordo com as instruções constantes da Circular nº 7/2010, de 15 de julho de 2010, permite que tal formulário possa ser utilizado em substituição do requerimento e da declaração de titularidade, sendo que, no presente caso, foi essa a utilização que lhe foi dada pelo próprio recorrente, já que ao preencher a coluna do Imposto a reembolsar incluiu a totalidade do mesmo, direcionando, assim o seu pedido para o regime aprovado pelo Decreto-Lei nº 193/2005, de 7 de novembro e não para a convenção celebrada por Portugal e a Alemanha.

13.2. Assim sendo, só com a petição de recurso hierárquico é que o recorrente vem invocar o regime previsto na CDT Alemanha.

13.3. De acordo com o disposto no artigo 98° do CIRC o pedido de reembolso nestes termos tem de ser formulado no prazo de 2 anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto.

13.4. Assim, tendo os juros sido pagos em 18 de dezembro de 2009, o prazo para o pedido de reembolso iniciou a sua contagem em 1 de janeiro de 2010, tendo terminado a 31 de dezembro de 2011.

13.5. Tendo o recurso hierárquico dado entrada na Direção de Finanças de Lisboa apenas a 27 de setembro de 2012, o prazo previsto no nº 7 do artigo 98° do CIRC encontrava-se já ultrapassado.

14. Pelo que propusemos que fosse considerada como correta a decisão proferida no processo de reclamação graciosa nº 3085201204001575 pelo Sr. Chefe de Divisão da Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa no uso de competência subdelegada em autorizar a restituição de apenas € 199,45 foi correctamente tomada, não merecendo, por isso, qualquer censura e devendo ser mantida.

15. Mais propusemos que a requerente fosse notificada 'para efeitos do exercício do direito de participação na decisão previsto no artigo 60° da LGT.

16. A. nossa proposta mereceu a concordância do Sr. Diretor de Serviços de Relações Internacionais, conforme despacho de 18 de março último.

17. A notificação da recorrente foi efetuada através do nosso ofício nº 5140, de 19 do mesmo mês, através do procurador da mesma.

IV - DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE PARTICIPAÇÃO NA DECISÃO

18. A Recorrente exerceu o seu direito de participação na decisão enviando resposta por escrito, a qual foi recebida nesta direção de serviços a 8 do corrente mês de abril.

19. Na sua resposta, vem a recorrente insistir nos argumentos anteriormente apresentados no requerimento inicial do recurso hierárquico, não trazendo, por isso, nada de novo ao processo, ou seja, que se trata de uma entidade elegível para beneficiar de isenção ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida aprovado pelo Decreto-Lei nº 193/2005, de 7 de Novembro, que está a ser exigido o cumprimento de obrigações tributárias que não estão previstas na lei, que o estatuto fiscal dos anteriores detentores dos valores mobiliários apenas releva para o momento em que é efetuada a transação dos titulas e que a utilização do formulário modelo 22-RFI se destina a ser utilizado para aplicação da CDT Alemanha, pelo que deve ser considerado como se o pedido tivesse sido efetuado desde o início do presente procedimento.

20. Ora, estes argumentos foram por nós analisados no nosso Parecer nº 212/2013, de 22 de janeiro último, os quais se mantêm válidos.

V - DA PROPOSTA DE DECISÃO FINAL

21. Nestes termos, atendendo à fundamentação expressa no nosso Parecer nº 212/2013, de 22 de janeiro último afigura-se-nos ser de negar provimento ao presente recurso hierárquico, sendo de se manter o despacho recorrido proferido a 16 de agosto do Sr. Chefe de Divisão da Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa no uso de competência subdelegada.

[...]»

(cf. Doc. 5 a págs. 83 a 98 do ficheiro a fls. 1 a 98 do SITAF);

8) Em 19-04-2013 o Diretor de Serviços de Relações Internacionais da AT proferiu despacho do qual se extrai concordar com a informação descrita em 7) (cf. Doc. 5 a págs. 83 a 98 do ficheiro a fls. 1 a 98 do SITAF);

9) Em 03-09-2013 deram entrada neste Tribunal os presentes autos (cf. registo do SITAF)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

10) Os títulos mencionados em 2) foram adquiridos pela Impugnante a 04.12.2009 [cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial, não impugnado – cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial (decisão proferida no recurso hierárquico)].

11) Os juros mencionados em 2) venceram-se a 18.12.2009 [cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial, não impugnado – cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial (decisão proferida no recurso hierárquico)].

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da incompetência em razão da hierarquia

Cumpre, antes de mais, apreciar a (in)competência em razão da hierarquia deste TCAS, suscitada pela Recorrida, em virtude de, na sua perspetiva, estarem apenas em discussão questões de direito.

Vejamos.

Atento o disposto no art.º 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais:

“Compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer:

(…) b) Dos recursos interpostos de decisões de mérito dos tribunais tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito”.

Por seu turno, prescreve o art.º 38.º, al. a), do mesmo diploma que:

“Compete à Secção de Contencioso Tributário de cada tribunal central administrativo conhecer:

a) Dos recursos de decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º”.

Por outro lado, nos termos do art.º 280.º, n.º 1, do CPPT, na redação atual, aplicável in casu, atenta a data da prolação da sentença recorrida:

“Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.”.

Assim, compete ao Supremo Tribunal Administrativo o conhecimento de recursos, quando a decisão tenha sido de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito, competindo aos TCA o conhecimento dos demais.

In casu, não se acompanha o entendimento da Recorrida, atento o teor das conclusões formuladas, do qual resulta a alegação de uma insuficiência do ponto de vista probatório [cfr. conclusões J) a M)], ainda que não tenha sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Ademais, considerando o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, este Tribunal procedeu ao aditamento de factos não considerados na sentença.

Face ao exposto, improcede a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia.

III.B. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto, na sua perspetiva, a isenção, prevista no regime especial de tributação dos rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida, não abrange o período antecedente à titularidade dos títulos em causa. Entende ainda que sempre caberia à Impugnante provar que os titulares dos valores mobiliários foram sempre sujeitos passivos beneficiários do regime de isenção.

Vejamos então.

O Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida (RETRVMRD), aprovado em anexo ao DL n.º 193/2005, de 7 de novembro, determinava, no seu art.º 3.º, que:

“São abrangidos por este Regime Especial os valores mobiliários representativos de dívida pública e não pública, incluindo as obrigações convertíveis em ações, independentemente da moeda em que essa dívida seja emitida, integrados em sistema centralizado reconhecido nos termos do Código dos Valores Mobiliários e legislação complementar, incluindo o sistema centralizado gerido pelo Banco de Portugal”.

No que respeita ao âmbito objetivo da isenção, somos remetidos para o art.º 4.º do RETRVMRD, nos termos do qual os rendimentos dos valores mobiliários referidos no art.º 3.º e obtidos em território português são isentos de IRC, sendo que os rendimentos são qualificados como tal atendendo à sua qualificação em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS).

No tocante ao âmbito subjetivo da isenção, há que atentar no art.º 5.º do regime em causa.

No caso dos autos, os rendimentos em causa foram juros de valores mobiliários [cfr. facto 2)], considerados rendimentos de capital para efeitos de IRS, como resulta do art.º 5.º, n.º 2, do respetivo código.

Em termos de âmbito objetivo, é ainda de considerar que o mencionado n.º 2 do art.º 4.º define que:

“A isenção a que se refere o número anterior abrange os rendimentos qualificados como rendimentos de capitais ou como mais-valias para efeitos de IRS, incluindo, nomeadamente, os ganhos obtidos na transmissão dos valores mobiliários, bem como os devidos no momento do vencimento do cupão ou na realização de operações de reporte, mútuos ou equivalentes” (sublinhados nossos).

No caso dos autos, a administração tributária (AT) entendeu que, tendo a Impugnante adquirido os títulos em causa cerca de duas semanas antes do vencimento do cupão, apenas teria direito à isenção pelo tempo proporcional ao da titularidade dos valores mobiliários em causa, por apenas ter sido beneficiária efetiva dos juros relativos a tal período de tempo.

Esta distinção feita pela AT não encontra no regime jurídico em causa previsão legal.

Como referido por Paula Rosado Pereira (Estudos sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Almedina, Coimbra, 2005, p. 44), “[u]ma vez que os factos geradores de rendimentos de capitais são, regra geral, factos continuados, verifica-se a necessidade de os periodizar para efeitos de tributação”, o que encontra reflexo, designadamente, no art.º 7.º do Código do IRS.

Como resulta do n.º 2 do art.º 4.º do RETRVMRD, são abrangidos pela isenção os rendimentos (onde se incluem os juros) devidos no momento do vencimento do cupão.

“O vencimento é o momento no qual, em virtude do decurso do prazo, o credor adquire o direito de exigir do devedor o cumprimento da obrigação” (Paula Rosado Pereira, ob. cit., p. 46).

Ora, no caso dos autos e como aliás é evidenciado pelo valor pago à Impugnante, foram-lhe pagos, no momento do vencimento do cupão, os juros que deveriam ser pagos naquele momento, independentemente de a aquisição dos títulos ter sido duas semanas antes ou noutro momento.

Não decorre do regime jurídico em causa que essa isenção não abranja a totalidade dos juros vencidos.

Não há qualquer limitação proporcional à titularidade do valor mobiliário, ao contrário do que resulta do entendimento da administração, sendo que, no caso, à data do vencimento do cupão, momento em que a Recorrida adquiriu o direito de exigir do devedor o cumprimento da obrigação, era a Impugnante a beneficiária efetiva.

Com efeito, nos termos consignados no art.º 2.º, al. a), do RETRVMRD, beneficiário efetivo é todo o que obtenha rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida por conta própria.

Este entendimento surge reforçado pela leitura dos art.ºs 8.º e 9.º do RETRVMRD, relativos aos regimes de retenção na fonte e de reembolso do imposto indevidamente retido, no qual é sempre tratado como uma realidade una o imposto retido na data do vencimento do cupão, sem que nada esteja previsto em termos de limitação, nos termos pugnados pela AT.

Como tal, o conceito restritivo de beneficiário efetivo, defendido pela Recorrente, carece de fundamento legal.

Por outro lado, o facto de a Recorrida ter adquirido os títulos a outra ou outras entidades tem apenas reflexos na tributação que é feita relativamente às operações de transmissão, quanto aos eventuais juros contáveis (os chamados “juros decorridos”), desde a data da emissão até à data da transmissão dos valores. Essa circunstância não retira à Recorrida a condição de beneficiária efetiva dos rendimentos (daí que os mesmos lhe sejam pagos a si), atendendo a que o direito aos mesmos nasce com o vencimento do cupão, ocorrido quando a Recorrida já era titular dos valores mobiliários.

Aliás, é a esse propósito de chamar à colação a disciplina constante do art.º 5.º, n.º 5, do Código de IRS [ex vi art.º 94.º, n.º 1, al. c), do CIRC], que veio precisamente clarificar a forma de tratamento dos rendimentos relativos aos juros implícitos, aos juros decorridos, aquando da transmissão dos títulos em momento anterior ao do vencimento do cupão (cfr., a este propósito, José Guilherme Xavier de Basto, IRS – Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 241 a 243).

Ora, trata-se de duas situações distintas, que, aliás, o próprio n.º 2 do art.º 4.º do RETRVMRD prevê e abarca, a dos ganhos obtidos na transmissão dos valores mobiliários (cfr., a este propósito, o regime específico de retenção e reembolso de imposto, previsto no art.º 11.º, onde aí, sim, é relevante o período de tempo de detenção dos títulos) e a dos rendimentos devidos no momento do vencimento do cupão. Assim, a circunstância de o art.º 11.º do regime em causa consagrar o regime de tributação em termos de operações de transmissão em caso algum colide com o que viemos dizendo, porquanto se trata de realidades distintas.

Sendo pagos à Recorrida, aquando do vencimento do cupão, os rendimentos devidos nessa altura, ou seja, os juros devidos por força de tal vencimento, em virtude de a Impugnante ser a beneficiária efetiva dos valores mobiliários em causa, e por não resultar do regime previsto no RETRVMRD qualquer limitação em termos de isenção, esta abrange todos os rendimentos devidos no momento do vencimento do cupão.

Carece, pois, de pertinência o alegado em torno da indispensabilidade da prova de que todos os titulares dos valores mobiliários foram beneficiários do regime da isenção.

Como referido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18.06.2015 (Processo: 08456/15):

“[O] que se mostra estabelecido no artigo 4.º n.º 2 do Regime Especial, conforme já transcrito, é que são abrangidos pela isenção os rendimentos, in casu, os juros devidos no momento do vencimento do cupão, isto é, os juros que naquele momento e em virtude do decurso do prazo a Recorrida adquiriu o direito de perceber (exigir).

Ou seja, o legislador não atribuiu qualquer relevância, directa ou indirectamente, ao momento em que um beneficiário dos juros adquiriu os títulos que lhe deram origem, limitando-se a exigir que nessa data fosse o seu efectivo beneficiário.

E que a Recorrida era nessa data a sua efectiva beneficiária resulta limpidamente de ter sido a ela, sem que se mostre discutido, que os mesmos foram pagos (…), sendo irrelevante os juros que eventualmente esta beneficiária tenha pago à transmitente por esses juros, como bem aduz a Recorrida, os chamados “juros implícitos” no preço - justificados contratualmente pelo hipotético direito daquela transmitente a recebê-los a final (na hipótese de não haver transmissão) e calculados tendo presente um eventual risco de incumprimento da obrigação de pagamento -, nada terem a ver com os juros devidos na data de vencimento do cupão relativamente aos quais, enquanto titular dos valores mobiliários em questão, é e só é a Recorrida beneficiária.

Do que vimos expondo resulta já claro que discordámos da tese adiantada pela Administração Fiscal quanto ao que seja beneficiário efectivo para efeitos deste regime, interpretação que é mesmo incompatível com a definição que daquele foi cuidadosamente realizada pelo legislador no artigo 2.º do regime anexo ao DL n.º 193/2005.

Efectivamente, neste preceito, ficou estabelecido que «Para efeitos do presente Regime, entende-se por: a) «Beneficiário efectivo» qualquer entidade que obtenha rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida por conta própria e não na qualidade de agente ou mandatário;».

Ora, sendo inequívoco que está provado que o recebimento em questão foi feito por conta própria e não como intermediário de qualquer terceira entidade ou pessoa singular, não se pode reconhecer razão à Administração Tributária quando defende que a Recorrida não é beneficiária por não ser integrável naquela definição a especifica condição de tempo de aquisição dos títulos que a Recorrente insiste em convocar”

Sempre se acrescente, na senda do que resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31.05.2017 (Processo: 0418/16), que a Recorrida provou todos os pressupostos que lhe competia provar, não lhe cabendo provar que os anteriores titulares eram beneficiários do regime de isenção.

Refere-se no mencionado aresto:

“[T]odo o controlo das entidades registadas e da sua qualidade como entidades sujeitas e não sujeitas a retenção recai sobre as entidades registadoras, como resulta do disposto nos artigos 6º, 14º, 17º e 21º do Regime.

E sobre os beneficiários efetivos apenas recai o ónus de comprovação dos pressupostos da sua qualidade de entidade não sujeita a retenção ou da isenção.

No caso concreto, como a Recorrida logrou comprovar a sua qualidade de não residente e de beneficiária efetiva e isenta, tem direito à totalidade do imposto retido.

(…) [N]ão cabia à (…) [Impugnante] o ónus da prova de que a transmitente não estava sujeita a tributação, pois esse ónus apenas recai sobre a entidade registadora, a quem cabe verificar se a entidade beneficiária está ou não sujeita a retenção nos termos do disposto no art. 14º” (sublinhado nosso).

Como tal, carece de razão a Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 20 de abril de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)