Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1287/18.8BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:06/06/2019
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:ACIDENTE EM SERVIÇO;
ACIDENTE IN ITINERE;
RESIDÊNCIA
Sumário:i) O acidente ocorrido no trajecto para o trabalho ou in itinere é aquele que acontece no caminho/trajecto normalmente usado pelo trabalhador entre a sua residência habitual ou ocasional e o local de trabalho e durante o tempo normalmente gasto nesse caminho ou trajecto de ida ou de regresso do local de trabalho (cfr. artigo 9.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 98/2009).

ii) Não é só a “residência habitual” − que constitui o critério de determinação do domicilio geral de uma pessoa singular −, mas também a “residência ocasional” que é considerada como fim ou início do trajecto juridicamente relevante nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea b), da Lei n.º 98/2009 .

iii) A “residência ocasional” é aquela que, pelas razões mais diversas, não é a residência normal da pessoa, não é o lugar onde normalmente vive.

iv) O cumprimento do dever de residência obrigatória a uma determinada distância do estabelecimento prisional em que presta funções é compatível com a titularidade de um direito real sobre uma outra residência ocasional – ou, sequer, principal secundária – do membro do Corpo da Guarda Prisional, situada a mais de 50 kms do local de trabalho.

v) É de classificar como acidente em serviço – in itinere – o acidente de viação em que participou o A., guarda prisional, em consequência do qual sofreu ferimentos graves e incapacidade temporária absoluta, ocorrido no trajecto normalmente utilizado entre a sua residência ocasional e o local de trabalho, e pelo tempo habitualmente gasto nesse trajecto, quando se deslocava para o E.P. de Caxias, em que se encontrava escalado, para se apresentar ao serviço.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Ministério da Justiça (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença de 27.03.2019 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a acção administrativa urgente intentada pelo A. Rui ................ (Recorrido) contra o aqui recorrente, onde peticionou a declaração de nulidade ou a anulação do despacho do Subdirector Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que lhe foi notificado em 30.08.2018, que não qualificou como acidente ocorrido em serviço o acidente de viação por ele sofrido em 5.03.2016. Mais peticionou a condenação da Entidade demandada a reconhecer a referida situação como acidente de serviço, com o consequente reconhecimento do direito de reparação dos danos causados com efeitos reportados à data do acidente de viação.

Inconformado o Ministério da Justiça recorre da sentença do TAF de Sintra que decidiu:

a) Condenar a Entidade demandada a reconhecer que o acidente de viação sofrido pelo Autor em 5.03.2016 constitui um acidente em serviço;

b) Anular o despacho do Subdirector-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de 24.06.2018, impugnado nos autos, confirmado pelo despacho da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça de 10.12.2018.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

a. Na génese da ação administrativa que culminou na sentença de que ora se recorre encontra-se o ato do Subdiretor-Geral da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de 24 de julho de2018, que não qualificou a ocorrência de 5 de março de 2016 como acidente de trabalho in itinere;

b. Ao condenar a Entidade Demandada a reconhecer que o acidente de viação sofrido pelo Recorrido em 5 de março de 2016 constitui um acidente de trabalho, a sentença impugnada incorreu em erro na interpretação dos normativos aplicáveis, em clara violação de lei;

c. Como o Réu, ora Recorrente, tem sempre afirmado, o cerne da questão, o thema decidendi, radica no conceito e alcance de “residência ocasional”;

d. Conceito esse que, com a devida vénia, o Tribunal a quo aprecia de uma forma muito ligeira e despida de substrato jurídico;

e. No capítulo dos acidentes de trabalho in itinere (no percurso, no trajeto) relevam as ocorrências entre o local de trabalho e a residência habitual ou ocasional do trabalhador e vice-versa:

f. E é precisamente pelo apelo à doutrina e à jurisprudência firmadas nesta sede que é de censurar que a douta decisão impugnada qualifique como “ocasional” a residência que o Recorrido tem na Arrifana;

g. Na casa da Arrifana o Recorrido mantém o centro da organização da sua vida, sendo aí que reside o seu agregado familiar;

h. É na Arrifana que o Recorrido, graças às características do horário que pratica, passa o seu tempo;

i. Precisamente por ser na Arrifana que tem a sua base de vida, a sua existência organizada, é que o Recorrido procura promover as trocas das suas escalas de serviço para, deste modo, ali permanecer durante vários dias a dar apoio à família;

j. Ao longo de todo o processo que culminou na não caracterização do acidente de viação como acidente de trabalho, nunca ficou esclarecida qual a real utilidade da casa situada na Marvila, Lisboa;

k. Ficou por esclarecer em que circunstâncias é que o Recorrido aí ia pernoitar. Seria somente quando não conseguia trocar as escalas de serviço? Ou a morada foi dada com reserva mental, apenas com o fito de vir a perceber o subsídio de renda de casa?

l. É que, graças à disponibilidade que caracteriza o exercício de funções do pessoal integrado no Corpo da Guarda Prisional, o Recorrido encontrava-se impedido de residir para além de 90 Kms do Estabelecimento Prisional de Caxias;

m. Seguramente que a casa da Arrifana não poderia ser tida como residência habitual por ultrapassar a distância Atrás apontada;

n. Mas, de igual sorte, não pode ser apelidada de “residência ocasional” como o douto Tribunal fez, na medida em que a “residência ocasional” é aquela que é esporádica, fortuita, temporária, o que não se verifica no caso em apreço;

o. Na prática, o Recorrido mantém – ao arrepio do que lhe é determinado – residência habitual na Arrifana;

p. Da concatenação dos normativos subsumíveis à situação vertente resulta a dúvida quanto á qualificação da casa da Arrifana e, consequentemente, saber se o acidente de viação registado no dia 5 de março de 2016 se verificou entre a casa e o local de trabalho, ou seja, se se tratou verdadeiramente de um acidente de trabalho in itinere;

q. Também mal andou o Tribunal a quo ao não cuidar de identificar o nexo de causalidade no caso sub juditio;

r. Há que procurar aferir deste nexo na relação entre o risco económico ou de autoridade e a residência do trabalhador;

s. Fruto de uma ficção jurídica considera-se que a esfera de influência da entidade empregadora se desenvolve de e para a residência do trabalhador e o local de trabalho;

t. Subjacente a este entendimento que alimenta aquela ficção jurídica está a salvaguarda dos interesses da entidade empregadora;

u. Ora, no caso concreto, a residência na Arrifana serve os interesses de quem? Certamente que não é da entidade empregadora, tanto mais que esta não permite que se resida a mais de 90 Kms do Estabelecimento Prisional de Caxias;

v. Sem aporias, a residência na Arrifana satisfaz única e exclusivamente os interesses do Recorrido;

w. Continuou a laborar em erro a sentença recorrida ao descartar, sem mais, a circunstância de estarmos perante um guarda prisional que integra uma carreira especial (seja a nível de direitos, seja em sede de deveres);

x. Esta realidade não podia ser, como efetivamente foi, escamoteada;

y. Mandam as mais elementares regras da hermenêutica jurídica que se atendam às várias modalidades de interpretação;

z. Impunha-se aqui que, antes de mais, se desenvolvesse uma interpretação sistemática dos normativos aplicáveis, não descurando, contudo, a teleologia dos comandos jurídicos, isto é, a “mischief rule” aplicável à interpretação da Statute Law do Direito Inglês;

aa. Nada disso se verificou na situação em análise. O tribunal a quo ignorou por completo que o “acidentado” pertencia ao Corpo da Guarda Prisional, não assacando daí as devidas consequências;

bb. É verdade que o ora Recorrente qualificou as questões atinentes à apresentação do original do Boletim de Acompanhamento Médico e das cópias do horário/escala por parte do Autor como meras minudências jurídicas;

cc. Todavia este qualificativo inscreve-se no contexto em que se tinha como seguro que o acidente de viação de 5 de março de 2016 não seria tido como acidente de trabalho in itinere, o que não se veio a verificar;

dd. Face à realidade com que a Entidade Recorrente ora se depara, importa significar que se assiste à exigência do sinistrado proceder à entrega do BAM logo após a alta atribuída, sendo que os dados neles constantes são indispensáveis para efeitos de justificação dos períodos de incapacidade temporária absoluta, bem como para efeitos de reembolso;

ee. Por outro lado, assinala-se que as juntas médicas da ADSE ou CGA sustentam os seus pareceres em face da documentação clínica apresentada sobre registos contidos no BAM;

ff. Por fim, diga-se, esclarece-se que o reembolso das despesas se faz mediante a apresentação dos originais dos documentos de despesa, inclusive das prescrições médicas.

O Recorrido apresentou contra-alegações, conforme seguidamente expendido:

A. Assenta a fundamentação do recorrente em manifesto erro sobre os pressupostos de direito.

B. Na verdade, as trocas de serviço são superiormente autorizadas pela entidade empregadora, através do Diretor do Estabelecimento Prisional.

C. O recorrente sempre que está de serviço reside em Marvila, sendo a sua residência habitual, sendo de referir que desde inicio do ano de 2018, o horário de trabalho do corpo da guarda prisional é o vertido no Despacho 9389/2017 de 25 de outubro.

D. Do procedimento administrativo consta o BAM, pendendo sobre o recorrente ao abrigo do princípio do inquisitório, dar cumprimento ao estatuído no artigo 12.º n.º 3 do D. L 503/99 de 20 de novembro e artigo 117.º do CPA, o que nunca concretizou, não obstante, este facto não ser causa de descaracterização do acidente de serviço nos termos previstos no artigo 14.º da Lei 98/2009 de 4 de setembro.

E. O artigo 9.º n.º 2 alínea b) da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro estatui que “A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho”

F. Mota Pinto defende que a residência ocasional é aquela em que a pessoa vive com alguma permanência, mas temporária ou acidentalmente num certo local (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, página 262). (sublinhado nosso)

G. E, esta é a situação concreta do recorrido, tendo que para o efeito realizar trocas de serviço, reitere-se superiormente autorizadas pela entidade empregadora.

H. O acidente de viação que o recorrido sofreu enquanto passageiro da viatura propriedade e conduzida pelo colega José ................ (falecido no acidente de viação), ocorreu pelas 5h50m quando se deslocava da sua residência ocasional para o seu local de trabalho, sito no Estabelecimento Prisional de Caxias, onde tinha que se apresentar às 7h45m.

I. O percurso da residência ocasional no dia 5.3.2016, era necessário e imprescindível para dar cumprimento à obrigação de prestar trabalho no lugar determinado pela recorrente/entidade patronal.

J. Se assim não fosse, aquele trajeto não teria sido realizado.

K. Para que ocorra a descaracterização do acidente em serviço, teria o recorrido que ter adotado um comportamento doloso ou negligente, o que não foi o caso.

L. O acidente ocorreu do trajeto habitualmente utilizado pelo recorrente nas deslocações da sua residência ocasional (Arrifana) para o seu local de trabalho.

M. A situação do recorrido enquadra-se no entendimento do aresto do STJ de 26.10.2011, processo 154/06.2TTCTB.C1.S1.

N. Inexiste qualquer normativo legal aplicável ao CGP, que impeça o recorrido de ter uma residência ocasional

O. No dia 5.3.2016, a necessidade do recorrido se deslocar para o seu local de trabalho e, de cumprir escrupulosamente o seu horário de trabalho foram a causa direta e necessária para o trajeto naquele dia e hora em que ocorreu o acidente de viação.

P. Existindo um nexo de causalidade entre o acidente e a relação de emprego público com o recorrente.

Q. Estando preenchidos os requisitos do acidente de trabalho in itinere impõe-se a qualificação do acidente de viação sofrido pelo recorrido em 5.3.2016, como acidente de trajeto ocorrido em serviço.

R. Decidindo bem o tribunal a quo.



Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou.


Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em saber:

- Se a sentença recorrida errou ao ter condenado a Entidade Demandada a reconhecer que o acidente de viação sofrido pelo Autor constituiu um acidente em serviço, na sequência de uma deficiente classificação do critério da “residência ocasional.”



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a qual se reproduz ipsis verbis:

A) O Autor é guarda prisional colocado no Estabelecimento Prisional de Caxias – cfr. documentos de fls. 41, 42 e 43 do processo físico, que se dão por reproduzidos;

B) Em 20 de Maio de 2013, o Autor apresentou à Entidade demandada um pedido de concessão de subsídio de renda de casa, no qual declara como residência

«Avenida ................, lote ...., 4.º andar», na freguesia de Marvila, concelho de Lisboa, à distância declarada de 30 km do Estabelecimento Prisional de Caxias – cfr. documento de fls. 57 do processo físico, que se dá por reproduzido;

C) Do formulário preenchido pelo Autor para requerer o subsídio de renda de casa consta a menção de que:

«O funcionário deve ter perante os Serviços uma única residência, a qual deve ser a mesma da residência fiscal» – cfr. documento de fls. 57 do processo físico, que se dá por reproduzido;

D) O Autor justifica o seu pedido de concessão de subsídio de renda de casa com dois fundamentos: «não dispor de casa fornecida pelo Estado, nem de alojamento no interior do EP» e «residência obrigatória (n.º 1 do art.º 12 do D.L. 125/07, de 27-04» – cfr. documento de fls. 57 do processo físico, que se dá por reproduzido;

E) No requerimento referido nos parágrafos anteriores, o Autor declara ainda o seguinte:

«Declaro, sob compromisso de honra, que os elementos acima indicados correspondem à verdade. Mais declaro que não coabito, por casamento ou união de facto, com funcionário(a) que usufrua de, ou possa requerer, idêntico subsídio. Mais declaro, ainda, que tenho conhecimento de que as falsas declarações implicam responsabilidade disciplinar e criminal e a restituição de verbas indevidamente recebidas» – cfr. documento de fls. 57 do processo físico, que se dá por reproduzido;

F) Consta do processo administrativo instrutor a escala de serviço do dia 5 de Março de 2016 no Estabelecimento Prisional de Caxias, da qual resulta que, nesse dia, o Autor estava escalado para o serviço diurno e para o serviço nocturno na zona prisional desse estabelecimento prisional, devendo apresentar-se ao serviço às 7h45 desse dia – cfr. documento de fls. 57 verso e 58 do processo físico, que se dá por reproduzido;

G) Em 5 de Março de 2016, Jorge ................., fez uma «participação e qualificação do acidente de trabalho», do qual resulta designadamente o seguinte:

«Identificação do órgão ou serviço

Designação: Estabelecimento Prisional de Caxias (…)

Identificação do trabalhador

Nome: Rui ................ (…)

com a categoria/cargo: guarda prisional Descrição da ocorrência

Acidente x (…)

Data 05.03.16 Hora: 05h55m

Local Ataija de cima, Alcobaça, Km 98 Circunstâncias da ocorrência:

A viatura em que o guarda prisional Rui ............... se deslocava no sentido Norte para Sul para vir entrar ao serviço, às 7h45 no E. P. Caxias, teve um choque frontal com outra viatura que se deslocava de Sul para Norte, ficando o Guarda bastante ferido, tendo sido conduzido pelos Bombeiros para o Hospital de Leiria.

Testemunhas:

David ............... Luís ............... Luís ...............

Sérgio ...............» – cfr. documento de fls. 41 verso e 42 do processo físico, que se dá por reproduzido;

H) Nessa mesma data, a Directora do Estabelecimento prisional de Caxias foi informada do seguinte:

«Paulo ..............., Chefe da Guarda prisional, vem por este meio informar que os guardas José ................, Arnaldo ............... e Rui ................ sofreram um violento acidente de viação quando se deslocavam para o entrar de serviço. Desse acidente resultou no falecimento do guarda José ................, e ferimentos graves nos guardas Arnaldo ............... e Rui ................, tendo sido todos eles encaminhados para o Hospital de Leiria. Toda esta informação foi de imediato fornecida por contato telefónico pelos guardas Luís ..............., Luís ..............., David ..............., Sérgio ..............., Jorge ............... que presenciaram o acidente e prestaram o socorro às vítimas e alertaram as autoridades do sucedido, só abandonado o local após fornecer todos os dados necessários às forças de segurança» — cfr. documento de fls. 43 do processo físico, que se dá por reproduzido;

I) A informação referida no parágrafo anterior foi transmitida ao Director- Geral de Reinserção e Serviços Prisionais por ofício de 10 de Março de 2016 — cfr. documento de fls. 42 verso do processo físico, que se dá por reproduzido;

J) Em 5 de Março de 2016, o Autor tinha residência na Avenida ................, na freguesia de Marvila, concelho de Lisboa e recebia subsídio de renda de casa conforme por ele requerido em 20 de Maio de 2013 — cfr. informação de 23.03.2016 e auto de declarações do Autor no procedimento de inquérito n.º …/AS/2016, a fls. 48 e 55 do processo físico, que se dão por reproduzidos, cfr. mensagem de correio electrónico de 19.10.2016, a fls. 58 verso do processo físico, que se dá por reproduzido;

K) Quando estava de folga, o Autor deslocava-se para a Arrifana em Vila Nova de Poiares, onde residem as suas esposa e filha – admitido por acordo das partes (artigo 18.º da petição inicial e artigo 8.º alíneas d) e g) da contestação);

L) Em 14 de Março de 2016, foi elaborado auto da participação referida no parágrafo G) acima, dando origem ao processo de inquérito n.º …/AS/2016 − cfr. documento de fls. 41 a 42 do processo físico, que se dá por reproduzido;

M) Em 22 de Setembro de 2016, o Autor prestou declarações no âmbito do processo de inquérito n.º …/AS/2016, cujo auto tem o seguinte teor:

«Aos vinte e dois dias do mês de setembro do ano de dois mil e dezasseis, no Estabelecimento Prisional de Caxias, cerca das 11,42 horas, compareceu perante mim, dose M..............., Técnico Superior, a fim de prestar declarações, o Sr. Guarda Prisional Rui ................, nascido em 27-01-1981, natural da freguesia S. Miguel, do concelho de Vila Nova de Poiares, casado, com o cartão de cidadão n.° (…) e com o SRH (…), que, relativamente à ocorrência verificado no dia 05-03-2016, referiu o seguinte:

Questionado sobre a sua residência, no momento da ocorrência, declarou que, quando está de serviço, reside em Marvila, Av. ................, Lote ...., 4.° andar, Lisboa.

No entanto referiu que a sua casa de morada da família, onde se encontram a sua esposa e a filha, de 2 anos, e restantes familiares, se situa em V..............., ....-... Vila Nova de Poiares.

Mais referiu o declarante que quando está de serviço no EP de Caxias reside habitualmente em Lisboa e que quando tem períodos longos de folgas reside junto da sua família em V................ Assim, dado que tinha 4 dias de folga passou- os junto da sua família.

Acrescentou que na situação em causa, o declarante tinha combinado previamente com os seus colegas Arnaldo ............... e José ................ regressarem, no dia 05-03-2016 ao EP de Caxias dado que entravam todos de serviço às 07H45 e por uma questão de custos de transporte.

Assim, encontram-se num local, cerca das 05H15, sendo que a viatura em que seguiam pertencia ao Guarda Prisional José ................ que ia a conduzir. Referiu o declarante que vinha no banco de trás da viatura, com o seu colega Arnaldo ............... sentado no banco da frente ao lado do condutor.

Questionado sobre o acidente de viação referiu que ‘não se lembra absolutamente de nada’.

Segundo o que lhe disseram ‘falou com os bombeiros’, ‘respondeu ao que lhe perguntaram’, mas não se lembra. Tem consciência que acordou no Hospital de Leiria por volta das 11 horas da manhã, onde permaneceu durante o dia até ser transferido, cerca da meia-noite, para o Hospital de Coimbra, apresentando diversas fraturas na cabeça, no nariz, nos arcos costais, na escápula (ombro) e no pulso» − cfr. documento de fls. 55 do processo físico, que se dá por reproduzido;

N) Consta do processo administrativo instrutor, cópia do boletim de acompanhamento médico do Autor do qual consta:

- Que o Autor foi sujeito a atendimento médico no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, em cujo serviço de ortopedia foi internado no dia 6 de Março de 2016, às 00h02;

- Que foram diagnosticadas ao Autor escoriações na face, fractura dos ossos próprios do nariz, fractura do 2.º, 3.º e 4.º arcos costais esquerdos, fractura da escápula e fractura do escafóide esquerdo;

- Que o Autor permaneceu ali internado até 19 de Março de 2016, saindo com a indicação de que «deve ser seguido em consulta externa» e de que tem uma «incapacidade temporária absoluta»;

- Que o Autor foi seguido em consulta externa a partir de Março de 2016 e até Outubro de 2017, primeiro no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e depois na UCSP de Vila Nova de Poiares, mantendo até 2 de Outubro de 2017 a indicação de «incapacidade temporária absoluta» e após essa data a indicação de «incapacidade temporária parcial» − cfr. documentos de fls. 62 e 63 e 67 a 70 do processo físico, que se dá por reproduzido;

O) O Autor foi sujeito a sucessivas juntas médicas nos dias 12 de Dezembro de 2016, 30 de Janeiro de 2017 e 6 de Março de 2017, nas quais «tendo como fundamento a observação clínica, os elementos auxiliares de diagnóstico e o(s) relatório(s) existente(s) no processo» foi deliberado por unanimidade que o Autor tinha uma «incapacidade temporária absoluta» − cfr. documentos de fls. 61 verso, 64 e 65 do processo físico, que se dão por reproduzidos;

P) Em 4 de Setembro de 2017, o Autor foi sujeito a nova junta médica, na qual «tendo como fundamento a observação clínica, os elementos auxiliares de diagnóstico e o(s) relatório(s) existente(s) no processo» foi deliberado por unanimidade que o Autor tinha uma «incapacidade temporária parcial» e que regressaria ao serviço no dia 5 de Setembro de 2017, ficando agendada nova junta médica para dia 2 de Outubro de 2017 − cfr. documento de fls. 65 verso do processo físico, que se dá por reproduzido;

Q) Em 6 de Setembro de 2017, o Autor prestou declarações no âmbito do processo de inquérito n.º …/AS/2016, cujo auto tem o seguinte teor:

“—Aos 6 dias do mês de Setembro de dois mil e dezassete, neste Estabelecimento Prisional de Caxias, compareceu perante mim, Teresa ..............., Técnico Superior, a fim de prestar declarações, o senhor guarda prisional Rui ................, (…) que declarou o seguinte:

— Que no dia 5/03/2016, pelas 6 horas da manhã, vinha em direcção ao EP de Caxias, para iniciar o seu turno pelas 7,45h.

Tinha estado a gozar as folgas na morada de família, sita em V..............., em Vila Nova de Poiares.

Por uma questão de custos, tinha combinado com os dois guardas Arnaldo ............... e José ................, fazerem o trajecto na viatura deste último, dado que todos residiam na mesma zona (Coimbra-Figueira da Foz).

Vinham na IC-2, em direcção ao seu local de trabalho (direcção Coimbra- Lisboa), quando ocorreu o acidente de viação.

O declarante não se recorda do acidente, nem tão pouco do embate.

O declarante vinha no banco de trás, no lado direito (atrás do guarda Arnaldo) e o guarda José ................ vinha a conduzir.

Só acordou no Hospital de Leiria, cerca das 11 horas.

Do acidente resultaram para o declarante lesões, designadamente fratura de 3 costelas do lado esquerdo, fractura do escafóide no pulso esquerdo e escoriações na cabeça, fratura do nariz e da escápula no ombro direito. Foi operado ao pulso duas vezes, a última em Março do corrente ano.

A responsabilidade do acidente foi assumida pela seguradora ..............., que segurava a viatura que embateu de frente no carro em que seguia.

A seguradora tem vindo a assumir o seu vencimento e as despesas médicas. Tem estado a ser avaliado pela Junta Medica da Adse, que lhe deu alta com incapacidade parcial, e tem nova avaliação no dia 02/10/2017.

Neste momento encontra-se bem, à excepção do pulso, em que lhe foi prescrito que não fizesse esforços. Apresentou-se ao serviço no dia 5/09/2017.

Está a ser acompanhado pelo Ortopedista na Clínica (…), indicada pela companhia de seguros» − cfr. documento de fls. 66 do processo físico, que se dá por reproduzido;

R) Consta do processo administrativo instrutor, um atestado emitido em 19 de Setembro de 2017, pelo Presidente da Junta de Freguesia de Arrifana, com o seguinte teor:

«O Presidente da Freguesia de Arrifana, concelho de Vila Nova de Poiares, distrito de Coimbra:

Atesta para os devidos e legais efeitos, e para fins de prova de residência, que o Senhor Rui ................, filho de (…) e de (…), nascido em 27-01- 1981, natural de São Miguel de Poiares, concelho Vila Nova de Poiares, portador do Cartão de Cidadão n.° (…), casado com a (…), nascida a (…), portadora do Cartão de Cidadão n.° (…), tem residência de família no lugar da V..............., nesta Freguesia de Arrifana, Concelho de Vila Nova de Poiares.

Por ser verdade e ter sido pedido passou-se o presente atestado de residência que vai devidamente assinado e autenticado com selo branco em uso nesta Freguesia» − cfr. documento de fls. 67 do processo físico, que se dá por reproduzido;

S) Foi elaborado relatório do processo de inquérito n.º …/AS/2016, do qual resulta designadamente o seguinte:

«2 - FACTOS APURADOS:

No dia 5 de Março de 2016, pelas 5.50 horas, na Estrada Nacional n° 1 - sentido Norte-Sul, a viatura que o guarda José ................ conduzia e em que iam também os outros 2 guardas prisionais Arnaldo ............... e Rui ..............., sofreu um acidente de viação, tendo sido abalroada por uma carrinha com a matrícula (…), apólice n.º (…), da ............... Seguros. Nesta Seguradora corre o processo n ° (…).

Do acidente resultou a morte do condutor (José ................) e ferimentos nos outros dois ocupantes.

A C.° Seguros ............... assumiu a responsabilidade dos danos decorrentes do sinistro.

Foram ouvidos em declarações as testemunhas do acidente, os guardas David ............... (…), Luís ............... (…), fls. 16 a 19) que seguiam noutra viatura e Arnaldo ............... (…), e Rui ............... (…) ocupantes da viatura acidentada e também eles sinistrados (PAS 8 e 9/2016).

O guarda prisional Rui ............... sofreu, em resultado do acidente de viação, escoriações na face, fraturas do osso do nariz, dos 2.°, 3.° e 4.° arcos das costas esquerdas, fratura da escápula e do escafóide esquerdo.

Deu entrada no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, no dia 6/03/2017, pelas 00,02]), transferido do Hospital de Leiria, onde deu entrada nas urgências no dia 5/03/2016. Manteve-se com incapacidade temporária absoluta, tendo sido observado pela Junta Medica da ADSE-Coimbra em 12/12/2016, que confirmou a sua situação de incapacidade temporária absoluta.

Foi presente a Junta Medica da ADSE-Coimbra, em 4 de Setembro de 2017, que lhe deu alta com incapacidade temporária parcial e apresentou-se ao serviço no dia 5/09/2017.

Tem vindo a ser assistido por médicos da Ca Seguradora ............... e pelo seu médico de família. Continua a ser assistido pela Ortopedia, na Clinica (…), indicada pela Seguradora.

A seguradora tem vindo a assumir o seu vencimento e despesas médicas.

Foi sujeito a intervenção clinica ao pulso (2 vezes) a ultima em Março de 2017. Foi presente à Junta Medica da ADSE em 6/11/2017 e foi-lhe dada alta com incapacidade permanente parcial, devendo ser presente à junta médica da CGA, de acordo com o n.° 5 do art.°20° DL n° 503/99, de 20 de Novembro.

3 - MATÉRIA DE DIREITO

A figura jurídica do acidente em serviço é integrada pelos mesmos elementos que as leis do trabalho definem para os acidentes laborais, conforme o disposto no n.° 1, do art.° 7.° do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de Novembro, que se aplica a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, em qualquer das modalidades – nomeação ou contrato de trabalho em funções públicas, de acordo com as alterações introduzidas aos artigos 1.° e 2.° do Decreto-Lei n.° 503/99 pelo artigo 9.° da Lei n.° 59/2008, de 11 de Setembro .

Assim, será acidente de trabalho, nos termos do n.° 1 do art.° 8 da Lei n.° 98/2009 de 4 de Setembro, aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.

Refere o n.° 1, al. a) do art° 9 do mesmo diploma que se considera também acidente de trabalho o ocorrido no trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte, sendo que o n° 2 define que a alínea a) do número anterior ‗compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador‘, designadamente o referido na alínea b) -entre a sua residencia habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho”;

Quando ocorrem acidentes em serviço ‘in itinere‘, especificamente acidentes de viação, o trabalhador acidentado, quando participa o acidente deve anexar, para além da participação e do BAM a participação às autoridades policiais, bem como, fotocópia das respectivas apólices de seguro e declaração de descaracterização de acidente (art° 46°, art.° 47° e art.° 48 do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro). No presente caso, o sinistrado era passageiro na viatura conduzida e de que era proprietário o guarda José ................ (falecido) edo acidente resultaram lesões que o incapacitaram para o trabalho. O BAM foi preenchido pelo graduado de serviço que tomou conhecimento do ocorrido.

No entanto, a Ca de seguros da viatura que seguia no sentido contrário à viatura onde seguiam os três sinistrados assumiu a responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente de viação. Foi solicitado em 28/04/2016, à GNR - Destacamento de Trânsito, o envio de cópia da participação ou auto de noticia do acidente de viação, no entanto, devido à GNR ter informado que só procedia ao fornecimento de certidão do acidente (PART …/16) mediante o pagamento por cheque no valor de 75€, que não chegou a concretizar-se.

Foram igualmente instaurados os PAS n° …/2016 - Arnaldo ............... (…) e n° …/2016 – José ................, já concluídos.

Analisemos então os factos:

a) O guarda sinistrado Rui ................ tem indicado no seu processo individual, para efeitos de concessão de subsídio de renda de casa, residência na Ava ................, lote ....-2H-....-... Lisboa (Fis. 32 e 35), onde residia quando estava de serviço.

b) Tem igualmente residência na V............... - Arrifana, ....-... Vila Nova de Poiares e é nesta morada que reside com a família (esposa e filhos) para onde se desloca nas suas folgas.

c) O acidente de viação ocorreu no Km 78, da Estrada Nacional n° 1, sentido Norte - Sul (perto da localidade de Ataija de Cima, na freguesia de Aljubarrota-Alcobaça), pelas 5,55 horas, do dia 5 de Março de 2016, quando fazia o percurso da residência indicada em b) para o seu local de Trabalho (EP Caxias), acompanhado por mais dois guardas prisionais do mesmo EP e na viatura conduzida pelo guarda José .................

d) De acordo com a Escala de Serviço para o dia 5/03/2016, o guarda José ................ tinha de se apresentar ao serviço, às 7,45 horas, bem como os outros dois guardas prisionais, Rui ............... e Arnaldo ...............

e) A distância a percorrer da residência na Figueira da Foz até ao EP Caxias é de cerca de 230 km e demora habitualmente 2 horas e meia.

f) Era habitual o sinistrado gozar as folgas na residência familiar e o percurso que fazia habitualmente era este. Era igualmente habitual compartilhar a viatura com os dois outros guardas, que tinham residência na mesma zona.

Conclui-se então que:

Sendo o trabalhador obrigado a fazer o percurso necessário ao cumprimento da sua obrigação de trabalhar no lugar determinado pela sua entidade patronal e usando, para tanto, as vias de acesso e os meios de transporte disponíveis, justifica-se que os acidentes ocorridos neste percurso e no tempo habitualmente gasto para o percorrer, gozem da protecção própria dum acidente de trabalho. Por outro lado, estão abrangidos nesta previsão legal, os acidentes que se verifiquem no trajecto normalmente utilizado pelo trabalhador e durante o período de tempo habitualmente gasto entre a sua residencia habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho - alínea a), n° 2 do art.º 9.º da Lei 98/2009.

O acidente de viação ocorreu no trajecto entre a localidade onde o sinistrado passou os seus dias de folga e o EP Caxias, local para onde se dirigia para trabalhar. Admite-se portanto, que o acidente ocorreu no percurso normal entre o local de trabalho e o local da residência ocasional e podemos considerar que tenha ocorrido no tempo normal do percurso, tendo em consideração o local do acidente e o tempo necessário para percorrer os Km até Caxias e a hora da formatura (7,45 h) (vide Fls. 39).

Para que a conduta do sinistrado possa descaracterizar o acidente em serviço será necessário que ela corresponda a um comportamento doloso, grosseiramente negligente ou com privação permanente ou acidental do uso da razão (cfr. arts. 7.°, n.° 1, als., a), b) e c) da Lei n° 100/97).

Mas, ainda que se perfilhasse o entendimento quanto à imputação do acidente, não se poderia daí concluir pela descaracterização do acidente como em serviço. É que essa descaracterização só ocorreria se o comportamento do sinistrado fosse doloso ou grosseiramente negligente, não bastando a existência de mera culpa, que também não foi provada.

Assim, resultando da matéria fáctica provada que o acidente ocorreu no trajecto habitualmente utilizado pelo funcionário nas deslocações entre a sua residência ocasional e o seu local de trabalho e não estando provados quaisquer factos integrantes da descaracterização, deve concluir-se que o acidente deverá ser qualificado como acidente em serviço.

Deve ser ainda tido em consideração, que nos termos do art.° 46° do DL 503/99, a responsabilidade de terceiros, no caso, as companhias de seguros de ambas as viaturas envolvidas no acidente para as quais foi transferida a responsabilidade, designadamente a Ca de Seguros ............... que declarou estar a assumir a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do sinistro, pelo que os Serviços terão o direito de regresso de quaisquer quantias pagas.

4 - PROPOSTA

Propõe-se que:

- O acidente de viação de que foi vítima o guarda prisional Rui ..............., ocorrido em 5/03/2016, seja qualificado como acidente em serviço, nos termos do n.° 1 do art.° 7.° do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de Novembro e do n.° 1 do art.° 8 da Lei n.° 98/2009 de 4 de Setembro.

- Seja o mesmo presente à Junta Médica da CGA como proposto pela junta Médica da ADSE, uma vez que ao mesmo foi dada alta do presente acidente, com incapacidade permanente parcial.

- Sejam liquidadas as despesas que venham a ser apresentadas desde que decorrentes deste acidente e nos termos previstos no art° 46 e seguintes do DL 503/99» − cfr. documento de fls. 70 verso a 73 do processo físico, que se dá por reproduzido (realces no original);

T) Em 22 de Março de 2018, o Subdirector-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais proferiu despacho de concordância com a informação n.º …/AS/GJC/2018, da qual consta um projecto de decisão de não qualificação do acidente de viação sofrido pelo Autor em 5 de Março de 2016 como acidente de trabalho − cfr. documento de fls. 101 do processo físico, que se dá por reproduzido (realces no original);

U) Em 23 de Julho de 2018, o Gabinete Jurídico e de Contencioso da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais elaborou a informação n.º …/AS/GSC/2018, da qual resulta designadamente o seguinte:

«III - Apreciação:

5. Analisada a pronúncia do interessado em sede de audiência prévia, vemos que a mesma tem como principal foco o argumento de que o evento reúne os pressupostos para ser qualificado como acidente de serviço sendo assim subsumível ao disposto no artigo 8.º e artigo 9.º n.º 2 alínea b) da Lei n.° 98/2009 de 4 de setembro e artigo 7.º do Decreto-Lei 503/99 de 20/11.

6. A este propósito dir-se-á que a argumentação ora apresentada não se julga apta a inverter o entendimento expendido na informação n.º …/AS/GJC/2018.

7. É certo que o subsídio de renda de casa não se confunde com os pressupostos de qualificação do acidente de serviço, porem importa aferir, sem margem de dúvidas, se o trajeto se iniciou ou não da residência ocasional (em V.............../Arrifana), conforme é proposto e defendido pelo requerente.

8. Ora, conforme resulta do artigo 9.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT), o conceito de acidente "in itinere", não se esgota nos dois requisitos gerais, ou seja, que o acidente se verifique em trajeto normalmente utilizado, e durante o período de tempo que o trabalhador habitualmente gasta para o percorrer.

9. É necessário avaliar se o trajeto efetuado se subsume a um dos enumerados no n.º 2 do aludido preceito.

10. Logo, o evento para ser qualificado como acidente de trabalho tem que reunir todos pressupostos.

11. Ora, em sede audiência prévia, o requerente continua a defender a tese que a residência em V.............../Arrifana é designada de "residência de familia" e ocasional e alega a regularidade em deslocar-se para a mesma quando realizava trocas de serviço a fim de acumular folgas para poder estar com a família.

12. Tal como explicitado na informação que antecede e que aqui se reitera, considera-se que residência da Arrifana não pode ser entendida como ocasional, atendendo que estamos perante uma residência para onde o interessado se desloca habitualmente e não de forma imprevista ou fortuita.

13. Alias, Carlos Alegre [citando Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª edição, Almedina, p. 51] entende que a residência ocasional é ¯(...) aquela que por razões, as mais diversas, não é a residência habitual, mas que e imprevista ou fortuita".

14. Também, a este propósito, o Tribunal da Relação de Coimbra através de acórdao [refere-se ao Acórdão proferido no processo 802/08.3TTFAR.E1 de 01.01.2013, disponível em www.dgsi.pt] defende que a residência ocasional " (...) será aquela em que, pelas razões mais diversas, não é residência normal da pessoa, não é o lugar onde normalmente vive", considerando que a residência habitual "(...) consubstancia-se no local onde a pessoa singular vive e de onde se ausenta, em regra por períodos mais ou menos curtos (...) - Negrito nosso.

15. Ainda sobre o conceito de residência ocasional, entende o Prof. Mota Pinto [citando Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição atualizada, p. 262] o seguinte: "Sem dúvida que a residência habitual onde a pessoa vive normalmente, onde costuma regressar apás ausências mais curtas ou mais longas, nos fornece o critério do domicilio do artigo 82.°. Mas a residência pode ser ocasional, se a pessoa vive com alguma permanência, mas temporária ou acidentalmente, num certo local" - Negrito nosso.

16. Também, neste sentido, considera-se que a morada de Arrifana não subsume ao conceito de residência ocasional, pois não se divisa que a mesma seja temporária ou acidental.

17. Por outro lado, acresce referir que o requerente não faz prova nos autos quanto ao horário/escala de trabalho que pratica e que ateste que quando está de serviço se desloca habitualmente para a residência em Lisboa, tendo em conta que a considera como residência habitual.

18. Nestes termos, a questão subjacente permanece pois não se alcança de que forma a residência de Lisboa pode ser habitual e a residência em V.............../Arrifana pode ser ocasional.

19. Logo, os pressupostos para qualificar o evento como acidente de trabalho não estão reunidos.

20. Por último, relativamente à não entrega do original do BAM e a invocação do disposto no 117.º do C.P.A. dir-se-á que e ao trabalhador que incumbe a entrega do original do documento após receber alta clínica, entrega essa que não efectuou, nem mesmo quando agora apresentou a sua pronúncia em sede de audiência prévia.

21. Ora, nos termos do disposto no art. 12.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, constitui o BAM um documento imprescindível neste tipo de processos já que reflete todo o histórico clínico do sinistrado, desde o primeiro atendimento médico ate à data da alta, configurando a sua não entrega preterição de formalidade essencial, a qual obsta à qualificação dos factos enquanto acidente em serviço.

IV – Conclusão e proposta:

22. Em face do enunciado, afigura-se que, a argumentação expendida pelo requerente, em sede de audiência prévia, não se mostra suscetível de alterar a proposta de indeferimento, pelo que, salvo melhor entendimento, o evento não deve ser qualificado como acidente em trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro e no artigo 7.º do Decreto- Lei n.º 503/99 de 20 de novembro.

23. Nestes termos, as faltas dadas ao serviço deverão ser consideradas como doença e as despesas médicas e medicamentosas que eventualmente forem apresentadas deverão ser entregues pelo trabalhador na Companhia de Seguros ..............., tendo em conta que a mesma assumiu a responsabilidade pelos danos emergentes pelo sinistro.

24. Colhendo o entendimento expendido no despacho que vier a recair na presente informação, deve ser dado conhecimento ao E.P. de Caxias para notificação do requerente.

25. Por último, dever-se-á remeter o presente processo à Direção de Serviços de Recursos Humanos, para os devidos efeitos» − cfr. documento de fls. 101 a 104 do processo físico, que se dão por reproduzidas;

V) Em 24 de Julho de 2018, o Subdirector Geral de Reinserção e Serviços Prisionais decidiu não qualificar como «acidente em serviço/trabalho a ocorrência protagonizada pelo G.P. Rui ................ a 5/03/2016, nos termos legais em vigor» dando, para o efeito, por reproduzidos os fundamentos da informação n.º …/AS/GSC/2018, transcrita no parágrafo anterior − cfr. documento de fls. 101 do processo físico, que se dá por reproduzido;

W) Em 7 de Setembro de 2018, o Autor recorreu hierarquicamente do despacho de 24 de Julho de 2018, referido no parágrafo anterior, para a Ministra da Justiça − cfr. mensagem de correio electrónico de fls. 95 verso e documento de fls. 96 a 99 do processo físico, que se dão por reproduzidas;

X) Em 4 de Dezembro de 2018, a Direcção de Serviços Jurídicos e de Contencioso da Secretaria-Geral Do Ministério da Justiça elaborou a informação n.º I-SGMJ/2018/…., sobre o recurso hierárquico interposto pelo Autor, do qual resulta designadamente o seguinte:

«II - ENQUADRAMENTO FÁCTICO E JURÍDICO

3. Para melhor compreensão das razões subjacentes à presente impugnação administrativa importa reconstituir o iter conducente ao ato posto em crise, motivo pelo qual se procederá a um breve sinopse fáctica.

4. Em resumo, importa reter os seguintes aspetos:

a. Em 20 de maio de 2013 o recorrente requereu a atribuição do subsídio de renda de casa, declarando residir em Marvila/Lisboa;

b. Em 19 de setembro de 2017, fez juntar ao processo administrativo um ATESTADO emitido pela Presidente da Junta de Freguesia de Arrifana/Vila Nova de Poiares/Coimbra no qual se atesta que ¯(...) tem residência de família no lugar da V..............., nesta Freguesia de Arrifana, Concelho de Vila Nova de Polares";

c. Como consta do Relatório produzido no P.° de Inquérito n.° …/AS/2016, em 28 de novembro de 2017: "No dia 5 de março de 2016, pelas 5.50horas, na Estrada Nacional n.° 1 - no sentido Norte-Sul, a viatura que o guarda José ................ conduzia e em que iam também os outros 2 guardas prisionais Arnaldo ............... e Rui ..............., sofreu um acidente de viação, tendo sido abalroada por uma carrinha com a matricula (…), apólice n.° (…), da ............... Seguros. Nesta Seguradora corre o processo n.0 (…). Do acidente resultou a morte do condutor (José ................) e ferimentos nos outros dois ocupantes. A C.° Seguros ............... assumiu a responsabilidade dos danos decorrentes do sinistro;

d. Quando se encontra de folga desloca-se para a Arrifana, onde reside o cônjuge e filha;

e. No dia do acidente encontrava-se escalado para se apresentar ao serviço às 07:45;

f. A distância entre a Arrifana e o EP de Caxias é de cerca de 230 Km, demorando cerca de 2 horas e meia para fazer tal percurso;

g. Em regra gozava as folgas na Arrifana, compartilhando a viatura com dois colegas;

h. O assinalado Processo de Inquerito caracterizou o acidente como um acidente de servico in itinere, "(...) que o acidente ocorreu no percurso normal entre o local de trabalho e o local da residência ocasional e podemos considerar que tenha ocorrido no tempo normal do percurso.

i. Em 21 de março de 2018, pela Informação n.° …/AS/GJC/2018, o Gabinete Jurídico e de Contencioso da DGRSP pronunciou-se no sentido da descaracterizacão da ocorrência de 5 de março de 2016 como acidente de trabalho in itinere;

j. Convidado a pronunciar-se, o recorrente veio manifestar-se no sentido da caracterização do acidente como acidente de trabalho in itinere;

k. Pela Informação n.° …/AS/GJC/2018, de 23 de julho de 2018, e uma vez que em sede de audiência previa não foram trazidos factos novos, confirmou-se quanto se tinha dito na informação n.° …/AS/GJC/2018, de 21 de março de 2018, tendo o Subdiretor-Geral da DGRSP exarado o seu despacho de concordância em 24 de julho de 2017;

(…)

IV – APRECIAÇÃO

6. O thema decidendi do presente recurso hierárquico assenta na dilucidação da qualificação/caracterização da ocorrência do dia 5 de março de 2016 como acidente de trabalho in itinere.

7. Desde já se descarta a apreciação das questões atinentes à exibição do Botetim de Acompanhamento Médico (BAM), bem como ao horário/escala de trabalho do recorrente, por não relevarem para o entendimento que venha a ser sufragado.

8. (…)

9. (…)

10. (…)

11. (…)

12. O Código Civil tem um conceito deveras abrangente de “Domicílio" (residência), como se atesta com o inscrito no seu art.° 82.°, sob a epígrafe “Domicilio voluntário geral", que se extrata:

“1. A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente, em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles.

2. Na falta de residência habitual, considera-se domiciliada no lugar da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar

13. Nada impede que a pessoa possa ter mais do que um domicílio, sendo admissível que não haja coincidência entre o domicílio em sede do Código Civil e o domicílio fiscal.

14. Para a caracterização do sinistro ocorrido no dia 5 de março de 2016 é fundamental perceber o que é que o diploma regulador da matéria de acidentes de trabalho - Lei n.° 98/2009, de 4 de setembro - interessa recordar o que se escreve na alinea b) do n.° 2 do seu art.° 9.°: " A alinea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o periodo de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador”.

15. Está-se perante a extensão do conceito de acidente em trabalho, mais concretamente no domínio dos chamados acidentes de trabalho in itinere.

16. Ao longo dos anos, com o próprio evoluir do Estado Social, tem-se assistido ao alargamento da responsabilidade da entidade empregadora pelos danos sofridos pelos seus trabalhadores. De uma visão puramente restritiva chegou-se a uma perspetiva abrangente da responsabilidade do empregador para com o seu trabalhador, consolidando-se a ideia de que aquela responsabilidade é gerada a partir do momento em que o trabalhador deixa a sua residência/domicilio (habitual ou ocasional) e chega ao seu local de trabalho.

17. Foi-se construindo a ideia de que, a partir do momento em que o trabalhador se dirige para o trabalho ou que dele regressa para sua casa, se encontra sob a ¯esfera de influência, sob o controlo, do empregador.

18. Todavia, a questão objeto da presente apreciação - conceito de residência ocasional - tem de ser perspetivada de uma forma sistemática, em consonância com as mais elementares regras da boa hermenêutica.

19. O trabalhador em questão está integrado numa carreira especial - Corpo do Guarda Prisional (CPG) - sujeito a um elenco de direitos e deveres especiais, para alem dos comuns aos demais trabalhadores da Administração Pública.

20. Considerando a especificidade do seu conteúdo funcional, o pessoal do Corpo da Guarda Prisional tem residência obrigatória junto dos estabelecimentos prisionais, como ordena o n.° 1 do art.° 31.° da Lei Orgânica da DGRSP, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 215/2012, de 28 de Setembro

21. O Decreto-Lei n.° 74/93, 12 de maio, que aprovou o Estatuto Pessoal do CGP (EPCGP), dispõe no n.° 1 do art.° 28.°: “ 1 - O direito ao subsídio de renda de casa do pessoal do corpo da guarda prisional rege-se pelo disposto no Decreto-Lei n.° 140-B/86, de 14 de Junho.

22. Por outro lado, o artigo 31.° do EPCGP enuncia na alinea m) do seu n.° 1 que, entre os deveres do CGP, se encontra o de “m) Apresentar-se ao serviço, independentemente de convocação, sempre que situações de necessidade urgente exijam a sua presença‘‘;

23. Atenta a natureza e missão que norteiam o exercício de funções pelo pessoal do Corpo da Guarda Prisional deve atender-se que o pessoal em questão (o pessoal do CGP) deve estar sempre disponível “sempre que situações de necessidade urgente exijam a sua presença”.

24. E é precisamente para dar corpo a essa disponibilidade que se exige que aquele grupo de pessoal tenha residência a uma distância não superior a 90 km relativamente ao local em que exerce funções.

25. Dentro desse limite o guarda prisional pode ter residência principal, secundária ou ocasional, sendo certo que a que releva é aquela que declarou para efeitos de perceção do subsídio de renda.

26. É certo que a lei permite, para efeitos de caracterização de acidente de trabalho in itinere, que o trabalhador se encontre numa residência ocasional. Mas, como se refere na Informação n.° …/GJC/2018, de 1 de outubro de 2018, da DGRSP, onde, citando Carlos Alegre in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.a Edição, Almedina, fls. 51, diz que residência ocasional é “(...) aquela que por razões, as mais diversas, não é a residência habitual, mas que e imprevista ou fortuita.

27. Igualmente naquela Informação faz-se referência ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 1 de outubro de 2013, tirado no P.° 702/08.3TTFAR.E1, nomeadamente quando ali se diz: “Quanto à residência ocasional, será aquela em que, pelas razões mais diversas, não é a residência normal da pessoa, não é o lugar onde a pessoa normalmente vive.

28. Ora bem, da presente petição de recurso hierárquico respiga que o recorrente considera que tem residência habitual em Lisboa - na morada que forneceu para requerer o subsídio de renda - e residência ocasional em Arrifana.

29. Na Informação n.° …/AS/GJC/2018, de 21 de março de 2018, da DGRSP, dá-se conta que o recorrente, de harmonia com o horário praticado no EP de Caxias, tem 24 horas de trabalho, a que se seguem 48 horas de descanso.

30. Ouvido em Audiência Prévia o interessado veio esclarecer no art.° 3.° das suas Alegações que “Na verdade, à data dos factos, o interessado não obstante ter uma residência habitual sita em Lisboa, atendendo ao facto do seu agregado familiar, composto pela esposa e uma filha menor com menos de 2 anos de idade, residirem na casa de morada de família em V..............., Arrifana (residência ocasional) era motivo para com regularidade realizar trocas de serviço a fim de acumular folgas para poder estar com a sua família.

31. Por sua vez no art.° 4.° da petição de recurso acrescenta: “O que seria expectável, atendendo à filha menor do interessado, ter à data menos de 2 anos de idade e, a sua esposa estar sozinha, tendo o direito de conciliar a sua vida profissional com a familiar e desfrutar de tempo de qualidade com a sua família, conduta esperada por qualquer bonus pater familiae".

32. Dos segmentos ora transcritos pode concluir-se que, ao contrário do propugnado pelo impetrante, a casa da Arrifana não constitui uma residência ocasional, porquanto não configura uma residência imprevista ou fortuita.

33. Resta saber se a casa da Arrifana pode ser perspetivada como residência habitual. Eventualmente, se em causa não estivesse um trabalhador integrado numa carreira especial, poder-se-ia admitir que assim fosse vista.

34. Todavia, por análise ao GOOGLE MAP, vê-se que o percurso menos demorado entre Arrifana/V............... e Caxias, numa distância de 234 km, tem uma duração de duas horas e doze minutos.

35. Ora, como se assinalou oportunamente, o pessoal do CGP tem de residir, face á natureza das funções por si exercidas, a uma distância não superior a 90 km do seu local de trabalho.

36. Tendo dado a morada de Lisboa como residência habitual − com o propósito de auferir o subsídio de renda de casa − não poderia o recorrente indicar a casa da Arrifana também como residência habitual (principal ou secundaria). O seu Estatuto Professional a tal o impediria.

37. Perante este dilema, apenas restava ao suplicante a hipótese de invocar tratar-se da sua residência ocasional, hipótese esse que “branquearia” a circunstância de “residir a mais de 90 km do EP de Caxias, permitindo-lhe ver o sinistro de que foi vítima ser caracterizado como acidente de trabalho.

38. Acontece que o Direito, tal como qualquer outro ramo do saber, tem de ser visto numa perspetiva holística, o que, no caso vertente implica que o conceito de "residência ocasional previsto na alínea b) do n.° 2 do art.° 9.° da Lei n.° 98/2009, de 4 de setembro, não pode descartar a circunstância do recorrente pertencer ao CGP.

39. E, assim sendo, jamais a casa da Arrifana poderia ser tida como residência ocasional para os efeitos previstos no ponto anterior.

40. Afastada a caracterização como acidente de trabalho por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais, sucumbem, naturalmente, as patologias invocadas pelo recorrente, designadamente o vício de forma por falta de fundamentação, o vício de violação da lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, a ofensa ao princípio da legalidade e a violação ao conteúdo essencial de um direito fundamental (direito à justa reparação por acidentes de trabalho).

41. O ato posto em crise não é merecedor de qualquer censura, aderindo-se à pronúncia da Entidade Recorrida consubstanciada na Informação n.° …/GJC/2018, de 1 de outubro de 2018, da DGRSP.

V - CONCLUSÃO E PROPOSTA

Nestes termos, face ao que antecede, somos de sugerir que se proceda à confirmação do ato do Subdiretor-Geral da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de 24 de julho, que não qualificou a ocorrência de 5 de março de 2016 como acidente de trabalho in itinere relativamente ao guarda prisional Rui ................, a exercer funções no estabelecimento Prisional de Caxias.

(…)» − cfr. documento de fls. 76 a 80 do processo físico, que se dá por reproduzido;

Y) Em 10 de Dezembro de 2018, a Secretária de Estado Adjunta e da Justiça proferiu despacho com o seguinte teor:

«Despacho proferido ao abrigo da delegação de competências conferida pela Senhora Ministra da Justiça (Despacho n.° 977/2016, publicado na 2.a Serie do Diário da República n.° 13, de 20 de janeiro de 2016), no âmbito do processo n.° 6368/2018 - Recurso hierárquico interposto por Rui ................, guarda prisional.

Nos termos do disposto no n.° l do artigo 197.° do Código do Procedimento Administrativo, e com os fundamentos expostos na informação da Direção de Serviços Jurídicos e de Contencioso da Secretaria-Geral deste Ministério n.° I- SGMJ/2018/…., datada de 4 de dezembro de 2018, não concedo provimento ao recurso hierárquico interposto por Rui ................, guarda prisional, confirmando o ato recorrido, consubstanciado no despacho do Subdiretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de 24 de julho de 2018, que negou a qualificação de facto ocorrido com o recorrente como acidente em serviço» − cfr. documento de fls. 75 verso do processo físico, que se dá por reproduzido;

De entre os factos alegados, não se provaram quaisquer outros com relevância para a decisão da causa, atenta a causa de pedir.

E não se vislumbram factos alegados que devam considerar-se como não provados e relevantes para a decisão da causa.

A Motivação da decisão sobre a matéria de facto:

A decisão sobre a matéria de facto foi formada com base no exame dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, e das posições assumidas pelas partes nos seus articulados, tudo conforme discriminado nos vários parágrafos do probatório.



II.2. De direito

II.2.1. Do mérito do recurso

A sentença recorrida julgou procedente a acção, com base na seguinte fundamentação:

“(…)

A) DA QUALIFICAÇÃO DO ACIDENTE DE VIAÇÃO EM CAUSA NOS AUTOS COMO ACIDENTE DE SERVIÇO IN ITINERE

Atenta a natureza jurídica pública da Entidade demandada e a sua integração na administração directa do Estado, o presente litígio deve ser resolvido por aplicação do regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, na redacção introduzida pelo artigo 9.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro (doravante, “Decreto-Lei n.º 503/99”), como resulta da conjugação do artigo 1.º com o artigo 2.º, n.º 1, deste diploma.

Dispõe o artigo 4.º, n.º 1 do referido Decreto-Lei n.º 503/99 que os trabalhadores têm direito à reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais, nos termos previstos neste diploma. Encontra-se neste preceito a consagração de um regime de responsabilidade objectiva em sede de acidentes de trabalho, baseada no risco.

A responsabilidade pela reparação dos danos advenientes do acidente em serviço recai sobre o «empregador» (cfr. artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 503/99), sendo admissível a transferência desta responsabilidade para entidades terceiras autorizadas a realizar seguro de acidentes de trabalho apenas nos termos do artigo 45.º do referido diploma legal.

O âmbito indemnizatório da responsabilidade objectiva da entidade empregadora pública é definido, por um lado, por recurso à delimitação do conceito de acidente em serviço e, por outro lado, pela concretização legal dos danos ressarcíveis.

De acordo com o art. 7.° do Decreto-Lei n.º 503/99:

«Acidente em serviço é todo o que ocorre nas circunstâncias em que se verifica o acidente de trabalho, nos termos do regime geral, incluindo o ocorrido no trajecto de ida e de regresso para e do local de trabalho».

A norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.° daquele diploma, identifica o «regime geral» como sendo:

«O regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais constante da Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro, e legislação complementar».

Por sua vez, o artigo 8.° da Lei n.° 98/2009, de 4 de Setembro (doravante,”Lei n.º 98/2009”) − que procedeu à revogação da Lei n.° 100/87, de 13 de Setembro e regulamentou o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, nos termos do disposto no artigo 284.° do Código de Trabalho – define acidente de trabalho nos seguintes termos:

«1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.

2 - Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:

a) “Local de trabalho” todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador;

b) “Tempo de trabalho além do período normal de trabalho” o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interruções normais ou forçosas de trabalho».

O artigo 9.° do mesmo diploma legal estabelece ainda que:

1 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:

a) No trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte;

b) Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para o empregador;

c) No local de trabalho e fora deste, quando no exercício do direito de reunião ou de actividade de representante dos trabalhadores, nos termos previstos no Código do Trabalho;

d) No local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa do empregador para tal frequência;

e) No local de pagamento da retribuição, enquanto o trabalhador aí permanecer para tal efeito;

f) No local onde o trabalhador deva receber qualquer forma de assistência ou tratamento em virtude de anterior acidente e enquanto aí permanecer para esse efeito;

g) Em actividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação do contrato de trabalho em curso;

h) Fora do local ou tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo empregador ou por ele consentidos.

2 - A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador:

a) Entre qualquer dos seus locais de trabalho, no caso de ter mais de um emprego;

b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho;

c) Entre qualquer dos locais referidos na alínea precedente e o local do pagamento da retribuição;

d) Entre qualquer dos locais referidos na alínea b) e o local onde ao trabalhador deva ser prestada qualquer forma de assistência ou tratamento por virtude de anterior acidente;

e) Entre o local de trabalho e o local da refeição;

f) Entre o local onde por determinação do empregador presta qualquer serviço relacionado com o seu trabalho e as instalações que constituem o seu local de trabalho habitual ou a sua residência habitual ou ocasional.

3 - Não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajecto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.

4 - No caso previsto na alínea a) do n.º 2, é responsável pelo acidente o empregador para cujo local de trabalho o trabalhador se dirige».

Face a este quadro legal, constata-se, antes de mais, que a qualificação de um determinado sinistro sofrido por um trabalhador em funções públicas como acidente de trabalho depende da integração dos mesmos pressupostos que qualificam uma ocorrência como acidente de trabalho para a generalidade dos trabalhadores, inexistindo qualquer especificidade decorrente da natureza da relação jurídica de emprego público.

Verifica-se ainda que, também no seio das relações jurídicas de emprego público, o conceito nuclear de acidente de trabalho é aquele que ocorre no local e no tempo de trabalho e produz, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou mesmo a morte (cfr. artigo 8.°, n.° 1, da Lei n.° 98/2009, de 4 de Setembro, aplicável por remissão dos artigos 3.°, n.° 1, alínea a), e 7.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de Novembro). Pode, por isso, afirmar-se que este conceito nuclear assenta em dois pilares fundamentais, a saber: o local de trabalho e o tempo de trabalho.

Do disposto no artigo 8.°, n.° 2, alínea a), do citado diploma, decorre que o local de trabalho deve ser entendido em sentido amplo, na medida em que abrange quer o local onde o trabalhador se encontre a prestar a sua actividade intelectual ou manual a favor de outrem, sob a respectiva direcção e autoridade, quer o local para onde deva dirigir-se por força desse trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo da entidade empregadora. Assim sendo, o «local de trabalho» juridicamente relevante inclui não apenas as instalações ou estabelecimento do empregador, mas igualmente outras situações em que o local de trabalho é disperso ou móvel (cfr. neste sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II — Situações Laborais Individuais, 2014, 5.a edição, pp. 495 a 502 e 874).

Decorre igualmente do normativo vertido no artigo 8.°, n.° 2, alínea b), do mesmo diploma, que o «tempo de trabalho» juridicamente relevante deve ser entendido em sentido amplo, abrangendo quer o período normal de trabalho, quer o período que o precede ou sucede imediatamente, gasto em actos relacionados com a prestação de trabalho e, bem assim, as interrupções normais ou forçosas de trabalho. Bem ao contrário, não é de considerar como tempo de trabalho o período de descanso diário ou semanal do trabalhador, os feriados, as férias, as faltas e as licenças (Cfr. neste sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado ..., Parte II — Situações Laborais Individuais, cit., pp. 571 a 546, 590 a 651 e 876.).

Para além deste conceito nuclear, o artigo 9.° da Lei n.° 98/2009, de 4 de Setembro, procede à extensão do conceito de acidente de trabalho, como forma de abarcar outras situações que devem, igualmente, ser imputadas à responsabilidade da entidade empregadora porque relacionadas ainda com a prestação de trabalho. Entre elas, encontra-se a expressa consagração dos designados acidente de trabalho in itinere, no trajecto ou no percurso, que correspondem aos acidentes ocorridos nos trajectos de ida e de volta do seu local de trabalho (cfr. artigo 9.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro).

Sobre esta extensão do conceito nuclear de acidente de trabalho, o entendimento uniforme e reiterado da jurisprudência dos tribunais da jurisdição comum tem sido o seguinte:

«(...) Para que se esteja em face de um acidente de trajecto indemnizável, já não exige o legislador o preenchimento daqueles exigentes requisitos da lei anterior [refere-se à Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965], bastando para tanto que o acidente ocorra no trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto para o percorrer.

Trata-se da consagração das modernas teorias que consideram que o risco de acidentes neste percurso é inerente ao cumprimento do dever que incumbe ao trabalhador de comparecer no lugar de trabalho, para nele executar a prestação resultante do contrato de trabalho, constituindo assim uma das suas obrigações instrumentais ou acessórias.

Por isso, sendo o trabalhador obrigado a fazer o percurso necessário ao cumprimento da sua obrigação de trabalhar no lugar determinado pela sua entidade patronal e usando, para tanto, as vias de acesso e os meios de transporte disponíveis, justifica-se que os acidentes ocorridos neste percurso e no tempo habitualmente gasto para o percorrer, já gozem da protecção própria de um acidente de trabalho, conforme prescrevia o artigo 6.°, n.º 2, do DL n.º 143/99, de 30/04» (Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2011 (processo n.º 4581/07.0TTLSB.L1.S1), de 26 de Outubro de 2011 (processo n.° 154/06.2TTCTB.C1.S1) com uma resenha sobre a evolução legislativa em matéria de acidentes in itinere, de 25 de Setembro de 2014 (processo n.° 771/12.1 TTSTB.E1.S1) e de 18 de Fevereiro de 2016 (processo n.° 375/12.9TTLRA.C1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt.).

Neste contexto, o n.° 2 do artigo 9.º da Lei n.º 98/2009 vem, depois, enumerar os diferentes tipos de trajectos que são relevantes para efeitos da qualificação de um sinistro como acidente de trabalho in itinere, desde que correspondam a percursos normalmente utilizados e durante o percurso de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador.

De notar que os conceitos de normalidade e habitualidade devem ser encarados com alguma flexibilidade, pois como refere Júlio Manuel Vieira Gomes (Cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes, O Acidente de Trabalho - O Acidente in Itinere e a sua Descaracterização, 2013, pp. 171 e 172.):

«(...) frequentemente existirão vários trajectos normais (...). O trajecto normal não será necessariamente o mais curto e poderá variar em função das condições meteorológicas, da situação de trânsito, do meio de locomoção utilizado, da situação física ou do estado do trabalhador».

Portanto, na análise do percurso utilizado pelo trabalhador e do tempo que gastou a efectuá-lo deve adoptar-se, necessariamente, o critério do bonus pater familias, ou seja, atender à diligência exigível a um homem médio colocado na posição concreta do trabalhador (Cfr. neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Dezembro de 2012 (processo n.° 252/10.8 TTLSB.L1-4) e de 18 de Junho de 2014 (processo n.° 743/09.3 TTALM.L1- 4), disponíveis em www.dgsi.pt.).

Sem prejuízo, à luz do disposto no artigo 9.°, n.° 3, do mesmo diploma, as interrupções do trajecto normalmente utilizado ou os respectivos desvios não afastam a qualificação do sinistro sofrido pelo trabalhador como acidente de trabalho, desde que sejam determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador ou por motivo de força maior ou de caso fortuito. Citando novamente Júlio Manuel Vieira Gomes( Cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes, O Acidente de Trabalho..., cit., 2013, p. 175. ), serão necessidades atendíveis do trabalhador:

«(...) desde logo, as necessidades da vida pessoal e familiar do trabalhador que a nossa Lei, aliás, nao exige sequer que sejam urgentes ou de satisfação imprescindível».

Consequentemente, nada obsta a que o percurso normal seja alterado ou que o tempo habitual seja alargado em função das referidas circunstâncias, uma vez que os desvios ou interrupções efectuados reflectem-se, invariavelmente, sobre o percurso escolhido e sobre o tempo despendido a efectuá-lo (Cfr. neste sentido, os Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Março de 2007 (processo n.° 06S3957), de 25 de Setembro de 2014 (processo n.° 771/12.1 TTSTB.E1.S1); o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Dezembro de 2012 (processo n.° 252/ 10.8TTLSB.L1-4) e o Acórdão do Ttibunal da Relação de Évora de 11 de Outubro de 2011 (processo n.° 412/05.3TTFAR.E1), disponíveis em www.dgsi.pt.).

É no contexto deste quadro legal que deve ser analisada e decidida a concreta questão suscitada nos presentes autos: a de saber se o acidente de viação ocorrido em 5 de Março de 2016 (cfr. parágrafo G) do probatório) merece a qualificação como acidente em serviço.

Atenta a sucessão de factos assentes, constata-se que não se pode enquadrar o acidente sofrido pelo Autor no conceito nuclear de acidente em serviço, nos termos do artigo 8.°, n.° 1 e n.º 2, alínea a), da Lei n.° 98/2009, aplicável por remissão dos artigos 3.°, n.° 1, alínea a), e 7.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 503/99, uma vez que o mesmo ocorreu na via pública, longe das instalações que constituem o local de trabalho.

Resta no entanto aferir se aquele evento ocorrido em 5 de Março de 2016 é integrável na previsão normativa do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea b), da Lei n.º 98/2009, ou seja, se é um acidente ocorrido «no trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste» «entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho».

Em primeiro lugar, não há dúvidas sobre a localização do local de trabalho do Autor: situa-se no Estabelecimento Prisional de Caxias (cfr. parágrafo A) do probatório).

Em segundo lugar, é indiscutível, face à matéria de facto provada, que, naquela manhã de 5 de Março de 2016, o Autor se deslocava para esse local de trabalho tendo iniciado o seu trajecto numa casa sita na freguesia da Arrifana, Vila Nova de Poiares. É o que resulta da participação do acidente em serviço elaborada no próprio dia do acidente de viação (cfr. parágrafo G) do probatório), mas também da factualidade apurada no relatório do processo de inquérito n.º …/AS/2016 (cfr. parágrafo S) do elenco da matéria assente) e da factualidade dada por assente na informação n.º I-SGMJ/2018/…., de 4 de Dezembro de 2018, elaborada pela Direcção de Serviços Jurídicos e de Contencioso da Secretaria - Geral do Ministério da Justiça, que contem a fundamentação do despacho da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, de 10 de Dezembro de 2018, que indeferiu o recurso hierárquico instaurado pelo Autor (cfr. parágrafos X e Y) do probatório).

Em terceiro lugar, resulta provado nos autos que o Autor sofreu o acidente de viação pelas 05h50m do dia 5 de Março de 2016 (cfr. parágrafos G) e S) do probatório); dia em que estava escalado para o serviço diurno e para o serviço nocturno na zona prisional do Estabelecimento Prisional de Caxias (cfr. parágrafo F) do elenco da matéria de facto assente).

Por outro lado, resulta demonstrado nos autos que o acidente de viação ocorreu ao Km 78 da Estrada Nacional n° 1 - sentido Norte-Sul, perto da localidade de Ataija de cima, na freguesia de Aljubarrota - Alcobaça (cfr. parágrafos G) e S) do probatório).

Ora, ficou provado no procedimento administrativo que, usualmente, quando regressava das folgas gozadas nesta casa sita na Arrifana, no concelho de Vila Nova de Poiares, percorria o trajecto pela Estrada Nacional n.º 1, no sentido Norte-Sul para se deslocar até ao local de trabalho (cfr. o referido relatório de inquérito transcrito no parágrafo S) do probatório). Atendendo a que este percurso é um dos possíveis trajectos de acesso da zona Norte à zona Sul do país, tudo aponta para que se trate de um trajecto normalmente utilizado entre aquela casa sita na Arrifana e o local de trabalho, no sentido de que corresponde a uma trajecto que qualquer trabalhador médio, colocado na posição do Autor, poderia escolher para chegar ao local de trabalho.

Por último, decorre do procedimento administrativo que a distância a percorrer entre a casa do Autor sita na Arrifana, concelho de Vila Nova de Poiares e o Estabelecimento Prisional de Caxias é de cerca de 230 kms, demorando cerca de 2 horas e meia a ser percorrido (cfr. relatório de inquérito n.º …/AS/2016 transcrito no parágrafo S) do elenco da matéria assente). E que, de acordo com a escala de serviço, o Autor tinha que apresentar-se ao serviço às 7h45 desse dia 5 de Março de 2016 (cfr. parágrafos F) e S) do probatório). Pelo que é de concluir que o acidente de viação em causa nos autos ocorrido às 5h50m teve lugar no período de tempo habitualmente gasto na deslocação entre aquela casa da morada de família na Arrifana e o seu local de trabalho.

Verificados todos os demais pressupostos da caracterização do acidente de viação em causa nos autos como acidente in itinere, cabe apenas aferir se a casa de morada de família que o Autor tem na freguesia de Arrifana, Concelho de Vila Nova de Poiares (cfr. parágrafo R) do probatório) pode ser ponto de partida juridicamente relevante do «trajecto de ida para o local de trabalho», designadamente se constitui «residência habitual» ou «residência ocasional» do Autor, nos termos e para os efeitos da previsão normativa do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea b) da Lei n.º 98/2009. [carregado nosso]

Como bem refere a Entidade demandada é este o epicentro do presente litígio e a questão com base na qual a Entidade demandada descaracteriza o referido evento como acidente em serviço reside na qualificação do local em que o Autor iniciou o «trajecto de ida para o local de trabalho».

Apreciando.

Como decorre do artigo 82.° do Código Civil, a pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual, podendo, caso resida alternadamente em diversos lugares, ter-se por domiciliada em qualquer deles. Assim, a residência habitual do trabalhador tanto pode ser a residência principal, onde habita a maior parte dos dias ou a residência secundária, onde reside apenas uma parte do tempo, e de onde parte directamente para o trabalho.

O mesmo artigo 82.º do Código Civil dispõe que, na falta de residência habitual, a pessoa singular considera-se domiciliada no lugar da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar em que se encontrar.

Não obstante o Código Civil se refira ao conceito de «domicílio» e regule inclusivamente alguns domicílios especiais nos artigos 83.º a 88.º, não foi por referência ao conceito de «domicílio», quer geral, quer especial, que o legislador do regime jurídico dos acidentes de trabalho – e dos acidentes ao serviço de entidades empregadoras públicas por força remissão operada pela conjugação das normas do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), e do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 503/99 – regulou a figura do acidente in itinere.

Como refere Pedro Pais de Vasconcelos (Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2008, 5.ª edição, p. 100.):

«O conceito de domicílio é de carácter normativo, o que se traduz em o domicílio ser aquele local onde o Direito considera ser a sede da pessoa, embora esse local possa eventualmente não coincidir com a sua efectiva e real localização. É o local onde, para efeitos jurídicos, ou para certos efeitos jurídicos, o Direito tem a pessoa como localizada. Para a fixação desta localização, o Direito não pode ignorar – e efectivamente não ignora – a real localização da pessoa, mas não fica completamente preso a essa localização, podendo fixar domicílios especiais, para certos efeitos restritos, em que a real localização da pessoa cede perante outras razões objectivamente e juridicamente relevantes».

Dito de outro modo: para efeitos jurídicos da determinação do conceito de acidente in itinere, o quadro legal aplicável não atribuiu relevância jurídica ao local que o Direito fixou como domicílio geral ou especial do trabalhador em funções públicas – i.e., o local onde o trabalhador se considera juridicamente domiciliado. Antes recorreu às noções de “residência habitual e “residência ocasional, recolhendo da vida e da natureza das coisas os diversos critérios de fixação e localização da pessoa singular, com o propósito evidente de abarcar os diversos pontos de partida (e de chegada) potenciais do trajecto de ida para o local de trabalho (e de regresso deste). Tudo porque, o ponto de partida e o fio condutor do conceito de acidente no percurso é ainda o ocorrido «No trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste» (cfr. artigo 9.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 98/2009). [sublinhado nosso]

Desde logo, é por isso que, não apenas a «residência habitual» − que constitui o critério de determinação do domícilio geral de uma pessoa singular −, mas também a «residência ocasional» é considerada como fim ou início do trajecto juridicamente relevante nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea b), da Lei n.º 98/2009 .

Pedro Pais de Vasconcelos (Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2008, 5.ª edição, p. 100.) refere que:

«A residência habitual situa-se no local onde a pessoa fixa o centro da sua vida pessoal e onde habitualmente reside».

Como refere Mota Pinto (Cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição actualizada, p. 262.):

«Sem dúvida que a residência habitual onde a pessoa vive normalmente, onde costuma regressar após ausências mais curtas ou mais longas, nos fornece o critério do domicílio do artigo 82.º [do Código Civil]».

E, por isso, a contrario sensu, cabe concluir, como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 1 de Janeiro de 2013 (Cfr. Acórdão extraído no processo n.º 702/08.3TTFAR.E1, disponível em www.dgsi.pt.) que:

A residência ocasional «(…) será aquela que, pelas razões mais diversas, não é a residência normal da pessoa, não é o lugar onde normalmente vive» (realce inexistente no original).

Dir-se-á, por isso, que o conceito de residência ocasional é essencialmente detectável por via de uma delimitação negativa: é uma residência da pessoa singular que não é a habitual, que não é aquela em que a pessoa singular normalmente habita. Mas, necessariamente, para ser uma residência – ainda que ocasional – tem que ser um local em que a pessoa singular resida com alguma permanência. Por isso mesmo, Mota Pinto (Cfr. Mota Pinto, Teoria Geral…, cit., p. 262.) define residência ocasional nos seguintes termos:

«A residência pode ser ocasional, se a pessoa vive com alguma permanência, mas temporária ou acidentalmente, num certo local» (realce inexistente no original).

Ou seja, contrariamente ao entendimento adoptado no despacho de 24 de Julho de 2018 do Subdirector-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, impugnado nos autos, e bem assim no despacho da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça de 10 de Dezembro de 2018 – expressamente afirmado parágrafo 12. da informação n.º …/AS/GJC/2018, que serve de fundamento ao primeiro (cfr. parágrafos U) e V) do probatório) e no parágrafo 32. da informação n.º I-SGMJ/2018/…. que serve de fundamento ao segundo (cfr. parágrafos X) e Y) do probatório) – a qualificação de uma residência como ocasional não pressupõe necessariamente o seu carácter acidental, imprevisto ou fortuito. A residência ocasional é, tão-somente, aquela que não é o lugar onde a pessoa singular normalmente habita. E, por isso mesmo, também é residência ocasional aquela que, não sendo acidental, seja, ainda assim, o local em que a pessoa singular habita temporariamente.

É justamente o caso da casa de morada de família do Autor, sita na Arrifana, em Vila Nova de Poiares (cfr. parágrafo R) do probatório).

Com efeito, resulta da factualidade provada que, à data do acidente, o Autor tinha residência na freguesia de Marvila, concelho de Lisboa (cfr. parágrafo J) do probatório) e que, como ficou assente no processo de inquérito n.º …/AS/2016, esse era o local em que residia quando estava de serviço do Estabelecimento Prisional de Caxias (cfr. relatório do processo de inquérito transcrito no parágrafo S) do probatório). Donde, é inegável que estamos perante uma residência do Autor.

Resulta igualmente da factualidade provada nos autos, que a residência sita na Arrifana é o local onde residem a esposa e a filha do Autor, e para o qual este se deslocava nas suas folgas (cfr. parágrafo K) do probatório). Isso mesmo resulta provado no processo de inquérito n.º …/AS/2016 (cfr. relatório transcrito no parágrafo S) do probatório) e é expressamente assumido como pressuposto na decisão impugnada nos autos (cfr. parágrafos 11 e 12 da informação n.º …/AS/GJC/2018 acolhida pelo despacho de 24 de Julho de 2018, impugnado nos autos – parágrafos U) e V) do probatório). Ou seja, estamos manifestamente perante uma outra residência do Autor.

E assumindo que o Autor está mais tempo em serviço do que de folga – como é da natureza da organização da nossa vida social e laboral –, parece líquido que a residência em Marvila, concelho de Lisboa, é a aquela onde habitualmente reside, merecendo a qualificação de residência habitual. Já a residência sita na Arrifana, concelho de Vila Nova de Poiares, é aquela em que − mercê da distância face ao local de trabalho do Autor −, este não reside habitualmente. Sendo esta a razão – de entre as mais diversas possíveis – que justifica que o Autor ali não resida habitualmente. Mas tratando-se de uma residência em que o Autor (também) reside, embora temporariamente, merece a qualificação de residência ocasional.

É justamente este o entendimento subjacente ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Outubro de 2011 (Cfr. Acórdão extraído no processo n.º 154/06.2TTCTB.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, em que o acidente de viação em causa não recebeu a qualificação de acidente in itinere apenas porque não ocorreu no tempo normal do percurso de regresso do trabalho para a residência ocasional do trabalhador sinistrado.), em que, perante uma hipótese em que o trabalhador reside habitualmente em instalações da empresa empregadora e desloca-se ao fim de semana para a sua residência sita no Fundão, aquele Tribunal concluiu que o acidente de viação ocorrido no trajecto entre o local de trabalho e esta residência no Fundão, onde se deslocava para passar o fim de semana, correspondia a um «acidente ocorr[ido] no trajecto entre o local de trabalho e o local da residência ocasional».

Contra o que agora se deixa dito, é insubsistente o argumento que a Entidade demandada – e o acto impugnado – extrai do dever de residência obrigatória junto dos estabelecimentos prisionais que recai sobre o pessoal do Corpo da Guarda Prisional, nos termos do artigo 31.º, n.º 1, da Lei Orgânica da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 215/2012, de 28 de Setembro (doravante, ¯Lei Orgânica da DGRSP) e do artigo 22.º do Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional aprovado pelo Decreto- Lei n.º 3/2014, de 9 de Janeiro (doravante, ¯EPCGP). [sublinhado nosso]

Senão vejamos.

Antes de mais, cumpre referir que a contrapartida devida ao pessoal do Corpo da Guarda Prisional pela titularidade da referida obrigação de residência obrigatória consubstancia-se num suplemento de renda de casa (cfr. artigo 54.º do EPCGP) (Cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27 de Janeiro de 2011 (processo n.º 602/06.1BECBR), disponível em www.dgsi.pt.). E o direito a esse subsídio de renda de casa foi densificado pelo Despacho do Ministro da Justiça n.º 47A/MJ/97, publicado no Diário da República, II Série, n.º 62, de 14 de Março de 1997, estabelecendo este despacho que o subsídio de renda de casa, correspectivo da referida obrigação de residência obrigatória junto dos estabelecimentos prisionais e regulado pelo Decreto-Lei n.º 140-B/86, de 4 de Junho, só é devido ao funcionário da DGRSP:

«(…) que não disponha de alojamento no interior do próprio estabelecimento prisional e fixe residência permanente em localidade que se situe a uma distância não superior a 50 km relativamente ao local em que exerce funções» (cfr. parágrafo 1. do despacho n.º 47A/MJ/97).

Ora, da Lei Orgânica da DGRSP e, bem assim, do EPCGP e do Despacho n.º 47A/MJ/97 não resulta, de modo algum, que os trabalhadores desta carreira especial estejam impedidos de ter uma residência ocasional ou, sequer, uma residência habitual secundária. Nem, tão pouco, resulta desse quadro legal uma limitação à localização geográfica de tais residências ocasional ou habitual secundária. Dito de outro modo: o cumprimento do dever de residência obrigatória a uma determinada distância do estabelecimento prisional em que presta funções é perfeitamente compatível com a titularidade de um direito real sobre uma outra residência ocasional – ou, sequer, principal secundária – do membro do Corpo da Guarda Prisional, situada a mais de 50 kms do local de trabalho. [sublinhado e carregado nosso]

Em bom rigor, o conceito de «residência obrigatória junto do estabelecimento prisional» (ou «da unidade orgânica onde exerce funções») que emerge do artigo 31.º, n.º 1, da Lei Orgânica da DGRSP e do artigo 22.º do EPCGP não se encontra densificado. Já que daquele Despacho n.º 47A/MJ/97 resultam apenas as condições do direito ao abono do suplemento de renda de casa, como decorre, aliás, do teor literal do artigo 22.º do EPCGP e foi decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27 de Novembro de 2011, no qual nos louvamos (Cfr. Acórdão extraído no processo n.º 602/06.1BECBR, disponível em www.dgsi.pt.). Mas mesmo recorrendo à densificação resultante deste Despacho n.º 47A/MJ/97, a verdade é que ele apenas exige que o membro do Corpo da Guarda Prisional fixe «residência permanente» a uma distância não superior a 50 km do estabelecimento prisional em que exerce funções, não impondo, de modo algum, que essa seja a residência única do trabalhador, nem proibindo que este mantenha uma residência ocasional ou, sequer, uma residência habitual secundária, a uma distância superior do mesmo estabelecimento prisional.

Assim sendo, cabe concluir que a casa do Autor na Arrifana, concelho de Vila Nova de Poiares, é ponto de partida juridicamente relevante do «trajecto de ida para o local de trabalho», nos termos e para os efeitos da previsão normativa do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea b) da Lei n.º 98/2009.

Resta dizer que deve-se à Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965 – depois revogada pela Lei n.º 100/97, de 13 de Agosto, a qual foi substituída pela (actual) Lei n.º 98/2009 –, a consagração legal da figura dos acidente de trabalho in itinere como acidente de trabalho indemnizável em algumas circunstâncias específicas. Na sua antecessora, a Lei n.º 1942, de 27 de Julho, de 1936, os acidentes no percurso não constavam no elenco dos acidentes cujos danos seriam ressarcíveis. A Proposta de Lei de 1965, que deu lugar à referida Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, justifica a previsão legal dos acidentes in itinere com a ideia de que, tal como acontece com o sinistro ocorridono local de trabalho, também o acidente de trajecto tem conexão com a prestação do trabalho, visto que ocorre durante um acto preparatório ou subsequente, indispensável aquela prestação (Cfr. Ministério das Corporações e Previdência Social, Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais: Proposta de Lei, Lisboa, 1965, pp. XIX-XX.). Inexistiria, por isso, razão para diferenciar entre o acidente in itinere e o ocorrido durante o exercicio específico da actividade laboral. A esse respeito, refere Maria Manuela Aguiar (Cfr. Maria Manuela Aguiar, «Acidentes in itinere», Estudos Sociais e Corporativos, Ano VII, n.º 25, 1968, p. 69.):

«O trabalhador é chamado a realizar essa viagem e a comparecer no lugar pré-estabelecido, através das vias de acesso e transportes disponíveis, sem o que a entidade patronal não pode contar com a sua colaboração. Assim, não será muito forçado dizer, sempre que um acidente o atinge quando está em razão do seu trabalho, no cumprimento de um comando − se não expresso, implícito − impedido de livremente delinear as suas acções e de se subtrair ao evento danoso, subsiste a ocasião de trabalho».

E é precisamente porque é esta a razão de ser do instituto do acidente in itinere que não se afigura possível excluir o evento em causa nos autos da sua integração neste conceito. Visto que é evidente que, não fora a necessidade de se deslocar até ao seu local de trabalho, no Estabelecimento Prisional de Caxias, e de lá estar na hora de entrada ao serviço, o Autor não estaria a empreender aquele trajecto naquele dia e hora em que ocorreu o acidente de viação. Donde, não resta senão concluir que existe um nexo de causalidade entre o acidente e a relação de emprego público que o Autor mantém com a Entidade demandada. Ora, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 2009 (Cfr. Acórdão extraído no processo n.º 455/04.4TTLMG.S1, disponível em www.dgsi.pt. Cfr., no mesmo sentido, Avelino Mendonga Braga, «Responsabilidade Patronal...», cit., Revista da Ordem dos Advogados, Ano 7, n.°s 3 e 4, 1947, p.184.):

«É a teoria do risco economico ou de autoridade que está subjacente ao conceito de acidente de trabalho contido no artigo 8.° [da Lei n.º 98/2009].

O conceito de acidente de trabalho contido naquele normativo não exige a existencia de um nexo de causalidade entre o acidente e a prestação do trabalho propriamente dita; apenas exige um nexo de causalidade entre o acidente e a relação laboral».

Dito de outro modo: verificando-se, no caso dos autos, as mesmas razões de ser que justificam a criação da figura do acidente in itinere e cabendo ao intérprete e aplicador da Lei reconstituir a partir dos textos legais o pensamento legislativo, logo se conclui que o elemento teleológico não justifica outra solução que não seja a subsunção do acidente em causa nos autos nesse conceito.

Aliás, o resultado a que conduz o entendimento contrário, propugnado pela Entidade demandada, demonstra per se a sua incorrecção. Com efeito, a proceder este entendimento e verificados os demais pressupostos aplicáveis, um acidente de viação ocorrido no trajecto de ida de um alojamento hoteleiro em que o trabalhador tivesse passado um fim-de-semana até ao seu local de trabalho seria qualificado como acidente in itinere, atento o carácter fortuito ou imprevisto deste local de residência, que assim mereceria a qualificação de ocasional. Mas o mesmo acidente, nas mesmas condições, ocorrido no trajecto entre a casa de férias do mesmo trabalhador e o seu local de trabalho já não mereceria a qualificação de acidente in itinere, já que, atenta a regularidade das deslocações à dita casa de férias, essa residência não seria ocasional.

Em conclusão: não restam dúvidas de que o acidente de viação ocorrido em 5 de Março de 2016 enquadra-se no conceito de acidente de trabalho in itinere, em conformidade com o disposto no artigo 9.°, n.° 1, alínea a), e n.° 2, alínea b), da Lei n.° 98/2009, na medida em que o Autor só se encontrava no local onde sofreu o acidente e à hora em que ocorreu o sinistro, por ter adoptado o trajecto normalmente utilizado entre a sua residência ocasional e o local de trabalho, e pelo tempo habitualmente gasto nesse trajecto.

Verificados que estão todos os requisitos para que o sinistro sofrido pela Autor seja qualificado como um acidente em serviço in itinere, cabe concluir que o despacho de 24 de Julho de 2018 do Subdirector-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, impugnado nos autos, e bem assim, o despacho da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça de 10 de Dezembro de 2018 incorreram em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, mais concretamente na interpretação e aplicação do regime vertido no artigo 9.°, n.° 1, alínea a), e n.° 2, alínea b), da Lei n.° 98/2009, aplicável por remissão do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), e do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 503/99.

B) DA EXIGIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO DO ORIGINAL DO BOLETIM DE ACOMPANHAMENTO MÉDICO E DAS CÓPIAS DO HORÁRIO/ESCALA POR PARTE DO AUTOR

Embora o despacho da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça de 10 de Dezembro de 2018 descarte a apreciação das questões atinentes à exibição do Boletim de Acompanhamento Médico, bem como de cópia do horário/escala do trabalhador, a verdade é que o despacho de 24 de Julho de 2018 do Subdirector- Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, impugnado nos autos, na sua fundamentação vertida na informação n.º …/AS/GJC/2018, faz referência a estas duas questões.

Por um lado, refere que o Autor não fez prova nos autos quanto ao horário/escala de trabalho que pratica «e que ateste que quando está de serviço se desloca habitualmente para a residência de Lisboa, tendo em conta que a considera como residência habitual» (cfr. parágrafo 17 da informação transcrita no parágrafo U) do probatório). Por outro lado, menciona que o Autor não procedeu à entrega do original do boletim de acompanhamento médico e que lhe cabia proceder a essa entrega após a alta clínica, sendo este um documento imprescindível cuja falta de entrega constitui preterição de uma formalidade essencial, a qual obsta á qualificação dos factos como acidente em serviço.

O Autor alega que, contrariamente ao afirmado no acto impugnado, procedeu à entrega do original do boletim de acompanhamento médico com excepção da folha de rosto, da qual entregou mera cópia por força do extravio do original. E que ao abrigo do princípio do inquisitório, a Entidade demandada devia ter solicitado quer esse elemento, quer o horário/escala de serviço do Autor, ao próprio ou à unidade orgânica em que o mesmo presta serviço.

Na sua contestação, a Entidade demandada descarta expressamente a análise destas questões, que qualifica como «uma verdadeira minudência jurídica, sem qualquer relevo para a apreciação da questão vertente».

E com inteira razão.

Em boa verdade e na economia do presente processo, o Autor não tinha que atestar «que quando está de serviço se desloca habitualmente para a residência de Lisboa», como resulta do parágrafo 17 da informação que sustenta o acto impugnado. O que releva, para efeitos de qualificação do evento como acidente in itinere, é saber se, por um lado, o Autor estava escalado para entrar ao serviço nesse dia e, em caso afirmativo, a que horas. Bem como, se o ponto de partida do trajecto por ele realizado naquele dia é juridicamente relevante para efeitos de qualificação do evento como acidente in itinere. E ainda se o evento ocorreu no trajecto habitualmente realizado e no tempo habitualmente gasto nesse trajecto. Tudo isso resulta demonstrado nos autos, dele constando designadamente a prova de que o Autor estava escalado para entrar ao serviço naquele dia 5 de Março de 2016, às 7h45 (cfr. parágrafo F) do probatório). [sublinhado e carregado nossos]. Saber qual o horário/escala que o trabalho pratica nos restantes dias e se, quando está de serviço, se desloca habitualmente para a residência de Lisboa pode ter relevância jurídica para outros efeitos − designadamente para apurar do cumprimento pelo Autor do dever de residência obrigatória perto do estabelecimento prisional em que exerce funções a que está obrigado enquanto membro do Corpo da Guarda Prisional−, mas é destituído de importância na economia do presente procedimento administrativo de qualificação do evento como acidente em serviço.

Por outro lado, consta do processo administrativo cópia do boletim de acompanhamento médico do Autor, com extensa e detalhada informação sobre o historial clínico do sinistrado, desde o primeiro atendimento e internamento médico até à alta (cfr. parágrafo N) do probatório). Do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 503/99 não consta qualquer obrigação de entrega desse elemento pelo trabalhador sinistrado, muito menos da obrigação de entrega do respectivo original. Bem ao contrário, resulta do artigo 12.º, n.º 3, daquele diploma que é ao empregador que cabe garantir a entrega do boletim de acompanhamento médico ao trabalhador ou à entidade prestadora da assistência médica.

Em qualquer caso, se a Entidade demandada tinha quaisquer dúvidas a este respeito, sempre lhe caberia, ao abrigo do princípio do inquisitório, recolher os elementos probatórios necessários e requerer a colaboração do Autor ou a colaboração institucional das entidades envolvidas, com vista a averiguar todos os factos cujo conhecimento fosse adequado e necessário à tomada da uma decisão legal e justa (cfr. artigos 115.º, n.º 1, e 117.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo). Nunca devendo ignorar que o ónus de comprovação dos factos pelo interessado em procedimento administrativo considera-se satisfeito quando os elementos de prova estiverem em poder da Administração e o interessado proceda – como ocorreu no presente caso − à sua correcta identificação junto do responsável pelo procedimento administrativo (cfr. artigo 115.º, n.os 1 e 2, do Código do Procedimento Administrativo).

Tudo razões que apontam, a um tempo, no sentido da inexigibilidade da apresentação do original do boletim de acompanhamento médico e das cópias do horário/escala por parte do Autor. Não podendo a Entidade demandada – contrariamente ao que parece pretender no despacho de 24 de Julho de 2018, impugnado nos autos – ater-se à alegada falta de tais elementos para nela ancorar o não reconhecimento do evento ocorrido em 5 de Março de 2016 como acidente in itinere.

Tudo visto e ponderado decide-se condenar a Entidade demandada a reconhecer que o acidente de viação sofrido pelo Autor em 5 de Março de 2016 constitui um acidente em serviço, nos termos do artigo 9.°, n.° 1, alínea a), e n.° 2, alínea b), da Lei n.° 98/2009.

E, por força do efeito consequente previsto no segmento final do artigo 66.º, n.º 2, do CPTA, anular o despacho do Subdirector-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de 24 de Julho de 2018, impugnado nos autos, confirmado pelo despacho da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça de 10 de Dezembro de 2018.

Considerando-se prejudicado o conhecimento individualizado de cada um dos vícios imputados pelo Autor a este acto, não só porque, como referido na identificação das questões decidendas, o objecto do presente processo é, em rigor, a pretensão substantiva e não a decisão de indeferimento ou os vícios que lhe são assacados pelo Autor (cfr. art.° 66.°, n.° 2 do CPTA), como igualmente porque a solução plasmada no segmento inicial do n.º 3 do artigo 95.º do CPTA − impondo ao tribunal o dever de se pronunciar sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas – aplica-se tão-somente aos processos impugnatórios (cfr. segmento inicial do preceito) e justifica-se apenas pela intenção de evitar que a Administração possa vir renovar o acto com base nalguns dos argumentos que tivessem sido considerados na sentença anulatória (Cfr., neste sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição revista, 2010, anotação ao artigo 95.º, p. 635.). Estando nestes autos em causa um processo condenatório à prática de acto devido (nos termos do artigo 66.º, n.º 2, do CPTA) e tendo sido reconhecido ao Autor o direito a um acto de conteúdo positivo conforme com a sua pretensão material, conferindo-lhe uma estável e eficaz tutela da sua situação jurídica, em termos que impedem a renovação do acto impugnado, não cabe conhecer e decidir dos demais vícios imputados pelo Autor ao despacho de 24 de Julho de 2018.

O assim decidido é de manter.

Em primeiro lugar, o probatório que vem fixado não foi sujeito a impugnação pelo Recorrente, pelo que o mesmo se deve ter como devidamente estabilizado.

Em segundo lugar, a questão essencial a decidir, centrada na definição dos conceitos de “residência habitual” e de “residência ocasional”, é tratada exaustivamente e com rigor na sentença recorrida, sendo integralmente coincidente com a jurisprudência e com os ensinamentos da doutrina, tudo como devidamente assinalado.

Em terceiro lugar, e atacando a imputação de erro de julgamento derivada da valoração feita pelo tribunal a quo, temos que a conclusão alcançada pela Mma. juiz do TAF de Sintra encontra pertinente suporte factual no probatório fixado e não se detecta qualquer vício de raciocínio lógico-dedutivo na subsunção jurídica que foi, nessa base, efectuada. Para tanto, cabe apenas ler a sentença recorrida, atentando aos seus segmentos por nós evidenciados (cfr. os sublinhados e carregados supra). Os quais não vêm sequer eficazmente atacados nas conclusões de recurso.

Na verdade, a “residência ocasional”, que se provou no caso, consubstancia conceito jurídico devidamente tutelado pelo Direito e que não pode ser desprezado, designadamente para descaracterizar um acidente como acidente de trabalho ou em serviço. Como resulta do afirmado pelo Tribunal Constitucional, ainda que por referência à matéria da inviolabilidade do domicílio, no Acórdão n.º 507/94: “No que toca à Constituição portuguesa, Gomes Canotilho e Vital Moreira expressam as dificuldades de uma definição rigorosa do objecto de inviolabilidade do domicílio: // «Tendo em conta o sentido constitucional deste direito tem de entender-se por domicílio desde logo o local onde se habita, a habitação, seja permanente seja eventual, seja principal ou secundária. Por isso, ele não pode equivaler ao sentido civilístico, que restringe o domicílio à residência habitual (mas certamente incluindo também as habitações precárias, como tendas, ‘roulottes’, embarcações), abrangendo também a residência ocasional como o quarto do hotel) ou ainda os locais de trabalho (escritórios, etc.); dada a sua função constitucional, esta garantia deve estender-se quer ao domicílio voluntário geral quer ao domicílio profissional (Cod. Civil, arts. 82º e 83º)”.

Assim, vindo provado que o Autor e ora Recorrido só se encontrava no local onde sofreu o acidente e à hora em que ocorreu o sinistro, por ter adoptado o trajecto normalmente utilizado entre a sua residência ocasional e o local de trabalho, e pelo tempo habitualmente gasto nesse trajecto o acidente de viação ocorrido em 5.03.2016, não resta senão concluir, como foi feito pelo tribunal a quo, que o sinistro em causa é de caracterizar como acidente em serviço (artigo 9.°, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea b), da Lei n.º 98/2009).

Termos em que tem o recurso que improceder.



III. Conclusões

Sumariando:

i) O acidente ocorrido no trajecto para o trabalho ou in itinere é aquele que acontece no caminho/trajecto normalmente usado pelo trabalhador entre a sua residência habitual ou ocasional e o local de trabalho e durante o tempo normalmente gasto nesse caminho ou trajecto de ida ou de regresso do local de trabalho (cfr. artigo 9.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 98/2009).

ii) Não é só a “residência habitual” − que constitui o critério de determinação do domicilio geral de uma pessoa singular −, mas também a “residência ocasional” que é considerada como fim ou início do trajecto juridicamente relevante nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea b), da Lei n.º 98/2009 .

iii) A “residência ocasional” é aquela que, pelas razões mais diversas, não é a residência normal da pessoa, não é o lugar onde normalmente vive.

iv) O cumprimento do dever de residência obrigatória a uma determinada distância do estabelecimento prisional em que presta funções é compatível com a titularidade de um direito real sobre uma outra residência ocasional – ou, sequer, principal secundária – do membro do Corpo da Guarda Prisional, situada a mais de 50 kms do local de trabalho.

v) É de classificar como acidente em serviço – in itinere – o acidente de viação em que participou o A., guarda prisional, em consequência do qual sofreu ferimentos graves e incapacidade temporária absoluta, ocorrido no trajecto normalmente utilizado entre a sua residência ocasional e o local de trabalho, e pelo tempo habitualmente gasto nesse trajecto, quando se deslocava para o E.P. de Caxias, em que se encontrava escalado, para se apresentar ao serviço.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 6 de Junho de 2019



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Pedro Marchão Marques


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Alda Nunes


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José Gomes Correia