Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1044/11.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/16/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:A Fazenda Pública não logrou provar que, para além de deter a qualidade de gerente de direito da executada originária, o Oponente também exercia de facto a gerência, praticando os actos próprios e típicos inerentes a esse exercício nos anos aqui em causa e, como tal, não poderá ter lugar a respectiva responsabilização a título subsidiário pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do disposto no artigo 24.º da LGT e, nessa medida, é de concluir pela ilegitimidade do mesmo para a execução.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
O Representante da Fazenda Pública, veio, em conformidade com o n.º 3, do artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 21 de dezembro de 2017, a qual julgou procedente a oposição deduzida por A....., com os sinais nos autos, executado por reversão, na qualidade de responsável subsidiário, no processo de execução fiscal (PEF) n.º ..... e apensos, instaurados pelo serviço de finanças de Odivelas originariamente contra a sociedade «E....., Lda.», por dívidas de IVA dos períodos de tributação de Julho e Outubro de 2003, de Junho e Agosto de 2004, de Janeiro, Abril e Julho 2006, de Janeiro de 2007 e de coimas do ano de 2008, no montante total de € 56.473,17. Mais, aquela sentença, determinou a extinção dos processos de execução fiscal n.º ....., ....., ....., ....., ....., ....., ....., ....., .....e .....quanto ao Oponente; fixou o valor da oposição em € 56.473,71; e condenou a Fazenda Públicas nas custas.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:
4.1. Visa o presente recurso reagir contra a decisão que julgou procedente a Oposição judicial, intentada, pelo ora recorrido contra execução fiscal com o processo n.º ....., e apensos, instaurados por dívidas de IVA dos anos de 2003, 2004, 2006, 2007 e 2008, bem como por coimas fiscais aplicadas em 2008, da sociedade comercial “E....., Lda.”, dividas esta posteriormente revertidas no ora oponente, no montante total de 56.473,17 €.
4.2. Como fundamentos da oposição alegou o oponente no seu petitório inicial, em suma, a falta de fundamentação do despacho de reversão, a sua ilegitimidade para a execução, por nunca ter exercido funções de gerência na executada originária, a ausência de prova da culpa sua pela insuficiência patrimonial da sociedade executada para o pagamento da dívida exequenda, a caducidade do direito à liquidação, a parcial prescrição da dívida exequenda, a inconstitucionalidade da reversão das coimas, bem como a assunção do pagamento da dívida exequenda pelo actual sócio da executada originária, concluindo o seu articulado inicial peticionando, entre outros, a procedência da oposição, com a consequente extinção da execução fiscal em questão relativamente a ele.
4.3. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou procedente a oposição, declarando, em consequência, a extinção das execuções fiscais em questão quanto ao oponente, por o considerar parte ilegítima para as mesmas, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

No entanto,

4.4. A decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice.

Senão vejamos:

4.5. Considerou o Ilustre Tribunal a quo, na decisão ora recorrida, e em suma, que a Administração Tributária não logrou demonstrar o efectivo exercício das funções de gerente do oponente na sociedade executada, não se encontrando, por isso, preenchido o pressuposto do exercício da gerência da sociedade executada pelo revertido, constante do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, pressuposto esse de verificação obrigatória para que possa ter lugar a reversão,
4.6. Para fundamentar esta conclusão a que chegou, o Ilustre Tribunal recorrido considerou que, atenta a matéria factual dada por provada, que “…dos pontos 6, 7 e 17 da fundamentação de facto, apenas resulta provado que o oponente assinou, em nome da «E....., Lda» dois requerimentos dirigidos ao serviço de finanças de Odivelas, em 2005 e em 2007, e que na declaração de IRC modelo 22 do exercício de 2005 da mesma sociedade, vem indicado como o seu representante legal.
Perante estes factos e tendo em conta que o registo da designação do Oponente enquanto gerente da «E....., Lda.» data de 1986 (cf. ponto 2 dos factos provados), considerasse que os mesmos não permitem demonstrar de forma clara, certa e segura que o Oponente exerceu, efectivamente, as funções inerentes ao cargo de gerente daquela sociedade, não tendo a Administração Tributária recolhido e apresentado factos tidos por essenciais ao cabal exercício do cargo aqui em causa, designadamente que o Oponente tenha contratado ou despedido trabalhadores, tenha pago salários, tenha estabelecido relações negociais e/ou comerciais com fornecedores, clientes ou instituições bancárias, que, no fundo, tenha actuado em nome e no interesse da «E....., Lda.», exteriorizando a sua vontade em actos e ou negócios jurídicos essenciais ao exercício da sua actividade.

No entanto,

4.7. entende a Fazenda Pública que, de acordo com a factualidade provada (concretamente, da constante dos pontos 6., 7. e 17. Da fundamentação de facto), nos autos executivos em questão encontram-se elementos que consagram circunstância que, indubitavelmente, demonstram o exercício efectivo das funções de gerente por parte do oponente na sociedade executada originária.

Senão vejamos:

4.8. Ficou assente que, em 28-11-2005, o oponente assinou um requerimento em nome da «E....., Lda.», dirigido ao chefe do serviço de finanças de Odivelas, onde peticiona a colaboração deste serviço de finanças para a cobrança de um crédito detido pela sociedade executada sobre um seu cliente, “… ficando o seu valor para abater na nossa dívida à Direcção- Geral de Impostos (IVA)” – cfr. ponto 6. do provatório;
4.9. Mais se considerou como assente que “Em 30 de Maio de 2006 deu entrada nos serviços da Administração Tributária a declaração de IRC modelo 22 da «E....., Lda.», referente ao exercício de 2005, figurando no campo 1 do quadro 05 “NIF do Representante Legal” o número de identificação fiscal do Oponente” – cfr. o ponto 7. do provatório;
4.10. Resultou, ainda, provado, no ponto 17. da matéria factual tida por assente, que em 31-08- 2007 foi apresentado pelo oponente junto do serviço de finanças de Odivelas um requerimento, assinado pelo oponente em nome da executada originária a solicitar a este serviço a execução de uma sociedade comercial sobre a qual a executada originária detinha créditos.

Ora,

4.11. entende a Fazenda Pública que, salvo melhor entendimento, os referidos factos, praticados pelo oponente em nome e por conta da executada originária, consubstanciam-se em verdadeiros actos de gerência desta por aquela, integrando-se os mesmos, assim, na noção de gerência para os efeitos constante do artigo 24.º, n.º 1, da LGT.

E isto porque,

4.12. tal como foi entendido por este Colendo Tribunal Central Administrativo, no seu Acórdão de 06-10-2009, proferido no âmbito do recurso n.º 0333/09, “VII) -Provando-se que o Oponente foi nomeado gerente e que no período temporal a que se reportam as dívidas exequendas assinou documentos necessários ao giro comercial da sociedade, tem-se por verificada a gerência de facto não obstante se admita que todos os demais actos típicos de gerência eram praticados por terceira pessoa.”.
4.13. Idêntico entendimento perfilhou o Colendo Tribunal Central Administrativo do Norte, no seu recente Acórdão de 13-07-2017, proferido no âmbito do processo de recurso n.º 00562/16.0BECBR, onde se pode ler no seu sumário:
“1– No regime de responsabilidade subsidiária do art.º24.º da LGT, é sobre a Administração tributária, enquanto titular do direito de reversão, que recai o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária e, nomeadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência, de acordo com a regra geral de direito probatório segundo a qual, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega – cf. artigos 342º, nº 1, do Código Civil
2 – Mostra-se cumprido aquele ónus probatório se a dívida respeita a IVA de Fev./2008 e da matéria assente consta que, pelo menos entre 2006 e 2009, a oponente, na qualidade de representante legal da devedora originária, solicitou autorização para o pagamento da dívida exequenda em cobrança coerciva num outro processo executivo instaurado contra a mesma sociedade; se a oponente assinou diversos requerimentos em representação da devedora originária, os quais foram apresentados junto dos Serviços da Autoridade Tributária, e assinou ainda notificações feitas por estes Serviços, dirigidas à devedora originária; se a oponente procedeu a vários depósitos em conta bancária da devedora originária; se a oponente, na qualidade de gerente da devedora originária, aceitou letras de câmbio; se a oponente assinou cheques sacados sobre a conta da devedora originária, bem como assinou diversos orçamentos e recibos emitidos pela devedora originária, referentes a encomendas suas.
…”
4.14. Em idêntico sentido ao entendimento da Representação da Fazenda Pública foi o entendimento perfilhado pelo DMMP, no seu Douto parecer proferido nos presentes autos de oposição, ao considerar que:
“Ora, para além de se mostrar documentalmente provado nos autos a nomeação do Oponente para a gerência de direito, resulta igualmente dos autos que aquele continuou a exercer as funções ao mesmo inerentes, designadamente, assinando facturas, assinando e apresentando documentos junto da Administração Tributária, neles invocando a qualidade de representante da devedora originária, conforme melhor resulta da actividade descrita nos artigos 14.º a 20.º, da contestação.
4.15. Concluindo que “em face do alegado pelo Oponente, a AT coligiu elementos suficientes que permitem fazer a prova da gerência de facto e daquele continuar a participar activamente na vida societária da devedora originária. A AT demonstrou que o Oponente continuou a gerir, de facto, a empresa, designadamente, no período a que se reporta a dívida exequenda e naquele em que ocorreu o seu vencimento, pois foi ainda no decurso do exercício efectivo do cargo de gerente que se esgotou o prazo para o pagamento do imposto em causa.”

Assim,

4.16. e pelo exposto, é entendimento da Fazenda Publica, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento que, da factualidade tida por provada, não poderia o Ilustre Tribunal a quo concluir pelo não exercício da gerência de facto do oponente na sociedade executada originária.
4.17. Ao entender que o oponente exerceu, de facto, a gerência da sociedade executada ao tempo do terminus do prazo legal que esta dispunha para a entrega do imposto que constitui a dívida exequenda, o Ilustre Tribunal recorrido, sempre com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, ao não valorar devidamente a constante dos pontos 6., 7. e 17. do provatório, uma vez que tal matéria de facto impõe uma conclusão diferente da adoptada pelo Ilustre Tribunal recorrido, e uma solução jurídica também ela diferente da perfilhado pelo Ilustre Tribunal a quo na decisão ora recorrida.

Assim sendo, e pelo exposto,

4.18. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, no que concerne à procedência da oposição em questão, e substituída por outra que declare improcedência da oposição, com as legais consequências daí decorrentes.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, substituindo-se por outra que declare a improcedência da oposição, com as legais consequências daí decorrentes, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!
****
O Oponente, aqui Recorrido, notificado, não apresentou contra-alegações.
****
Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, com manutenção da sentença na ordem jurídica, porquanto a AT não cumpriu o ónus de provar que o gerente de direito, no caso, tenha praticado atos em nome do ente coletivo, vinculando-o com essa sua intervenção.
****
Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, o objecto do mesmo está circunscrito à questão de saber se ocorre o alegado erro de julgamento quanto à subsunção dos factos provados ao regime do artigo 24º da LGT, no tocante à questão da gerência de facto; e quanto à responsabilidade subsidiária por coimas fiscais - art.8º do RGIT.

****
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

1. Em 10/07/1986, pela inscrição com o n.º ....., foi registada na conservatória do registo comercial de Odivelas a constituição da sociedade «E....., Lda.», com o capital social de €250.000,00, dividido em quatro quotas: duas quotas, cada uma no valor de €25.000,00, da titularidade do Oponente; duas quotas, uma no valor de €59.855,75 e outra no valor de €140.144,25, da titularidade de C..... – cf. impressão de certidão permanente a fls. 172 a 177 do PEF apenso;
2. Pela inscrição referida em 1. foram registadas a designação da gerência, constituída pelo Oponente e por C....., e a forma de obrigar da sociedade com a assinatura de um gerente - cf. impressão de certidão permanente a fls. 172 a 177 do PEF apenso;
3. Em 07/02/2004, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º .....contra a sociedade identificada em 1., pelo serviço de finanças de Odivelas para a cobrança coerciva de dívida de IVA, do período de tributação de 05/2003, no montante de €9.587,44 - cf. autuação e certidão de dívida n.º .....a fls. 1 e 2 do PEF apenso;
4. Em nome da sociedade identificada em 1., foram emitidas certidões de dívida que originaram a instauração de diferentes processos de execução fiscal para a respectiva cobrança coerciva que a seguir se discriminam:

Data Certidão Tipo Período Tributação Valor Data Limite Pagamento Voluntário Início de Contagem Juros de Mora PEF
.....21/02/204 IVA 07/2003 €3.827,24 10/09/2003 11/09/2003 .....
.....14/04/2004 IVA 10/2003 €10.598,54 10/12/2003 11/12/2003 .....
.....07/09/2004 IVA 06/2004 €4.500,00 10/08/2004 11/08/2004 .....
.....08/12/2004 IVA 08/2004 €5.114,47 11/10/2004 12/10/2004 .....
.....08/07/2006 IVA 01-03/2006 €12.806,94 15/05/2006 16/05/2006 .....
.....30/09/2006 IVA 04-06/2006 €11.000,00 16/08/2006 17/08/2006 .....
.....16/12/2006 IVA 07-09/2006 €23.103,28 15/11/2006 16/11/2006 .....
.....14/04/2007 IVA 01/2007 €7.676,39 12/03/2007 13/03/2007 .....
.....10/05/2008 Coima e Ot. E. A. DGCI 2008 €5.223,14 10/04/2008 11/04/2008 .....
.....17/01/2009 Coima e Ot. E. A. DGCI 2008 €154,55 17/12/2008 18/12/2008 .....
cf. certidões de dívida, juntas sob o doc. n.º1 com a p.i., a fls. 45 a 67 dos autos;
5. O PEF n.º ....., referido no ponto 3., foi eleito processo principal ao qual foram apensados os PEF n.º ....., ....., ....., ....., ....., ....., ....., ....., .....e .....- cf. impressões da tramitação do PEF n.º .....e do PEF n.º ....., a fls. 75 e 133 do PEF apenso e informação junta a fls. 122 dos autos;
6. Em 28/11/2005, o Oponente assinou um requerimento em nome da «E....., Lda.» dirigido ao chefe do serviço de finanças de Odivelas expondo e solicitando o seguinte: «E..... (…) com dívidas às finanças, que está a fazer pagamentos por conta e que devido ao não pagamento da nossa factura n.º 0379 de 17/02/2005, no valor de 3.442,37 € pelo nosso cliente E..... (…) vimos por este meio solicitar a vossa colaboração para o recebimento da mesma, ficando o seu valor para abater na nossa dívida à Direcção-Geral de Impostos (IVA)» - requerimento, que se dá por integralmente reproduzido a fls. 29 do PEF apenso;
7. Em 30 de Maio de 2006 deu entrada nos serviços da Administração Tributária a declaração de IRC modelo 22 da «E....., Lda.», referente ao exercício de 2005, figurando no campo 1 do quadro 05 “NIF do Representante Legal” o número de identificação fiscal do Oponente - cf. impressão do comprovativo de entrega a fls. 128 dos autos;
8. No âmbito do PEF n.º .....e apensos, por ofício n.º ....., de 12/06/2006, foi remetida à sociedade «M....., S.A.» uma «Notificação para Cobrança Coerciva de Dívidas» para penhora de créditos – cf. ofício, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 53 e 54 do PEF apenso;
9. Na sequência do ofício identificado no ponto anterior, a sociedade M....., S.A. depositou a quantia de €4.346,83 proveniente de penhora de créditos – cf. guia de depósito a fls. 67 do PEF apenso;
10. Em 17/10/2006 foi registada penhora sobre o veículo automóvel .....– cf. nota de registo, certidão e notificação a fls. 76, 77 e 87 a 90 do PEF apenso;
11. No âmbito do PEF n.º .....e apensos, por ofício n.º ....., de 28/02/2007, foi remetida à sociedade «V....., S.A.» uma «Notificação para Cobrança Coerciva de Dívidas» para penhora de créditos – cf. ofício, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 91 e 92 do PEF apenso;
12. Em resposta ao ofício identificado no ponto anterior, a sociedade V....., S.A., depositou a quantia de €18.954,65 proveniente de penhora de créditos – cf. guia de depósito a fls. 121 do PEF apenso;
13. No âmbito do PEF n.º .....e apensos, por ofício n.º ....., de 15/03/2007, foi remetida à sociedade «E....., S.A.» uma «Notificação para Cobrança Coerciva de Dívidas» para penhora de créditos – cf. ofício, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 102 e 103 do PEF apenso;
14. Na sequência do ofício identificado no ponto anterior, a sociedade E....., S.A. depositou a quantia de €3.507,48 proveniente de penhora de créditos – cf. guia de depósito a fls. 115 do PEF apenso;
15. No âmbito do PEF n.º .....e apensos, por ofício n.º ....., de 15/03/2007, foi remetida à sociedade «M....., Lda.» uma «Notificação para Cobrança Coerciva de Dívidas» para penhora de créditos – cf. ofício, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 105 e 106 do PEF apenso;
16. Em resposta ao ofício identificado no ponto anterior, a sociedade M....., Lda., depositou a quantia de €500,00 proveniente de penhora de créditos – cf. guia de depósito a fls. 115 do PEF apenso;
17. Em 31/08/2007, foi recebido no serviço de finanças de Odivelas um requerimento assinado pelo Oponente, em nome da «E....., Lda.» expondo e solicitando o seguinte: «E..... (…) tendo requerido que fosse executada a sociedade “Videira (…)” pelos créditos oferecidos à penhora, conforme facturas que esta devia à Requerente, verifica que nesta data aquela sociedade continua a não entregar, desde fins de Abril, qualquer importância nesse serviço de finanças. (…) pelo que requer mais uma vez de V. Ex.ª se digne mandar executar a referida sociedade. Pede e espera deferimento, E..... (…) A Gerência (…)» - requerimento a fls. 161 do PEF apenso;
18. No dia 21/12/2007 foi celebrado «Contrato de Cessão de Quotas com Alteração de Contrato Social» figurando, como 1.º Subscritor, o Oponente, como 2.º Subscritor, C..... e como 3.º Subscritor, E....., constando da cláusula quinta o seguinte: «Dois - O cessionário assume perante os cedentes que liquidará (…) as responsabilidades que recaiam sobre os cedentes maridos como responsáveis subsidiários da sociedade» – cf. contrato, junto como documento n.º 2 com a p.i., a fls. 68 a 73 dos autos;
19. Em 02/01/2008 foram inscritas no registo comercial a transformação da sociedade devedora originária em sociedade unipessoal por quotas, passando a designar-se por «E....., Sociedade Unipessoal, Lda.» e a transmissão de quotas da titularidade do Oponente e de C..... para E....., designado como gerente - cf. impressão de certidão permanente a fls. 172 a 177 do PEF apenso;
20. Em 09/01/2008, foi inscrita no registo comercial a cessação de funções do cargo de gerente pelo Oponente por renúncia de 21/12/2007 - cf. impressão de certidão permanente a fls. 172 a 177 do PEF apenso;
21. Em 09/02/2012, foi exarada informação no PEF n.º .....e apensos, referindo-se que «(…) A dívida em causa nos presentes autos é proveniente de IVA (pagamentos em falta) dos anos de 2003 a 2007 e coimas fiscais; (…) Em 03-05-2007 foi efectuado um pedido de pagamento da dívida em prestações, o qual foi deferido à data de 08-05-2007, (…) No entanto foi excluído por incumprimento. Foi diligenciada a penhora do veículo ligeiro de matrícula ....., no entanto verifica-se que o mesmo já não pertence à executada; Foram efectuadas as possíveis penhoras de créditos, cujo produto se encontra aplicado nos autos; Não se verifica a existência de património em nome da executada; Consultados os documentos constantes da certidão do teor da matrícula da sociedade verificou-se que à data a que se referem as dívidas, eram gerentes da mesma: A....., (…) renunciou à gerência em 21-12-2007. (…) Consultadas as aplicações informáticas disponíveis, verifica-se que não existem bens e/ou rendimentos em nome do devedor originário susceptíveis de penhora, pelo que considerando o disposto nos artigos 23.º e 24.º n.º 1 alínea a), ambos da LGT, art. 153.º n.º 2 alínea a) do CPPT e art..º 8 do RGIT, devem ser chamados à execução dos responsáveis subsidiários acima indicados.» - cf. informação, que se dá por integralmente reproduzida, a fls. 178 e 179 do PEF apenso;
22. Por despacho lavrado no PEF e apensos referidos no ponto 21., o chefe do serviço de finanças de Odivelas determinou a preparação do processo para efeitos de reversão contra o Oponente e a notificação para audiência prévia - cf. despacho a fls. 180 do PEF apenso;
23. Por ofício «NOTIFICAÇÃO AUDIÇÃO PRÉVIA (REVERSÃO)», datado de 09/02/2011, foi comunicada ao Oponente a preparação dos processos de execução fiscal apensos ao PEF n..º .....para reversão e que dispunha do prazo de dez dias para exercer o direito de audição prévia, constando do mesmo como fundamento do projecto da reversão a «Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art..º 23.º/n.º2 da LGT): Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24.º/n.º 1/b) LGT]. Coimas revertidas nos termos do art. 8.º do RGIT» - cf. ofício, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 185 do PEF apenso;
24. O Oponente exerceu o direito de audição prévia referente ao projecto de reversão referido no ponto anterior - cf. resposta a fls. 187 a 272 do PEF apenso;
25. Em 03/03/2011, foi exarada informação no PEF n.º .....e apensos, referindo-se que «(…) As dívidas em causa nos presentes autos, são provenientes de pagamentos em falta do IVA e Coimas Fiscais: (….) os sócios gerentes acima melhor identificados, alegam – nunca terem exercido funções de gerência, (….) No entanto de nada faz prova, nem introduz nos autos novos factos. Face aos elementos constantes da certidão da Conservatória do Registo Comercial de Odivelas, nos períodos a que respeitam as dívidas provenientes de IVA, foram gerentes (….) e A...... Os referidos sócios renunciaram à gerência apenas em 2007-12-21 (…) Verifica-se ainda da consulta dos autos de execução fiscal, que nos mesmos constam requerimentos, facturas, orçamentos, assinados pelos gerentes C..... e A....., facto que constitui acto de gestão. Pode assim concluir-se que os sócios gerentes da sociedade nas datas em que terminaram os prazos para pagamento voluntário dos impostos objecto de cobrança coerciva nos presentes autos, e não tendo provado que não lhes foi imputável tal falta de pagamento, foram nos termos do artigo 24.º n.º 1 b) da Lei Geral Tributária, responsáveis subsidiários pela execução. (…) sou de parecer que a execução reverta para os sócios gerentes supra mencionados» - cf. informação, que se dá por integralmente reproduzida, a fls. 359 e 361 do PEF apenso e a fls. 38 a 40 dos autos;
26. Em 03/03/2011, no PEF .....e apensos, foi proferido pelo chefe do serviço de finanças de Odivelas despacho de concordância sobre a informação referida no ponto anterior e determinando a citação do Oponente para os termos da reversão, referindo-se que «(….) nos precisos termos da alínea b), n.º1, artigo 24.º da LGT e alínea b) do n.º1 do art.º 8.º do RGIT, reverto a execução contra os aludidos gerentes, que passam a responder pelo valor de 56.472,17 ao qual acrescem juros de mora e custas processuais. (…)» - cf. despacho, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 362 e 363 do PEF apenso e a fls. 41 a 43 dos autos;
27. Por ofício «CITAÇÃO (Reversão)», registado com aviso de recepção, foi comunicada ao Oponente a reversão contra si, na qualidade de responsável subsidiário, dos processos de execução fiscal, identificados na tabela infra, com a quantia exequenda no valor total de €56.473,17:
PEF
Certidão
Tipo
Período Tributação
.....2004/0043083 IVA 07/2003
.....2004/0105359 IVA 10/2003
.....2004/0231588 06/2004
.....2004/0286455 IVA 08/2004
.....2006/127246 IVA 01-03/2006
.....2006/0175078 IVA 04-06/2006
.....2006/0243535 IVA 07-09/2006
.....2007/0118035 IVA 01/2007
.....2008/5004241 Coima 2008
.....
2009/5000823 Ot. E. A. DGCI 2008
2009/5000823 Coima 2008
- cf. ofício a fls. 364 e 365 e anexo a fls. 181 do PEF apenso e a fls. 35 a 37 dos autos;
28. No ofício referido no ponto 27., vem indicado o seguinte fundamento de reversão: «Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23º/nº2 da LGT): Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT]. Coimas revertidas nos termos do art. 8º do RGIT.» - cf. ofício, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 364 e 365 do PEF apenso;
29. O aviso de recepção referido no ponto 27. foi assinado pelo Oponente no dia 24/03/2011 - cf. aviso de recepção a fls. 366 do PEF apenso;
30. O Oponente exerceu as funções de serralheiro na «S.....»,que pertencia ao Sr. E....., e passou a desemprenhar as funções de encarregado de obras na «E....., Lda.» – cf. depoimentos das testemunhas J....., F....., J....., I..... e J.....;
31. O Sr. E..... estabelecia, em nome da «E....., Lda.», relações comerciais com clientes e com fornecedores, recebia as reclamações dos clientes, comprava máquinas e recorria a serviços de reparação das mesmas e efectuava os respectivos pagamentos – cf. depoimentos das testemunhas J....., F..... e I.....;
32. O Sr. E....., em nome da «E....., Lda.», contratava trabalhadores, pagava os salários, por vezes por cheque, mas na maioria das vezes em dinheiro – cf. depoimentos das testemunhas F....., N....., J..... e J.....;
33. Os trabalhadores da «E....., Lda.» iam, um de cada vez, ter com o Sr. E..... ao escritório para receber os salários - cf. depoimentos das testemunhas F..... e J.....;
34. O Sr. E..... dava ordens aos trabalhadores da «E....., Lda.» - cf. depoimentos das testemunhas F....., J....., I..... e J.....;
35. O Oponente e o Sr. C..... assinavam documentos da «E....., Lda», quando necessário, a pedido do Sr. E..... – cf. depoimento da testemunha I.....;
36. A petição inicial da presente oposição foi remetida ao serviço de finanças de Odivelas por carta registada em 26/04/2011 - cf. selo de registo dos CTT constante do envelope a fls. 121 dos autos.
****
No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte: “Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.
****

No que respeita à motivação, refere a sentença recorrida o seguinte:
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos, nomeadamente do processo de execução fiscal, no que concerne aos factos descritos nos pontos 1. a 29., e 36., conforme identificado nos factos provados.
No que respeita aos factos descritos nos pontos 30. a 35., o Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na prova testemunhal produzida, tendo todas as testemunhas inquiridas prestado depoimentos de forma credível, segura, consistente e esclarecedora.
No que concerne aos factos descritos no ponto 30., a convicção do tribunal formou-se com base nos depoimentos das testemunhas J....., F....., J....., I..... e J....., cuja razão de ciência se funda na circunstância de terem trabalhado na «E....., Lda.», à excepção da testemunha J....., que foi fornecedor desta empresa, e todos afirmaram que o Oponente era encarregado de obras e as testemunhas I..... e J....., tendo trabalhado, também, na «S.....», afirmaram que o Oponente foi serralheiro nesta empresa.
Em relação aos factos descritos no ponto 31., a convicção do tribunal formou-se com base nos depoimentos das testemunhas J....., F..... e I......
A testemunha J....., cuja razão de ciência se funda no facto de ter fornecido e reparado diversos equipamentos e máquinas da «E....., Lda.», afirmou que todos os contactos eram feitos com o Sr. E....., que era este que lhe pagava os serviços prestados e os bens vendidos e era com ele que negociava os respectivos preços.
A testemunha F..... foi condutor de máquinas na «E....., Lda.» entre 1999 e 2008, tendo afirmado que, uma vez, foi com o Sr. E..... buscar umas máquinas (mini giratórias e lagartas) que tinham sido compradas e que também comprou materiais para a empresa a pedido do Sr. E..... que lhe dava um cheque para o efeito.
A testemunha I....., cuja razão de ciência se funda na circunstância de ter sido administrativa na «E....., Lda.», de 1996 até 2009, trabalhando no escritório e cabendo-lhe processar salários, contactar com clientes e fornecedores, preparar a documentação para a contabilidade, entre outros, afirmou que todos os contactos relacionados com a adjudicação de obras eram realizados sempre pelo Sr. E..... e que era este que tratava de tudo, incluindo, dos pagamentos e das reclamações dos clientes.
No que concerne aos factos descritos nos pontos 32. e 33., a convicção do tribunal formou-se com base nos depoimentos das testemunhas F....., N....., J..... e J......
A testemunha F..... afirmou que foi o Sr. E....., e a mulher, D. C....., que o contrataram, e que era aquele que lhe pagava o salário, inicialmente em cheque, mas depois em dinheiro, chamando os trabalhadores um a um ao escritório para receberem os ordenados.
A testemunha N....., cuja razão de ciência se funda no facto de ter trabalhado para a «E....., Lda.» como servente desde 2005 até 2008, afirmou que foi o Sr. E..... que o contratou e que era ele que lhe pagava o salário, o que fazia sempre em dinheiro.
A testemunha J....., empreiteiro da construção civil, afirmou conhecer o Sr. E..... desde 1992, quando ele ainda tinha a empresa «S.....», que foi o Sr. E..... que o contratou para trabalhar para a «E....., Lda.» e que era este que lhe pagava o salário em dinheiro, chamando os trabalhadores um a um ao escritório.
A testemunha J....., cuja razão de ciência se funda no facto de ter trabalhado na «E....., Lda.», desde 1994 até 2008, como condutor manobrista e depois como chefe de equipa, afirmou que foi contratado pelo Sr. E..... e que este lhe pagava o salário em dinheiro.
No que concerne aos factos descritos nos pontos 34., a convicção do tribunal formou-se com base nos depoimentos das testemunhas F....., J....., I..... e J......
A testemunha F..... afirmou que recebia ordens do Sr. E..... quanto ao local das obras a que tinha que se deslocar e ao material que tinha que levar e as testemunhas J..... e J..... afirmaram que era o Sr. E..... que lhes dava as ordens.
A testemunha I..... afirmou que efectuava pagamentos de facturas com um valor baixo da responsabilidade da «E....., Lda.» através da Internet, mas com o Sr. E..... ao seu lado e que era este que lhe dava ordens para fazer encomendas a fornecedores.
No que concerne aos factos descritos nos pontos 35., a convicção do tribunal formou-se com base no depoimento da testemunha I....., tendo explicado ao tribunal que trabalhou na «S.....» desde 1985, a qual tinha como um dos sócios o Sr. E....., e que quando esta acabou, todos os trabalhadores, incluindo a própria e o Oponente, passaram para a empresa «E....., Lda.», a qual já existia, mas estava parada.
Explicou que o Sr. E..... pediu ao Oponente e ao Sr. C..... para serem os gerentes da «E....., Lda.», uma vez que ele já não podia ser por ter muitas dívidas.
Afirmou, também, que o Sr. E..... pedia ao Oponente para assinar diferentes papéis da «E....., Lda.», normalmente quando este chegava das obras, e que a D. C....., mulher do Sr. E....., que também trabalhava no escritório, preenchia os cheques e que depois os deixava na oficina para o Oponente assinar.
****
Ao abrigo do art. 662º do CPC, por se poder revelar útil para a decisão da causa, e se encontrar provado documentalmente, adita-se o seguinte facto:
37. Conforme certidão permanente da E....., Sociedade Unipessoal, Lda., após a renúncia da gerência por parte do oponente A..... e de C....., pela AP. .....verificou-se a «TRANSFORMAÇÃO EM SOCIEDADE UNIPESSOAL POR QUOTAS E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ORGÃO(S) SOCIAL(AIS)», tendo a referida sociedade como sócio e gerente único, o Sr. E....., cfr. certidão constante de fls. 172 a 176 do PEF apenso.
****

II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente oposição procedente, e em consequência, determinou a extinção dos processos de execução fiscal, quanto ao oponente, por ter concluído «que o Oponente não é parte legítima nos processos de execução fiscal revertidos aqui em causa, verificando-se o fundamento de oposição à execução previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, o que conduz à procedência da presente oposição, ficando prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos invocados com vista à extinção dos processos de execução fiscal.»

Inconformada, a Fazenda Pública veio apresentar recurso alegando que da factualidade tida por provada, não poderia o tribunal a quo concluir pelo não exercício da gerência de facto do oponente na sociedade executada originária. E que ao entender que o oponente exerceu, de facto, a gerência da sociedade executada ao tempo do terminus do prazo legal que esta dispunha para a entrega do imposto que constitui a dívida exequenda, o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, ao não valorar devidamente a constante dos pontos 6., 7. e 17 do probatório, uma vez que tal matéria de facto impõe uma conclusão diferente da adoptada pelo Tribunal recorrido, e uma solução jurídica também ela diferente da perfilhada na decisão recorrida. [conclusões de recurso 4.16. e 4.17.]

A questão a decidir no presente recurso é, portanto, a de saber se a sentença sofre deste erro de julgamento de facto, ou seja, se a Fazenda Pública cumpriu o ónus da prova dos pressupostos responsabilidade subsidiária, sabendo-se que «deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência».(neste sentido vide Acórdão do Pleno do CT do STA de 28/02/2007, proc. n.º 1132/06 (reiterado posteriormente pelo acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12).

Como já vimos, as dívidas exequendas em causa nos presentes autos respeitam aos exercícios compreendidos entre 2003 e 2008, com prazos limite para pagamento voluntário situados entre 10/09/2003 e 17/12/2008, inicialmente exigidas à sociedade «E....., Lda.» [cfr. pontos 1.e 4. do probatório].

E porque as normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes das sociedades de responsabilidade limitada e as condições da sua efectivação são as que estiverem em vigor no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade - artigo 12º do CCivil - o regime legal de responsabilidade subsidiária dos gerentes aplicável é o constante no artigo 24º da LGT.

No que à jurisprudência concerne é entendimento pacífico que o regime da responsabilidade subsidiária prevista no artigo 24.º, n.º 1, da LGT, em qualquer das suas duas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência.

A este propósito, entendeu o STA no seu acórdão de 02.03.2011, proferido no processo n.º 944/10, que a inclusão no artigo 24.º da LGT das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo»: «(…) não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções (…)».

Aqui chegados, retornemos à análise da situação concreta.

De acordo com o contrato constitutivo da sociedade devedora originária - e respectivo registo - aquela vincula-se/obriga-se mediante a assinatura de um gerente, o que observa o disposto no artigo 252.º do Código das Sociedades Comerciais [cfr. ponto 2. do probatório].

Como gerentes foram nomeados, naquele contrato, o Oponente, A..... e C..... [cfr. ponto 2. do probatório].

Contudo, tal circunstância, em nada abala a posição expressa na sentença recorrida, no sentido que a Fazenda Pública não demonstrou o exercício da gestão de facto por parte do oponente.

Na verdade, ao contrário do que vem alegado, da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal relativa (“juris tantum”) da existência da situação jurídica nos termos em que a inscrição a define, “ex vi” do artigo 11.º do Código do Registo Comercial.

Dos autos resulta, por um lado, que o Oponente desempenhava funções de encarregado de obras na E....., Lda. (sociedade devedora originária) e que todas as decisões relevantes para a vida da sociedade eram tomadas por E..... que estabelecia em nome da E....., Lda. relações comerciais com clientes e fornecedores, recebia as reclamações dos clientes, comprava máquinas e recorria a serviços de reparação das mesmas e efectuava os respectivos pagamentos. Era, também, E..... quem contratava trabalhadores, pagava os salários e dava ordens aos trabalhadores [cfr. pontos 30., 31., 32. e 34. do probatório].

Por outro lado, consta da motivação da matéria de facto que a testemunha I....., trabalhadora da sociedade devedora originária, no seu depoimento, explicou em Tribunal que o Sr. E..... pediu ao oponente e ao Sr. C..... para serem os gerentes da «E....., Lda.», uma vez que ele já não podia ser por ter muitas dívidas.

Tal depoimento vai ao encontro do facto dado como provado no nº 37 do probatório, em que conforme certidão permanente da E....., Sociedade Unipessoal, Lda., após a renúncia da gerência por parte do oponente A..... e de C....., pela AP. .....verificou-se a «TRANSFORMAÇÃO EM SOCIEDADE UNIPESSOAL POR QUOTAS E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ORGÃO(S) SOCIAL(AIS)», tendo a referida sociedade como sócio e gerente único, o Sr. E.....

Alega a recorrente que os factos provados em 6., 7. e 17. do probatório, são factos praticados pelo oponente em nome e por conta da executada originária e que se consubstanciam em verdadeiros actos de gerência.

Nos referidos factos resulta provado que o oponente assinou, em nome da E....., Lda. dois requerimentos dirigidos ao Serviço de Finanças de Odivelas, em 2005 e 2007, e que na declaração de IRC modelo 22 do exercício de 2005 da referida sociedade, vem indicado como o seu representante legal.

Ora, o facto de ter resultado provado que o oponente assinou um ou outro documento relativo à devedora originária, não altera a conclusão extraída na sentença recorrida porque a assinatura pontual de um ou outro documento não revela de per si e atenta a demais factualidade provada que tenha havido exercício efectivo de funções, exercício esse que, como mencionado, pressupõe a prática reiterada e com carácter de continuidade de actos de administração.

Importa, ainda, referir que embora na informação da AT, datada de 03/03/2011, que esteve na base do despacho de reversão (cfr. nº 25 do probatório) se tenha escrito «Verifica-se ainda da consulta dos autos de execução fiscal, que nos mesmos constam requerimentos, facturas, orçamentos, assinados pelos gerentes C..... e A....., facto que constitui acto de gestão.», a verdade é que em relação ao oponente A....., a recorrente não conseguiu provar a assinatura de mais nenhum documento para além dos já supra mencionados. Assim tal informação, repete-se, em relação ao oponente não tem correspondência com a realidade.

Ademais, não pode esquecer-se, e como reforço argumentativo, que como acima já se afirmou, que a sociedade devedora originária tem uma gerência plural, vinculando-se com a assinatura de um gerente.

O que significa, que o exercício normal da sociedade não estava dependente da intervenção do oponente.

Em face do que ficou dito, resulta que a Fazenda Pública não logrou provar que, para além de deter a qualidade de gerente de direito da executada originária, o Oponente também exercia de facto a gerência, praticando os actos próprios e típicos inerentes a esse exercício nos anos aqui em causa e, como tal, não poderá ter lugar a respectiva responsabilização a título subsidiário pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do disposto no artigo 24.º da LGT e, nessa medida, é de concluir pela ilegitimidade do mesmo para a execução.

O acabado de decidir tem inteira aplicação quanto às dívidas por coimas, pois tendo-se concluído pelo não exercício da gerência de facto por parte do oponente, nos termos previstos no art. 8º, nº 1 do RGIT, o afastamento da responsabilidade pelo pagamento das coimas decorre, desde logo, da falta de gerência de facto.

A sentença que assim decidiu, não enferma, portanto, do erro de julgamento de facto que a recorrente lhe imputa.


Deste modo, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.


****

III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e consequentemente, manter a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.


Lisboa, 16 de Dezembro de 2020

--------------------------------------

[Lurdes Toscano]

--------------------------------------

[Maria Cardoso]

--------------------------------------

[Catarina Almeida e Sousa]