Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02795/08
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/03/2011
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:AUTOMÓVEL. VIOLAÇÃO DE LEI COMUNITÁRIA.
VEÍCULO USADO
Sumário:I - O DL n. 40/93, de 18/2, na medida em que, por um lado, a respectiva tabela fixa não reflecte a depreciação efectiva do veículo e, por outro lado, não prevê a possibilidade de o proprietário de um veículo usado importado interpor recurso para contestar a aplicação ao seu veículo de uma tabela baseada em critérios gerais, viola lei comunitária, mais precisamente o art. 95º, § 1º, do Tratado CEE.

II - Isto no tocante aos carros usados importados de um país comunitário.

II - Assim, o imposto automóvel aplicado a uma viatura usada, importada de um Pais Comunitário, calculado na base da tabela do referido DL n. 40/93, de 18/2, é ilegal, por violar lei comunitária.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:
I. - RELATÓRIO

A...– Comércio de Automóveis, Ldª., vem interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios relativos aos exercícios dos anos de 1996 e 1997.
Em alegação, a recorrente formula conclusões que se apresentam do seguinte modo:
“1. O Tribunal a quo, na sua douta sentença, não se pronunciou sobre a única questão que lhe foi levantada pela Recorrente, isto é, de saber se se, quer o disposto no artigo 17.° n.° 3 do R.I.T.I. aprovado pelo Decreto-Lei n°290/92, de 28 de Dezembro e Decreto-Lei n°504-G/85, de 30 de Dezembro - para as operações realizadas entre 01/01/1993 e 22/10/1996 -, quer o disposto no artigo 4°n°1 do Decreto-Lei n°199/96, de 18 de Outubro, eram ou não contrários ao disposto no artigo 90° (ex-95°) do Tratado da Comunidade Europeia, quando interpretados no sentido de que o Imposto Automóvel não poderá ser deduzido ao preço de compra e, em consequência, serem tais normas desaplicadas pelo juiz nacional quando fossem interpretadas nesse sentido.
Nos termos do disposto no artigo 668° n°1, alínea d) do C.P.C, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Ao agir desta forma o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 668° nº1 alínea d) do C.P.C., pois não apreciou a única questão que lhe foi suscitada pela Recorrente.
Deste modo, e sempre com o devido respeito, entendemos que a douta sentença ao não apreciar a questão que lhe foi levantada pela Recorrente é nula, nulidade esta que aqui se arguiu para os devidos e legais efeitos, devendo, por conseguinte, ser determinado que o Tribunal a quo se pronuncie sobre a questão que lhe foi levantada pela Recorrente.
2. Face à prova carreada para os autos pela Recorrente, mal andou o Tribunal a quo ao não considerar provados os factos descritos nos artigos 5°, 7°, 34°, 35°, 36° e 37° da impugnação judicial por si apresentada, devendo os mesmos considerarem-se impugnados nos termos do artigo 690-A do CPC e, consequentemente, V. Exas considerarem os mesmos provados nos termos supra alegados (cfr. documentos constantes da impugnação judicial).
Efectivamente, resulta dos factos provados que: "As facturas de compra foram processadas pelo fornecedor cumprindo as regras determinadas no Decreto-Lei n°290/92, de 28 de Dezembro, que aprovou o Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI)" (cfr. resulta dos relatórios e respectivos anexos — facturas — juntas com a impugnação judicial) - artigo 5.° da impugnação judicial; que "Para determinação do valor tributável nas aquisições intracomunitárias, a Impugnante deduziu ao valor de venda da viatura o preço de compra, acrescido do imposto automóvel e serviços acessórios" (cfr. resulta do relatório de inspecção junto a fls. 64 a 75 do apenso de reclamação graciosa) — artigo da impugnação judicial; que a impugnante comprou os veículos automóveis descritos no relatório anexo à sua impugnação judicial, nas datas e locais constantes das facturas juntas com esse relatório" - (cfr. resulta dos relatórios e respectivos anexos -facturas —juntas com a impugnação judicial) - artigo 34.° da impugnação judicial e que "A impugnante sempre declarou às autoridades competentes a entrada de tais veículos em território nacional, tendo estas ordenado a liquidação do imposto automóvel devido, tendo a impugnante pago o valor que lhe foi liquidado" - (cfr. resulta dos relatórios e respectivos anexos — facturas —juntas com a impugnação judicial) - artigo 35°, 36° e 37° da impugnação judicial
3. As liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios efectuadas pela A.F. e impugnadas pela Recorrente, quer ao abrigo do disposto no artigo 17° n°3 do RITI e Decreto-Lei n°504-G/85, de 30 de Dezembro quer ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n°199/96, ao não considerarem como incluído no preço de compra o pagamento do I.A. que o revendedor tem de suportar para legalizar a viatura, violam o disposto no artigo 90° (ex - artigo 95°) do Tratado da Comunidade Europeia, pelo que deverá ser desaplicado por V. Exas tais normas quando interpretadas nesse sentido e, em consequência, serem deduzidos ao valor tributável, pela aplicação do método da margem, o I.A. liquidado pela Recorrente e constante do relatório anexo à sua impugnação judicial, anulando-se as liquidações adicionais efectuadas pelo facto destas violarem o disposto no artigo 90° do Tratado da Comunidade Europeia.
A douta sentença violou, assim, o disposto no artigo 90° do Tratado da Comunidade Europeia.
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação e em consequência:
a) Deve ser determinado que o Tribunal a quo se pronuncie sobre a questão que lhe foi colocada na impugnação judicial e constante do primeira conclusão que se dá aqui por integralmente reproduzida. Caso V. Exas. assim não o julguem, o que por mera cautela e dever de patrocínio e concede,
b) deverá revogar-se a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, substituindo a mesma por outra que considere a impugnação judicial apresentada pela Impugnante, ora Recorrente, totalmente procedente, e, em consequência, ser deduzido ao valor tributável, pela aplicação do método da margem, o I.A. liquidado, anulando-se as liquidações adicionais efectuadas pelo facto destas violarem o disposto no artigo 90° do Tratado da Comunidade Europeia, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.
Não houve contra – alegações.
O EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2. -FUNDAMENTAÇÃO
2.1.- DOS FACTOS
O Tribunal «a quo» deu como assentes as seguintes realidades e ocorrências:
“1-Nos anos de 1996 e 1997, a sociedade impugnante, "A...-Comércio de Automóveis, L.da.", com o n.i.p.c. ..., estava colectada em IVA, no regime normal de periodicidade mensal, pelo 1°. Serviço de Finanças de Loures, devido ao exercício da actividade de comercialização de veículos automóveis, C.A.E. 50100 (cfr.cópia de relatório da A. Fiscal junta a fls.64 a 75 do apenso de reclamação graciosa; certidão da C.R.C, junta a fls.308 a 310 dos presentes autos);
2-Em 15/2/2000, em resultado de inspecção externa efectuada à actividade da sociedade impugnante, a A. Fiscal concluiu relatório no qual analisou a sua organização contabilística e verificou se estava a cumprir as obrigações fiscais, além do mais em sede de I.VA. e relativamente aos anos de 1996 e 1997, tudo conforme cópia que se encontra junta a fls.64 a 75 do apenso de reclamação graciosa, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida;
3-No relatório identificado no n°.2 refere-se, nomeadamente e no que ao presente processo interessa:
a) "...que o sujeito passivo aplicava, simultaneamente, o regime geral do imposto sobre o valor acrescentado e o regime especial de tributação pela margem (dos bens em segunda mão), não possuindo o livro de registo de bens em segunda mão, para escriturar essas operações, nem procedendo ao registo em separado das mesmas, de acordo com o preceituado no art°4, n°2, do dec. Lei 504-G/85, de 30/12, e nos art°s.6, n°3, e 19, do dec. lei 199/96, de 18/10...";
b) "...que o sujeito passivo procede ao apuramento do I.V.A. pela margem, relativamente aos veículos em segunda mão adquiridos na União Europeia, encontrando a diferença entre o valor da venda e o somatório do preço de compra, do imposto automóvel e dos serviços acessórios..." (cfr. documentos juntos a fls.87 a 93 do apenso de reclamação graciosa; informação exarada a fls.3 a 8 do apenso administrativo);
c) "...que o apuramento do I.V.A. pela margem, relativo a bens em segunda mão, efectuado pelo sujeito passivo não é correcto...";
d) "...visto que no regime aplicável às operações realizadas ao abrigo do dec. lei 504-G/85, de 30/12 (operações realizadas até 22/10/1996), o valor tributável sobre que incide o I.V.A. seria a diferença entre o preço de venda e o preço da compra dos bens, com inclusão do próprio I.V.A., acaso este tenha sido liquidado, mas sem contemplar o valor do imposto automóvel suportado, tal como as despesas com serviços acessórios..." (cfr. informação exarada a fls.3 a 8 do apenso administrativo);
e) "...e no regime aplicável às operações realizadas ao abrigo do dec. lei 199/96, de 18/10 (operações realizadas a partir de 23/10/1996), o valor tributável sobre que incide o I.V.A. seria a diferença entre o preço de venda e o preço da compra dos bens, com inclusão do valor do imposto automóvel suportado, mas sem contemplar o próprio i.v.a., tal como as despesas com serviços acessórios..." (cfr. informação exarada a fls.3 a 8 do apenso administrativo);
f) "...pelo que, relativamente ao ano de 1996, através de correcções técnicas, se apura I.V.A. não entregue nos cofres do Estado no montante de €38.950,01..." (cfr. documentos juntos a fls.76 a 80 do apenso de reclamação graciosa; informação exarada a fls.3 a 8 do apenso administrativo);
g) "...e, relativamente ao ano de 1997, através de correcções técnicas, se apura I.V.A. não entregue nos cofres do Estado no montante de €40.074,67..." (cfr. documentos juntos a fls.81 a 86 do apenso de reclamação graciosa; informação exarada a fls.3 a 8 do apenso administrativo);
4-Em consequência, em 19/6/2000, a A. Fiscal estruturou liquidações adicionais de I.V.A. e juros compensatórios, relativas aos anos de 1996 e 1997, baseadas em correcções técnicas, no montante total de €108.746,77, das quais surge como sujeito passivo a sociedade impugnante e cujo termo do prazo de pagamento voluntário se fixou em 31/8/2000 (cfr. documentos juntos a fls.22 e 49 a 55 do apenso de reclamação graciosa; informação exarada a fls.3 a 8 do apenso administrativo);
5-Tendo sido notificado das liquidações identificadas no n°.4 e não concordando com as mesmas, em 28/11/2000 a sociedade impugnante apresentou reclamação graciosa nos termos do art°.95, do C. P. Tributário, na qual termina pugnando pela anulação dos referidos actos tributários, embora não ponha em causa as liquidações de imposto automóvel efectuadas aquando da aquisição dos veículos em segunda mão nos anos de 1996 e 1997 (cfr. data de entrada aposta a fls.2 do apenso de reclamação);
6-Em 30/9/2002, a A. Fiscal decidiu manter o valor das liquidações identificadas no n°.4, assim considerando totalmente improcedente a reclamação deduzida pela empresa impugnante (cfr. documento junto a fls.160 do apenso de reclamação);
7-Em 10/10/2002, a impugnante foi notificada da decisão referida no n°.6 (cfr. documentos juntos a fls.171 e 172 do apenso de reclamação);
8-Em 28/10/2002, deu entrada no 1°. Serviço de Finanças de Loures a impugnação apresentada por "A...- Comércio de Automóveis, L.da.", a qual tem por objecto as liquidações identificadas no n°.4 (cfr.carimbo de entrada aposto a fls. 3 dos autos).
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Ao abrigo do artº 712º do CPC e tendo em conta as conclusões, aditam-se ao probatório os seguintes factos que se reputam relevantes para decidir tais questões:
9- As facturas de compra foram processadas pelo fornecedor cumprindo as regras determinadas no Decreto-Lei n°290/92, de 28 de Dezembro, que aprovou o Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI)" (cfr. resulta dos relatórios e respectivos anexos e das facturas juntas com a impugnação judicial).
10-Para determinação do valor tributável nas aquisições intracomunitárias, a Impugnante deduziu ao valor de venda da viatura o preço de compra, acrescido do imposto automóvel e serviços acessórios" (cfr. resulta do relatório de inspecção junto a fls. 64 a 75 do apenso de reclamação graciosa).
11- A impugnante comprou os veículos automóveis descritos no relatório anexo à sua impugnação judicial, nas datas e locais constantes das facturas juntas com esse relatório" - (cfr. resulta dos relatórios e respectivos anexos -facturas —juntas com a impugnação judicial).
12-A impugnante sempre declarou às autoridades competentes a entrada de tais veículos em território nacional, tendo estas ordenado a liquidação do imposto automóvel devido, tendo a impugnante pago o valor que lhe foi liquidado" - (cfr. resulta dos relatórios e respectivos anexos — facturas —juntas com a impugnação judicial).

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Factos não Provados
Dos factos constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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Motivação da Decisão de Facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos e apensos constam, tal como na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte do impugnante, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico -fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfrart°.361, do C.Civil), tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
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2.2. - DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:

Como é pacificamente defendido pela nossa doutrina e decidido na nossa jurisprudência, por força dos termos conjugados dos artºs. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC, o âmbito do recurso é determinado pelas conclusões da alegação do recorrente, só abrangendo as questões que nestas estejam contidas (cfr. Prof. J.A.Reis, in CPC Anotado, Vol. V, pág. 363, Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, Vol. III, pág. 299 e, entre muitos, os Acs. do STJ de 4/7/76, BMJ 258º-180, de 2/12/82, BMJ 322º-315 e de 25/7/86, BMJ 359º-522).
Assim:
DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA:
Nesse sentido, afirma a recorrente na 1ª conclusão que o Tribunal a quo, não se pronunciou sobre a única questão que lhe foi levantada pela Recorrente, isto é, de saber se, quer o disposto no artigo 17° n°3 do R.I.T.I. aprovado pelo Decreto-Lei n°290/92, de 28 de Dezembro e Decreto-Lei n°504-G/85, de 30 de Dezembro -para as operações realizadas entre 01/01/1993 e 22/10/1996-, quer o disposto no artigo 4°n°1 do Decreto-Lei n°199/96, de 18 de Outubro, eram ou não contrários ao disposto no artigo 90° (ex-95°) do Tratado da Comunidade Europeia, quando interpretados no sentido de que o Imposto Automóvel não poderá ser deduzido ao preço de compra e, em consequência, serem tais normas desaplicadas pelo juiz nacional quando fossem interpretadas nesse sentido.
Assim, ao não apreciar a questão que lhe foi levantada pela Recorrente a sentença é nula, devendo, em consequência, ser determinado que o Tribunal a quo se pronuncie sobre a questão que lhe foi levantada pela Recorrente.
No que tange ao imposto automóvel (I.A.), criado pelo dec. lei 405/87, de 31/12, em substituição do imposto sobre a venda de veículos automóveis (I.V.V.A.), a sentença expendeu que “…este pode considerar-se um tributo sobre o consumo de natureza específica, monofásica e variável em função da cilindrada, incidente, além do mais, sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros, novos ou usados (cfr. A. Nuno da Rocha e M. Fernanda Alves, Regime Aduaneiro e Fiscal dos Automóveis, Editora Rei dos Livros, 1993, pág.50 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Editora Rei dos Livros, l, 1996, pág.259 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.626).
O imposto em análise é devido em função da introdução no consumo de veículos novos ou usados ou pela aquisição dos fabricados ou montados em Portugal, não incidindo, além do mais, sobre a aquisição de veículos usados no mercado interno português (cfr. A. Nuno da Rocha e M. Fernanda Alves, ob. cit., pág.50 e seg.).
No caso "sub judice", o impugnante alega, em síntese, que as liquidações do Imposto Automóvel incidentes sobre as aquisições de veículos em segunda mão em causa no presente processo, efectuadas de acordo com o regime decorrente do dec.lei 40/93, de 18/2, na redacção resultante da Lei 10-B/96, de 23/3, são ilegais porque violadoras do direito comunitário, mais exactamente o art°.90, do Tratado da C.E. Por sua vez, o I.VA. liquidado incidente sobre as mesmas operações é discriminatório e também contrário ao disposto no citado art°.90, do Tratado da C.E.
Segundo a A. Fiscal, as liquidações de I.VA. e juros compensatórios objecto do presente processo tem por fundamento a factualidade constante do n°.3, da matéria de facto provada, a qual se dá aqui por reproduzida.
No exame da impugnação dir-se-á, antes de mais, que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.art°.9, do C. Civil; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4a. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, n°.174, 1996, pág.363 e seg.).
No caso dos autos, a impugnante vem imputar alegados vícios às liquidações de imposto automóvel efectuadas aquando da aquisição dos veículos em segunda mão por si realizadas nos anos de 1996 e 1997.
Ora, os vícios imputados às aludidas liquidações de imposto automóvel reconduzem-se à mera anulabilidade das mesmas, dado não se configurarem como ofensivos do conteúdo essencial de um direito fundamental (cfr.art°.133, do C.P. Administrativo; ac. S.T.A. -Pleno da 2a.Secção, 22/6/2005, proc.1259/04).
Atento o referido, é manifestamente extemporânea a dedução da impugnação tendo por objecto as mencionadas liquidações de imposto automóvel, as quais há muito se consolidaram na ordem jurídica (relembre-se que tais liquidações foram efectuadas nos anos de 1996 e 1997).
Passemos à análise das liquidações de I.V.A. e juros compensatórios relativas aos anos de 1996 e 1997, as quais constituem o verdadeiro objecto dos presentes autos.”
A nosso ver e na senda da 1ª conclusão recursiva segundo a qual o que estava em causa na impugnação deduzida contra a liquidação adicional do IVA e juros compensatórios referentes aos anos de 1996 e 1997, era determinar se quer o disposto no artigo 17° n°3 do R.I.T.I. aprovado pelo Decreto-Lei n°290/92, de 28 de Dezembro e Decreto-Lei n°504-G/85, de 30 de Dezembro -para as operações realizadas entre 01/01/1993 e 22/10/1996-, quer o disposto no artigo 4°n°1 do Decreto-Lei n°199/96, de 18 de Outubro, eram ou não contrários ao disposto no artigo 90° (ex-95°) do Tratado da Comunidade Europeia, quando interpretados no sentido de que o Imposto Automóvel não poderá ser deduzido ao preço de compra e, em consequência, serem tais normas desaplicadas pelo juiz nacional quando fossem interpretadas nesse sentido, a Recorrente tem razão ao invocar como fundamento do recurso jurisdicional a nulidade da sentença por não se ter pronunciado sobre tal matéria pois não estava em causa a liquidação do IA em relação ao qual foi declarada a excepção peremptória da caducidade do direito à impugnação, ocorrendo, por isso, a nulidade por omissão de pronúncia que está prevista no art.125º nº 1 do CPPT, que dispõe que é nula a sentença, «Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».
Da análise da p.i. vê-se que as razões de facto e de direito não respeitam à liquidação do IA mas do IVA segundo as regras vigorantes para as relações intra-comunitárias e o reflexo daquele imposto na determinação da matéria tributável do segundo, questão cujo conhecimento não fica prejudicado pela consideração de que se verificava já a caducidade do direito de impugnação do primeiro dos referidos tributos.
Destarte, verifica-se a nulidade da sentença por nesta não se ter apreciado questão que, porque expressamente invocada pela recorrente, importava apreciar.
Ou seja, a sentença enferma de tal nulidade na medida em que se não se pronuncia sobre questão que foi invocada violando o disposto no artº 125º do CPPT –cfr. a 2ª parte da alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC - o que gera a sua nulidade.
Neste contexto, não tendo a sentença decidido uma questão que lhe fora posta, cometeu erro de actividade jurisdicional.
Termos em que declara a nulidade da sentença e, consequentemente, se passa a conhecer, em substituição, do mérito do recurso interposto pela impugnante, pois o processo reúne todos os elementos para decidir e se mostra assegurado o contraditório (cfr. art.715º, n°s1 a 3, do CPC).

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Há, pois, que aquilatar se, quer o disposto no artigo 17.° n.° 3 do R.I.T.I. aprovado pelo Decreto-Lei n°290/92, de 28 de Dezembro e Decreto-Lei n°504-G/85, de 30 de Dezembro - para as operações realizadas entre 01/01/1993 e 22/10/1996 -, quer o disposto no artigo 4°n°1 do Decreto-Lei n°199/96, de 18 de Outubro, eram ou não contrários ao disposto no artigo 90° (ex-95°) do Tratado da Comunidade Europeia, quando interpretados no sentido de que o Imposto Automóvel não poderá ser deduzido ao preço de compra e, em consequência, serem tais normas desaplicadas pelo juiz nacional quando fossem interpretadas nesse sentido.
O certo é que se apura nos autos que as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios efectuadas pela A.F. e ora impugnadas, quer ao abrigo do disposto no artigo 17° n°3 do RITI e Decreto-Lei n°504-G/85, de 30 de Dezembro quer ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n°199/96, não consideraram como incluído no preço de compra o pagamento do I.A. que o revendedor tem de suportar para legalizar a viatura.
Ora, a violação do disposto no artigo 90° (ex - artigo 95°) do Tratado da Comunidade Europeia, nos termos pretendidos pela recorrente foram já objecto de apreciação em vários arestos do STA que decidiram que deverão ser desaplicados as referidas normas quando interpretadas nesse sentido e, em consequência, que podem ser deduzido ao valor tributável, pela aplicação do método da margem, o I.A. liquidado pela Recorrente e constante do relatório anexo à sua impugnação judicial, o que importa a anulação das liquidações adicionais efectuadas pelo facto destas violarem o disposto no artigo 90° do Tratado da Comunidade Europeia.
Pontifica, a esse respeito, o Acórdão do STA de 13-11-2002, tirado no Recurso nº 01033/02, de que se extracta o seguinte bloco fundamentador:
“3. Está em causa a conformação ao direito comunitário do art. 1º do DL n. 40/93, de 18/2, (com a redacção introduzida pelas Leis nºs. 75/93, de 20/12, 39-B/94, de 27/12 e 10-B/96, de 23/3), no tocante ao imposto automóvel sobre os automóveis usados, importados de países da Comunidade Europeia, e aí em circulação.
É o seguinte o respectivo texto legal:
“1. O imposto automóvel (IA) é um imposto interno incidente sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros - incluindo os de uso misto, os de corrida e outros principalmente concebidos para o transporte de pessoas, com exclusão das autocaravanas - admitidos ou importados no estado de novos ou usados, incluindo os montados ou fabricados em Portugal e que se destinem a ser matriculados.
“...
“4. O imposto automóvel é de natureza específica e variável em função do escalão de cilindrada e determinável de acordo com as tabelas I, II, III e IV anexas ao presente diploma, que dele fazem parte integrante, correspondendo a tabela II às fórmulas de conversão em centímetros cúbicos a aplicar aos veículos automóveis não convencionais.
“5. A tabela I aplica-se aos veículos automóveis referidos no n. 1, à excepção dos veículos todo-o-terreno e dos furgões ligeiros de passageiros, que ficam sujeitos à tabela III, bem como os veículos automóveis ligeiros de mercadorias derivados de ligeiros de passageiros, que ficam sujeitos à tabela IV.
“6. O montante do imposto sobre automóveis usados, importados, com mais de dois anos contados desde a atribuição da primeira matrícula, será objecto de uma redução de 10% sobre os valores resultantes da aplicação das tabelas previstas no número anterior.”
"7. Os veículos automóveis originários ou em livre prática nos Estados membros da Comunidade Europeia serão objecto de uma redução do IA, efectuada de acordo com a seguinte tabela:
Com um a dois anos de uso .............................................. 18%.
Com mais de dois anos até três anos de uso ...................... 24%
Com mais de três anos até quatro anos de uso ................... 32%
Com mais de quatro anos até cinco anos de uso ................. 41%
Com mais de cinco anos até seis anos de uso ..................... 49%
Com mais de seis anos até sete anos de uso ....................... 55%
Com mais de sete anos até oito anos de uso ....................... 61%
Com mais de oito anos de uso ............................................ 67%".
Vejamos então.
No proc. n. 22.364 foi suscitada a pronúncia do TJCE em questão idêntica à suscitada neste recurso.
Vejamos em que termos a questão foi suscitada ao Tribunal de Justiça das Comunidades, e qual a resposta que o Tribunal deu às questões suscitadas.
Foram as seguintes as três questões suscitadas:
1) São pertinentes as questões postas nestes autos pelo recorrente e descritas supra?
2) A depreciação do valor real dos veículos usados a que se refere o acórdão do TJCE proferido no processo C-345/95 (Nunes Tadeu) implica obrigatoriamente que se tenha de fazer uma avaliação ou prova pericial de cada veículo, ou pode ser calculada em termos gerais e abstractos por meio de um critério legal?
3) Se a Comissão Europeia desistir de uma determinada acção de incumprimento contra um Estado-Membro por ter entendido que a nova legislação nacional passou a estar conforme com o direito comunitário, pode um supremo tribunal nacional, baseando-se na interpretação do direito comunitário e do direito nacional feita pela Comissão, ficar dispensado da obrigação que lhe é imposta pelo art. 177º do Tratado de fazer um pedido de decisão a título prejudicial ao TJCE, e decidir a causa segundo a interpretação feita pela Comissão Europeia?
Pelo seu acórdão de 22 de Fevereiro de 2001 (Proc. C-398/98), o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias deu resposta àquelas questões, emitindo a seguinte pronúncia:
1) O facto de a Comissão desistir de um processo por incumprimento contra um Estado-Membro, quanto a uma determinada legislação, não tem qualquer incidência sobre a obrigação, que incumbe a um órgão jurisdicional de última instância desse Estado-Membro, de submeter à apreciação do Tribunal de Justiça, nos termos do art. 177º, terceiro parágrafo, do Tratado CE (actual art. 234º, terceiro parágrafo, CE), uma questão de direito comunitário relativo àquela legislação.
2) O artigo 95º, primeiro parágrafo, do Tratado, só permite a um Estado-Membro aplicar aos veículos usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação em que a depreciação do valor efectivo dos referidos veículos é calculada de modo geral e abstracto, com base em critérios ou tabelas fixas determinados por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa, se esses critérios ou tabelas forem susceptíveis de garantir que o montante do imposto devido não excede, ainda que apenas em certos casos, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos similares já matriculados no território nacional”.
Explicitando o teor das suas conclusões, o Tribunal Europeu produziu os seguintes considerandos:
“...a instância no Tribunal de Justiça concentrou-se essencialmente em dois aspectos, ou seja, por um lado, a forma mais ou menos precisa como a tabela fixa reflecte a depreciação efectiva do veículo e, por outro, a possibilidade de o proprietário de um veículo usado importado interpor recurso para contestar a aplicação ao seu veículo de uma tabela baseada em critérios gerais.
“No que respeita ao primeiro destes aspectos...o Governo Português não conseguiu demonstrar que tivessem sido tomados em consideração, para determinar as percentagens de redução do imposto, outros factores de depreciação para além do número de anos de utilização dos veículos e reconheceu, aliás, na audiência, que a tabela de redução prevista pelo DL n. 40/93 não reflectia de modo suficientemente preciso a depreciação efectiva dos veículos.
“Além disso, em resposta às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça na audiência, não pôde indicar com que base as autoridades nacionais tinham podido estabelecer uma percentagem de depreciação elevando-se apenas a 18% para todos os veículos que tivessem até dois anos de utilização e uma redução praticamente linear do valor dos veículos usados, com dois e mais de oito anos de uso.
“Quanto ao segundo aspecto, poder-se-ia defender que uma tabela fixa que, embora reflectindo a evolução geral da depreciação dos veículos, só o fizesse de modo impreciso, poderia apesar de tudo ser julgado compatível com o art. 95º do Tratado, se acompanhada da possibilidade de o proprietário de um veículo importado contestar em juízo a aplicação desta tabela ao seu veículo.
“...Ora, mesmo se o Governo português indicou na audiência que uma tributação podia sempre ser contestada nos tribunais, não conseguiu demonstrar a existência, no sistema de tributação em causa no processo principal, de um direito de o contribuinte fazer prova da inadequação da tabela fixa para determinar o valor efectivo do veículo usado que importou.
“E mais, os factores com base nos quais foram determinadas as percentagens de redução do imposto não vêm indicados no DL n. 40/93.
“Tendo em conta as considerações anteriores e a jurisprudência relativa ao art. 95º do Tratado evocada nos nºs. 21 a 23 do presente acórdão, de onde resulta que o montante máximo do imposto aplicável aos veículos usados importados é determinado pelo do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional, um sistema de tributação como o do processo principal não é susceptível de garantir que o montante do imposto devido pela importação de um veículo proveniente de outro Estado-Membro não exceda, ainda que apenas em certos casos, o do imposto residual incorporado num veículo equivalente já matriculado no território nacional. Tal sistema não exclui portanto que, em qualquer caso, os produtos importados não sejam tributados mais gravosamente que os produtos nacionais”.
Pois bem.
À luz destes considerandos, e atendendo a que os critérios e as tabelas do referido normativo não são susceptíveis de “garantir que o montante do imposto devido não excede, ainda que apenas em certos casos, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos similares já matriculados no território nacional”, diremos que a norma em causa viola direito comunitário.
Como aliás o reconhece o TJCE.
E não vale dizer que a pronúncia do TJCE não versa sobre a questão suscitada nestes autos, dado que a similitude entre este caso e o versado no processo que foi submetido à pronúncia do TJCE é evidente.
E a doutrina deste tem de projectar-se sobre todos os casos idênticos.
E, atendendo a que a norma em causa viola, como atrás se disse, direito comunitário, impõe-se a anulação, in totum, do acto de liquidação impugnado.”
Adoptando de pleno a antecedente fundamentação, procede assim a pretensão do recorrente, o que prejudica o conhecimento de todas e quaisquer outras questões.
Assim, tal como sustenta a recorrente, as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios efectuadas pela A.F. e impugnadas pela Recorrente, quer ao abrigo do disposto no artigo 17° n°3 do RITI e Decreto-Lei n°504-G/85, de 30 de Dezembro quer ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n°199/96, ao não considerarem como incluído no preço de compra o pagamento do I.A. que o revendedor tem de suportar para legalizar a viatura, violam o disposto no artigo 90° (ex - artigo 95°) do Tratado da Comunidade Europeia, pelo que não poderão ser aplicadas tais normas quando interpretadas nesse sentido e, em consequência, serem deduzidos ao valor tributável, pela aplicação do método da margem, o I.A. liquidado pela Recorrente e constante do relatório anexo à sua impugnação judicial, devendo ser anuladas as liquidações adicionais efectuadas pelo facto destas violarem o disposto no artigo 90° do Tratado da Comunidade Europeia que a sentença também afrontou.
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4. Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e anular a liquidação impugnada.
Sem custas, por delas estar isento a recorrida.
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Lisboa, 03 de Maio de 2011

(Gomes Correia)
(Lucas Martins)
(Magda Geraldes)