Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:503/10.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA
FACTO SUPERVENIENTE
PRESSUPOSTOS DA REVERSÃO
ILISÃO DA CULPA
Sumário:I-O Oponente deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de extinção do processo de execução fiscal, no seu articulado inicial, ressalvadas as questões de caráter superveniente e de conhecimento oficioso;

II-As alegações escritas preceituadas no artigo 120.º do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 211.º do mesmo diploma legal, destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objeto do processo, inviabilizando, nessa medida, a invocação superveniente de novos vícios nessa peça processual;

III-A decisão de absolvição em processo crime não configura uma superveniência que permita legitimar uma alteração da causa de pedir, porquanto a falta de exercício da gerência podia ter sido alegada na petição inicial. Ademais, o âmbito e abrangência em que a decisão é proferida não é, de todo, o concatenado com os pressupostos da reversão para efeitos de extinção da execução fiscal.

IV-A ilisão da responsabilidade constitui facto objetivo cuja possibilidade de conhecimento é patente, não dependendo de quaisquer circunstâncias subjetivas, mormente, as contempladas na aludida decisão de absolvição.

V-Inexiste qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de oposição à execução fiscal às decisões proferidas em processo criminal. Com efeito, o artigo 84.º do CPP apenas atribui relevância extraprocessual ao caso julgado no caso de decisões penais que apreciam pedidos cíveis e os artigos 674.ºB e 675.º do CPC apenas atribuem a decisões penais efeitos em processos de natureza cível e não de natureza tributária.

VI-Subsumindo-se a realidade fática no artigo 24.º, nº1, alínea b), da LGT, a ilisão da culpa na insuficiência do património e no pagamento das dívidas revertidas compete ao Recorrente.

VII-Se o Recorrente não alega factualidade e não demonstra, como legalmente se impunha, que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a falta de pagamento dos créditos tributários não resulta do incumprimento dessas disposições, não ilide a presunção legal de culpa que sobre si impendia.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

C....., veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a oposição intentada pelo Recorrente, no âmbito do processo de execução fiscal nº ....., inicialmente instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2, contra a sociedade “M....., LDA”, e contra si revertido, para a cobrança de dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares-Retenção na Fonte (IRS-RF), dos exercícios de 2001 a 2004, no montante total de €451.664,61.

O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“a.             A sentença recorrida padece do vício de nulidade, na medida em que não se pronunciou sobre questões que deveria ter apreciado (a não gerência de facto pelo Recorrente), o que se invoca nos termos do artigo 125°, n.°2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 668.°, n.° 1, alínea d) do Código de Processo Civil (ex vi artigo 2.°, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário);

b.              No caso em apreço, não obstante o Recorrente não tenha invocado na petição inicial o não exercício da gerência no período em que foram constituídas e não foram pagas as quantias em dívida, tal facto resulta da inquirição de testemunhas e ainda da sentença proferida no processo- crime contra a Segurança Social, pelo que o mesmo deveria ter sido relevado pelo Tribunal a quo, ao abrigo do princípio do efeito extraprocessual das sentenças, nos termos do artigo 671.°, n.° 1 do Código de Processo Civil (ex vi artigo 2.°, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário);

c.               No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório pleno, previsto nos artigos 13.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 99.° da Lei Geral Tributária, pelo que o juiz deve ordenar todas as diligências que se mostrem necessárias para a descoberta da verdade material;

d.              Da inquirição das testemunhas no âmbito do presente processo e da análise da sentença proferida no processo-crime intentado contra o Recorrente pela Segurança Social, pelo crime de abuso de confiança fiscal contra aquela entidade, constata-se que ficou provado que o Recorrente não exerceu as funções de gerente da M..... no período compreendido entre Julho de 2002 e Agosto de 2006;

e.               O Recorrente provou, igualmente, que em virtude de diversos problemas de saúde, esteve afastado da realidade societária por diversos anos, após Setembro de 2001, sendo que a devedora originária era auto-gerida pelos seus diversos funcionários;

f. Ainda que se entendesse que o Recorrente não provou o não exercício da gerência no período em discussão nos presentes autos, o que sem conceder se admite, verifica-se que o Recorrente é parte ilegítima na presente execução, na medida não criou ou agravou artificialmente activos ou passivos e, enquanto gerente - antes do período a que respeitam as dívidas tributárias e no período em que exerceu, de direito, as funções -, não fez uso dos créditos da sociedade para satisfazer interesses de terceiros, não trabalhou contabilidades fictícias, não fez desaparecer documentos ou omitiu a contabilidade, nem dispôs de bens da sociedade em proveito pessoal ou de terceiros e não fez uso de créditos contrários aos interesses da sociedade, pelo que iludiu a presunção de culpa pela falta de pagamento que pende sobre si, nos termos do artigo 23.° e 24.° da Lei Geral Tributária;

g.              Constata-se, assim, que a sentença recorrida é ilegal, por violação do disposto nos artigos 23.°, 24.° e 99.° da Lei Geral Tributária, 13.°, 125.°, n.° 2 e 204.°, n.° 1, alínea b) Código de Procedimento e de Processo Tributário e 668.°, n.° 1, alínea d) e 671,°, n.° 1 do Código de Processo Civil, pelo que se requer a sua anulação por V. Excelências e, em consequência, ser ordenado a extinção do presente processo de execução fiscal, nos termos do artigo 176.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, por provado, e em consequência ser anulada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que contemple as interpretações de Direito acima explanadas, dando-se provimento à pretensão do Recorrente, tudo com as legais consequências.”


***

A Recorrida Fazenda Pública, devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações.

***

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A)              A 4 de Abril de 1988, foi registada a inscrição da sociedade M....., LDA, sob a matrícula o n.º ..... na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, tendo por objecto social "Cotação, estudos de aplicação de capitais" [cfr. fls. não numeradas do processo de execução fiscal em apenso].

B)              A 29 de Novembro de 1994 foi entregue uma declaração de alterações em sede de IVA, em nome da sociedade M....., LDA, onde consta que o oponente passava a ser o Gerente da sociedade identificada em A) [cfr. fls. 66 a 68 dos autos].

C)              A 5 de Junho de 1996 foi entregue uma declaração de alterações em sede de IVA, em nome da sociedade M....., LDA, promovendo a alteração da sede da sociedade para a ....., em Lisboa [cfr. fls. 69 a 71 dos autos].

D)             Nos anos de 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005 foram declarados rendimentos pagos ao oponente pela sociedade M....., LDA, no montante de €34.915,86, €34.915,86, €54.963,94, €70.000,00 e €70.000,00, respectivamente, tendo sido retida na fonte a importância de €6.459,45, €6.108,93, €12.266,00, €17.150,00 e €16.450,00, respectivamente [cfr. fls. 155 a 157 dos autos].

E)              Nas declarações de rendimentos submetidas via electrónica, pela sociedade M....., LDA, referentes aos exercidos de 2001 a 2003, ora oponente foi identificado como representante legal da mesma [cfr. fls. 182 a 187 dos autos].

F)              Na declaração de rendimentos da sociedade M....., LDA, referente ao exercício de 2001, foi declarado um lucro tributável ao €87.527,79 [cf. fls. 182 a 183 dos autos]. 

G)             Na declaração anual apresentada pela sociedade M....., LDA, referente ao exercício de 2001, foram declaradas prestações de serviços no montante de €4.172.761,17, e imobilizado incorpóreo (activo bruto) no valor de €3.446,04, e imobilizado corpóreo (activo bruto) de €368.445,03 [cf. fls. 98 e 99 dos autos].

H)             Na declaração de rendimentos da sociedade M....., LDA, referente ao exercício de 2002, foi declarado um lucro tributável de €715.060,06 [cf. fls. 184 a 185 dos autos].

I) Na declaração anual apresentada pela sociedade M....., LDA, referente ao exercício de 2002, foram declaradas prestações de serviços no montante de €1.886.966, e imobilizado incorpóreo (activo bruto) no valor de €5.168,80, e imobilizado corpóreo (activo bruto) de €1.574.069,38 [cf. fls. 100 e 101 dos autos].

J)               Na declaração de rendimentos da sociedade M....., LDA, referente ao exercício de 2003, foi declarado um prejuízo fiscal de €350.606,17 [cf. fls. 182 a 183 dos autos].

K)              Na declaração anual apresentada pela sociedade M....., LDA, referente ao exercício de 2003, foram declaradas prestações de serviços no montante de €916.537,40, e imobilizado incorpóreo (activo bruto) no valor de €5.168,80, e imobilizado corpóreo (activo bruto) de €1.582.440,49 [cf. fls. 103 a 104 dos autos].

L)              A 16 de Junho de 2005, foi instaurado o processo de execução fiscal n.e ....., a correr termos no Serviço de Finanças de Lisboa 2, no montante de €451.664,61, referente a dívidas referentes a liquidações de IRS — retenções na fonte, relativas aos anos de 2001 a 2004, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 20 de Julho de 2004 [cfr. fls. não numeradas do processo de execução fiscal em apenso].

M)             A 21 de Julho de 2005 foi efectuada a citação pessoal da sociedade devedora originária [cfr. fls. não numeradas do processo de execução fiscal em apenso].

N)             A 18 de Setembro de 2007 foi elaborado documento com a epígrafe "termo de informação", por funcionária do Serviço de Finanças de Lisboa 2, onde consta, nomeadamente:

"Aos dezoito dias do mês de Setembro de 2007, e após análise do processo supra referenciado [.....], cumpre-me informar o seguinte:

- Consultado o sistema informático, e conforme prints que antecedem não foram detectados, até à data, bens susceptíveis de penhora suficientes para pagamento da dívida. 

- As contas bancárias pertencentes à executada foram objecto de penhora no processo ....., não existindo nesta data valores penhoráveis.

- No mesmo processo foram realizadas penhoras de créditos, as quais se revelaram infrutíferas.

- No período em que ocorreu o facto constitutivo da presente dívida e no que decorreu o prazo do seu pagamento, foi gerente C......

Pelo exposto, encontram-se reunidas as condições estabelecidas no n.°2 do artigo 153.°do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, por via da reversão, nos termos do n.° 1 do artigo 23.° e da al. b) do n.° 1 do artigo 24.º ambas da Lei Geral Tributária. ” [cfr. fls. não numeradas do processo de execução fiscal em apenso].

O)             A 10 de Novembro de 2009, foi elaborado documento com a epígrafe "auto de diligências", onde consta nomeadamente:

"Aos 10 de Novembro de 2009, eu, A....., Técnica de Administração Tributária, do Quadro da Direcção Geral dos Impostos, em funções do Serviço de Finanças de Lisboa 2, a fim de prosseguir a tramitação do processo executivo acima referenciado [.....], verifiquei que:

- Apenas consta no SIPA Outros Valores e Rendimentos, não constando qualquer resposta positiva, no entanto, foi solicitado para o Pef ..... em 28.08.2009 a penhora de saldo da C.G.Depósitos, não tendo sido até à presente data averbada qualquer resposta.

- Pesquisando todos os sistemas informáticos existentes, não foram encontrados quaisquer bens, direitos ou rendimentos penhoráveis; (fls. 45 a 47)

Face ao exposto, é de meu parecer que se proceda à reversão contra os responsáveis subsidiários, afim de se cumprirem os requisitos estipulados no art. 153.° do CPPT.

Contudo superiormente melhor decidirá quanto às diligências posteriormente a efectuar. ” [cfr. fls. não numeradas do processo de execução fiscal em apenso].

P)              A 10 de Novembro de 2009, foi elaborado o projecto de despacho de reversão, em sede do processo de execução fiscal n.fi ....., onde consta nomeadamente o seguinte: "(...)

Aos 2009/11/10, relativamente à execução supra identificada instaurada contra M....., S. À. contribuinte ....., cumpre-me informar os seguintes, factos, a saber:

Os presentes autos foram instaurados para cobrança da divida de, IRS de retenções na fonte dos anos de 2001 a 2004, sendo o valor em divida nesta data de € 451.664.61 ao qual acrescem juros de mora e custas processuais, (conforme fls 34 a 36)

O contribuinte deixou de cumprir com as obrigações contabilísticas, estando em faita com as declarações do IVA desde 06.09T, relativamente ao IRC constando no sistema o ano de 2004 como sendo a última entregue e a zeros e relativamente à Mod 10 a última entregue foi a do ano de 2005.

Por auto de diligências datado de hoje, verifica-se que não são conhecidos quaisquer bens susceptíveis de penhora, (fls. 21 a 23)

Nesta data foi junta aos autos certidão permanente emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, onde se verifica que em 1988-04-04 foi registada na Conservatória do Registo Comerciai de Lisboa sob a matrícula n.º ....., com :a designação de M....., Lda, com o objecto de “Cotação, estudos de aplicação de capitais", demonstrando a responsabilidade de gerência de direito. Posteriormente em 2005-03-04 foi transformada em Sociedade Anónima por deliberação de 2004-11-16 cfr. Fls 48 a 60. 

Demonstrada a gerência de direito, conforme certidão emitida peia referida Conservatória junta aos autos; é de presumir a gerência de facto por a ausência desta apenas poder advir da inércia ou falta de vontade do agente e de uma violação dos seus deveres para com a sociedade. Expressando o gerente a vontade da sociedade (artigos 248.º, 249.º e 250.° do Código Comercial; artigos 26. , 29.°, 30° e 31.0 da Lei das Sociedades por Quotas; e artigos 252 °, 259 0 260º e 261.° do Código das Sociedades Comercial) é lícito que seja responsabilizado incumprimento das obrigações públicas da sociedade, pois esta age através dele.

Feita consulta ao sistema informático das declarações. Modelo 22, dos anos 2002 e 2003 identificam como representante legal - C..... NIF: ..... demonstram a gerência de facto  (fls. 42 e 43).

Não sendo conhecidos bens da executada que respondam pelo pagamento da divida estão pois verificadas as condições previstas nos termos do n.° 2 do artigo 153 ° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, de acordo com a legislação em vigor no momento do exercício do seu cargo e no momento de constituição de responsabilidade, revertendo assim contra estes a execução.

A preparação do processo para efeitos de reversão da execução fiscal contra os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si, é feito nos seguintes termos, a saber:

Quando tiver sido por culpa sua, que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tomou insuficiente para o pagamento das dividas tributárias, cujo todo constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo, é nos termos do disposto na 1ª parte da alínea a) do nº1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária.

Quando tiver sido por culpa sua, que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para o pagamento das dividas tributárias, cujo prazo legai de pagamento ou entrega tenha terminado depois do período de exercício do seu cargo, é nos termos do disposto na 2.° parte da alínea a) do nº1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária.

Quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tomou insuficiente para o pagamento das multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores, é nos termos do disposto na afinca a), do nº 1, do artigo 8.° do Regime Gerai das Infracções Tributárias.

Quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento das dividas tributárias, quando o prazo legal de pagamento / entrega da mesma tenha terminado no período do exercício do seu cargo, é nos termos do disposto na alínea b) do nº1 do artigo 24.º da LGT;

Quando lhes seja imputável a falta de pagamento das multas e coimas devidas por factos anteriores, e a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo, é nos termos do disposto na alínea b), do n.° 1, do artigo 8.º do RGIT.

Da consulta da certidão do teor da matrícula comercial emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a composição dos órgãos sociais da executada foi a seguinte, que passo a descriminar:

N.º Fiscal
Nome
Data Início Responsabilidade
Data Fim Responsabilidade
.....
C.....
1991-02-18

[cfr. fls. não numeradas do processo de execução fiscal em apenso].

Q)             A 10 de Novembro de 2009, foi remetida notificação para o domicílio do Oponente, com vista ao exercício do direito de audição prévia para preparação do processo n.º ....., para efeitos de reversão [cfr. fls. não numeradas do processo de execução fiscal em apenso].

R)              A 20 de Novembro de 2009 foi entregue uma declaração cessação de actividade em sede de IVA, da sociedade M....., LDA, com efeitos reportados a 25 de Setembro de 2006 [cfr. fls. 72 a 74 dos autos].

S)              A 2 de Dezembro de 2009, foi proferido despacho de reversão pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, contra o oponente, na qualidade de responsável subsidiário da sociedade M....., LDA, referente ao processo de execução fiscal n.º ....., no montante de €451.664,61, onde consta, nomeadamente:

Vem o presente processo em conclusão, com a informação de que a executada não possui bens penhoráveis. 

Quanto à gerência de facto, a mesma é de presumir conforme elementos junto aos autos e por a ausência desta apenas poder advir da inércia ou falta de vontade dos agentes e de urna violação dos seus deveres para com a sociedade, uma vez que, expressando os gerentes a vontade da sociedade (artigos 252 °, 259.º 260.° e 261º do Código das Sociedades Comerciais) é licito que sejam responsabilizados pelo incumprimento das obrigares públicas da sociedade, pois esta age através deles.

Assim sendo, e ao abrigo do que se estabelece nos artigos 22.º a, 23 ° e 24.º da LGT artigos 153.º e 160.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), e nos precisos termos da alínea b), n °1, artigo 24,° da LGT, reverto a execução contra a aludida gerente, que passa a responder pelo valor de € 451.664.61 ( Quatrocentos e cinquenta e um mil seiscentos e sessenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos ao qual acrescem juros de mora e custas processuais.

Se os responsáveis pagarem a divida no prazo para a oposição não lhes serão exigidos juros de mora nem custas da execução, valendo a citação como notificação.

Deverá ficar cientes de que se o pagamento não for efectuado dentro do prazo para a oposição ou decair em oposição deduzida, além das custas a que derem causa, suportarão as que forem devidas pela sociedade originariamente devedora e a execução prosseguirá os termos vogais, designadamente para penhora de bens e mais diligências previstas na Lei.

Proceda-se à citação do responsável acima identificado, nos termos do artigo 190.º do CPPT, para, querendo, no prazo de cento e vinte dias a contar da citação deduzirem reclamação ou, no prazo de noventa dias a contar da citação, deduzirem impugnação judicial contra a liquidação, com vista á sua anulação total ou parcial, no caso de a considerarem ilegal, conforme estabelecido na alínea c) do n° 1 do artigo 102º do CPPT e artigo 22º, n° 4 da LGT, no prazo de trinta dias a contar da citação, requerer pagamento em prestações, nos termos do artigo 196º do CPPT e/ou dação em pagamento no termos do artigo 201.° do CPPT ou deduzirem oposição judicial, nos termos do artigo 204º do CPPT.

Os responsáveis subsidiários são solidários entre si pelo pagamento da divida.

Cite-se pessoalmente o gerente acima identificado [cfr. fls. não numeradas do processo de execução fiscal em apenso].

T)              No dia 9 de Dezembro de 2009, foi o oponente citado da reversão contra si operada, através do ofício n ..... [cfr. fls, 15 a 45 dos autos].

U)             A 11 de Dezembro de 2009, foi enviada a advertência ao oponente nos termos do art. 241.º do CPPT [cfr. fls. não numeradas do processo de execução fiscal em apenso],

V)              A 29 de Dezembro de 2009 o oponente requereu apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, para contestar o processo de execução fiscal n.° ..... [cf. fls. 11 a 14 dos autos].

W)            A 11 de Janeiro de 2010, foi interposta a presente Oposição à execução [cf. carimbo a fls. 4 dos autos].

X)              O pedido de apoio judiciário identificado em S) foi deferido [cf. fls. 79 dos autos].

Y)              A 16 de Julho de 2012 foi proferida sentença pelo Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa - 5.º Juízo, 3ª Secção, absolvendo o ora Oponente da prática, como autor material, do crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, pelo qual era acusado, e condenando a arguida M....., LDA, pela prática de abuso de confiança em relação à Segurança Social [cf. fls. 193 a 201 dos autos].


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.”


***

Consta na decisão recorrida no item referente à motivação da matéria de facto o seguinte:

“Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.

Refira-se igualmente a importância dos testemunhos prestados por A....., advogada na sogra do Oponente até 2001, e que a partir dessa data passou a colaborar com a sociedade devedora originária, chegando mesmo a deter uma participação social. Respondeu de forma espontânea e credível, embora nem sempre se lembrando com clareza dos factos, face ao decurso do tempo entre a data dos factos e a actualidade. Lembrava-se do impacto que a morte do filho do Oponente teve na vida deste, em particular e no que concerne aos autos, ao nível da gerência da sociedade, o que o levou a afastar-se dos negócios, embora continuasse a assinar os cheques e a ter acesso a toda a documentação da sociedade que lhe era levada a sua casa pela secretária da sociedade. Formulou ainda outras considerações pessoais, baseadas na sua opinião sobre Oponente enquanto gestor diligente.

Relevante também foi o contributo do testemunho de F....., técnico oficial de contas da devedora originária desde os anos 90, até 2004, que testemunhou de forma espontânea e credível, ressalvando igualmente a dilação temporal que mediou o testemunho e os factos testemunhados. Lembrava-se que era o Oponente que tomava todas as decisões relativas à sociedade, nomeadamente as referentes a investimentos da mesma, encontrando-se esporadicamente com a testemunha para reuniões de acompanhamento da sociedade. Garantiu igualmente que todos os salários eram pagos, nomeadamente os do Oponente. Quanto ao aumento dos investimentos financeiros da sociedade, e não obstante a diminuição dos proveitos da sociedade, disse que essas decisões cabiam ao Oponente e que não lhe competia colocar em causa tais decisões.

As demais considerações de ambas as testemunhas revestiram carácter genérico e conclusivo baseados em opiniões pessoais.”


***

III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a oposição deduzida no âmbito do processo de execução fiscal nº ....., inicialmente instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2, contra a sociedade “M....., LDA”, e contra si revertido, para a cobrança de dívidas de IRS-RF, dos exercícios de 2001 a 2004, no montante total de €451.664,61.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:
ü Se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia;
ü Em caso negativo, se o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto:
o Não apreciou a gerência de facto, interpretando erradamente o princípio da estabilidade da instância e descurando a decisão prolatada no processo crime;
o Valorou erroneamente a prova produzida nos autos, e com base nessa errónea interpretação, apreciou indevidamente os pressupostos da reversão, e violou o princípio do inquisitório ínsito nos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT.

Apreciando.

Comecemos pela nulidade por omissão de pronúncia.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”[1].

Vejamos, então.

O Recorrente defende que a sentença recorrida padece do vício de nulidade, na medida em que não se pronunciou sobre questões que deveria ter apreciado, concretamente a falta de exercício da gerência de facto.

Atentando na aludida decisão recorrida e quanto a esta concreta questão consta, expressamente, a seguinte análise e fundamentação:

“[a]nalisando os argumentos invocados na petição inicial apresentada pelo Oponente, verificamos que a única causa de pedir suscitada prende-se com a falta de culpa na insuficiência patrimonial que originou o não pagamento das dividas ora revertidas, contudo, em sede de alegações finais veio o Oponente alargar a sua causa de pedir, suscitando a questão, não apenas de referida falta de culpa, mas do não exercício da gerência de facto.

Esta alteração de fundamentos da causa de pedir não poderá ser admitida, face ao princípio de estabilidade da instância (cf. art. 268.º e 273.º do CPC aplicável ex vi al. e) do art. 2.e do CPPT). Como se pode ler num excerto do sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 18 de Setembro de 2012, em sede do P. 05517/12:

A circunstância do CPPT se não reportar à possibilidade de ampliação do pedido e da causa de pedir, não constitui qualquer lacuna legal, mas, antes, a regulamentação fechada do procedimento adjectivo tributário querida pelo legislador que, pela sua especificidade própria, entendeu não serem admissíveis as referidas modificações da instância.”

Concluindo, depois, que: “Razão pela qual não se atenderá ao este novo fundamento ora invocado.”

Ora, como é bom de ver, atentando nas transcrições supra dimana inequívoco que a questão foi expressamente abordada pelo Tribunal a quo, sendo que se a questão foi correta, ou incorretamente, abordada não traduz nulidade por omissão de pronúncia, quando muito erro de julgamento.

Note-se que é o próprio Recorrente que reconhece, de forma expressa, que não invocou “[n]a petição inicial o não exercício da gerência no período em que foram constituídas e não foram pagas as quantias em dívida”.

É certo que aduz que tal facto resulta da inquirição de testemunhas e ainda da sentença proferida no processo-crime contra a Segurança Social, pelo que o mesmo deveria ter sido relevado pelo Tribunal a quo, ao abrigo do princípio do efeito extraprocessual das sentenças, nos termos do artigo 671.°, n.° 1 do CPC, ex vi artigo 2.°, alínea e), do CPPT, no entanto, tal situação em nada pode configurar nulidade da decisão, podendo, no limite, redundar, como já evidenciado anteriormente, em erro de julgamento e que será analisado em sede própria.

Em face de todo o exposto e sem necessidade de outros considerandos dimana evidente que não padece de nulidade por omissão de pronúncia a decisão recorrida, visto que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento do Recorrente[2].

Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto e direito.

A Recorrente evidencia, como visto, que face ao teor da sentença de absolvição do processo crime prolatada em data posterior à dedução da presente oposição, e inclusive face ao teor da prova testemunhal produzida ter-se-ia de analisar, preliminarmente, a ilegitimidade do responsável subsidiário, por o mesmo, à data da prática do facto tributário, não ter exercido as funções de gerente de facto.

Como visto, o Tribunal a quo, não analisou a aludida questão convocando o princípio da estabilidade da instância e relevando, para o efeito, que não tendo sido invocada tal questão em sede própria, entenda-se em sede de petição inicial, estava precludida a sua apreciação.

E, de facto, entendemos que nenhuma censura merece o aludido entendimento, estando o mesmo estribado na lei e no aludido princípio da estabilidade da instância.

Mas explicitemos, com pormenor, porque assim o entendemos, começando por convocar o quadro jurídico aplicável ao caso vertente.

Importa por evidenciar, ab initio, que o CPPT não tem norma própria sobre a ampliação e alteração da causa de pedir, dispondo, apenas, o artigo 108.º do CPPT os requisitos da petição inicial para efeitos da impugnação judicial, e no atinente ao processo de oposição tal matéria está regulada no artigo 206.º do CPPT, o qual dispõe que:

“1 - Com a petição em que deduza a oposição, que será elaborada em triplicado, oferecerá o executado todos os documentos, arrolará testemunhas, requererá as demais provas e declarará se pretende que a prova seja produzida no órgão ou no tribunal tributário.

2 - Se o contribuinte nada disser, a prova é produzida no tribunal.

3 - O tribunal pode ordenar que nele se produza diretamente a prova nos casos em que a petição deva ser apresentada na área do serviço periférico local do concelho da sede.”

Razão pela qual importa convocar o CPC, enquanto regime subsidiário prevalente no âmbito do processo de execução fiscal, o qual regulamenta, em concreto, a alteração e ampliação da causa de pedir convocando, para o efeito, os artigos 272.º e 273.º do CPC (atuais 264.º e 265.º do CPC).

Preceituava o referido artigo 272.º, sob a epígrafe de “Alteração do pedido e da causa de pedir por acordo” que: “Havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.”

Por seu turno, consignava o artigo 273.º do CPC relativamente à alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo que:

“1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor.

2 - O pedido pode também ser alterado ou ampliado na réplica; pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

3 - Se a modificação do pedido for feita na audiência de discussão e julgamento, ficará a constar da ata respetiva.

4 - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 829.º-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos da segunda parte do n.º 2.

5 - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.

6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.”

De convocar, outrossim, o normativo 506.º do CPC (atual 588.º do CPC) a propósito da superveniência, o qual estatui:

“1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.”

Como doutrina JORGE LOPES DE SOUSA, a “[i]ndicação do pedido ou pedidos e dos factos em que se fundamentam, bem como a indicação dos vícios que o impugnante imputa ao acto impugnado deve ser feita na petição, não podendo posteriormente, em regra, formular-se novos pedidos ou invocados novos factos ou imputados outros vícios, designadamente nas alegações previstas no art. 120 .° do CPPT.

Este entendimento, que tem vindo a ser adoptado quase generalizadamente pelo STA, baseia-se no princípio da estabilidade da instância (art. 268.° do CPC), e no ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (n.°1 deste art. 108.º do CPPT).

Por outro lado, os vícios geradores de mera anulabilidade, só podem ser arguidos no prazo previsto na lei (art. 136.º, n.º 2, do CPA), pelo que se não forem imputados ao acto nesse prazo, o interessado perderá o direito de os arguir.

Assim, só em casos excepcionais, quando se esteja perante questões de conhecimento oficioso ou quando factos subjectivamente supervenientes para o impugnante lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia ter conhecimento no momento da apresentação da petição, será permitido ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado, o que está em sintonia com o preceituado nos art. 86.º e 91.º, n.º 5, do CPTA (e, para os processos anteriores a este diploma, no art. 506.° do CPC), sobre a admissibilidade de articulados supervenientes, que deve ser subsidiariamente aplicável, com adaptações, ao processo de impugnação judicial, por força do disposto na alínea c) do art. 2.º do CPPT.”[3]. (destaques e sublinhados nossos).

In casu, como visto, inexistem dúvidas de que a ilegitimidade por falta de exercício da gestão de facto nunca foi alegada na petição inicial, -aliás, de uma leitura atenta da p.i. resulta que a gestão foi, expressamente, assumida como dimana, designadamente, dos artigos 7.º, 8.º e 19.º- tendo apenas e só sido arguida nas suas alegações escritas. É certo que a mesma é consubstanciada em decisão de absolvição prolatada em processo crime, no entanto, como veremos, tal decisão não reveste superveniência que legitime a sua arguição em momento ulterior à entrada da petição inicial.

Pese embora o artigo 506.º do CPC (atual 588.º, números 1 e 2) abranja um núcleo de factos supervenientes capazes de legitimarem o oferecimento de novo articulado - factos ocorridos posteriormente (superveniência objetiva) e factos verificados antes, mas cuja ocorrência só mais tarde veio ao conhecimento da parte (superveniência subjetiva) – a verdade é que, in casu, não pode aceitar-se a existência de uma superveniência, seja ela objetiva ou subjetiva, devidamente justificada.

E isto porque, a aludida decisão em nada pode configurar uma superveniência que permita legitimar uma alteração da causa de pedir, porquanto a falta de exercício da gerência podia ter sido alegada na petição inicial, nada justificando que a mesma seja apenas alegada com a prolação da aludida decisão.

A decisão contemplada na alínea Y) do probatório não se pode subsumir no aludido conceito de superveniência, desde logo, porquanto o âmbito e abrangência em que a decisão foi proferida não é, de todo, o concatenado com os pressupostos da reversão para efeitos de extinção da execução fiscal.

Com efeito, a decisão foi proferida no âmbito de um processo crime, no qual foi deduzida acusação, sufragada por pronúncia do Ministério Público contra a sociedade comercial e o seu representante legal, concretamente, o ora Recorrente, imputando ao mesmo a prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto e punido pelo artigo 107.º, números 1 e 2 do RGIT, conjugado com o artigo 105.º, nº4 do mesmo diploma legal, imputando à sociedade a prática da mesma infração nos termos do artigo 7.º, nº1 do RGIT.

Por outro lado, importa ter presente que essa ilisão da responsabilidade constitui facto objetivo cuja possibilidade de conhecimento é patente, não dependendo de quaisquer circunstâncias subjetivas, mormente, as contempladas na aludida decisão a que vimos fazendo alusão.

Mais importa sublinhar que, pese embora o exercício da gestão de facto e a culpa sejam ambos pressupostos legitimadores da efetivação da responsabilidade subsidiária, a verdade é que são estanques, díspares, com densificações e ónus probatórios distintos, logo em nada podem ser considerados como uma decorrência ou um desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

Ademais, inexiste qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de oposição à execução fiscal às decisões proferidas em processo criminal. Com efeito, o artigo 84.º do CPP apenas atribui relevância extraprocessual ao caso julgado no caso de decisões penais que apreciam pedidos cíveis e os artigos 674.ºB  e 675.º do CPC apenas atribuem a decisões penais efeitos em processos de natureza cível e não de natureza tributária.

Com efeito, dimana do, à data, 674.º A do CPC, a propósito da eficácia da decisão penal absolutória que:

“1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.

2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.”

Neste sentido, importa convocar excerto do sumário do Aresto STA, proferido no processo nº 0115/07, disponível para consulta em www.dgsi.pt, segundo o qual:

“ Do regime previsto nos artºs 47º e 48º do R.G.I.T. resulta que existe uma opção legislativa no sentido da preferência da jurisdição fiscal em relação à jurisdição criminal para apreciação de questões de natureza tributária, preferência essa que é corolário da atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (artº 212º, nº 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.”

Esclarecendo, depois, na fundamentação jurídica que se perfilha que:

“…[e]stabelece o artº 47º do R.G.I.T. que «se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respetivas sentenças».

“A sentença proferida em processo de impugnação judicial e a que tenha decidido da oposição de executado, uma vez transitadas, constituem caso julgado para o processo penal fiscal apenas relativamente às questões nelas decididas e nos precisos termos em que o foram (arts. 51º do R.J.I.F.N.A. e 48º do R.G.I.T.).

Esta suspensão do processo criminal tem em vista as situações em que a existência de infração criminal depende da resolução de uma questão de natureza fiscal, reconhecendo-se à jurisdição fiscal a competência exclusiva para decidir essa matéria.

Infere-se claramente deste regime que existe uma opção legislativa, ínsita nestas normas do R.J.I.F.N.A. e do R.G.I.T., no sentido da primazia da jurisdição fiscal para apreciação de questões tributárias, o que tem plena justificação no carácter especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (art. 212.º, n.º 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.

Assim, em sintonia com essa opção legislativa, deve entender-se que não se justificará a suspensão de processos tributários de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal) para aguardar decisões que sejam proferidas em processos criminais sobre factos que relevem para decisão daqueles processos.

Por outro lado, no caso em apreço, em que está em causa no processo de impugnação judicial a apreciação da falsidade ou não de faturas, a formulação de um juízo pelo tribunal tributário não depende da decisão que for proferida em processo criminal sobre a mesma matéria, pois, enquanto no processo criminal as dúvidas sobre a matéria de facto são valoradas a favor do arguido, no processo de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal), havendo indícios de irregularidades de escrita, o ónus da prova da veracidade desta cabe ao contribuinte (arts. 121º., n.º 2, do C.P.T. e 100.º, n.º 2, do C.P.P.T.).

Para além disso, apesar da maior exigência probatória do processo criminal para dar como provados factos integradores de infração que é corolário do princípio in dúbio por reo, não existe qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal) às decisões proferidas em processo criminal. Com efeito, o art. 84.º do C.P.P. apenas atribui relevância extraprocessual ao caso julgado no caso de decisões penais que apreciam pedidos cíveis e os arts 674.º-A e 674.º-B do C.P.C. apenas atribuem a decisões penais efeitos em processos de natureza cível e não de natureza tributária[4].” (destaque e sublinhado nosso).

Em face do exposto, conclui-se que, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, a aludida decisão não tem alcance de caso julgado nos presentes autos, não vinculando este Tribunal, nem constituindo, como visto, facto passível de ser qualificado enquanto superveniente, donde, suscetível de invocação apenas em sede de alegações escritas.

De relevar, outrossim, que a convocação da prova testemunhal não pode ter o alcance que lhe é almejado pelo Recorrente para efeitos de fundamento da apreciação do aludido pressuposto da responsabilidade subsidiária, porquanto a alegada inexistência da gerência poderia/deveria ter integrado a causa de pedir da p.i.

Mais importa sublinhar que o princípio da aquisição processual não tem esse alcance e desiderato. Ademais, e sem embargo do exposto, sempre se dirá que não sendo impugnada a matéria de facto cumprindo os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, e não tendo sido requerido qualquer aditamento por complementação nunca lograria provimento a esteira de argumentação do Recorrente.

Ainda, neste conspecto, importa relevar que não logra, igualmente,  provimento, neste e para este efeito, a alegada violação do princípio do inquisitório, previsto nos artigos 13.° do CPPT e 99.° da LGT.

E isto porque, ainda que da interpretação conjugada dos citados normativos advenha que o princípio do inquisitório é um dos princípios basilares do processo tributário, acarretando, por conseguinte, que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade material, quer requeridas pelas partes, quer mesmo oficiosamente.

A verdade é que tal não determina que o Juiz possa substituir-se às partes, mormente, analisando vícios não convocados em sede e momentos próprios, e subverter quaisquer formalismos legais, bem pelo contrário, surgindo os mesmos, natural e necessariamente, como pilar e garantia da igualdade das partes.

Como é consabido, o princípio do dispositivo traduz-se na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da ação e sobre os exatos limites do seu objeto (quer quanto à causa de pedir aos pedidos, e às exceções perentórias). Noutra formulação, dir-se-á que o princípio do dispositivo significa que as partes dispõem do processo como da relação jurídica material, sendo o processo visto como um negócio das partes e limitando-se o juiz a controlar a observância das normas legais.

Nessa medida, sendo na petição inicial que o Oponente deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de extinção da execução fiscal, regra que só conhece as exceções previstas nos citados normativos, aplicáveis por força do preceituado na alínea e) do artigo 2.º do CPPT, e não se subsumindo a questão dos autos em questão superveniente, ou de conhecimento oficioso, a invocação de novos factos suscetíveis de integrar fundamento de oposição em sede das alegações previstas no artigo 120.º do CPPT, ex vi artigo 211.º do mesmo diploma legal, envolvendo alteração da causa de pedir, não pode ser objeto de conhecimento, por violar, conforme propugnou o Tribunal a quo, o princípio da estabilidade da instância.

Na verdade, conforme doutrinado no Aresto do STA proferido no processo nº 0895/13, de 25 de setembro de 2013, a questão inerente à indicação de todos os vícios em sede de petição inicial, está concatenada com o princípio da estabilidade da instância consignado no artigo 268.º do CPC (atual 260.º do CPC), referindo, na parte que para os autos releva e convocando doutrina que entende aplicável ao caso vertente que: “[a]legações destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objecto do processo, o que torna, em princípio, inadmissível a invocação superveniente de novos vícios nessa peça processual”.[5]

E por assim ser, nenhuma censura merece a decisão recorrida quando propugnou que a ilegitimidade do responsável subsidiário se teria de ater ao pressuposto da culpa, não competindo, nessa medida, tecer quaisquer considerações acerca da gerência de facto, carecendo, por isso, de qualquer relevância o aduzido, neste e para este efeito, nas conclusões recursórias.

Improcede, assim, o arguido erro de julgamento do Tribunal a quo, limitando-se, por isso, a apreciação da ilegitimidade do ora Recorrente à aferição do pressuposto da culpa.

Aqui chegados, vejamos, então, se padece de erro de julgamento a decisão recorrida quando ajuizou que o Recorrente não tinha logrado ilidir a presunção de culpa cujo ónus se circunscrevia na sua esfera jurídica.

Apreciando.

A decisão recorrida fundamentou a improcedência com base no seguinte:

“O Oponente invoca factos genéricos relacionados com a sua actividade, nomeadamente quanto ao facto de "gradualmente as entidades bancárias passaram a formar, nas suas estruturas, pessoas que se dedicavam apenas à manutenção do seu software, pelo que a M..... foi reduzindo os seus clientes e a sua facturação, até se demonstrar ser insustentável o prosseguimento da actividade".

Não obstante, não demonstra de forma factual e inequívoca de que forma é que o facto da sociedade não ter conseguido responder pelas suas obrigações fiscais não decorreu no exercício efectivo da sua gerência.

Da análise dos autos não logrou o Oponente ilidir a presunção de culpa do Oponente pela insuficiência de património da devedora originária no pagamento das dívidas em cobrança coerciva.

Muito embora tenham sido suscitadas algumas questões, em sede de audiência de julgamento, relativos à conjuntura económica relativa à sociedade nos anos em causa, certo é que não souberam as testemunhas explicar porque razão, num período de diminuição de proveitos [mas que ainda assim eram obtidos valores de prestações de €4.172.761,17 (2001), €1.886.966 (2002), e €916.537,40 (2003)], ocorreu um aumento de investimentos em imobilizado corpóreo e incorpóreo [2001 - imobilizado incorpóreo €3.446,04, e imobilizado corpóreo €368.445,03; 2002, mobilizado incorpóreo €5.168,80, e imobilizado corpóreo €1.574.069,38; (2003) imobilizado incorpóreo €5.168,80, e imobilizado corpóreo €1.582.440,49] - cf. ais. D) a K) dos factos assentes.

Também resulta dos autos que foram pagos rendimentos ao Oponente, sujeitos a retenção na fonte face à tributação em sede de IRS, pela categoria A, [2001 - €34.915,86, 2002 - €34.915,86, 2003 - €54.963,94, 2004 - €70.000,00, e 2005 - €70.000,00 - cf. al. D) dos factos assentes], cujo montante foi aumentando não obstante os alegados maus resultados da sociedade, e cujos pagamentos foram confirmados pela testemunha F....., técnico oficial de contas à data dos factos, e que confirmou que os pagamentos dos salários eram sempre assegurados, resultando comprovados os factos tributários que originaram as dívidas em causa - retenções na fonte de IRS.

Assim, por forma a ilidir tal presunção competia ao Oponente provar que não lhe foi imputada a falta de pagamento das referidas dívidas tributárias.”

O Recorrente aduz que é parte ilegítima na presente execução, na medida não criou ou agravou artificialmente ativos ou passivos e, enquanto gerente - antes do período a que respeitam as dívidas tributárias e no período em que exerceu, de direito, as funções -, não fez uso dos créditos da sociedade para satisfazer interesses de terceiros, não trabalhou contabilidades fictícias, não fez desaparecer documentos ou omitiu a contabilidade, nem dispôs de bens da sociedade em proveito pessoal ou de terceiros e não fez uso de créditos contrários aos interesses da sociedade, pelo que iludiu a presunção de culpa pela falta de pagamento que pende sobre si, nos termos do artigo 23.° e 24.° da LGT.

Ora, vejamos.

De harmonia com o consignado no n.º 2 do artigo 23.º da LGT “a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão”.

Quanto à questão da ilegitimidade, dispõe o artigo 204.º, n.º 1, al. b), do CPPT, que a oposição pode ter como fundamento a “[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”.

Encontramo-nos, assim, perante uma ilegitimidade substantiva, assente na falta de responsabilidade do citado pelo pagamento da dívida exequenda. Quanto à questão da legitimidade do responsável subsidiário encontramo-nos face a leis sobre a prova de atos ou factos jurídicos que simultaneamente afetam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se, assim, sobre a própria viabilidade deste, pertencendo, por isso, ao direito substancial.

É, com efeito, pacífica a jurisprudência no sentido da aplicação a cada situação da lei que rege sobre o ónus da prova vigente no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade, visto se estar perante norma de cariz substantivo e atento o princípio tradicional da não retroatividade da lei substantiva, consagrado no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil.

In casu, é aplicável o regime constante no artigo 24.º LGT.

Convoquemos, então, o que o referido preceito legal refere.

De harmonia com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, da LGT:

“[o]s administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”

Do teor do normativo legal supratranscrito resultam dois regimes distintos da responsabilidade do gestor, classificados de acordo com o fundamento pelo qual o gestor é responsabilizado, a saber, a responsabilidade pela diminuição do património e a responsabilidade pela falta de pagamento.

Concretizando.

Enquanto, a responsabilidade pela diminuição do património se encontra regulada na alínea a), do nº1, do artigo 24.º da LGT, a responsabilidade pela falta de pagamento está consagrada na alínea b), do nº1, do artigo 24º da LGT.

O citado artigo 24.º da LGT, introduziu nas suas alíneas a) e b), uma repartição do ónus da prova da culpa, distinguindo entre:
- As dívidas vencidas no período do exercício do cargo relativamente às quais se estabelece uma presunção legal de culpa na falta de pagamento (cfr. a parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT);
- As demais previstas como geradoras de responsabilidade, concretamente, aquelas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do cargo (e não se vençam neste) e aquelas cujo prazo legal de pagamento ou entrega termine já após o termo do exercício do cargo. Nestas situações o ónus da prova impende sobre a Administração Tributária, ou seja, os gerentes ou administradores podem ser responsabilizados desde que seja feita prova de culpa dos mesmos na insuficiência do património social.

Convoque-se, neste particular, o Acórdão do STA proferido no recurso nº 0944/10, de 2 de março de 2011, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que refere que:

“I - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções.

II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.

III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.

IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.”

Como doutrinado no citado Aresto, não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário, resultando apenas uma presunção legal, mas apenas da culpa do administrador pela insuficiência do património da sociedade originária devedora.

No caso vertente, conforme resulta do recorte probatório dos autos o despacho de reversão da execução fundamentou-se na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º da LGT.

Assim, não tendo sido sindicada, como visto em momento e sede própria, a gerência de facto, ou seja, que o Recorrente exerceu as suas funções de gerente da sociedade devedora originária, quer no período em que as dívidas cobradas coercivamente no processo de execução fiscal em contenda, se constituíram, quer no período em que se venceram, o artigo 24.º, nº1, alínea b), do LGT, onera o Recorrente com a presunção de culpa na insuficiência do património da empresa para satisfação dos créditos fiscais.

Cabe, então, apurar se o Recorrente logrou ilidir a presunção de culpa que sobre ele recai nos termos desta disposição legal, da qual resulta ser-lhe assacado o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.

Dir-se-á, em abono da verdade, que o que se presume é que o gestor não atuou com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial as contempladas no artigo 64.º do CSC, que lhe impõem a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.

A culpa, aqui em causa, deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

Competindo, assim, aquilatar, apelando à teoria da causalidade, se a atuação do ora Recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em atos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos.

 “[o]perando com a teoria da causalidade adequada que se consagra no nosso ordenamento jurídico, para que a atuação do recorrente se pudesse dizer causa do prejuízo era mister que, em abstrato, aquela fosse adequada a produzi-lo, que o prejuízo fosse uma consequência normal típica daquela. E para se poder dizer que a ação ou omissão do recorrente foi adequada à insuficiência do património da empresa para a satisfação dos créditos parafiscais, deve seguir-se o processo lógico da prognose póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a ação se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo ex ante. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano e que não pode existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.[6]

Vejamos, então, se assiste razão ao Recorrente quando sustenta que é parte ilegítima por ter ilidido a presunção de culpa.

Importa, desde já, evidenciar que o Recorrente ao invés de alegar factualidade que permitisse concluir que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a falta de pagamento dos créditos tributários não resulta do incumprimento dessas disposições, limitou-se a alegar as circunstâncias de facto que determinaram a situação de crise e de dificuldades de tesouraria, não dando conta de quaisquer medidas concretas que tenha adotado.

Com efeito, atentando na sua p.i., verifica-se que as alegações se coadunam com as razões que levaram à insuficiência patrimonial e insusceptibilidade de pagamento das dívidas tributárias, ou seja, quebra acentuada das vendas e prestações de serviços, e bem assim a uma alegação absolutamente genérica de que “não criou ou agravou activos ou passivos”, “não fez uso dos créditos da sociedade para satisfazer interesses de terceiros”, “não fez uso de créditos contrários contraídos aos interesses da sociedade e nunca prosseguiu uma exploração deficitária e muito menos com a consciência de conduzir a sociedade a uma situação de insolvência”, quando, como visto, o que era curial para efeitos de ilisão da culpa, é que tivesse sido feita prova de quais as medidas concretas que adotou para obstar à situação de crise e insusceptibilidade de pagamento das dívidas tributárias, em execução.

O Recorrente teria de provar que encetou todas as diligências e quais as diligências para proceder ao pagamento das dívidas fiscais pendentes, e não limitar-se a remeter para a conjuntura e para as consequências dela decorrentes, competindo-lhe fazer prova positiva de quais as ações, em concreto, por si desenvolvidas enquanto Gerente, nomeadamente se desenvolveu todos os esforços que lhe eram exigíveis e se empregou o melhor da sua experiência e conhecimento para ultrapassar tais dificuldades.

Porém, do probatório não se retira qualquer realidade fática que permita concluir no sentido da ilisão da culpa. Aliás, do cotejo das alíneas D) a K), e na linha do propugnado pelo Tribunal a quo, que, ora, se valida ficam por explicar realidades que permitem inclusive inferir que a gestão não foi prudente e diligente, mormente, os investimentos e o incremento em investimento em ativo imobilizado corpóreo e incorpóreo, e bem assim o pagamento de remunerações em gradual crescendo. Note-se, neste conspecto que, dizem-nos as regras da experiência, que em tempos de crise e de dificuldade financeira o corte nas remunerações, mormente, dos membros de órgãos estatutários é uma medida de gestão ajustada e idónea, e não, naturalmente, o seu aumento.

Note-se que, pese embora o Recorrente aluda nos artigos 50 e seguintes ao depoimento das testemunhas, e convoque, de forma expressa, os depoimentos de A..... e F....., a verdade é que não procedeu à impugnação da matéria de facto de acordo com os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, não indicando, com a devida particularização no competente registo áudio, as passagens concretas desses mesmos depoimentos, nem, tão-pouco, concretiza o teor, devidamente substanciado, do(s) facto(s) que entende pertinente o seu aditamento por via de complementação ou mesmo de supressão, o que para além revestir uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

E por assim ser, sendo a factualidade a considerar a contemplada no probatório, então, face ao seu teor, ter-se-á de concluir que nada se provou quanto à desresponsabilização do Recorrente pela criação e manutenção de uma situação de crise financeira, que levou a que ficassem por pagar as dívidas em causa. Destarte, ficou por provar que não foi por culpa do Recorrente que os créditos fiscais não foram pagos[7].

Acresce que a própria natureza das dívidas em questão, ou seja, imposto retido na fonte, permite adensar a aludida falta de ilisão da culpa.

Logo, não se pode dizer que o Recorrente tenha atuado com diligência e critério, assegurando os direitos dos credores da empresa, maxime do Estado, donde, estão reunidos os pressupostos legais para responsabilizar o Oponente pelo pagamento das quantias exequendas cobradas coercivamente no processo de execução fiscal nº....., conforme entendimento do Tribunal a quo.

E por assim ser, a reversão ter-se-á de manter, pelo que a sentença que assim o decidiu não merece censura, neste segmento.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

Registe. Notifique.


Lisboa, 09 de junho de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

______________________
[1] Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
[2] Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01109/12, de 07 de novembro de 2012 e bem assim Aresto do mesmo Tribunal proferido no processo nº 829/12.7 BELRA.
[3] In Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª edição:Áreas Editora, 2011, Lisboa, p.209.
[4] Neste sentido, vide, igualmente, o recente Aresto prolatado por este Tribunal, com intervenção do mesmo coletivo, no processo nº 102/20, datado de 27.05.2021.
[5] Vide, igualmente, Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 00132/04.6BEPNF, de 25.02.2016. No mesmo sentido foi decidido pelo TCA Sul, no âmbito dos processos nºs 2014/09, de 06.02.2020, 1383/06, de 30.09.2020 (ambos Relatados pela atual Relatora) e 07573/14, de 29.05.2014.
[6] Vide Acórdão proferido pelo do TCA Sul, no processo n.º 3267/09, datado de 6 de outubro de 2009, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[7] Vide, designadamente, Aresto do TCA Norte, proferido no processo nº 00415/05.8, datado de 09 de fevereiro de 2012, disponível para consulta em www.dgsi.pt.