Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06102/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/26/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
OBRIGAÇÕES DECLARATIVAS DOS SUJEITOS PASSIVOS DE I.V.A.
DECLARAÇÃO DE CESSAÇÃO DE ACTIVIDADE.
ARTºS.32 E 33, DO C.I.V.A.
Sumário:1. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr. artº.655, do C.P.Civil).
2. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. Nos termos do C.I.V.A., de entre as obrigações declarativas dos sujeitos passivos, vamos encontrar a relativa à declaração de cessação de actividade consagrada no artº.32, do citado diploma. Esta declaração deve ser apresentada no Serviço de Finanças competente no prazo de trinta dias a contar da data da mesma cessação da actividade, mais sendo o artº.33 que nos descreve as situações geradoras de cessação de actividade do contribuinte
5. Da exegese do artº.33, do C.I.V.A., deve concluir-se que esta norma é um complemento da anterior (artº.32, do C.I.V.A.), tendo o legislador a preocupação de definir, através de uma enumeração de circunstâncias, o que se entende por cessação de actividade e quando é que esta se verifica. E estamos a falar da cessação total, a qual implica o cancelamento do registo do sujeito passivo, e não a cessação parcial, que somente pode implicar a obrigação declarativa de apresentação de uma declaração de alterações. As diversas alíneas do nº.1 consagram, de forma taxativa, os factos cuja ocorrência coincide com a cessação da actividade do sujeito passivo de imposto. Especificamente quanto à alínea a), do nº.1, deve concluir-se que a cessação de actividade, em virtude do período assinalado de dois anos sem prática de actividade pelo sujeito passivo, não reveste características oficiosas, assim não onerando a A. Fiscal. Pelo contrário, levando em consideração o disposto no citado artº.32, do diploma, tal obrigação recai sobre o sujeito passivo (ou sobre os seus legais representantes no caso de pessoa colectiva). Na interpretação da norma deve concluir o aplicador do direito que o ónus de declaração oficiosa de cessação da actividade do sujeito passivo de imposto somente se encontra consagrado no nº.2 (quando for manifesto que não está a ser exercida qualquer actividade pelo sujeito passivo, nem há a intenção de a continuar a exercer). E saliente-se que durante o período de dois anos previsto na alínea a), do nº.1, o sujeito passivo continua obrigado à apresentação da declaração periódica nos termos do então artº.28, nº.2, do C.I.V.A. (actual artº.29, nº.2), a qual subsiste mesmo não havendo, no período correspondente, operações tributáveis realizadas.

O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Almada, exarada a fls.78 a 82 do processo, através da qual julgou totalmente procedente impugnação pelos recorridos intentada, na qualidade de responsáveis subsidiários, visando actos de liquidação de I.V.A., relativos aos anos de 1995 a 2001, e de coimas, no montante total de € 12.551,29, os quais constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº.3212-1998/103569.0 e aps. que corre seus termos no 2º. Serviço de Finanças de Almada.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.92 a 101 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Nos termos do artº.32, do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (C.I.V.A.): “No caso de cessação de actividade, deve o sujeito passivo, no prazo de 30 dias a contar da data de cessação, entregar a respectiva declaração na repartição de finanças competente.”;
2-A alínea a), do nº.1, do artº.33, do C.I.V.A., impunha, no seu nº.1 - “Para efeitos do disposto no artigo anterior, considera-se verificada a cessação da actividade exercida pelo sujeito passivo no momento em que ocorra qualquer dos seguintes factos:” - alínea a) “Deixem de praticar-se actos relacionados com actividades determinantes da tributação durante um período de dois anos consecutivos, caso em que se presumirão transmitidos, nos termos da alínea f), do nº.3, do artº.3, os bens a essa data existentes no activo da empresa.”;
3-O nº.2, do mesmo artº.33, do C.I.V.A., estipulava “Independentemente dos factos previstos no número anterior, pode ainda a administração fiscal declarar oficiosamente a cessação de actividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida, nem há a intenção de a continuar a exercer, ou sempre que o sujeito passivo tenha declarado o exercício de uma actividade sem que possua uma adequada estrutura empresarial susceptível de a exercer.”;
4-E, nos termos do disposto na alínea a), do nº.1, do artº.28, do C.I.V.A., para além da obrigação de pagamento do imposto, os sujeitos passivos referidos na alínea a), do nº.1, do artº.2, são obrigados a “Entregar, segundo as modalidades e formas prescritas na lei, uma declaração de início, de alteração ou de cessação da sua actividade”;
5-Nos termos do disposto no nº.2, do artº.160, do C.S.C., “a sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios (...) pelo registo do encerramento da liquidação”, sendo este que marca o termo da personalidade jurídica da sociedade;
6-Para além da obrigação de pagamento do imposto os SPs são obrigados a enviar mensalmente uma declaração relativa às operações efectuadas no exercício da sua actividade no decurso do segundo mês precedente, com a indicação do imposto devido ou do crédito existente e dos elementos que serviram de base ao respectivo cálculo, obrigação que subiste “mesmo que não haja, no período correspondente, operações tributáveis” - alínea c), do nº.1, e nº.2, do artº.28, do C.I.V.A. (actual artº.29, após republicação pelo DL 102/2008, de 20/06);
7-Esta declaração tem de ser entregue nos prazos fixados no nº.1, do artº.40, do C.I.V.A., acompanhada do respectivo meio de pagamento, sempre que for o caso - artº.26, do mesmo diploma (actuais artºs. 41 e 27, respectivamente);
8-Não procedendo o SP à entrega das declarações referidas, está a Autoridade Tributária legalmente legitimada a lançar mão do disposto no artº.83, do C.I.V.A. (actual 88), podendo as liquidações oficiosas ficar sem efeito se o sujeito passivo, dentro do prazo de 90 dias após notificação para pagamento, apresentar a declaração em falta, o que não ocorreu;
9-Fez a douta sentença, de que agora se recorre, incorreta interpretação dos factos ao considerar ter resultado provado que, aquando das “diligências efectuadas para notificação das liquidações, o funcionário que se deslocava ao local da sede da sociedade em causa, fazia constar no respectivo auto que lhe era dito que a mesma já não exercia a sua actividade há muitos anos (cfr.ponto 5 do probatório)”, pois o que ficou informado foi não exercer a sociedade a actividade naquele local, ou que já não se encontrava lá instalada há muitos anos, não que tivesse deixado de exercer, de todo, actividade;
10-Também fez, a douta sentença, uma incorreta aplicação dos artºs.33 e 83, do C.I.V.A., ao considerar presumida a “cessação da actividade exercida pelo sujeito passivo, se este deixar de praticar actos relacionados com actividades determinantes da tributação durante o período de dois anos consecutivos” e que “funcionando a presunção do artº.33, nº.1, al.a), do C.I.V.A. (...) deveria ter sido dada como cessada a actividade em 31.12.1993 pelo que se mostram ilegais as liquidações oficiosas ora impugnadas por violação do referido preceito legal”;
11-A alínea a), do nº.1, do artº.33, do C.I.V.A., não presume a cessação da actividade. Ali é presumida a transmissão dos bens existentes no activo da empresa (para efeitos de liquidação de imposto, nos termos do artº.3, do mesmo Código);
12-Sendo que, da leitura da 1.ª parte, do nº.1, daquele artº.33, verifica-se existir uma expressa remissão para o artº.32, do C.I.V.A. “Para efeitos do disposto no artigo anterior (...)”. E, como já ficou dito, o artº.32, do C.I.V.A., estipula: “No caso de cessação da actividade, deve o sujeito passivo, no prazo de 30 dias a contar da data da cessação, entregar a respectiva declaração na repartição de finanças competente”, pelo que, e salvo melhor opinião, não pode a alínea a), do nº.1, do artº.33, do C.I.V.A., ser utilizada contra a AT, impondo-lhe obrigação de cessação da actividade de determinado sujeito passivo, por presunção do não exercício da mesma;
13-Apenas o nº.2, do artº.33, estabelecia quanto à cessação oficiosa da actividade. E não em termos de imposição, mas de possibilidade. E sempre desde que verificados os exigentes requisitos vertidos na norma, os quais, “in casu”, não se aplicavam;
14-As liquidações oficiosas foram emitidas em cumprimento da legislação em vigor na data dos factos, não padecendo de qualquer vício;
15-Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar procedente o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a impugnação improcedente.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso e consequente manutenção da decisão recorrida (cfr.fls.107 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.109 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.79 a 81 dos autos):
1-Por escritura pública celebrada em 27/03/1991, foi constituída a sociedade “B...”, tendo por objecto o “comércio e indústria de malhas e confecções” (cfr.documento junto ao processo administrativo apenso);
2-Em 17/04/1991, a referida sociedade apresentou declaração de início de actividade para efeitos fiscais (cfr.documento junto ao processo administrativo apenso);
3-Para efeitos de I.V.A. encontra-se no regime normal de tributação, com a periodicidade trimestral, desde 01/05/1991 (cfr.documento junto a fls.47 dos presentes autos);
4-Em 31/12/2001, a mesma sociedade cessou a sua actividade para efeitos de I.V.A. (cfr.documentos juntos a fls.46 e 47 dos presentes autos);
5-No mandado de notificação relativo à liquidação de I.V.A. do ano de 1995, ficou mencionado, pelo funcionário encarregue da realização de tal diligência que:
“Tendo-me deslocado à Rua ..., n" 57-B - 2800, ..., a fim de notificar B..., Lda., fui informado no local de que a firma em causa há muito que deixou de exercer a sua actividade na referida morada. (...)” tendo igualmente ficado indicado, no mandado relativo à notificação de I.V.A. de 1997, que a firma deixara de exercer a sua actividade há mais de 5 anos (cfr.documentos juntos a fls.52 verso e 58 verso dos presentes autos);
6-Corre termos no 2º. Serviço de Finanças de Almada uma execução fiscal contra a referida sociedade, para efeitos da cobrança coerciva das seguintes dívidas:
a) € 1.496,39, relativa a liquidação oficiosa de IVA do período de 1995/01 a 1995/12, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 31.01.2000;
b) 300.000$00, relativa a liquidação oficiosa de IVA do ano de 1996, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 03.08.1998;
c) 300.000$00, relativa a liquidação oficiosa de IVA do ano de 1997, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 15.04.1999;
d) 300.000$00, relativa a liquidação oficiosa de IVA do ano de 1998, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 31.12.2001;
e) € 1.496,39, relativa a liquidação oficiosa de IVA do ano de 1999, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 12.03.2002;
f) € 1.496,40, relativa a liquidação oficiosa de IVA do período de 2000/01 a 2000/12, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 29.01.2004;
g) € 1.496,40, relativa a liquidação oficiosa de IVA do período de 2001/01 a 2001/12, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 27.02.2004;
h) 68.000$00, relativa a coima e custas, objecto de decisão no âmbito do processo de contra-ordenação n° 689/00, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 04.09.2001;
i) 68.000$00, relativa a coima e custas, objecto de decisão no âmbito do processo de contra-ordenação n° 226/98, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 04.09.2001;
j) 68.000$00, relativa a coima e custas, objecto de decisão no âmbito do processo de contra-ordenação n° 210/98, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 04.09.2001;
k) € 359,91, relativa a coima e custas, objecto de decisão no âmbito do processo de contra-ordenação n° 600236.6/2001, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 22.03.2004;
l) 68.000$00, relativa a coima e custas, objecto de decisão no âmbito do processo de contra-ordenação n° 677/97, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 04.09.2001;
m) € 359,91, relativa a coima e custas, objecto de decisão no âmbito do processo de contra-ordenação n° 600947.6/2002, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 22.03.2004 (cfr.documentos juntos a fls.9 a 21 dos presentes autos);
7-Por despacho do órgão de execução fiscal, datado de 13/01/2006, foi determinada a reversão da execução contra os aqui impugnantes (cfr.documento junto a fls.22 dos autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito em face das possíveis soluções de direito e que, por conseguinte, importe registar como não provados…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, e, em concreto, no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra…”.
X
Considera-se não escrita a factualidade constante do nº.5 do probatório supra e, em sua substituição, nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário), este Tribunal julga provada a seguinte factualidade:
8-No mandado de notificação da sociedade “B...”, com o n.i.p.c. 502 579 293, relativo à liquidação oficiosa de I.V.A., do ano de 1995, ficou mencionado, pelo funcionário encarregue da realização de tal diligência que:
“(…)Tendo-me deslocado à Rua ..., nº. 57-B - 2800, ..., a fim de notificar B..., Lda., fui informado no local de que a firma em causa há muito que deixou de exercer a sua actividade na referida morada. Desconheço o seu actual paradeiro. (...)” (cfr.documento junto a fls.52 e verso dos presentes autos);
9-No mandado de notificação da sociedade “B...”, relativo à liquidação oficiosa de I.V.A., do ano de 1997, ficou mencionado, pelo funcionário encarregue da realização de tal diligência que:
“(…)Tendo-me deslocado à Rua ..., nº. 57-B - 2800, ..., a fim de notificar a firma B..., Lda., fui informado no local de que a firma em causa saíu das referidas instalações há mais de cinco anos. Desconheço o seu actual paradeiro. (...)” (cfr.documento junto a fls.58 e verso dos presentes autos);
10-Os débitos identificados no nº.6 do probatório constituem a dívida exequenda do processo de execução fiscal nº.3212-1998/103569.0 e aps. que corre seus termos no 2º. Serviço de Finanças de Almada (cfr.documentos juntos a fls.9 a 21 dos presentes autos).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada uma dos números do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação deduzida pelos recorridos, em consequência do que anulou as liquidações oficiosas objecto dos presentes autos (cfr.nº.6 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do julgado alegando, em primeiro lugar e como supra se alude, que fez a douta sentença, de que agora se recorre, incorreta interpretação dos factos ao considerar ter resultado provado que, aquando das “diligências efectuadas para notificação das liquidações, o funcionário que se deslocava ao local da sede da sociedade em causa, fazia constar no respectivo auto que lhe era dito que a mesma já não exercia a sua actividade há muitos anos (cfr.ponto 5 do probatório)”, pois o que ficou informado foi não exercer a sociedade a actividade naquele local, ou que já não se encontrava lá instalada há muitos anos, não que tivesse deixado de exercer, de todo, actividade (cfr.conclusão 9 do recurso). Com tal factualidade clamando o apelante, supomos, por erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente salvatério padece de tal vício (erro de julgamento da matéria de facto).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.655, do C.P.Civil; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
Mais se dirá que o erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.6028/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
“In casu”, o apelante insurge-se contra o julgamento da matéria de facto constante do probatório estruturado pelo Tribunal “a quo” no nº.5 supra exarado.
Ora, deve levar-se em consideração que este Tribunal considerou não escrita a factualidade constante do mencionado nº.5 devido a deficiências na sua estruturação, face ao que constava dos documentos onde se fundamentou, mais tendo aditado dois números à matéria de facto em sua substituição (cfr.nºs.8 e 9 do probatório supra exarado).
Face ao exposto, conclui este Tribunal pela existência de erro de julgamento de facto de que padece a sentença recorrida no que se refere à alegada factualidade constante do nº.5 do probatório, assim sendo forçoso julgar procedente este fundamento do recurso.
Igualmente aduz o recorrente que fez a sentença recorrida uma incorreta aplicação dos artºs.33 e 83, do C.I.V.A. Que a alínea a), do nº.1, do artº.33, do C.I.V.A., não presume a cessação da actividade do sujeito passivo de imposto, mais não impondo à A. Fiscal a obrigação de declaração da mesma cessação. Pelo que, as liquidações oficiosas objecto do presente processo foram emitidas em cumprimento da legislação em vigor na data dos factos, não padecendo de qualquer vício (cfr.conclusões nºs.10 a 14 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
Nos termos do C.I.V.A., de entre as obrigações declarativas dos sujeitos passivos, vamos encontrar a relativa à declaração de cessação de actividade consagrada no artº.32, do citado diploma. Esta declaração deve ser apresentada no Serviço de Finanças competente no prazo de trinta dias a contar da data da mesma cessação da actividade, mais sendo o artº.33 que nos descreve as situações geradoras de cessação de actividade do contribuinte (cfr.Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.180 e seg.; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.642 e seg.).
O citado artº.33, do C.I.V.A., na versão anterior ao dec.lei 31/2001, de 8/2 (a aplicável ao caso “sub judice” - cfr.artº.12, do C.Civil), tinha a seguinte epígrafe e redacção:
ARTIGO 33.º
(Conceito de cessação de actividade)

1 - Para efeitos do disposto no artigo anterior, considera-se verificada a cessação da actividade exercida pelo sujeito passivo no momento em que ocorra qualquer dos seguintes factos:
a) Deixem de praticar-se actos relacionados com actividades determinantes da tributação durante um período de dois anos consecutivos, caso em que se presumirão transmitidos, nos termos da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º, os bens a essa data existentes no activo da empresa;
b) Se esgote o activo da empresa, pela venda dos bens que o constituem ou pela sua afectação a uso próprio do titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como pela sua transmissão gratuita;
c) Seja partilhada a herança indivisa de que façam parte o estabelecimento ou os bens afectos ao exercício da actividade;
d) Se dê a transferência, a qualquer outro título, da propriedade do estabelecimento.
2 - Independentemente dos factos previstos no número anterior, pode ainda a administração fiscal declarar oficiosamente a cessação de actividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem há a intenção de a continuar a exercer.

É hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C.Civil; artº.11, da L.G.Tributária; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
Da exegese do artº.33, do C.I.V.A., deve concluir-se que esta norma é um complemento da anterior (artº.32, do C.I.V.A.), tendo o legislador a preocupação de definir, através de uma enumeração de circunstâncias, o que se entende por cessação de actividade e quando é que esta se verifica. E estamos a falar da cessação total, a qual implica o cancelamento do registo do sujeito passivo, e não a cessação parcial, que somente pode implicar a obrigação declarativa de apresentação de uma declaração de alterações. As diversas alíneas do nº.1 consagram, de forma taxativa, os factos cuja ocorrência coincide com a cessação da actividade do sujeito passivo de imposto. Especificamente quanto à alínea a), do nº.1, deve concluir-se que a cessação de actividade, em virtude do período assinalado de dois anos sem prática de actividade pelo sujeito passivo, não reveste características oficiosas, assim não onerando a A. Fiscal. Pelo contrário, levando em consideração o disposto no citado artº.32, do diploma, tal obrigação recai sobre o sujeito passivo (ou sobre os seus legais representantes no caso de pessoa colectiva). Na interpretação da norma deve concluir o aplicador do direito que o ónus de declaração oficiosa de cessação da actividade do sujeito passivo de imposto somente se encontra consagrado no nº.2 (quando for manifesto que não está a ser exercida qualquer actividade pelo sujeito passivo, nem há a intenção de a continuar a exercer). E saliente-se que durante o período de dois anos previsto na alínea a), do nº.1, o sujeito passivo continua obrigado à apresentação da declaração periódica nos termos do então artº.28, nº.2, do C.I.V.A. (actual artº.29, nº.2), a qual subsiste mesmo não havendo, no período correspondente, operações tributáveis realizadas (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.645 a 647; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.181 e 182).
Voltando ao caso concreto, desde logo se retira da matéria de facto provada que a sociedade “B...” somente em 31/12/2001 cumpriu com o ónus a que estava obrigada de apresentar a declaração de cessação de actividade (cfr.nº.4 do probatório), igualmente não constando do probatório que tenha apresentado as declarações periódicas trimestrais a que estava obrigada (cfr.artºs.28, nº.1, al.c), e 40, nº.1, al.b), do C.I.V.A.). Em consequência da sua omissão, a A. Fiscal foi estruturando liquidações oficiosas de imposto relativas aos diversos trimestres que entretanto ocorreram, tudo de acordo com o regime de I.V.A. a que se encontrava sujeita a mesma empresa (cfr.nº.3 do probatório; artº.83, nº.1, do C.I.V.A., então em vigor), liquidações estas cujo pagamento devia ocorrer no prazo de noventa dias e, tal não se verificando, gerando a emissão da correspondente certidão de dívida com vista à instauração da competente execução fiscal (cfr.artº.83, nºs.2 e 3, do C.I.V.A., então em vigor). Para obviar a todo este procedimento, podia ainda o sujeito passivo, no prazo de noventa dias previsto no artº.83, nº.2, do C.I.V.A., e acabado de mencionar, apresentar a declaração periódica em falta, situação que implicava que ficasse sem efeito a liquidação oficiosa entretanto produzida ao abrigo do citado artº.83, nº.1, do mesmo diploma (cfr.artº.83, nº.4, do C.I.V.A., então em vigor).
Nada do acabado de referir consta do probatório, e atente-se que é ao contribuinte que incumbe o ónus da prova do direito que invoca (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.).
Em conclusão, não resulta do probatório que se encontrassem reunidas as condições para que a A. Fiscal, oficiosamente e ao abrigo do artº.33, nº.2, do C.I.V.A., devesse declarar a cessação da actividade do sujeito passivo de imposto “B...”, com o n.i.p.c. 502 579 293. Por outro lado, as liquidações produzidas pela A. Fiscal e que constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº.3212-1998/103569.0 e aps. que corre seus termos no 2º. Serviço de Finanças de Almada (cfr.nº.10 do probatório), não padecem da ilegalidade que lhes é assacada pelos impugnantes.
E decidida tal questão nenhuma outra se apresenta como tendo de ser apreciada por este Tribunal, uma vez que, no seu articulado inicial, os impugnantes/recorridos não estruturam qualquer outro fundamento típico do processo de impugnação judicial.
Por tudo o que deixámos dito, o recurso merece provimento, não podendo manter-se a decisão de procedência da impugnação constante da sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação que originou o presente processo.
X
Condenam-se os impugnantes/recorridos em custas, somente em 1ª. Instância.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)

(Lucas Martins - 1º. Adjunto)


(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)