Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06914/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:09/10/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:REGIME DE ANULAÇÃO DA VENDA EM PROCESSO TRIBUTÁRIO.
ARTº.900, Nº.1, DO C.P.CIVIL.
ARTº.3, Nº.4, DO C.I.V.A.
Sumário:1. O regime de anulação da venda em processo tributário encontra-se previsto no artº.257, do C. P. P. Tributário (cfr.artº.328, do anterior C.P.Tributário), preceito que deve ser conjugado com os artºs.908 e 909, do C. P. Civil, onde se encontram enunciadas as causas de anulação.

2. A adjudicação de bens ao comprador em venda judicial efectuada em execução fiscal depende do prévio cumprimento das obrigações fiscais decorrentes da transmissão realizada no processo executivo (cfr.artº.900, nº.1, do C.P.Civil).

3. Nos termos do artº.3, nº.4, do C.I.V.A., exclui-se do conceito de transmissão de bens e, consequentemente, do âmbito de incidência de imposto, além do mais, as cessões a título oneroso de estabelecimento comercial, quando o adquirente seja, ou venha a ser, um sujeito passivo de imposto. Além de todos os outros pressupostos de aplicação do dito artº.3, nº.4, do C.I.V.A. (v.g. a ocorrência de uma verdadeira cessão de estabelecimento comercial; o adquirente ser, ou passar a ser, sujeito passivo de imposto), desde logo, se deve referir que tal preceito não é aplicável ao caso do adquirente ser um sujeito passivo isento ou que esteja abrangido pelo regime dos pequenos retalhistas, dado que, quer num caso, quer noutro, não pratica quaisquer operações a jusante.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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FILIPE …......................, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.300 a 313 do presente processo, através da qual julgou improcedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida pelo reclamante/recorrente no âmbito do processo de execução fiscal nº.3............../104141.0, o qual corre seus termos no 3º. Serviço de Finanças de Lisboa, visando despacho que anula o procedimento de venda judicial efectuada no espaço da mencionada execução.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.339 a 353 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Com base nos factos dados como provados não podia o Meritíssimo Juiz “a quo” decidir pela manutenção do acto reclamado;
2-O trespasse consiste numa transmissão, global e definitiva ou unitária, por acto “inter vivos”, dum estabelecimento comercial, entendido este como a realidade jurídica complexa, heterogénea e dinâmica, constituída pelos bens corpóreos e incorpóreos que o integram destinados ao serviço de determinado comércio, pelo que para se concretizar é imperioso que haja transmissão dos elementos essenciais para a continuidade da actividade empresarial pelo adquirente, isto é, máquinas, matéria-prima, produtos e mobília;
3-Não tendo a transmissão do estabelecimento dos autos sido acompanhada dos bens móveis que o integravam à data, constantes da verba única descrita nos autos de penhora e de adjudicação, como ficou devidamente provado nos presentes autos, não há trespasse, logo a venda não se pode considerar consolidada;
4-A liquidação do I.V.A. foi precedida de um facto cronologicamente anterior e para o qual o recorrente alertou, por mais do que uma vez, o Serviço de Finanças competente: a universalidade - estabelecimento comercial - realmente penhorada não correspondia à descrição da verba única do auto de penhora, designadamente por faltarem alguns dos bens móveis anunciados como fazendo parte do mesmo, conforme denunciado pelo recorrente logo que tomou conhecimento desse facto;
5-Não existindo correspondência entre o objecto real da penhora e o objecto anunciado para venda, não podia ter sido designado dia para a venda do bem, por meio de proposta em carta fechada através de despacho de 18/04/2011 e muito menos podia ter sido aceite em 12/04/2011 a proposta do recorrente no valor de € 21.150,00 e em 27/07/2011 o pagamento deste valor pelo recorrente;
6-Os três actos identificados na conclusão anterior são cronologicamente anteriores à liquidação do I.V.A., o que nem a recorrida, nem o Tribunal “a quo”, podiam desconhecer, pois a situação descrita na 4ª. conclusão foi denunciada pelo recorrente a 1 de Agosto de 2011 e 11/08/2011;
7-Não tendo a universalidade de bens acompanhado o estabelecimento comercial, nunca a venda poderia vir a ser realizada nos termos anunciados pela Autoridade Tributária;
8-O artº.900, do C.P.C., não pode aplicar-se ao caso dos presentes autos, ao contrário do que sustenta o Tribunal “a quo”;
9-A venda devia ter sido anulada, não por falta de pagamento do I.V.A. pelo recorrente, conforme sustentam a recorrida e o Tribunal “a quo”, mas por inexistência do objecto da penhora anunciado para venda, facto que é da exclusiva responsabilidade da Autoridade Tributária, assistindo-lhe por isso o direito à devolução do preço pago e dos respectivos juros de mora em consequência da anulação da venda por motivo imputável à recorrida;
10-Não há lugar à aplicação do imposto de I.V.A. quando ocorre a transferência de um estabelecimento comercial, como é o caso da cessão definitiva de estabelecimento comercial - trespasse - anunciada dos presentes autos, e o adquirente é ou passa a ser sujeito passivo e continua a desenvolver a actividade do estabelecimento, nos termos do artº.3, nº.4, do Código do I.V.A.;
11-Por requerimento de 26/11/2011, o recorrente comunicou à recorrida a sua intenção de proceder ao início de actividade passando assim a ser sujeito de I.V.A., conforme documentos de fls.194 a 195 dos autos mencionados no nº.14 dos factos provados;
12-Não havendo lugar ao pagamento de I.V.A. no trespasse, a venda não podia ter sido anulada pela recorrida com fundamento na falta de pagamento do imposto;
13-O recorrente foi notificado pela Autoridade Tributária que “do despacho de anulação do procedimento de venda cabe reclamação, no caso de com ele não concordar, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, nos termos do artigo 276 do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), a interpor no prazo de 10 dias após a presente notificação, nos termos do nº 1 do artigo 277º do referido C.P.P.T., devendo observar-se o disposto no nº 2 do mesmo artigo”;
14-O recorrente apresentou a sua reclamação, dando expressamente cumprimento àquela notificação da Autoridade Tributária, de acordo com o estipulado no nº 7 do art. 257 do C.P.P.T., que determina que da decisão, expressa ou tácita, sobre o pedido de anulação da venda cabe reclamação nos termos do art. 276;
15-A reclamação prevista nos artigos 276 e seguintes do C.P.P.T., é o meio processual adequado para a impugnação da generalidade de actos materialmente administrativos praticados no âmbito do processo de execução fiscal, e bem assim para pedir a anulação da venda, com a invocação de todos os fundamentos que legitimam a tal anulação, sempre que tais actos afectem direitos ou interesses legalmente protegidos do executado ou terceiro;
16-A anulação da venda com o fundamento na falta de pagamento do I.V.A. afecta os direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente, na medida em que lhe causa um prejuízo irreparável correspondente ao valor dos juros de mora a que tem legalmente direito e que deviam acrescer à devolução do preço pago;
17-O recorrente, para sustentar a sua reclamação, invocou o facto de no caso não haver lugar à liquidação do I.V.A. pelo que a venda não podia ter sido anulada com fundamento na falta de pagamento do imposto;
18-Tendo a venda sido anulada pela Autoridade Tributária, ainda que com um fundamento errado, a liquidação do I.V.A. ficou sem efeito, pelo que o meio processual adequado ao caso, ao contrário do que sustenta o Tribunal “a quo”, não era a impugnação judicial, que será aplicável apenas nos casos em que a liquidação do imposto se mantém e o contribuinte discorde da mesma, mas sim a reclamação, pois não faria qualquer sentido o recorrente impugnar judicialmente uma liquidação de imposto que foi dada sem efeito pela Autoridade Tributária;
19-Sendo a reclamação o instrumento processual que disciplina o modo de reacção contra quaisquer decisões do órgão de execução fiscal e de outras autoridades administrativas que, no processo, lesem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, devia ter sido apreciado em sede de reclamação a prática do acto ilegal da recorrida de pretender liquidar I.V.A. indevidamente no trespasse total do estabelecimento em apreciação nestes autos, designadamente por uma questão de economia processual;
20-A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 900, do C.P.C., 61, 256, 257, 276 e 277 do C.P.P.T., e 3, nº4, do C.I.V.A., devendo ser revogada e substituída por outra que revogue o acto reclamado e determine a anulação do procedimento de venda com fundamento na desconformidade denunciada pelo recorrente entre os bens móveis descritos na verba única dos autos de penhora e de adjudicação e os realmente existentes no estabelecimento comercial, ordenando-se a devolução ao recorrente do preço pago no montante de 21.150,00 €, acrescido de juros de mora desde 27 de Julho de 2011 até à data do seu integral e efectivo pagamento pela Autoridade Tributária, pois assim se fará JUSTIÇA.
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Não foram produzidas contra-alegações na instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo (cfr.fls.397 dos autos).
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.707, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.304 a 309 dos autos):
1-Em 22/02/2006, foi instaurado processo de execução fiscal nº............/104141.0 contra o executado “C.......... - Soc. …............, Lda.” (cfr.documento junto a fls.224 dos autos);
2-Em 8/02/2012, o processo de execução fiscal nº........./104141.0 foi extinto por pagamento voluntário (cfr.documentos juntos a fls.197, 224 e 225 dos autos);
3-Em 2/03/2011, foi lavrado auto de penhora, no âmbito do processo de execução fiscal nº.3085-2006/104141.0, onde se lê (cfr.documento de fls.101 e 102 dos autos):

"VERBA ÚNICA - Estabelecimento comercial efectivo, enquanto unidade jurídica, com as respectivas licenças, alvarás e demais elementos que o constituem, designadamente o direito ao respectivo arrendamento e trespasse do estabelecimento comercial com sede na Calçada ….........., n.° 6 e 8, …..... Lisboa. Este estabelecimento tem como designação, ". L......... Bar", com serviços na área de "bares", exercida na loja no r/ch do imóvel, com a entrada de porta n.°6 e 8, em loja destinada a comércio, sito no Calçada …........, n.°6 e 8, …...... Lisboa, artigo urbano n.° ….......°, da freguesia de S. …........, concelho de Lisboa, com a renda anual no valor de € 2.224,00, com referência ao ano de 2010, paga a proprietária do mesmo, ANA ….........................., nif: ….............
Do estabelecimento fazem parte os bens móveis:
4 sofás revestidos a napa branca; 12 bancos, (poofs), revestidos a napa branca e preta, 10 bancos de pé alto e estrutura em inox com assentos em cabedal, sendo 5 de cor branca e cinco de cor preta; 2 mesas com pé em ferro fundido com tampo de 0,7m por 0,7m; 1 mesa/aparador de recepção com espelho; 5 molduras espelhadas, 1 mesa em madeira; 1 leitor de DVD; 1 mesa de comando de iluminação da marca Nunark; 1 mesa misturadora de som da marca Dmx Operator; 1 mesa de som da marca Nunark DM 300-ZX; 1 auscultadores de som; 1 leitor de Cd's duplo, da marca Nunark CDM 35; 1 amplificador da marca Crown XTI 1000; 2 colunas de som da marca Norton 250W, com suportes; 2 televisores plasmas da marca LG, sendo 1 de 90cm e outro de 80cm; 2 robots Movigads de luz Future Light - PHS 200; Projector de luzes da marca Martim Discovery; 1 frigorifico com botelheiro; 1 máquina de produção de gelo da marca SALO; 1 máquina de lavar copos da marca Silanos Mod 620; 1 maquina de café de um grupo da marca Lacimbali M Zijinior; 1 moinho de café; 1 computador com caixa da marca Viewsonic VA503 M; 1 impressora de ticket M5 POS; 1 tostadeira de marca Electric; 1 máquina de fumo da marca Chauved Hurricane 1100…”;

4-Por despacho de 18/04/2011 foi designado dia para a venda do bem identificado no número anterior, por meio de proposta em carta fechada (cfr.documento junto a fls.114 dos autos);
5-Em 16/06/2011, foi aceite a proposta do ora reclamante no valor de € 21.150,00, para venda da verba única identificada no nº.3 (cfr.documentos juntos a fls.14 e 174 dos autos);
6-Em 27/07/2011, foi pago pelo ora reclamante o valor de € 21.150,00 (cfr.documento junto a fls.173 dos autos);
7-Em 1/08/2011, foi passado ao reclamante auto de adjudicação (cfr.documentos juntos a fls.172 e 174 dos autos);
8-Em 11/08/2011, o reclamante informou o 3º. Serviço de Finanças de Lisboa que “constatou que todos os bens móveis de valor que se encontram descritos na publicidade da venda não se encontravam no estabelecimento” (cfr.documento junto a fls.170 e 171 dos autos);
9-Na mesma data o ora reclamante requereu (cfr.documento junto a fls.170 e 171 dos autos):
“(...) vem o adjudicatário requerer que lhe seja dada posse dos bens constantes da verba única descrita no auto de Adjudicação (...) ou caso tal entrega não venha a ser possível (...) seja a presente venda decretada nula e em consequência seja o valor entregue a título de pagamento devolvido, acrescido dos respectivos juros calculados desde a data do seu pagamento até à data da sua devolução.”;
10-Em 23/08/2011, foi proferido despacho pela Chefe do 3º. Serviço de Finanças de Lisboa , onde se lê (cfr.documento junto a fls.174-verso dos autos):
"(...) notifique o adquirente dos bens para no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento do imposto em falta no valor de € 4.864,50 (nos termos do art.°1 e 18 do C.I.V.A.), devendo solicitar a guia (P2) junto deste Serviço de Finanças, afim de consolidar o auto de adjudicação na sua posse (…)”;
11-Do despacho a que se refere o número anterior foi o ora reclamante notificado, através do ofício 8460, de 31/08/2011 (cfr.documento junto a fls.175 dos autos);
12-Em 14/09/2011 o reclamante requereu (cfr.documento junto a fls.181 dos autos):
“(…) que seja autorizado o pagamento do valor correspondente ao I.V.A. devido pela transacção, na data em que venha a ser possível tomar posse dos bens constantes da verba única (…)”;

13-Em 9/11/2011, foi proferido despacho pela Chefe do 3º. Serviço de Finanças de Lisboa, onde se lê (cfr.documento junto a fls.181 e verso):
“Notifique (...) o adjudicatário para a entrega do auto indevidamente entregue no prazo de 10 dias neste Serviço de Finanças. No que respeita ao pagamento do IVA deverá proceder de imediato, sem o qual o impede de tomar posse dos bens”;

14-Em 26/11/2011, o ora reclamante requereu junto do 3º. Serviço de Finanças de Lisboa (cfr.documento junto a fls.194 e 195 dos autos):
“(...) nos termos do n.°4 do Artigo 3.° do código do IVA deverão V.Exas. excluir do conceito de transmissão a presente venda e consequentemente, do âmbito de incidência desse imposto, logo não se mostrando justificada a entrega do título de transmissão.
Mais expõe e requer:
(...) que nos termos do n.°1, alínea a), do artigo 257.° do Código de Processo e Procedimento Tributário, ordene a anulação da venda conforme requerido a 11/08/2011, e em consequência proceda à devolução do valor pago, acrescido dos respectivos juros (…)”;

15-Em 8/02/2012 foi proferido pela Chefe do 3º. Serviço de Finanças de Lisboa, o despacho impugnado, onde se lê (cfr.documento junto a fls.198 dos autos):
“1.° O adjudicatário tem na sua posse um título de adjudicação nulo, por não ter pago os impostos ao mesmo inerente;
2.° Apesar de notificado para entregar o original do mesmo, não o fez até à presente data;
3.° Face ao pagamento da totalidade da dívida pelo executado e à inexistência de credores conhecidos para além da Fazenda, determino a extinção dos autos de execução fiscal nos termos do art.°176.° n.°1 al. a) do CPPT;
4.° Anulo o procedimento da venda;
5.° Visto o pagamento do adjudicatário estar associado à execução fiscal, deverá proceder-se à devolução do mesmo.
(...)”;

16-Em 9/03/2012, deu entrada a presente reclamação no 3º. Serviço de Finanças de Lisboa (cfr.carimbo aposto a fls.3 dos autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Os factos provados resultam da análise crítica dos elementos juntos aos autos, conforme indicado em cada alínea do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em resumo, julgar improcedente a reclamação deduzida, devido ao decaimento de todos os seus fundamentos.
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Antes de mais, refere-se que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.684 e 685-A, do C.P.Civil; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese e como supra se alude, que não tendo a transmissão do estabelecimento dos autos sido acompanhada dos bens móveis que o integravam à data, constantes da verba única descrita nos autos de penhora e de adjudicação, como ficou devidamente provado, não há trespasse, logo a venda não se pode considerar consolidada. Que o artº.900, do C.P.C., não pode aplicar-se ao caso dos presentes autos, ao contrário do que sustenta o Tribunal “a quo”. Que a venda devia ter sido anulada, não por falta de pagamento do I.V.A. pelo recorrente, conforme sustentam a recorrida e o Tribunal “a quo”, mas por inexistência do objecto da penhora anunciado para venda, facto que é da exclusiva responsabilidade da Autoridade Tributária, assistindo, por isso, ao recorrente o direito à devolução do preço pago e dos respectivos juros de mora em consequência da anulação da venda por motivo imputável à recorrida. Que não há lugar à aplicação do imposto de I.V.A. quando ocorre a transferência de um estabelecimento comercial, como é o caso da cessão definitiva de estabelecimento comercial - trespasse - anunciada dos presentes autos, e o adquirente é ou passa a ser sujeito passivo e continua a desenvolver a actividade do estabelecimento, nos termos do artº.3, nº.4, do Código do I.V.A. Que não havendo lugar ao pagamento de I.V.A. no trespasse, a venda não podia ter sido anulada pela recorrida com fundamento na falta de pagamento do imposto. Que a decisão recorrida violou o disposto nos artºs.900, do C.P.C., 61, 256, 257, 276 e 277, do C.P.P.T., e 3, nº4, do C.I.V.A., devendo ser revogada e substituída por outra que revogue o acto reclamado e determine a anulação do procedimento de venda com fundamento na desconformidade denunciada pelo recorrente entre os bens móveis descritos na verba única dos autos de penhora e de adjudicação e os realmente existentes no estabelecimento comercial, ordenando-se a devolução ao recorrente do preço pago no montante de € 21.150,00, acrescido de juros de mora desde 27 de Julho de 2011 até à data do seu integral e efectivo pagamento pela Autoridade Tributária (cfr.conclusões 1 a 19 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
O processo de execução fiscal tem como objectivo primacial a cobrança dos créditos tributários, de qualquer natureza, estando estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o intuito de conseguir uma maior celeridade na sua cobrança, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas.
Nas conclusões expostas supra, o recorrente, além do mais, clama pelo exame da legalidade da venda por meio de proposta em carta fechada e constante do probatório (cfr.nºs.4 a 6 da factualidade provada).
O regime de anulação da venda em processo tributário encontra-se previsto no artº.257, do C. P. P. Tributário (cfr.artº.328, do anterior C.P.Tributário), preceito que deve ser conjugado com os artºs.908 e 909, do C. P. Civil, onde se encontram enunciadas as causas de anulação.
O sujeito cujo direito foi alegadamente violado, pretendendo a respectiva reparação, está obrigado a escolher o tipo de acção que a lei especificamente prevê para obter a satisfação do seu pedido, sob pena de, se o não fizer, o Tribunal nem sequer tomar conhecimento da sua pretensão. Não está, assim, na disponibilidade do administrado a escolha arbitrária do tipo de acção a que pode recorrer na defesa dos seus direitos, visto que a lei, em cada caso, consagra qual o meio processual próprio para atingir aquela finalidade, o qual deve ser seguido. Nestes termos, compete ao demandante analisar a situação que se lhe apresenta e, perante ela, recorrer, dentro do prazo legal, ao meio processual que a lei disponibilizou para obter o reconhecimento do direito ou interesse em questão.
Voltando ao caso concreto, a possibilidade de convolação para a forma processual de anulação de venda (Outros incidentes de execução), está arredada pela manifesta intempestividade da petição que originou o presente processo (cfr.nºs.8 e 16 do probatório; artº.257, nº.1, do C.P.P.T.).
Mais sustenta o recorrente que o artº.900, do C.P.C. (cfr.actual artº.827, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), não pode aplicar-se ao caso dos presentes autos.
Da factualidade provada retira-se que o despacho objecto da presente reclamação se fundamenta, além do mais (cfr.nº.15 do probatório), no citado artº.900, nº.1, do C.P.Civil, preceito que tem a seguinte redacção:
Artº.900
(Adjudicação e registo)
1-Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados.
(…)
Passando por cima do exame da natureza da venda em processo de execução fiscal e do momento em que se opera a transferência de propriedade (se no momento da aceitação da proposta, se no momento da adjudicação - cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.171 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 13ª. edição, 2010, pág.394 e seg.), o certo é que, conforme resulta do probatório, o reclamante/recorrente ainda não satisfez as obrigações fiscais decorrentes da transmissão do estabelecimento vendido na execução fiscal, mais exactamente, o I.V.A. liquidado ao abrigo dos artº.1 e 18, do C.I.V.A., e no montante de € 4.864,50. Liquidação esta que, de resto, o recorrente começou por aceitar e da qual foi notificado a 31/08/2011, cerca de seis meses antes da dedução da presente reclamação (cfr.nºs.10 a 12 e 16 do probatório).
Em conclusão, é aplicável ao caso “sub judice”, o artº.900, nº.1, do C.P.Civil.
Mais se dirá, não serem os presentes autos o local indicado para o exame da legalidade da mencionada liquidação de I.V.A.
Por último, ainda no âmbito do exame do presente vector do recurso, clama o recorrente pela não incidência de I.V.A. quando ocorre a transferência de um estabelecimento comercial e o adquirente é, ou passa a ser, sujeito passivo e continua a desenvolver a actividade do estabelecimento, nos termos do artº.3, nº.4, do Código do I.V.A.
Nos termos da norma em questão, exclui-se do conceito de transmissão de bens e, consequentemente, do âmbito de incidência de imposto, além do mais, as cessões a título oneroso de estabelecimento comercial, quando o adquirente seja, ou venha a ser, um sujeito passivo de imposto. Além de todos os outros pressupostos de aplicação do dito artº.3, nº.4, do C.I.V.A. (v.g. a ocorrência de uma verdadeira cessão de estabelecimento comercial; o adquirente ser, ou passar a ser, sujeito passivo de imposto), desde logo, se deve referir que tal preceito não é aplicável ao caso do adquirente ser um sujeito passivo isento ou que esteja abrangido pelo regime dos pequenos retalhistas, dado que, quer num caso, quer noutro, não pratica quaisquer operações a jusante (cfr.Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.54 e seg.; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.68, 69 e 74 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, deve concluir-se pela não aplicação da norma em exame à transmissão de estabelecimento comercial em causa neste processo, visto ser manifesta a não verificação de diversos pressupostos da mesma, nomeadamente e desde logo, a inexistência de prova da apresentação junto do Serviço de Finanças da declaração de início de actividade por parte do recorrente, visto que, segundo alega, somente se tornaria sujeito passivo de I.V.A. depois da aquisição.
Em conclusão, o imposto mostra-se devido, sendo que por isso, e na falta do seu pagamento, a venda executiva se mostra inquinada por vício que precedeu, processualmente, a própria adjudicação, assim afectando a validade do título de adjudicação emitido (cfr.artº.900, nº.1, do C.P.Civil).
Como consequência de tudo o expendido supra, deve arrematar-se com a legalidade do despacho reclamado (e da decisão recorrida), o qual não violou as normas constantes dos artºs.900, do C.P.C., 61, 256, 257, 276 e 277, do C.P.P.T., e 3, nº4, do C.I.V.A.
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o reclamante/recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 10 de Setembro de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)

(Aníbal Ferraz - 1º. Adjunto) -Voto a decisão de não provimento do recurso.

(Jorge Cortez - 2º. Adjunto)