Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:97/21.0BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:12/16/2021
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:REGULAMENTO DISCIPLINAR;
SUSPENSÃO PREVENTIVA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO;
ANULAÇÃO DO ATO
Sumário:I. A reprodução da formulação constante de Regulamento Disciplinar relativa a requisitos de suspensão preventiva de agente desportivo, em ato deliberativo que aplica tal sanção, sem que se perceba como se integra a conduta indiciada na respetiva hipótese legal, não cumpre o dever de fundamentação.

II. Inexistindo no caso uma relação de necessidade do dever de fundamentação com direitos fundamentais, a verificação da sua falta importa a anulação do ato punitivo.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
Por decisão de 28/07/2021, o Tribunal Arbitral do Desporto declarou improcedente, por não provado, o pedido de revogação da deliberação proferida pela Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da Demandada, na sua reunião plenária realizada a 16/04/2021, na parte em que determina a aplicação ao autor de uma suspensão preventiva não automática.
Inconformado, o autor interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“60. O presente recurso vem interposto da decisão proferida a 28 de Julho de 2021 pelo TAD o qual entendeu julgar improcedente a acção Arbitral, mantendo assim a Deliberação proferida pela Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da Demandada que aplicou ao aqui Recorrente uma suspensão preventiva não automática.
61. Entende o Recorrente que a referida decisão deve ser revogada, porquanto a Deliberação em causa viola o dever de fundamentação das decisões, previsto nos arts 205.°, n.° 1, da CRP, 374.º, n.º 2 e art. 229.º n.º 4 do RDFPF, sendo por isso nula nos termos dos arts. 668.°, n.°l, alínea a) do CPC, ex vi art. l.° do CPTA e art. 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, ex vi art. 11.º do RDFPF.
62. Sem conceder e subsidiariamente, sempre deverá a decisão recorrida ser revogada uma vez que não estão reunidos os pressupostos gerais que, ao abrigo do art. 39.º do RDFPF determinam a suspensão preventiva não automática do Requerente, carecendo a Deliberação da Recorrida de total fundamento de facto e de direito e, devendo por isso, ser revogada.
63. Sem conceder e subsidiariamente a Deliberação proferida pela Requerida viola o princípio da proporcionalidade previsto no art. 18.º da CRP, pelo que deverá a decisão a quo se revogada na parte em que determinou a aplicação ao Recorrente de uma medida de suspensão preventiva não automática, pois só assim se fará JUSTIÇA!
Nestes termos, e nos melhores de direito, requer-se a V. Exa. que se digne a julgar totalmente procedente o presente recurso e, em consequência, revogar a decisão arbitral proferida pelo TAD.”
A entidade demandada apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1. O recurso de A… (doravante designada também como "Recorrente") tem por objeto o Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto proferido em 28 de julho de 2021 que declarou improcedente o recurso interposto, o qual dizia respeito à apreciação da legalidade da suspensão preventiva não automática determinada, pelo Conselho de Disciplina, ao Recorrente.
2. O Recorrente havido sido sancionado com a sanção de suspensão por 30 dias pela prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 13.º n.º 2, alínea a) do RD da FPF, comunicada através do Comunicado Oficial n.° 388 (Mapa de Sumários), publicado no dia 12 de março de 2021.
3. Ora, no dia 11 de abril de 2021, o Recorrente esteve presente em jogo a contar para o Campeonato de Portugal, alegadamente convencido que já tinha integralmente cumprido a sanção de suspensão que lhe havia sido aplicada, entendendo que a executoriedade da sanção teve início logo no dia da publicação do mapa de sumários.
4. Quanto a este ponto, entendeu, e bem, o Colégio Arbitral que "não obstante o Demandante alegue ter iniciado o cumprimento da sanção de suspensão de 30 dias já no próprio dia 12 de março de 2021, nos termos e para os fins pretendidos no RD, a executoriedade da sanção apenas começou a 16 de março de 2021, finalizando em 14 de abril de 2021 (...).", pelo que em 11 de abril ainda se encontrava a cumprir sanção de suspensão, que o impedia de estar presente no jogo.
5. Resulta claro da deliberação sub judice qual foi a motivação do Conselho de Disciplina ao ordenar a suspensão preventiva não automática do Recorrente, pelo que não é verdade aquilo que este alega quando diz que o Conselho não alegou nem demonstrou, ainda que de forma indiciária, os factos que estão na base da sua decisão.
6. O dever de fundamentação dos atos administrativos é imposto pelo 268.º, n.9 3 da CRP e concretizado nos artigos 152.º e 153.º do Código de Procedimento Administrativo (doravante, CPA), encontrando também previsão no artigo 229.º, n.º 4 do RDFPF, pelo que não merece censura a conclusão de que a deliberação do Conselho de Disciplina - Secção Não Profissional encerra suficiente fundamentação de facto e direito.
7. Ainda, entendeu (bem) o Colégio Arbitral encontrarem-se verificados os requisitos gerais para aplicação da suspensão preventiva não automática. Também aqui sem nenhum reparo a fazer.
8. De todo o supra exposto nas presentes contra alegações resulta que se o Conselho de Disciplina - Secção Não Profissional não tivesse suspendido preventivamente o Recorrente este poderia fazer-se apresentar naqueles recintos desportivos para assistir àqueles jogos, uma vez que se trata de partidas cruciais para as aspirações do clube de acesso ao segundo escalão do futebol nacional sendo, por isso, a presença do Recorrente reputada como absolutamente vital, como deu este a entender.
9. Tal situação, a acontecer, seria inaceitável por atentar à salvaguarda da autoridade e ao prestígio da organização desportiva do futebol.
10. O CD muniu-se da medida de suspensão preventiva não automática por aquela se revelar como o único meio hábil e idóneo a salvaguardar a autoridade e o prestígio da organização desportiva, em respeito pelos princípios da adequação, exigibilidade ou necessidade e justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito.”

Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir dos erros de julgamento da decisão recorrida:
- ao não considerar que a deliberação em causa viola o dever de fundamentação das decisões;
- ao considerar estarem reunidos os pressupostos gerais que, ao abrigo do artigo 39.º do RDFPF, determinam a suspensão preventiva não automática do recorrente;
- ao não considerar que a deliberação proferida viola o princípio da proporcionalidade.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. No dia 11 de abril de 2021, disputou-se o jogo da jornada 22 do Campeonato de Portugal entre a C…, SAD e o C…, do Campeonato de Portugal.
2. Nesse mesmo jogo esteve presente o Demandante, no recinto desportivo, mais propriamente na Tribuna.
3. Em entrevista ao Canal 11, no relvado do estádio J…, o Presidente da C… SAD, ora Demandante, após o final do referido encontro, indicou: "O E… foi um justo vencedor do grupo (...), certo é que chegámos aqui com todo o mérito, lamentável por vezes, enfim, existir alguns jogos de bastidores que nos quiseram tirar o lugar. Não conseguiram, e como o meu Diretor Executivo disse uma vez nos Açores, vão ter de levar connosco e o E… veio para ficar".
4. O Demandante consta de fotografia partilhada na página oficial do Facebook da C…, SAD, em momento de celebração coletiva após o referido encontro, onde é visível inclusive a utilização de credenciação.
5. O Demandante havia sido sancionado com 30 dias de suspensão, conforme consta do Comunicado Oficial n.s 388, publicado a 12 de março de 2021.
6. Até ao final da época desportiva do Campeonato de Portugal 2020/21, o C…, SAD, tinha por cumprir os seguintes jogos: 1. O jogo n.º 2…, entre a S…, SAD e a C…, SAD no dia 02/05/2021; 2. O jogo n.º 2…, entre a C…, SAD e a U…, no dia 07/05/2021; 3. O jogo n.º 2…, entre a C…, SAD e a V…, SAD, no dia 16/05/2021; 4. O jogo n.º 2… Club, entre a F…, SAD e a S…, SAD, no dia 22/05/2021; e 5. O jogo n.º 2…, entre a U…, SAD e a C…, SAD, no dia 30/05/2021.

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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir cingem-se a saber se ocorrem erros de julgamento da decisão recorrida:
- ao não considerar que a deliberação em causa viola o dever de fundamentação das decisões;
- ao considerar estarem reunidos os pressupostos gerais que, ao abrigo do artigo 39.º do RDFPF, determinam a suspensão preventiva não automática do recorrente;
- ao não considerar que a deliberação proferida viola o princípio da proporcionalidade.

Quanto à primeira questão, consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação:
[V]erifica-se que a decisão recorrida, apesar de a mesma ser sucinta, contém matéria de facto provada, a motivação para que fosse a mesma considerada provada, com indicação de documentação pertinente e justificativa dos factos dados como provados, bem como fundamentação jurídica.
Portanto, é evidente que a decisão se encontra suficientemente fundamentada não se verificando, assim, a violação do disposto no artigo 205.º, n.º 1 da CRP, estando suficientemente especificados os fundamentos de facto da decisão, bem como não se verificando qualquer défice instrutório.
Improcede, pois, o alegado quanto à nulidade da deliberação por violação do dever de fundamentação.”
Com o que dissente o recorrente.
Na deliberação em causa, proferida pela Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da entidade recorrida, na sua reunião plenária realizada a 16/04/2021, foi determinada a instauração de um processo disciplinar ao ora recorrente, que deu origem ao processo n.º … – 2020/2021, constando da mesma o seguinte:
1. O jogo da jornada 22, disputado a 11 de abril de 2021, entre a C…, SAD e o C…, do Campeonato de Portugal, terá contado com a presença do Sr. A… no recinto desportivo, tendo em conta a lista de presenças entregue pela C…, a qual acompanha o Relatório do Delegado, de onde consta A… como presente na Tribuna.
2. Em entrevista ao Canal 11, no relvado do estádio J…, o Presidente da C… SAD, Sr. A…, após o final do referido encontro, indicou: ‘O E… foi um justo vencedor do grupo (...), certo é que chegámos aqui com todo o mérito, lamentável por vezes, enfim, existir alguns jogos de bastidores que nos quiseram tirar o lugar. Não conseguiram, e como o meu Diretor Executivo disse uma vez nos Açores, vão ter de levar connosco e o E… veio para ficar’.
3. O Sr. A… consta ainda de fotografia partilhada na página oficial do Facebook da C…, SAD, em momento de celebração coletiva após o referido encontro, onde é visível inclusive a utilização de credenciação.
4. O Sr. A… havia sido sancionado com 30 dias de suspensão, conforme consta do Comunicado Oficial nº 388, publicado a 12 de março de 2021.
5. Estabelece o artigo 37º, nº 3 do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol que a ‘sanção de suspensão por período de tempo impede qualquer agente desportivo de exercer, durante esse período, qualquer cargo ou atividade desportiva nas competições que se encontrem sujeitas ao poder disciplinar da Federação (...), e inabilita-os, em especial, para o exercício das funções de representação no âmbito das competições’.
6. Refere ainda o nº 4 do referido artigo que ‘os agentes desportivos suspensos não podem, durante a suspensão, estar presentes na zona técnica dos recintos desportivos em que se disputem jogos oficiais integrados nas competições organizadas pela FPF, tal como definido no regulamento da respetiva competição, desde duas horas antes do início de jogo oficial e até trinta minutos após o seu termo’.
7. As suprarreferidas declarações ocorreram breves momentos após o terminus do jogo, em violação ao disposto no artigo 37º, nº 3 e 37º, nº 4 do RDFPF, na medida em que se encontrava suspenso, logo impedido de exercer funções de representação de sociedade desportiva e de estar presente na zona técnica do recinto desportivo.
8. Ainda, atenta a sanção de suspensão aplicada, o Sr. A… não poderia ter acedido ao complexo desportivo, em face da atual situação pandémica e de acordo com o Regulamento Covid 19 para a retoma da prática competitiva de futebol, futsal e futebol de praia, o qual prevê a possibilidade de determinadas pessoas acederem ao recinto desportivo, seja por força da qualidade funcional por si titulada, seja por se encontrarem no exercício de funções que são reputadas como relevantes para assegurar a organização do jogo – o que, não era o caso, em face do impedimento de exercício do cargo de direção que lhe é adstrito.
9. Na medida em que a factualidade reportada é suscetível de assumir relevância disciplinar, nomeadamente em função do conteúdo das declarações proferidas a órgão de comunicação social e de incumprimento de deliberação, determina-se a instauração de processo disciplinar, que terá como arguido o Sr. A…. Mais se determina a suspensão preventiva não automática, de acordo com o disposto no artigo 39º, nº 1 do RDFPF, tendo em conta a salvaguarda da autoridade e o prestígio da organização desportiva do futebol.
10. Em conformidade, determina-se aos serviços administrativos a autuação do processo como processo disciplinar, bem como a sua numeração nos termos regulamentares e remessa à Comissão de Instrução Disciplinar da FPF.
É indisputável que cabe à administração (e às entidades com o estatuto de utilidade pública desportiva, como a recorrida) o dever de fundamentar os atos que afetem os direitos ou interesses legítimos dos seus destinatários, devendo ser expostas as razões de facto e de direito que levaram à prática de determinado ato e a que lhe seja dado determinado conteúdo.
Dando conteúdo ao imperativo constitucional plasmado no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) (“[o]s atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”), o CPA prevê o seguinte:
“Artigo 151.º
Menções obrigatórias
1 - Sem prejuízo de outras referências especialmente exigidas por lei, devem constar do ato:
a) A indicação da autoridade que o pratica e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista;
b) A identificação adequada do destinatário ou destinatários;
c) A enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes;
d) A fundamentação, quando exigível;
e) O conteúdo ou o sentido da decisão e o respetivo objeto;
f) A data em que é praticado;
g) A assinatura do autor do ato ou do presidente do órgão colegial que o emana.
2 - As menções exigidas no número anterior devem ser enunciadas de forma clara, de modo a poderem determinar-se de forma inequívoca o seu sentido e alcance e os efeitos jurídicos do ato administrativo.
Artigo 152.º
Dever de fundamentação
1 - Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
e) Impliquem declaração de nulidade, anulação, revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior.
2 - Salvo disposição legal em contrário, não carecem de ser fundamentados os atos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal.
Artigo 153.º
Requisitos da fundamentação
1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.
2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
3 - Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados.”
Releva ainda para o caso o disposto no artigo 229.º, n.º 4, do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol (RDFPF), segundo o qual “[a]s decisões proferidas no âmbito disciplinar devem ser fundamentadas de facto e de direito mediante enunciação da respetiva motivação em termos claros e sucintos, não sendo admitidas abstenções”.
Conforme é de há muito jurisprudência consolidada, a fundamentação é um conceito relativo, que varia consoante o tipo legal de ato administrativo em concreto, tendo como objetivos “habilitar o destinatário a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesividade, caso com a mesma não se conforme (objetivo endoprocessual) e de assegurar a transparência, a serenidade, a imparcialidade e reflexão decisórias (objetivos exa ou extra-processuais)” (acórdão do STA de 14/05/1997, proc. n.º 029952, disponível, como os demais a citar, em www.dgsi.pt).
Por outras palavras, o ato está devidamente fundamentado sempre que o seu destinatário fica esclarecido acerca das razões que o motivaram, isto é, sempre que o mesmo contenha, com suficiência e clareza, as razões de facto e de direito que o justificaram, por forma a que aquele, se o quiser, possa impugná-lo com o necessário e indispensável esclarecimento; a fundamentação é, assim, um requisito formal do ato que se destina a responder às necessidades de esclarecimento do seu destinatário e que, por isso mesmo, varia em função do seu tipo legal e das circunstâncias concretas de cada caso (cf., vg, o acórdão do STA de 24/09/2009, proc. n.º 428/09).
Deve, assim, o conteúdo da fundamentação adequar-se ao tipo concreto do ato e às circunstâncias em que foi praticado, impondo-se que seja expressa, clara, suficiente e congruente.
Ou, vista no sentido inverso, a fundamentação do ato não pode ser obscura, contraditória ou insuficiente (cf., v.g., Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa dos atos administrativos, 1991, pág. 238).
Há que ter ainda em consideração que no estrito âmbito do direito sancionatório, em que nos movemos no caso em análise, o essencial é que constem do ato punitivo a descrição das condutas relevantes que resultaram provadas, a censura que é dirigida ao visado pela sua prática, bem como a integração dessas condutas censuráveis nas respetivas hipóteses legais, com a clareza e com a lógica indispensáveis para que entenda essa imputação, assim permitindo a adequada reação contra a mesma (cf. acórdão do STA de 16/03/2017, proc. n.º 0343/15).
Está somente em causa a aplicação ao recorrente de uma suspensão preventiva não automática, nos termos previstos no artigo 39.º do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol (RDFPF), enquadrado no capítulo II deste diploma, intitulado ‘das sanções, do seu cumprimento e dos seus efeitos’.
Tal normativo prevê o seguinte:
“1. A suspensão preventiva não automática é ordenada quando se mostrar necessária ao apuramento da verdade ou for imposta pela salvaguarda da autoridade ou prestígio da organização desportiva do futebol, sendo independente da suspensão preventiva automática.
2. A suspensão preventiva não automática de um agente desportivo depende de decisão prévia do órgão disciplinar a quem compete julgar a infração e inicia-se com a respetiva notificação ao visado.
3. A suspensão preventiva não automática caduca ao fim de 30 dias a contar da notificação”.
Temos, pois, que a decisão de suspensão preventiva não automática pode assentar em um de três requisitos distintos:
- mostrar-se necessária ao apuramento da verdade;
- impor-se pela salvaguarda da autoridade da organização desportiva do futebol.
- impor-se pela salvaguarda do prestígio da organização desportiva do futebol.
Visto e revisto o teor da deliberação, não se pode manter o decidido pelo TAD.
A aplicação da sobredita sanção, repise-se, tem de se amparar num dos indicados requisitos.
Na deliberação é singelamente reproduzido o teor do citado artigo 39.º, n.º 1, do RDFPF, na sua parte final, “Mais se determina a suspensão preventiva não automática, de acordo com o disposto no artigo 39º, nº 1 do RDFPF, tendo em conta a salvaguarda da autoridade e o prestígio da organização desportiva do futebol.”
Como é bom de ver, neste trecho não se vislumbram quais são os fundamentos que suportam o decidido. Há tão só uma mera repetição da formulação legal relativa ao segundo e terceiro requisitos, inexistindo em toda a deliberação qualquer outra referência à suspensão preventiva ou à verificação daqueles requisitos.
É verdade, conforme se sustenta na decisão recorrida, que foram enunciados os factos indiciados nos autos.
Esta enunciação afigura-se suficiente para concluir que tal factualidade é suscetível de assumir relevância disciplinar, como se fez na primeira parte do segmento decisório da deliberação.
Já quanto à aplicação de sanção, constante da segunda parte do segmento decisório da deliberação, impunha-se que, para além da descrição da conduta indiciada, se percebesse como se integra essa conduta na respetiva hipótese legal.
Não se pode deste modo dizer que a fundamentação seja clara e suficiente, posto que se concluiu pela aplicação automática da sanção de suspensão, sem previamente ponderar que fatores relevantes a justificam. Ou seja, ficaram por enunciar os motivos que subjazem à verificação da necessidade de salvaguarda da autoridade e do prestígio da organização desportiva do futebol.
O que leva a concluir que o ato punitivo não cumpriu o dever de fundamentação.
A falta de fundamentação acarreta, em termos gerais, a anulabilidade do ato, podendo, em situações especiais, implicar a sua nulidade, caso ofenda o conteúdo essencial de um direito fundamental, cf. artigo 161.º, n.º 2, al. d), do CPA, como sucederá quando se trate de ato administrativo que toque o núcleo da esfera normativa protegida pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma proteção efetiva do direito liberdade e garantia (cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 594/08, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, e Vieira de Andrade, op.cit., pág. 293).
No caso não se vê que o dever de fundamentação (a sua falta) contenda com direito fundamental, designadamente com o direito de acesso aos tribunais ou com o direito de defesa, plasmados nos artigos 20.º, n.º 1, 32.º, n.º 10, e 268.º, n.º 4, da CRP.
Como se observa no citado acórdão do TC, a fundamentação propicia “a obtenção do material de facto e de direito cujo conhecimento poderá facilitar ao administrado, de modo mais ou menos determinante e decisivo, a interposição da concreta ação e o seu êxito, através da qual se pretende obter a tutela dos concretos direitos ou interesses legalmente protegidos cuja ofensa é imputada ao concreto ato e deliberação.
Por mor da sujeição da administração ao princípio da legalidade administrativa e através desse instituto, o cidadão terá à mão, porventura, mais facilmente do que acontece nas relações privadas, onde lhe caberá desenvolver a atividade investigatória que tenha por pertinente, os elementos de facto e de direito com bases nos quais se pode determinar, pelo recurso aos tribunais, configurar os concretos termos da causa e apetrechar-se dos meios de prova, para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.”
Inexiste, pois, uma relação de necessidade do dever de fundamentação com os aludidos direitos fundamentais.
Vale isto por dizer que a eventual verificação da falta de fundamentação no caso vertente não é cominada com a sanção da nulidade, prevista para a ofensa do conteúdo essencial de direito fundamental, nos termos que constam do artigo 161.º, n.º 2, al. d), do CPA.
Cumpre, assim, anular o ato punitivo.
Com o que queda prejudicada a apreciação das demais questões subsidiariamente suscitadas pelo aqui recorrente.

Em suma, será de revogar o acórdão recorrido e anular o ato punitivo, proferido pela Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da entidade recorrida, na sua reunião plenária realizada a 16/04/2021.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
§ conceder provimento ao recurso e revogar o acórdão do TAD que manteve a aplicação ao recorrente de uma suspensão preventiva não automática;
§ anular o ato punitivo proferido pela Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, na sua reunião plenária realizada a 16/04/2021, na parte em que aplicou ao recorrente uma suspensão preventiva não automática;
Custas a cargo da recorrida.

Lisboa, 16 de dezembro de 2021
(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Catarina Vasconcelos)