Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:272/15.6BEFUN
Secção:CA
Data do Acordão:01/07/2021
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:INEPTIDÃO DA PI POR INCOMPATIBILIDADE DE PEDIDOS;
PROCESSO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA;
INDEMNIZAÇÃO REPRISTINATÓRIA;
LUCROS CESSANTES;
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA E ABSOLUTA;
CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO;
MONTANTE DOS DANOS;
EQUIDADE.
Sumário:I – Os pedidos devem ser expressamente formulados, lícitos, determinados e compatíveis com a causa de pedir e entre si;
II – Numa acção de execução de sentença anulatória não são incompatíveis com a causa de pedir os pedidos que se formulam para o Exequente ser indemnizado por danos relativos a factos já passados e para se proceder à restauração natural relativamente a factos futuros;
III- O processo de execução de sentença anulatória só permite pedir uma indemnização repristinatória, isto é, sucedânea da impossibilidade de se efectivar o julgado anulatório por via da reconstituição natural e que cubra os danos decorrentes da expropriação do indicado direito à execução do julgado. Fica de fora deste processo a indemnização por responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito e culposo;
IV – A indemnização por inexecução só poderá ter o alcance de abranger os danos cobertos por uma situação vantajosa que está certo que existiria, que deveria fazer parte da esfera jurídica do Exequente não fora a inexecução, ou por uma oportunidade real, não por vantagens apenas possíveis, por prejuízos que se estimam advirem para o Exequente por não ter aumentado o seu património. Tal indemnização fica necessariamente aquém da que se consegue alcançar por via da acção de responsabilidade civil. Para reintegrar no património do lesado os montantes que decorrem de uma possível perda de vantagens que se estimavam auferir ou por prejuízos decorrentes do acto anulado, que ainda não integravam o património do Exequente, terá o lesado que lançar mão a uma acção de indemnização.
V- Se à data do trânsito em julgado da decisão exequenda o regime legal aplicável à inspecção técnica de veículos já não comportava a possibilidade de se aceder a tal actividade por via de uma autorização administrativa, se nessa mesma data tal autorização já não era uma condição necessária para tal acesso, devendo-se considerar caducas as autorizações já concedidos, deve-se entender que ocorre impossibilidade jurídica e absoluta de executar uma sentença anulatória nos termos da qual se devia posicionar o Exequente em 1.º lugar no concurso, concedendo-lhe a indicada autorização de acesso à actividade;
VI – A indicada impossibilidade jurídica e absoluta configura uma causa legítima de inexecução da sentença anulatória;
VII – A existência de causa legítima de inexecução pode ser invocada por qualquer parte e pode ser conhecida oficiosamente;
VIII - A indemnização pela inexecução do julgado anulatório é objectivamente devida sempre que não se possa obter a utilidade que derivaria da execução da sentença (declarativa) que foi proferida, por o cumprimento dessa mesma sentença se mostrar, no caso, já impossível. A indemnização a atribuir visa, pois, compensar o dano que decorre para o A. e Exequente da impossibilidade de ver cumprida a sentença anulatória, com a perda do direito à reconstituição natural. O dano que se visa ressarcir é encarado como um dano real, objectivo, que resulta da posição jurídica de vantagem que necessariamente decorria para o A. da decisão que lhe foi favorável e que ficou sacrificada face à impossibilidade de execução do julgado;
IX- Não sendo possível fixar com exactidão o montante dos danos patrimoniais que resultariam da execução da sentença declarativa, a indemnização deve ser fixada com recurso à equidade, tendo como limite máximo os danos invocados pelo requerente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

C…… – Centro de Inspecção Mecânica em Automóveis (doravante C.....) vem, nos termos do art.º 27.º, n.º 2, do CPTA, reclamar para a Conferência da decisão proferida pela Relatora que procedeu ao saneamento do presente processo e (i) julgou improcedente a excepção de ineptidão da PI, invocada por nela estarem feitos pedidos de objecto impossível e substancialmente incompatíveis; (ii) que julgou procedente a excepção de erro na forma do processo quando através deste se pretenda efectivar uma indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual do Governo da Região Autónoma da Madeira (RAM), por acto ilícito e culposo e determinou o prosseguimento dos autos apenas para aferir do direito do Exequente a ver efectivado o julgado anulatório por via da reconstituição natural ou, sendo tal impossível, a ser indemnizado, a título de tutela repristinatória, pelos danos decorrentes da expropriação do direito à execução do julgado; (iii) que julgou sanada a irregularidade da PI inicial, considerando o teor da nova PI aperfeiçoada e que julgou não verificada a excepção de preterição do litisconsórcio passivo; (iv) assim como, que julgou procedente a existência de causa legítima de inexecução e determinou a notificação das partes para, no prazo de 20 dias, querendo, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução.
O Exequente não indica restringir a reclamação para a Conferência a alguns dos segmentos da decisão proferida pela Relatora. Assim, há que entender que reclama relativamente a todo o conteúdo daquela decisão.
Na reclamação para a Conferência o Exequente suscita a questão de o processo ter sido iniciado como uma execução para pagamento de quantia certa e só mais tarde ter sido corrigida para a forma de processo, para execução de sentença anulatória e tal circunstância não ter sido considerada na apreciação do erro na forma do processo. Mais invoca o Exequente, a nulidade decisória por se ter conhecido oficiosamente, de imediato, sem previamente abrir lugar a diligências instrutórias, da existência de causa legitima de inexecução, que diz que inexiste.
Estas questões, suscitadas pelo Exequente na reclamação para a Conferência, que constituem a alegação de nulidade decisória, por omissão de pronúncia, serão conhecidas a propósito da excepção de erro na forma do processo e do conhecimento da existência de causa legitima de inexecução.

Na resposta à reclamação para a Conferência, a M…… – I........., SA, suscita a questão da desistência dos pedidos de natureza não indemnizatória, que diz formulada pelo Exequente no artigo 181.º da réplica, que alega ter sido uma questão omitida na decisão reclamada. Mais requer, que tal desistência seja reconhecida e homologada. A M.......... requer, igualmente, que se assim não for considerado, seja liminarmente rejeitada a reclamação para a Conferência no segmento referente ao reconhecimento de causa legítima de inexecução, por evidenciar uma conduta processual contraditória do Exequente e consubstanciar um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium. A M.......... requer, também, que seja indeferida, por ilegal e intempestiva, a alteração do pedido feita na reclamação para a Conferência para se “revogar a concessão efetuada e, consequentemente encerrar o centro de inspeções automóveis indevidamente autorizado a funcionar”, para se determinar a “cessação da atividade do operador e o encerramento dos centros onde essa atividade se desenrola” e a “atribuição à ora Exequente de um título para o exercício da sua atividade”.

Como melhor veremos a seguir, no que concerne à invocação da M.......... para que seja liminarmente rejeitada a reclamação para a conferência relativamente ao segmento da decisão referente ao reconhecimento de causa legítima de inexecução, por evidenciar uma conduta processual contraditória do Exequente e consubstanciar um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, não procede, pois o que se retira das peças processuais apresentadas pelo Exequente é que o mesmo considera que ocorre uma impossibilidade factual e jurídica relativamente ao tempo já passado, em que não pôde explorar um centro de inspecção de veículos - pelo que requer uma indemnização por danos - mas que ainda existe a possibilidade de executar a sentença anulatória para um tempo futuro, revogando-se agora, e para futuro, a autorização que foi concedida à M.......... em 26/07/1997, encerrando-se o centro que o Contra-interessado se mantém a explorar ao abrigo de um contrato posteriormente celebrado e concedendo-se ao Exequente a autorização em questão, para que seja ele, para futuro, quem pode passar a explorar aquela actividade.
Assim sendo, a conduta do Exequente não constitui verdadeiramente um venire contra factum proprium, mas corresponde, apenas, ao desenvolvimento de um raciocínio ou de uma argumentação que visa o alcançar de uma indemnização que cubra os vários danos que se invocam, ou seja, os danos decorrentes da inexecução da sentença anulatória e os que se invocam como consequentes do acto ilícito, passados, futuros, certos, incertos, eventuais ou possíveis. Pretende-se o ressarcimento pelos danos já ocorridos e que se invocam impossíveis de reparar pela via da reparação natural, assim como, pelos danos que se dizem que ainda se vão ter com o protelamento da execução do julgado anulatório e pelos danos que se invocam poderem serem reparáveis, para o futuro, por via da reparação natural.
Portanto, se é verdade que o Exequente, nos art.ºs. 48.º, 54.º, 67.º, 68.º, 72.º a 74.º, 134.º, 135.º e 181.º da Réplica apresentada em 10/12/2015 invoca a existência de uma impossibilidade factual e jurídica de executar o julgado anulatório, é também evidente que essa invocação é feita relativamente aos danos passados e presentes, que se dizem já impossíveis de reparar, pela via da reparação natural e não em relação aos demais danos que se peticionam.
Mais se indique, que a conduta do Exequente ao apresentar a reclamação para a conferência relativamente ao segmento da decisão que julgou verificada a existência de causa legítima de inexecução, ainda que seja um tanto contraditória face aos argumentos e afirmações antes invocados, designadamente considerando que o próprio invocou a impossibilidade factual e jurídica – parcial, como dissemos - de executar o julgado anulatório, também não ofende forma clamorosa as expectativas que gerou na parte contrária com tais afirmações. Ou seja, dessas afirmações a parte contrária não pode ter entendido que o Exequente deixaria de exercer o seu direito a opor-se a uma decisão que julgasse verificada a existência de causa legítima de inexecução. Não houve aqui, portanto, uma quebra de confiança que consubstancie um abuso de direito em termos processuais.
Em suma, o que a M.......... alega ser uma invocação que corresponde a um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, corresponde efectivamente ao mero exercício do direito de acção do Exequente e à mera invocação de fundamentos que são contraditórios nos seus próprios termos, por o Exequente visar com esta acção o ressarcimento de danos que só poderá ter lugar através de uma acção de indemnização por acto ilícito. Esta última circunstância será apreciada a propósito do erro na forma do processo e em sede de apreciação da existência de causa legítima de inexecução. Mas não ocorre aqui uma situação de abuso de direito.
Logo, há que admitir a reclamação para a Conferência com toda a sua abrangência.

Quanto à invocada alteração parcial dos pedidos feita pelo Exequente através da reclamação para a Conferência, tal não deriva do referido articulado como pretende a M...........
Na verdade, os que pedidos que se dizem alterados correspondem aos que já haviam sido feitos na PI, acima identificados, sendo uma mera especificação, clarificação, ou explicação dos mesmos.
Aliás, em ponto algum daquela reclamação o Exequente aduz de forma expressa ou clara que quer proceder a uma alteração dos pedidos, mas apenas invoca diversos argumentos para se opor à decisão tomada.
Em suma, a indicada alegação da M.......... não tem fundamento face ao articulado apresentado.

Por último, a invocada desistência dos pedidos de natureza não indemnizatória formulados pelo Exequente no artigo 181.º da réplica, será uma questão que se apreciará em simultâneo com a excepção de erro na forma de processo, pois correlaciona-se com tal excepção.

Cumpre, assim, reapreciar o decidido, agora em conferência.

A C…… veio apresentar no TAF do Funchal a presente execução de sentença contra o Conselho do Governo Regional da Madeira (C..........), requerendo a execução do Ac. proferido pelo TCAS, em 08/05/2008, confirmado pelo Ac. do STA em 21/11/2013, que anulou a Resolução n.º 855/07, de 26/06/1997, que na sequência de um concurso público atribuiu ao concorrente A.......... uma autorização para a realização de inspecções periódicas obrigatórias a veículos na Região Autónoma da Madeira (RAM), por se julgar que tal Resolução padecia do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por se ter erigido um critério de desempate ilegal e por se ter aplicado erradamente tal critério, atendendo à realidade sobre a qual deveria versar.
Invocando que por força do julgado anulatório teria que ser colocado no 1.º lugar do concurso, o Exequente pede, a final, em execução do acórdão proferido, o seguinte:
- para ser revogada a concessão efectuada a favor da I……….., SA, M.........., encerrando-se o centro de inspecções automóveis por aquela explorado;
- para ser paga pela RAM a quantia total de €19.568.000,00, pelos ganhos líquidos que o Exequente deixou de auferir de Setembro de 1997 a 31/12/2014, equivalentes aos lucros que a M.......... obteve nesse período;
- para ser paga pela RAM da quantia de €6.661.000,00, correspondente aos ganhos que a M.......... virá a auferir até ao termo de duração previsível do contrato de gestão;
- para serem pagos pela RAM os juros vencidos e vincendos, à taxa legal até integral pagamento;
- para serem condenados os titulares do órgão do Executado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória pelo atraso na execução.
O C.......... apresentou contestação invocando a incompetência hierárquica do TAF do Funchal, a ilegitimidade processual passiva por errada demanda do C.........., a preterição do litisconsórcio necessário passivo por falta de demanda dos Contra-interessados, o erro na forma do processo e a inadmissibilidade do pedido indemnizatório por se estar frente a uma acção de execução e não a uma acção de indemnização por acto ilícito. Mais apresenta uma defesa por impugnação.
A C…… veio apresentar resposta às indicadas excepções.
Posteriormente, por articulado superveniente, a C…… vem apresentar nova resposta à invocada excepção de incompetência hierárquica e vem requerer que o TAF proceda ao conhecimento de tal excepção.
Este último requerimento foi admitido pelo TAF do Funchal.
Foi prolatada decisão pelo TAF do Funchal a julgar verificada a excepção de incompetência hierárquica e foram os autos remetidos ao TCAS.
No TCAS foi prolatado o despacho de 30/04/2019, que corrigiu oficiosamente a errada demanda contra o C.........., que considerou dever ser entendida como feita contra o Governo da RAM, a pessoa colectiva onde se integrava tal órgão e foi o Exequente convidado a aperfeiçoar a sua PI, com a demanda dos Contra-interessados em falta, com a clarificação do cálculo das quantias peticionadas, que se mostravam incongruentes atendendo à causa de pedir e para vir corrigir o valor que atribuiu à acção, corrigindo, se necessário, a taxa de justiça já paga.
Em cumprimento do despacho de 30/04/2019, o A. e Exequente veio apresentar requerimento a aperfeiçoar a PI.
Foi admitido o aperfeiçoamento apresentado e determinada a citação dos Contra-interessados aí indicados. Foi notificado o Governo da RAM para responder ao aperfeiçoamento.
O Governo da RAM veio responder ao indicado requerimento de aperfeiçoamento.
A M.......... vem contestar a acção e invoca a ineptidão da PI, por ostentar pedidos de objecto impossível, contraditórios e substancialmente incompatíveis. Mais invoca a ocorrência de uma causa legítima de inexecução por impossibilidade jurídica absoluta, porque a actividade cuja autorização foi concursada foi liberalizada pela Lei n.º 11/2011, de 26/04, adaptada à RAM pelo DRL n.º 19/2011/M, de 19/08, ficando totalmente extintos os efeitos do acto anulado e porque existe, no caso, um excepcional prejuízo para o interesse público.
A C………. veio responder às excepções invocadas pela M...........
Foi, então, proferida a decisão reclamada, que procedeu ao saneamento dos autos, com o conhecimento das excepções e questões prévias invocadas e que se mantinham por decidir após a apresentação da PI aperfeiçoada e que julgou procedente a existência de causa legítima de inexecução, determinando a notificação das partes para, no prazo de 20 dias, querendo, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução.

II – Saneamento
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território.

Da excepção de ineptidão da PI
A M.......... vem invocar a ineptidão da PI, por ostentar pedidos de objecto impossível, porque inexiste qualquer concessão que possa ser revogada e por os pedidos formulados nas primeiras alíneas da PI serem contraditórios e substancialmente incompatíveis.
A ineptidão da petição acarreta a nulidade de todo o processado e constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, geradora da absolvição da instância (cf. art.ºs 186.º, n.º 1, 576.º n.ºs. 1 e 2, 577.º, al. b) e 578.º, do CPC).
Dispõem os art.ºs 78.º, n.º 2, als. f) e g), do CPTA, 3.º, n.º 1, 3, 5.º, 552.º, n.º 1, als. d) e e), do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, que na petição, com que propõe a acção, deve o A. expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento àquela e formular o pedido.
Portanto, deve o A., na PI, articular os factos concretos, objectivos e individualizados, que constituem a sua causa ou causas de pedir e sustentar juridicamente em termos lógicos, suficientes e adequados os pedidos que formula na acção. A causa de pedir é constituída por esses factos, que ganham relevância jurídica pela aplicação que sobre eles se faz do direito. Por via dessa aplicação, tornam-se factos jurídicos, emergindo deles a pretensão do A. (cf. os supra indicados artigos, conjugados com o artigo 581.º, n.º 4, do CPC).
Se não são alegados na PI os factos (essenciais), com relevância jurídica, para sustentarem a pretensão do A., ou se a alegação destes é ininteligível, há falta de causa de pedir, o que conduz à ineptidão da PI. Mas essa causa é antes insuficiente, quando apesar de estarem alegados tais factos, os mesmos são insuficientes para se reconhecer o direito do A. Neste último caso, a PI será deficiente, devendo haver lugar a despacho de aperfeiçoamento, nos termos do art.º 590.º, n.ºs 1 a 3, do CPC.
Na PI o A. deve, igualmente, formular, a final, os seus pedidos, devendo estes ser expressamente formulados, lícitos, determinados e compatíveis com a causa de pedir e entre si – cf. art.ºs 78.º, n.º 2, al.g) do CPTA e 552.º, n.º 1, al. e) e 553.º a 556.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA.
Ora, analisada a PI da presente acção, verifica-se que o A. e Exequente alegou de forma minimamente inteligível os factos essenciais relativos à sua causa de pedir, assim como, formulou, a final, os correspondentes pedidos.
Tal como já se indicou, porque o Exequente considera que teria que ser colocado no 1.º lugar do concurso em cumprimento da sentença executada, assim se procedendo à reconstituição da situação hipoteticamente devida, pede a final da PI para:
- ser revogada a concessão efectuada a favor da M.........., encerrando-se - para futuro - o centro de inspecções automóveis por aquela explorado;
- para ser paga pela RAM a quantia total de €19.568.000,00, pelos ganhos líquidos que o Exequente deixou de auferir de Setembro de 1997 a 31/12/2014, que entende equivalentes aos lucros que a M.......... obteve nesse período;
- para ser paga pela RAM da quantia de €6.661.000,00, correspondente aos ganhos que a M.......... virá a auferir até ao termo de duração previsível do contrato de gestão e que correspondem aos que o Exequente podia ter auferido;
- serem pagos os juros vencidos e vincendos, à taxa legal até integral pagamento;
- para serem condenados os titulares do órgão do Executado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória pelo atraso na execução.
Através do requerimento de aperfeiçoamento, o Exequente este vem pedir a correcção do pedido relativamente ao valor de €6.661.000,00, que requer para ser desconsiderado.
Pede, também, que a PI seja aperfeiçoada com a contabilização dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, que à data da apresentação da PI indica como totalizando €6.021,760,00.
Como deriva da causa de pedir constante da PI, o A. e Exequente considera que a execução da sentença declarativa implica que o acto que atribuiu à M.......... a autorização para o exercício da actividade de inspecções periódicas de veículos na RAM deve deixar de produzir efeitos – necessariamente para futuro. Daí que peticione que se determine o encerramento do estabelecimento explorado ao abrigo daquela autorização, que aduz ser uma concessão, que permitiu o exercício da indicada actividade até aos dias de hoje.
O referido acto autorizativo não é uma concessão, isto é, não corresponde a um contrato de concessão, como bem indica o R. e Executado. Portanto, apenas se pode entender o indicado pedido do Exequente com equivalendo a um sinónimo, em linguagem corrente e trivial, de autorização, não no sentido técnico jurídico perfeito.
Feito tal esclarecimento, o indicado pedido para que a autorização concedida e anulada não produza os efeitos de permitir que a M.......... se mantenha a explorar o centro de inspecções, não colide com o pedido de pagamento de uma indemnização pelos ganhos líquidos que o Exequente diz que deixou de auferir de Setembro de 1997 a 31/12/2014, por não ter feito ele próprio tal exploração.
Ou seja, improcede a invocada ineptidão da PI, por nela estarem feitos pedidos de objecto impossível e substancialmente incompatíveis.

Da excepção de erro na forma do processo e das questões da inadmissibilidade do pedido indemnizatório e da desistência dos pedidos de natureza não indemnizatória formulados pelo Exequente no artigo 181.º da réplica
Foi suscitada pelo Governo da RAM a excepção de erro na forma do processo e a inadmissibilidade do pedido indemnizatório por se estar frente a uma acção de execução e não a uma acção de indemnização por acto ilícito.
Na reclamação para a Conferência o Exequente suscita a questão do processo ter sido iniciado como uma execução para pagamento de quantia certa e só mais tarde ter sido corrigida para a forma de execução de sentença anulatória, circunstância que na óptica do Exequente releva para o conhecimento da acção.
Em resposta à reclamação para a conferência, a M.......... vem alegar que não foi apreciada na decisão proferida pela Relatora a questão da desistência dos pedidos de natureza não indemnizatória formulados pelo Exequente no artigo 181.º da réplica.

No que concerne à circunstância de o presente processo ter sido iniciado como uma execução para pagamento de quantia certa e só mais tarde ter sido corrigida para a forma de execução de sentença anulatória, decorre de um erro do Exequente, que só a ele se pode imputar, pois apresentou a presente acção de execução como sendo para pagamento de quantia certa quando, afinal, visava a execução de uma sentença anulatória. O indicado erro foi corrigido após o processo ter sido presente ao juiz. Esse mesmo erro não produziu consequências que não tivessem, entretanto, sido corrigidas. Logo, nesta fase o erro inicial, que, frise-se, foi cometido pelo Exequente, irreleva.

O processo de execução que vem previsto nos art.ºs 173.º e ss. do CPTA é o meio processual adequado para se pedir a reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado e para atribuir a indemnização devida pelo dano da inexecução do julgado anulatório. Ou seja, através deste processo pode-se pedir uma indemnização – sucedânea da impossibilidade de se efectivar o julgado anulatório por via da reconstituição natural – que cubra os danos decorrentes da expropriação do indicado direito à execução do julgado.
Já quanto a um pedido de indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito e culposo, não cabe no âmbito deste processo. Querendo proceder a tal efectivação, compete ao lesado intentar a competente acção declarativa, no âmbito da qual se irá averiguar dos pressupostos da indicada responsabilidade civil.
Neste sentido, afirmam Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha que “No âmbito deste processo, não podem ser deduzidos pedidos de indemnização para reparação dos danos causados pelo acto anulado, mas apenas pedidos dirigidos ao cumprimento dos específicos deveres nos quais se concretiza o dever de executar a sentença de anulação” (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Coimbra: Almedina, 2017, p. 1297).
Portanto, o presente processo de execução está apenas apto para efectivar o direito de indemnização do A. e Exequente pelo facto da inexecução, não para efectivar um qualquer direito indemnizatório por responsabilidade civil extracontratual da Administração por acto ilícito e culposo.
Nestes termos, apreciada a causa de pedir e os pedidos formulados na PI, é notório que o R. e Executado tem razão quando invoca a excepção de erro na forma do processo relativamente ao pedido indemnizatório, com o âmbito que o Exequente lhe imprime.
Na PI apresentada, o Exequente vem invocar quer o direito a ver efectivada a execução da sentença anulatória, quer o direito a ser indemnizado pelo facto ilícito e culposo que resultou da conduta do Governo da RAM.
Visando efectivar o direito a ver reconstituída a situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, o Exequente peticiona a condenação do Governo da RAM a determinar o encerramento da actividade de inspecções à M........... Ainda nessa mesma lógica, de mera indemnização repristinatória, o Exequente alega que em cumprimento da sentença exequenda teria de ser colocado no 1.º lugar do concurso e com essa colocação passaria a auferir os montantes peticionados. Ou seja, o valor que o Exequente reclama no seu petitório final tem correspondência com as alegações feitas na PI relativas ao direito a ser colocado em 1.º lugar no concurso, por estar certo que por via dessa colocação auferiria tais montantes e com a invocação de que este petitório corresponde a uma mera tutela reconstitutiva ou repristinatória.
Mas um tanto incongruentemente o Exequente também diz também pretender uma indemnização “em consequência do acto ilícito da resolução do Conselho, acto anulado pelo Acórdão transitado em julgado”, correspondente às “vantagens que o exequente deixou de obter (danos emergentes) e que, ao fim ao cabo, correspondem (…) aos lucros obtidos pela entidade à qual foi entregue a concessão por todo o período que ela perdurou “ (cf. art.ºs 37.º a 58.º da PI).
Basicamente, o Exequente reclama a indicada indemnização por dois diferentes fundamentos: porque tal deriva da inexecução do julgado anulatório, donde resulta seguro que a autorização deveria ter-lhe sido atribuída a ele e não à M.........., e consequentemente teria direito a auferir montantes ilíquidos equivalentes aos lucros que a M.......... teve até agora, e porque o acto anulado era ilegal e deve ser ressarcido pela indicada conduta ilícita do Governo da RAM.
Ora, para efeitos de reclamar uma indemnização por danos decorrentes do acto ilícito que corresponderá ao acto anulado, este meio processual é inadequado.
Como ensina Aroso de Almeida, a indemnização pela inexecução do julgado anulatório é uma prestação secundária, substitutiva, que visa “assegurar ao recorrente uma indemnização que, sem cobrir a totalidade dos danos que ele possa ter sofrido, o compense, independentemente da formulação de qualquer juízo de censura sobre a existência de uma eventual responsabilidade subjetiva na criação da situação lesiva, pela perda que para ele resulta da impossibilidade da execução da sentença anulatória”. Existe aqui um “um dever objetivo de indemnizar, fundado na perceção de que, quando as circunstâncias vão ao ponto de nem sequer permitir que o recorrente obtenha aquela utilidade que, em princípio, a anulação lhe deveria proporcionar, não seria justo colocá-lo na total e exclusiva dependência do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subjetiva da Administração por factos ilícitos e culposos sem lhe assegurar, em qualquer caso, uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado” (ALMEIDA, Mário Aroso de Almeida - Anulação de Atos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes. 1.º ed. Coimbra: Almedina, 2002, pp. 816, 817 e 821).
Na mesma lógica, Vieira de Andrade refere que a indemnização pela inexecução do julgado anulatório “respeita aos danos que decorrem do não cumprimento da sentença e visa compensar o sacrifício do direito do particular reconhecido pelo tribunal ou a perda de oportunidade, não se confundindo com a indemnização por responsabilidade civil decorrente da eventual actuação ilegítima da Administração sentenciada” ANDRADE, José Carlos Vieira de - A Justiça Administrativa, (Lições). 15ª ed. Coimbra: Almedina, 2016, p.376; em idêntico sentido, vide, ALMEIDA, Mário Aroso de; CADILHA, Carlos Alberto Fernandes - Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 4.ª ed. Coimbra: Almedina, 2017, pp.1240-1241).
Tal indemnização concedida pelo facto da inexecução distingue-se da que deriva da responsabilidade extra-contratual da Administração, por factos ilícitos e culposos, pois só através desta última indemnização o lesado pode englobar todos os danos que teve com a conduta ilícita da Administração, designadamente aqueles que se relacionem com a perda de vantagens possíveis e prováveis, quando não está seguro que devessem fazer parte do património do Exequente por via da sentença anulatória – e que cumpre executar - v.g. por lucros cessantes.
A indemnização por inexecução só poderá ter o alcance de abranger os danos cobertos por uma situação vantajosa que está certo que existiria, que deveria fazer parte da esfera jurídica do Exequente não fora a inexecução, ou por uma oportunidade real, não por vantagens apenas possíveis, por prejuízos que se estimam advirem para o Exequente por não ter aumentado o seu património. Tal indemnização fica necessariamente aquém da que se consegue alcançar por via da acção de responsabilidade civil. Para reintegrar no património do lesado os montantes que decorrem de uma possível perda de vantagens que se estimavam auferir ou por prejuízos decorrentes do acto anulado, que ainda não integravam o património do Exequente, terá o lesado que lançar mão a uma acção de indemnização.
Ou seja, no caso, a indemnização por inexecução apenas pode cobrir os danos decorrentes da perda da situação de vantagem que derivaria para o Exequente se tivesse sido posicionado no 1.º lugar do concurso e, consequentemente, se lhe tivesse sido atribuída a autorização para o exercício da actividade de inspecção. Só os danos directamente decorrentes da impossibilidade de se cumprir a sentença anulatória, concedendo ao Exequente a indicada autorização, é que ficam cobertos pela indemnização aqui discutida. Tais danos restringem-se àqueles que possam ter como causa lógica, adequada, a impossibilidade da atribuição em sede de execução de sentença da referida autorização. A indemnização por inexecução visa uma tutela repristinatória, não indemnizatória. Por isso, os danos que cabem na indicada indemnização limitam-se àqueles que decorram da impossibilidade de conceder agora a autorização para o exercício da actividade de inspecção. Ficam de fora dessa indemnização todos os restantes danos que decorram de forma autónoma da decisão anulada ou que tenham sido originados pela ilicitude de tal decisão.
Para ser ressarcido pelos danos decorrentes da ilicitude do acto anulado, cumpria ao Exequente lançar mão à correspondente acção de indemnização, aliás, o que já terá feito.
Cite-se, a este propósito, o Ac. do STA n.º 047307, de 05/07/2015, quando aí se julga o seguinte: “No quadro do atual regime de contencioso vem-se assistindo, aliás, ao firmar dum entendimento por parte deste Supremo Tribunal de que, da conjugação o regime inserto, nomeadamente nos arts. 166.º, 173.º e 178.º todos do CPTA, resulta a existência dum mecanismo indemnizatório que visa compensar o exequente pelo facto de, por efeito de verificação de causa legítima de inexecução, se haverem frustrado os fins prosseguidos com a dedução dum processo executivo, e, assim, com eles, o dever de executar por parte da Administração da decisão judicial anulatória e o correspondente direito do exequente a essa execução, sendo que tal compensação destina-se a ressarcir o exequente apenas dos danos decorrentes dessa impossibilidade, ou seja, dos danos decorrentes da perda do direito à execução daquela decisão ou daquilo que alguns também denominam de “expropriação do direito à execução”[cfr., entre outros, Acs. do STA de 29.11.2005 - Proc. n.º 041321A, de 01.10.2008 - Proc. n.º 042003A, de 25.02.2009 - Proc. n.º 047472A, de 20.01.2010 - Proc. n.º 047578A, de 02.06.2010 - Proc. n.º 01541A/03, de 02.12.2010 - Proc. n.º 047579A, de 20.11.2012 - Proc. n.º 0949/12, de 25.09.2014 - Proc. n.º 01710/13 todos consultáveis no referido endereço].
XXIX. Extrai-se, no que aqui releva, do acórdão deste Supremo Tribunal de 02.12.2010 [Proc. n.º 047579A], que a indemnização prevista no art. 178.º do CPTA “visa compensar o Exequente pela impossibilidade da reconstituição natural, isto é, por já não ser possível colocá-lo na situação que por direito lhe pertencia e, correspondentemente, de libertar a Administração de cumprir essa obrigação. O que vale por dizer que tal indemnização se destina a reparar os danos resultantes da execução se ter frustrado, ressarcindo aquilo que vem sendo chamado de expropriação do direito à execução ou de perda de uma oportunidade. Vem sendo, assim, entendido que esta expropriação do direito à reconstituição da situação natural, independentemente de outros eventualmente existentes, constitui, por si só, um dano real que importa indemnizar. Por ser assim, isto é, por se considerar que a impossibilidade de reconstituição natural constitui em si mesma um dano indemnizável é que vem sendo dito que a reparação desse singular direito deve ser alcançada de forma rápida e expedita, preferencialmente, através do acordo das partes” e que haveria que “distinguir a indemnização devida pela inexecução - que dispensa o apuramento do montante indemnizatório correspondente à perda sofrida pelo Exequente em resultado da prática do ato anulado - da indemnização devida pelos danos causados pela prática desse ato a exigir aquele apuramento e, portanto, a exigir outros desenvolvimentos processuais - visto se tratar de indemnizações autónomas e diferenciadas quer no tocante aos danos que compensam quer no tocante à forma do seu cálculo”, sendo que quanto aos meios contenciosos a utilizar pelos interessados temos que quanto ao pedido de indemnização devida pelos danos da inexecução o “cálculo far-se-á no próprio processo de execução através de meios sumários e expeditos”, enquanto que quanto ao pedido de indemnização relativo aos danos decorrentes do ato ilegal “o mesmo será feito através da formulação de um pedido autónomo nos termos do art. 45.º/5 do CPTA, isto é, através da instauração de um processo declarativo especial autónomo”.
(…)(…) importa, contudo, ter presente que a Administração, no quadro desta nova e autónoma via de responsabilização objetiva, não responde por todos os danos causados já que o que se visa com a mesma não é cobrir a totalidade dos danos gerados às exequentes, mas o assegurar-lhes uma indemnização que as compense pela perda que para as mesmas derivou da impossibilidade de execução da decisão judicial anulatória de que eram beneficiárias e não duma indemnização da globalidade dos danos eventualmente sofridos decorrentes da prática do ato ilegal.
LI. É que, por um lado, não se pode confundir o cumprimento de determinados deveres de prestar decorrentes da execução de julgado anulatório com a reintegração específica de eventuais danos provocados pela prática daquele ato.
LII. E, por outro lado, o dever objetivo de indemnizar em que a Administração se mostra constituída funda-se na impossibilidade de execução da decisão judicial anulatória e deveres dela decorrentes, pelo que os danos sofridos na esfera jurídica das exequentes a ressarcir serão, apenas, aqueles que se produziram em consequência da impossibilidade de observância daqueles deveres, não cobrindo, por conseguinte, os eventuais danos causados pelo ato adjudicatório ilegal e que a execução do julgado anulatório “não teria sido, em qualquer caso, apta a remover, pelo que teriam subsistido, mesmo que ela tivesse podido ter lugar”, já que “a compensação por impossibilidade de repristinar há-de compensar o recorrente pela perda da posição em que ele teria ficado colocado se tivesse sido possível extrair as devidas consequências da anulação judicial”, assim se lhe assegurando não uma prestação principal mas “uma prestação secundária, substitutiva, dirigida à compensação do dano patrimonial que se consubstancia na definitiva perda da situação que a execução da sentença lhe teria proporcionado” [cfr. M. Aroso de Almeida in: “Anulação de atos …”, pp. 816/817].
Em suma, a presente acção não é o meio adequado para o Exequente efectivar um direito indemnizatório por lucros cessantes e por danos que já não derivem da estrita impossibilidade da execução do julgado, no caso, que já não emirjam (como certos, objectivos, reais) da perda da oportunidade de ver-se colocado em 1.º lugar no concurso, sendo-lhe concedida a si – e não a A.......... – a autorização para exercício da actividade de inspecção. Ficam de fora desta acção, por isso, os danos que o Exequente clama nos art.ºs 37.º a 59.º da PI, quando os mesmos extravasem a compensação que lhe é devida pelos danos decorrentes da perda do direito à execução da sentença anulatória.
Através desta acção o Exequente apenas se pode ressarcir do dano objectivo que resulta da frustração da utilidade com a decisão proferida e dos danos que seguramente teve com tal frustração.
Portanto, só se pode aproveitar a PI quando se entenda que a mesma visa a execução do julgado anulatório, aí se incluindo o direito do Exequente a ser indemnizado pela frustração de tal direito.
Procede, pois, a invocada excepção de erro na forma do processo quando através deste se pretenda efectivar uma indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual do Governo da RAM, por acto ilícito e culposo. Prossegue a acção, consequentemente, apenas para aferir do direito do Exequente a ver efectivado o julgado anulatório por via da reconstituição natural ou, sendo tal impossível, a ser indemnizado pelos danos decorrentes da expropriação do direito à execução do julgado.
Considera-se, pois, que a indemnização que vem peticionada pelo A. e Exequente só se pode referir à indicada indemnização pela inexecução do julgado anulatório e é nessa perspectiva que prossegue a acção quanto a tal pedido indemnizatório.
Na resposta à reclamação para à conferência apresentada pela Exequente, a M.......... suscita a questão da desistência do pedido de natureza não indemnizatória que teria sido formulado pelo Exequente no artigo 181.º da réplica, que alega ter sido uma questão omitida na decisão reclamada e requer que tal desistência seja reconhecida e homologada.
Ora, apreciado o requerimento de réplica apresentado pela Exequente e o citado art.º 181.º, verifica-se que aí não é realmente feita qualquer desistência dos pedidos de natureza não indemnizatória, mas apenas se defende que o meio utilizado é adequado. Defende-se nessa réplica que todos os pedidos formulados, inclusive os indemnizatórios, por lucros cessantes, cabem numa tutela repristinatória. Considera o Exequente, que a reconstituição da situação inicial que existiria não fora o acto anulado implica a compensá-lo pelo valor correspondente aos ganhos líquidos que deixou de obter por não lhe ter sido atribuída a autorização em questão, que diz que correspondem aos lucros que a M.......... obteve desde a data em que iniciou a exploração da actividade de inspecção até à actualidade, acrescidos dos lucros que ainda terá ao abrigo do actual contrato de gestão. Mais diz o Exequente que cumpre também reconstituir a situação que existiria revogando agora a “concessão” efectuada a favor da M.........., com o consequente encerramento do centro por esta explorado e concedendo-lhe a ele, Exequente, para futuro, a autorização para essa exploração. É neste enquadramento, ou no âmbito deste raciocínio, que no art.º 181.º da réplica o Exequente afirma que desiste dos “pedidos impróprios – como consente o artigo 283.º do CPC- pelas razões sobejamente expostas”. Depois, a final desse requerimento, o Exequente não vem indicar a desistência de quaisquer pedidos.
Nestes termos, a frase que é alinhada no art.º 181.º da réplica não corresponde verdadeiramente a uma desistência de quaisquer pedidos, mas constitui uma mera argumentação para suportar o raciocínio alinhado na PI relativamente ao direito de Exequente a ser indemnizado pelos lucros que deixou de obter por via do acto anulado e para contraditar a invocada excepção de erro na forma de processo. Portanto, a partir do que vem indicado no art.º 181.º da réplica não se pode concluir que o Exequente tenha desistido de algum dos pedidos que formulou na PI.
Em suma, não se pode acompanhar o entendimento da M.......... de que o Exequente desistiu do pedido de natureza não indemnizatória.
Aliás, querendo-se retirar da afirmação constante do art.º 181.º da réplica uma alegada desistência, ter-se-ia que reportar a mesma aos pedidos que tivessem uma feição indemnizatória, por decorrerem directamente da ilicitude do acto anulado e não aos pedidos que visassem uma compensação pela impossibilidade de se efectivar o julgado anulatório.

Prosseguindo a acção nos termos acima indicados, o processo é o próprio e mostra-se válido.

Da excepção de preterição do litisconsórcio necessário passivo
Foi invocada pelo Governo RAM a excepção de preterição do litisconsórcio necessário passivo por falta de demanda dos Contra-interessados.
Através do aperfeiçoamento apresentado, o Exequente passa a indicar como Contra-interessados A.......... e M...........
Por conseguinte, atendendo aperfeiçoamento ocorrido, julga-se sanada a irregularidade da PI inicial e não verificada a invocada excepção de preterição do litisconsórcio passivo.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se partes legítimas.

Não existem outras nulidades, excepções ou outras questões prévias que cumpra conhecer oficiosamente e que obstem à apreciação do mérito da causa.

Fixa-se à presente causa o valor indicado no articulado de aperfeiçoamento, designadamente o valor de 25.589.760,00, valor não contestado.

III – FUNDAMENTAÇÃO
III-1 DE FACTO
Compulsados os autos e analisada a prova documental, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão:
1) Em 16/09/1996, por aviso publicado na II série do Jornal Oficial da RAM, n.°174, foi aberto concurso público para atribuição de uma autorização para o exercício da actividade de inspecções periódicas obrigatórias de veículos na RAM, nos termos do DLR n.°4/96/M, de 27/03/1996 (diploma que adaptou à RDM o DL n.° 254/92. de 20/11, que estabelece o regime jurídico das inspecções periódicas (facto 1 da sentença exequenda);
2) No Programa desse concurso, sob a epígrafe “Os critérios de apreciação das candidaturas” mais precisamente no ponto 10, determinou-se o seguinte: a) idoneidade, capacidade técnica, financeira e método de operacionalidade através do qual assegurarão a cobertura da totalidade do parque automóvel regional (60%); b) Localização e condições das instalações (30%); c) Prazo de instalação dos centros (10%)" (cfr. fls. 21 dos autos principais e facto 2 da sentença exequenda);
3) A esse concurso concorreram nove entidades, vindo a ser admitidas, só sete: A.........., D……….., Lda.; C………………, Lda.: C…………., Lda.; S……………., Lda. e P…………….. Lda. (cfr. fls. 65 dos autos principais e facto 3 da sentença exequenda);
4) Em 14/04/1997 reuniu a Comissão de Avaliação das Propostas com a finalidade de analisar e classificar as propostas admitidas a concurso, segundo a fórmula de cálculo parametrizada pelos critérios enunciados a ponto 2), bem como, de graduar as concorrentes (cfr. fls. 65/89 dos autos principais, que aqui se dá por integramente reproduzido e facto 4 da sentença exequenda):
5) Classificadas as propostas em análise, e efectuada a lista de ordenação, a C…… veio a ser posicionada no 2º lugar, com a classificação de 18,50 e A.......... no 1.º lugar, valorado com 18,58 pontos (cf. fls. 90 dos autos principais e facto 5 da sentença exequenda);
6) Após reclamação, a Comissão de Avaliação das Propostas reúne-se de novo a 13/06/1997 e procede à elaboração de um novo Relatório Final, que consta de fls. 129 a 160 dos autos principais, que vem parcialmente transcrito no facto 8 da sentença exequenda, no termo do qual classifica A.......... e C…….., ambos com 18,65 valores (cf. factos 8 e 9 da sentença exequenda);
7) Com vista a quebrar essa Igualdade técnica, a Comissão propôs no Relatório Final das Propostas relativas ao Concurso Público para atribuição de uma autorização para o exercício da actividade de Inspecções Periódicas Obrigatórias de Veículos na RAM, que fosse adjudicada a autorização ao candidato A.........., deduzindo, para tanto, a seguinte fundamentação: “por ser a proposta que globalmente se nos afigura a mais coerente e adaptada à realidade regional, apre ventando soluções arquitectónicas para os centros fixos, mais enquadráveis na paisagem, em contra ponto com a solução de armazéns pré-fabricados, e ainda o facto da instalação de um centro fixo no Porto Santo, que irá por certo minimizar alguns conflitos, dada a circunstância de aquela ilha possuir o parque mais «idoso» do Arquipélago ...)” (cfr. fls. 160 dos autos).” – cf. facto 10 da sentença exequenda;
8) Na sequência da indicada proposta, em 26/07/1997 foi proferida a Resolução do Conselho do Governo da RAM n.º 855/97, publicada no JO da RAM, I Série, n.º 72, de 30/06/1997, que atribuiu ao concorrente A.......... a autorização para o exercício da actividade de inspecções periódicas obrigatórias a veículos da RAM (cf. factos 11 e 12 da sentença exequenda);
9) A C…….. apresentou recurso contencioso de anulação impugnando a Resolução do Conselho do Governo da RAM n.º 855/97 e no âmbito desse recurso, em 08/08/2008, foi proferido o Ac. do TCAS que anulou a supra indicada Resolução do Conselho do Governo da RAM por a mesma padecer de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por na apreciação e valoração do 1.º critério do concurso, a idoneidade, capacidade técnica e financeira e o método da operacionalidade através do qual era assegurada a cobertura da totalidade do parque automóvel regional, o júri do concurso ter valorado identicamente o candidato A.......... e o então Recorrente, quando aquele não demonstrava deter algumas das condições aí referidas ou demostrava deter menos condições que o Recorrente e porque para o desempate entre os candidatos se elegeu o critério com menos peso, quando devia ter sido elegido aquele que tinha maior peso da avaliação final, a saber, o critério idoneidade, capacidade técnica e financeira e o método da operacionalidade através do qual era assegurada a cobertura da totalidade do parque automóvel regional, designadamente atendendo ao subcritério qualidade e quantidade dos recursos humanos – cf. docs. de fls. 36 a 107.
10) O indicado acórdão foi alvo de um recurso para o STA, que não foi provido, e de um recurso para o Tribunal Constitucional, que não foi conhecido, tendo transitado em julgado em 02/12/2014 – cf. docs. de fls. 36 a 107.
11) Em 17/12/2003 o Secretário Regional do Equipamento Social e Transportes autorizou a transmissão da autorização para o exercício da actividade de inspecção técnica de veículos de A.......... para a M......... – cf. doc. junto com a resposta ao requerimento de aperfeiçoamento, não numerado.

III- 2- DE DIREITO
A anulação, por sentença ou acórdão, de um acto administrativo, constitui a Administração no dever de proceder aos actos jurídicos e operações materiais necessários à reintegração efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, tendo por base os factos e o direito vigente à data do acto anulado (o que decorre do princípio tempus regit actus) – cf. artigos 173º, n.º 1 e 175º, n.º 2 do CPTA.
A presente acção visa a execução de um Acórdão do TCAS de 08/08/2008, proferido em sede de recurso contencioso de anulação, apresentado nos termos da Lei do Processo dos Tribunais Administrativos (LPTA). Esse acórdão foi alvo de um recurso para o STA, que o confirmou e de um recurso para o Tribunal Constitucional, que não foi conhecido. A decisão proferida naquele recurso pelo TCAS transitou em julgado em 02/12/2014.
No indicado recurso, pedia-se a declaração de nulidade ou a anulação da Resolução do Conselho do Governo da RAM n.º 855/97, que atribuiu ao concorrente A.......... a autorização para o exercício da actividade de inspecções periódicas obrigatórias a veículos da RAM.
Tal como resulta da fundamentação dos citados acórdãos do TCAS e do STA e respectivo segmento decisório, a Resolução do Conselho do Governo da RAM foi anulada por se julgar que a mesma padecia de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por na apreciação e valoração do 1.º critério do concurso, a idoneidade, capacidade técnica e financeira e o método da operacionalidade através do qual era assegurada a cobertura da totalidade do parque automóvel regional, o júri do concurso ter valorado identicamente o candidato A.......... e o então Recorrente, quando aquele não demonstrava deter algumas das condições aí referidas ou demostrava deter menos condições que o Recorrente e porque para o desempate entre os candidatos se elegeu o critério com menos peso, quando devia ter sido elegido aquele que tinha maior peso da avaliação final, a saber, o critério idoneidade, capacidade técnica e financeira e o método da operacionalidade através do qual era assegurada a cobertura da totalidade do parque automóvel regional, designadamente atendendo ao subcritério qualidade e quantidade dos recursos humanos.
Os indicados fundamentos decisórios resultam evidentes do teor dos citados acórdãos.
A respectiva decisão – de anulação daquela Resolução por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito – decorrente da errada apreciação do 1.º critério do concurso e valoração idêntica dos dois primeiros candidatos – e por erro nos pressupostos de direito – decorrente da eleição como factor de desempate de um critério errado, é algo que se retira com alguma clareza a partir da leitura dos fundamentos adoptados em ambas as decisões.
Por conseguinte, atendendo à fundamentação das indicadas decisões falecem as alegações dos Recorridos que circunscrevem a decisão anulatória à apreciação da questão da eleição pelo júri de um critério de desempate ilegal. A decisão exequenda pronunciou-se e anulou a Resolução do Conselho do Governo da RAM, não só por essa razão, mas, também, porque entendeu que se errou na apreciação e na valoração do 1.º critério, ao ter-se pontuado igualmente os dois primeiros candidatos, quando o candidato A.......... demostrou no respectivo procedimento concursal que não detinha algumas das condições exigidas (a saber, o certificado IPQ), ou demonstrou deter menos condições que o então Recorrente (o respectivo director não detinha experiência na área, o número de inspectores licenciados era inferior e não apresentava um plano de formação e assistência de pessoal administrativo). Considerou-se, por isso, no Acórdão do TCAS - apreciação que foi confirmada pelo STA - que foi errado o posicionamento do candidato A.......... com a mesma valoração do candidato C…….., por tal contrariar os factos apurados e as regras concursais – e daí ter-se julgado a existência de um erro nos pressupostos de facto e de direito.
Logo, em sede de execução do julgado anulatório exigia-se que o Governo da RAM repetisse os actos concursais desde a fase da apreciação e valoração dos candidatos e no que concerne ao 1.º critério, atentasse nas condições apresentadas pelos candidatos A.......... e C………. Depois, estando verificado que aquele não apresentava certas condições ou apresentava outras em menor medida que as que constavam da candidatura da C……., tinha necessariamente de pontuar a C…….. com uma valoração superior. Consequentemente, a outra questão que também foi apreciada no Acórdão exequendo, relativa à errada apreciação do critério de desempate, deixava de relevar, pois a melhor pontuação da C…….. tornava inútil a aplicação de um critério de desempate.
Em suma, da leitura dos acórdãos do TCAS e do STA temos por certo que por via da anulação da Resolução do Conselho do Governo da RAM, de 26/07/1997, em sede de execução de sentença teria a candidatura da C……., quanto ao 1.º critério, de ser pontuada de forma superior a A........... Consequentemente, havia de ser concedida à C……. a autorização concursada - e não a A...........
Como deriva da matéria factual apurada, a indicada autorização foi concursada nos termos do DLR n.°4/96/M, de 27/03/1996, o diploma que adaptou à RDM o Decreto-Lei n.º 254/92, de 20/11, que estabelecia o regime jurídico das inspecções periódicas. Na data regulava também a matéria o Decreto-Lei n.º 190/94, de 12/07 e a Portaria n.º 262/95, de 01/04.
Nos termos da citada legislação, a abertura de centros de inspecção de veículos dependia de uma autorização, que era precedida de um concurso público.
Entretanto, após a concessão da referida autorização, em cumprimento da obrigação de transposição da Directiva n.º 96/96/CE, de 20/12/1996, o referido regime legal foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 550/99, de 15/12 e pela Portaria n.º 1165/2000, de 09/12, que mantiveram o exercício da actividade de inspecção de veículos dependente de prévia autorização pela Direcção-Geral de Viação (DGV), a conceder após concurso público.
Nos termos do art.º 43.º do Decreto-Lei n.º 550/99, de 15/12, as entidades já autorizadas para o exercício da actividade de inspecção deviam, no prazo de 2 anos, passar a reunir as condições previstas nos art.ºs 5.º, 7.º e 8.º desse diploma, sob pena de ser revogada a autorização concedida. As indicadas entidades também teriam, no prazo de 6 meses, de passar a apresentar as condições previstas no art.º 26.º, n.º 6, do mesmo diploma, sob pena de caducarem as autorizações antes concedidas.
Posteriormente, o regime foi liberalizado através da Lei n.º 11/2011, de 26/04, adaptada à RAM pelo Decreto Legislativo Regional n.º 19/2011/M, de 19/08. A actividade inspecção de veículos deixou de estar sujeita a autorização e passou a ser titulada através de um contrato de gestão.
Conforme o art.º 34.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 11/2011, de 26/04, as entidades que à data de entrada em vigor da referida lei exercessem a actividade de inspecção técnica de veículos em centros de inspecção aprovados, tinham direito a celebrar um contrato de gestão, o que deviam fazer no prazo máximo de 2 anos a partir da data da entrada m vigor desta lei (cf. também o art.º 38.º da Lei n.º 11/2011, de 26/04, que determinava a sua entrada em vigor 90 dias após a respectiva publicação).
Não sendo celebrado no prazo de 2 anos o referido contrato de gestão por motivo imputável às referidas entidades, a autorização concedida caducava – cf. art.º 34.º, n.º 5, da Lei n.º 11/2011, de 26/04.
Quanto à abertura de novos centros, ficou dependente da verificação de algumas condições relacionadas com o número de cidadãos eleitores nos concelhos em se sediavam e nos concelhos limítrofes e com distâncias mínimas entre os vários centros (cf. art. 2.º da Lei n.º 11/2011, de 26/04).
Como resulta dos factos apurados, a decisão exequenda transitou em julgado em 02/12/2014.
Assim, à data do trânsito em julgado da decisão exequenda, o regime legal aplicável à inspecção técnica de veículos já não comportava a possibilidade de se aceder a tal actividade por via de uma autorização administrativa. Por um lado, essa autorização já não era uma condição necessária para tal acesso. Por outro lado, as autorizações que tivessem sido concedidos caducaram.
Logo, na situação concreta, na data em que se verificou a obrigação da Administração de executar a sentença exequenda - da qual resultava a obrigação de posicionar a C……. em 1.º lugar no concurso e de concessão da referida autorização de acesso à actividade - o acesso a essa mesma actividade já não se fazia através de uma autorização, mas por via de um contrato de gestão.
Consequentemente, na situação sub judice ocorria uma impossibilidade jurídica e absoluta de executar a sentença, pois na data em que a Administração se constituiu na obrigação de conceder à C……. a autorização para acesso à actividade de inspecção técnica de veículos, esse título já não era juridicamente válido para tal efeito e se ficcionado como concedido em data anterior também se teria obrigatoriamente que considera já caducado.
Tal situação constituiria uma causa legítima de inexecução. Porém, nos termos dos artigos 175.º e 163.º, n.º 2, do CPTA, a existência de legítima de inexecução tinha de ser invocada pela Administração no prazo de 90 dias - em que havia de proceder à execução espontânea da sentença - tinha de ser fundamentada e tinha de ser notificada ao interessado.
Nos presentes autos não resultou provado que o Executado tenha, dentro daquele prazo, invocado qualquer causa legítima de inexecução e que a tenha notificado ao Exequente – cf. art.ºs 175.º e 163.º, n.º 2, do CPTA.
No entanto, o mesmo Código admite esta invocação apenas na contestação e no art.º 178.º obriga à sua apreciação pelo Tribunal, para efeitos de se acordar uma indemnização, por danos próprios com a inexecução do julgado (cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do STA n.º 01710/13, de 25/09/2014).
Assim, é nesta última medida que será apreciada a causa legítima de inexecução invocada pela M.........., na contestação.
Portanto, tendo sido invocada pelo Contra-interessado a existência de causa legítima de inexecução, não se pode entender que o presente conhecimento seja feito oficiosamente pelo Tribunal.
Sem embargo, ainda que nenhuma das partes tivesse invocado a referida existência de causa legítima de inexecução o Tribunal também a poderia conhecer oficiosamente, ao abrigo dos seus poderes inquisitórios.
Porque a questão foi invocada pelo Contra-interessado e ocorreu o necessário contraditório, por via da réplica apresentada pelo Exequente, no caso, estão também verificados os pressupostos processuais para se conhecer, de imediato, a referida existência de causa legítima de inexecução.
Claudica, por isso, a invocação que é feita pelo Exequente na reclamação para a Conferência no sentido de ocorrer um excesso de pronúncia quando se conhece da existência de causa legítima de inexecução.
Refira-se, ainda, que o Exequente, nos art.ºs. 48.º, 54.º, 67.º, 68.º, 72.º a 74.º, 134.º, 135.º e 181.º da Réplica apresentada em 10/12/2015 invoca, igualmente, a existência de uma impossibilidade factual e jurídica de executar o julgado anulatório, que corresponde à alegada causa legítima de inexecução.
Como já referimos, na data em que cumpria ao Governo da RAM executar o Acórdão exequendo, colocando a C…….. em 1.º lugar no concurso e atribuindo-lhe a autorização concursada, tal já não era juridicamente possível.
Logo, ocorre aqui uma impossibilidade objectiva de executar a decisão proferida, o que implica a verificação da causa legítima de inexecução invocada pela M...........
Mais se indique, que estando já caducada a autorização concedida a A.......... e não sendo juridicamente possível conceder uma nova autorização à Exequente, terá necessariamente de falecer o pedido da A. para que seja encerrado o estabelecimento explorado pela M.......... ao abrigo daquela autorização.
No demais, tal pedido seria sempre de objecto inexistente, pois a M.......... não explora o seu estabelecimento ao abrigo da autorização anulada. Ou seja, o título ao abrigo do qual a M......... está a explorar a actividade de inspecção a veículo não é, nem nunca foi, a autorização anulada. A exploração está a ser feita com base num outro título diverso da autorização anulada, a saber, ao abrigo de um contrato de gestão. Por isso, o dever de execução da sentença anulatória nunca conduziria à obrigação da M.......... de deixar de explorar o correspondente estabelecimento. Em suma, este pedido é manifestamente ilegal, por se reconduzir a um pedido inexistente e de objecto impossível.
Quando o Exequente formula tal pedido quererá coisa diferente, que é o não reconhecimento (pretérito) pela Administração do direito da M.......... a celebrar o contrato de gestão ao abrigo do art.º 34.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 11/2011, de 26/04, por ser detentora do direito autorizativo que foi concedido a A.......... por via da Resolução do Conselho do Governo da RAM, de 26/07/1997 e lhe foi transmitido por contrato (de direito privado) de cessão de direitos. Mas, também com referência esta pretensão ocorre uma impossibilidade objectiva e absoluta, pois o reconhecimento de tal direito já se efectivou e esgotou com o tempo e não pode ser “desfeito”.
Como já indicamos a propósito da apreciação da excepção de erro na forma do processo, a indemnização por inexecução de julgado cobre apenas o que resulte o dever de executar, do dever da Administração de reintegrar a ordem jurídica violada prestando o que for devido para esse efeito, ou removendo as consequências negativas do acto anulado. Tal indemnização não abarca o dever de indemnizar pelos vários danos que derivaram da conduta ilícita.
Portanto, a indemnização pela inexecução do julgado anulatório é objectivamente devida sempre que não se possa obter a utilidade que derivaria da execução da sentença (declarativa) que foi proferida, por o cumprimento dessa mesma sentença se mostrar, no caso, já impossível. A indemnização a atribuir visa, pois, compensar o dano que decorre para o A. da impossibilidade de ver cumprida a sentença anulatória, com a perda do direito à reconstituição natural. O dano que se visa ressarcir é encarado como um dano real, objectivo, que resulta da posição jurídica de vantagem que necessariamente decorria para o A. da decisão que lhe foi favorável e que ficou sacrificada face à impossibilidade de execução do julgado.
Nessa mesma medida, a indemnização é devida ainda que não existiam quaisquer outros ganhos com a efectivação da sentença anulatória, para além do próprio vencimento do processo, com a consequente reposição da situação em conformidade com a legalidade, em cumprimento da sentença anulatória. Porém, se desse cumprimento resultassem danos patrimoniais seguros, certos, por integrarem já o património do Exequente, tais ganhos deverão ser ponderados para se fixar o quantum indemnizatório.
Neste caso, está seguro o dano decorrente da perda da oportunidade do Exequente de obter a vantagem que resultava da efectivação da sentença anulatória, da sua execução, isto é, está seguro, é certo o dano que resulta para o Exequente de não lhe ver concedida a autorização para exercer a actividade de inspecção de veículos após o procedimento concursal aberto nos termos do DLR n.°4/96/M, de 27/03/1996 e Decreto-Lei n.º 254/92, de 20/11. Face ao julgado anulatório, o direito do A. a ver-lhe atribuída a autorização era também um direito que integraria o seu património não fora a inexecução da sentença. É o desaparecimento deste direito – a ver-lhe atribuída a autorização – que cumpre indemnizar.
Portanto, na situação em apreço, fazendo-se um juízo de prognose relativamente à situação do Exequente considerando a não ocorrência do acto anulado e a ocorrência de um outro acto conforme à lei, resulta indubitável, certo e seguro, que o mesmo teria direito a ver-lhe atribuída a autorização para o exercício da actividade de inspecções periódicas obrigatórias de veículos na RAM nos termos e condições que resultaram do concurso público aberto em 16/09/1996, por aviso publicado na II série do Jornal Oficial da RAM, n.°174. Nessa sequência, porque munido da necessária autorização, é também muito provável que o Exequente tivesse explorado a actividade para a qual estava autorizado, nos moldes e pelo tempo em que tal autorização se mantivesse plenamente válida.
Logo, os danos que cabem na indemnização por inexecução circunscrevem-se àqueles que resultem da estrita perda da posição de vantagem que decorria da atribuição da indicada autorização, ali se incluindo os relativos à frustração do direito a desenvolver a actividade de inspecções periódicas obrigatórias de veículos na RAM ao abrigo daquele título. Só estes danos estão incluídos no conteúdo regulador da sentença anulatória e têm por base um direito que já devia integrar a esfera jurídica do Exequente caso se tivesse conseguido executar a sentença anulatória.
Quanto aos restantes danos que decorram da ilicitude do acto anulado, já estão fora do referido conteúdo regulador da sentença anulatória e devem ser peticionados em acção autónoma, isto é, através da competente acção de responsabilidade civil, por acto ilícito e culposo.
Portanto, como já se disse, ficam de fora da indemnização por inexecução os danos decorrentes da ilicitude do acto anulado, designadamente os invocados prejuízos decorrentes de um eventual e hipotético não enriquecimento do Exequente, por não ter efectivamente explorado a actividade de inspecção de veículos. O que se repara com a indemnização repristinatória é a frustração dos direitos do Exequente, não os danos que derivem - em termos autónomos- do acto ilícito.
Como já se disse, não estão cobertos pela indemnização pela inexecução do julgado anulatório os lucros cessantes que o Exequente invoca. Não estão cobertos por tal indemnização os valores correspondentes aos ganhos líquidos que se peticionam nesta acção. Esses ganhos não resultam como danos objectivos, reais, a partir da sentença anulatória e da correspondente execução. A partir da sentença anulatória apenas se pode considerar que o Exequente tinha direito a ser posicionado em 1.º lugar no concurso e, por isso, teria direito a ver-lhe concedida a autorização para exercer a actividade de inspecção e essa situação de vantagem permitir-lhe-ia exercer aquela actividade nos termos e moldes da autorização concedida.
Tal como se indica no Ac. do STA n.º 047307, de 05/07/2015, “no quadro da aplicação do regime previsto nos arts. 166.º e 178.º do CPTA os prejuízos a ressarcir serão, tão-só, os prejuízos que derivem ou sejam resultantes da causa legítima de inexecução da decisão judicial anulatória, prejuízos esses nos quais se poderão integrar os custos associados à litigância no tribunal administrativo no quadro dos meios contenciosos acionados pelos demandantes/exequentes para fazerem valer os seus direitos e interesses [custas judiciais, honorários de advogados e demais despesas associadas cuja “recuperação” não haja sido possível lograr obter através do uso dos mecanismos previstos no ordenamento contencioso vigente] e os danos [patrimoniais/não patrimoniais] que sejam advenientes da estrita perda da posição decorrente do juízo anulatório traduzido na “expropriação do direito à execução” sofrido, da impossibilidade de se fazer cumprir aquele juízo e da frustração quanto ao uso “inglório” ou inútil do recurso à tutela jurisdicional.” (cf. identicamente, entre outros, os Acs. do STA n.º 634/09, de 30/09/2009, n.º 0949/12, de 20/11/2012 ou n.º 1710/13, de 25/09/2014).
Por seu turno, não sendo possível fixar com exactidão o montante dos danos patrimoniais que resultariam da execução da sentença declarativa, a indemnização deve ser fixada com recurso à equidade, tendo como limite máximo os danos invocados pelo requerente – cf. art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil (CC); cf. também o Ac. do STA n.º 047472, de 25/02/2009.
Como decorre do art.º 566.º do CC, o juízo equitativo que cumpre ao Tribunal fazer deve atender à situação concreta, tal como vem provada nos autos e à gravidade dos danos que se reclamam.
Ora, no caso, a frustração do julgado anulatório implica que o Exequente fique privado de um acto autorizativo, que lhe permitiria o exercício da actividade de inspecção de veículos nos termos e pelo tempo em que tal autorização se mantivesse válida.
Atendendo ao regime legal que regulava a actividade de inspecção de veículos, designadamente ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 254/92, de 20/11, no art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 190/94, de 18/07 e Portaria n.º 262/95, de 01/04, a validade da autorização concedida em 26/07/1997 apenas pode ter-se por segura até à alteração do regime levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 550/99, de 15/12, adaptado à RAM pelo Decreto Legislativo Regional n.º10/2003/M, de 05/06.
Na verdade, com a entrada em vigor de tal diploma, as entidades que exploravam a actividade de inspecção de veículos viam caducar a autorização antes concedida se no prazo de 6 meses não passassem a deter as condições previstas no art.º 26.º, n.º 6, do mesmo diploma e viam a correspondente autorização ser revogada se no prazo de 2 anos não passassem a reunir as condições previstas nos art.ºs 5.º, 7.º e 8.º desse diploma (cf. art.ºs 43.º e 45.º do Decreto-Lei n.º 550/99, de 15/12).
Portanto, os efeitos da autorização concedida nos termos do concurso público aberto em 16/09/1996, por aviso publicado na II série do Jornal Oficial da RAM, n.°174, só se podem ter por certos até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 550/99, de 15/12 e até à data em que se exigia às entidades autorizadas que passassem a deter as novas condições (nomeadamente, até 14/07/2000, cf. art.º 26.º, n.º 6, e até 14/01/2002, cf. art.ºs 5.º, 7.º e 8.º).
Como decorre do citado regime legal, o acto autorizativo de que o Exequente se viu expropriado não lhe concedia o direito a aceder à actividade ad eterno e sem mais condições ou requisitos. Diversamente, tal acto autorizava uma actividade relativamente proibida, era um acto por natureza precário.
A “precariedade do acto significa que as situações por ele criadas podem ser modificadas pela Administração, que estas não se cristalizam; (…) A precariedade de uma dada situação jurídica traduz-se, sim, numa instabilidade, porque sobre ela pende, seja a ameaça de revogação, seja a ameaça de outro tipo de acto susceptível de afectar a posição jurídica até ao momento atribuída. (…) O acto precário corresponde, assim, a um acto administrativo, que integra no seu conteúdo eventual uma cláusula acessória: a condição resolutiva” (in CALVÃO, Filipa Urbano - Os actos precários e os actos provisórios no Direito Administrativo. 1.ª ed. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1998, p. 105; cf. também, relativamente à precariedade da licença ambiental CARVALHO, Raquel - Licença Ambiental como Procedimento Autorizativo. Em Estudos de Direito do Ambiente. Coord. Mário de Melo Rocha. Porto: Publicações da Universidade Católica, 2003. pp. 259-260).
No caso, a posição jurídica que seria concedida ao Exequente por via da autorização para a exploração da actividade de inspecção de veículos, ainda que se pudesse presumir ou pressupor – com base num juízo de probabilidade - que não ia ser logo de seguida alterada, v.g. por o seu detentor deixar de cumprir os requisitos necessários e exigidos, sempre terminaria com o novo regime legal. Após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 550/99, de 15/12, o acesso à actividade passou a estar condicionado a novos requisitos, que tinham de ser cumpridos. Logo, o anterior acto autorizativo, por si mesmo, já não garantia a manutenção da exploração ou do acesso à actividade. Isto é, a autorização concedida por via do concurso sub judice não era um acto que garantia até aos dias de hoje, ou ad eterno, o acesso à actividade de inspecção de veículos. Tal acto autorizativo apenas concedia esse direito nos termos e moldes aí definidos e, ainda assim, poderia ser revogado, ou sob ele pendia a possibilidade de vir a serem alteradas pela Administração as condições da autorização, pois está-se frente ao exercício de uma actividade relativamente proibida. A indicada autorização era, pois, necessariamente precária, temporária e só iria perdurar no tempo preciso em que o seu titular se mantivesse a respeitar as condições da autorização. Deixando de cumprir essas condições ou passando a haver outras que já não estavam cobertas pela autorização anterior, não se pode concluir que a concessão da autorização seguramente garantia ao seu titular a continuação do direito a explorar a actividade de inspecção de veículos. Tal ocorreu com o Decreto-Lei n.º 550/99, de 15/12, que passou a fixar novas condições e requisitos para o exercício daquela actividade.
Assim, o direito que passaria a integrar o património do Exequente caso lhe tivesse sido concedida a autorização em questão circunscreve-se às estritas vantagens que tal autorização concedia ou poderia conceder. Isto é, aquele mesmo direito não abrange todas as possibilidades futuras, ou as probabilidades perdidas, por não ter enriquecido e aumentado o seu património a partir daí.
Por conseguinte, se tivesse sido concedida à C…….. a indicada autorização, o direito que daí advinha só constituiria uma vantagem durante o tempo em que tal acto lhe garantia a exploração da actividade de inspecção de veículos nas precisas condições autorizadas. Essa posição de vantagem termina com a alteração do quadro legal e por via da obrigação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 550/99, de 15/12, das entidades autorizadas terem de comprovar a detenção de novas condições, sob pena da referida autorização caducar. A partir daí – ao que nos interessa a partir de 14/07/2000 - os direitos que poderiam resultar da autorização concedida deixavam de ser direitos que se podem pressupor como estando certos, no âmbito da esfera jurídica do Exequente, passando a constituir uma mera expectativa jurídica (de se ver a mantida a autorização).
A partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 550/99, de 15/12, com as novas exigências, o Exequente já não pode invocar a perda de uma oportunidade ou vantagem, por não poder explorar a actividade ao abrigo da autorização que lhe devia ter sido concedida, mas apenas pode clamar um prejuízo futuro, eventual, possível, decorrente da possibilidade de aquela mesma autorização lhe dar acesso à continuação da exploração da actividade, caso cumprisse as novas exigências. Com o novo regime e as novas exigências quebra-se o nexo de causalidade entre a não atribuição da autorização e a não exploração da actividade de inspecção de veículos. A partir daí, há toda uma série de novas circunstâncias que têm de se verificar para se poder concluir que a autorização que o Exequente tinha direito a deter também lhe permitiria manter-se em actividade após 14/07/2000. Os prejuízos que decorrem para o Exequente a partir daí, não derivam de um direito que já integrasse o seu património caso a sentença tivesse sido executada, mas reconduzem-se a prejuízos apenas possíveis, alicerçados num direito eventual, incerto.
Em suma, atendendo às circunstâncias concretas, no caso, os danos que o Exequente seguramente teve com a frustração da utilidade que resultaria da decisão proferida circunscrevem-se aos danos decorrentes da impossibilidade de exercer a actividade de inspecção de veículos até à data em que a autorização que lhe devia ter sido concedida caducasse. A partir daí, a frustração do direito do Exequente a ver executada a sentença anulatória deixa de ser causa adequada para a impossibilidade de tal exercício, pois esse exercício já não dependia apenas de se ser titular de tal autorização, mas implicava o cumprimento de novas condições e exigências que se encontram para além do que decorria do acertamento que teve lugar por via da sentença anulatória. A partir da indicada data já não se pode falar em danos reais, objectivos, que se possam considerar decorrentes do direito que já integrava o património do Exequente, por ter obtido uma sentença anulatória que lhe conferia o direito a ver atribuída a autorização em questão em sede de execução de julgado.
Consequentemente, a indemnização pelos danos decorrentes da frustração da possibilidade de se ver mantida a autorização após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 550/99, de 15/12, já não cabe no âmbito deste processo de julgado anulatório, mas corresponde a um prejuízo que não encontra fundamento na sentença anulatória, que terá que ser requerida por via de uma acção de indemnização por responsabilidade civil por facto ilícito. Tais danos são autónomos face aos que resultam da indemnização por inexecução do julgado e, a ocorrerem, serão consequências do acto ilícito e já não da inexecução da sentença anulatória.
Em suma, o Exequente tinha o direito a ver-lhe atribuída uma autorização para acesso à actividade de inspecção de veículos. Porém, à data em que a Administração se constituiu no dever de executar já não era juridicamente possível conceder-lhe tal autorização, pois o regime legal então em vigor já não o permitia. Aquele mesmo acto autorizativo permitiria ao Exequente exercer a actividade nos termos e condições autorizadas, muito provavelmente até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 550/99, de 15/12, e até ao termo da data em que não se lhe impunha uma adaptação a novas condições, sob pena de a autorização caducar. Tratava-se, portanto, de um direito que integraria a esfera jurídica do Exequente caso a sentença tivesse sido executada.
Ocorre, pois, uma situação de inexecução do julgado e verifica-se existir uma causa legítima de inexecução, que abre vias à indemnização pela referida inexecução. Assim, obriga o artigo 178.º do CPTA que o Tribunal determine a notificação às partes para acordarem uma indemnização pela inexecução.

A presente causa tem um valor que exige a ponderação da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
A norma inclusa no art.º 6.º, n.º 7, do RCJ, relativa à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tal como vem configurada pelo legislador, não é a situação regra, mas uma situação excepcional, só permitida mediante um despacho fundamentado do juiz e uma análise da especificidade da situação, que justifique aquela dispensa. Nessa análise há que atentar na complexidade da causa e à conduta processual das partes, entre outros elementos, a fim de se fundamentar a indicada dispensa.
A presente causa teve uma tramitação inicial um tanto alongada em decorrência das falhas da PI apresentada pelo A. Essas mesmas falhas implicaram que a PI tivesse dado entrada num tribunal hierarquicamente incompetente, que se tivesse de prolatar a correspondente sentença, que o processo tivesse de ser remetido a um tribunal diferente, que se tivesse de enxertar um despacho de pré-saneamento, que ocorressem citações dos RR. ou Executados em datas diferentes, que se tivesse apresentado um aperfeiçoamento da PI e que se tivessem de repetir diversas notificações.
Apreciada a PI e o correspondente aperfeiçoamento, verifica-se que foram trazidos para os presentes autos pelo Exequente um número considerável de documentos, que oneraram os actos de notificação e todos os envolvidos, que os tiveram de apreciar necessariamente.
Sem embargo, após o aperfeiçoamento da PI, o processo prosseguiu para o presente acto sem mais delongas.
Quanto ao mérito da causa, em termos factuais o conhecimento foi simples, pois o grande acervo de documentos que foi trazido pelo A. e Exequente para os autos mostrou-se quase todo inútil. A factualidade relevante foi conhecida essencialmente com base nos factos já fixados na sentença declarativa.
Em termos de apreciação de Direito, a causa apresentou uma complexidade relevante ou convocou um quadro jurídico complexo.
Apesar dos articulados do Exequente serem extensos, os articulados das contrapartes mostraram-se mais comedidos, portanto, no geral, não se pode entender que a presente causa teve articulados demasiado extensos e prolixos.
O valor dos bens que se litigam são de monta, estando em causa interesses económicos muito relevantes para qualquer das partes.
Assim, neste contexto, considera-se que ainda se esteja dentro da excepcionalidade do art.º 6.º, n.º 7, do RCJ e entende-se estar justificada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Mesmo que se considere o valor das custas pelo limite do valor de €275.000,00 – dispensando, no seu cálculo, o remanescente - estas já reflectirão inteiramente quer o pagamento dos custos inerentes ao serviço de justiça que foi prestado, quer a importância económica do presente litígio.
Assim, nas custas que se determinarão a cargo das partes irá também determinar-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

IV- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação para a conferência e confirmar o decidido, julgando:
- improcedente a excepção de ineptidão da PI;
- parcialmente procedente a excepção de erro na forma de processo e julga-se que a presente acção não é apta para através dela se efectivar uma indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual do Governo da RAM, por acto ilícito e culposo;
- sanada a irregularidade da PI e não verificada a invocada excepção de preterição do litisconsórcio passivo;
- procedente a invocada existência de causa legítima de inexecução e determina-se a notificação das partes para, no prazo de 20 dias, querendo, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução.

Custas pelos Exequente e Executado, na proporção do decaimento, que se fixa em 20% para o Exequente e em 80% para o Executado, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça (artigos 527.º do CPC e 7.º, n.º 1 e Tabela II, do RCJ).

Lisboa, 7 de Janeiro de 2021.
(Sofia David)

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.