Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:63/10.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/11/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS;
REQUISITO FORMAL;
ATUAÇÃO ILEGAL;
ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS.
Sumário:I- De harmonia com o disposto no artigo 43.º, nº1 da LGT são devidos juros indemnizatórios quando ocorra erro e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a falta do próprio serviço, globalmente considerado;
II- A verificação de um requisito formal que não se encontrava comprovado à data do pagamento dos rendimentos poderá legitimar a instauração de um processo contraordenacional, mas nunca poderá legitimar a emissão de um ato de liquidação de imposto que comprovadamente se não mostra devido.
III- Se a Administração Tributária efetua uma liquidação ao substituto tributário mesmo depois de ele ter efetuado a prova dos requisitos de aplicação da CDT, ainda que após o termo do prazo estabelecido para entrega do imposto relativo a rendimentos, pagos ou colocados à disposição do beneficiário não residente, dimana inequívoco que a atuação é ilegal, donde, o erro tem necessariamente de ser imputável aos serviços
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I- RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (IRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, constante de fls. 165 a 176 dos autos do presente processo que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “S......, SA”, tendo por objeto a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IRC nº 2007, 64200..., relativa ao exercício de 2003.

A Recorrente, a fls. 192 a 199 dos autos, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


I - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença que julgou totalmente procedente os presentes autos de Impugnação Judicial, por considerar que, no momento em que foi efectivado o procedimento inspectivo e a correspondente liquidação adicional, a administração tributária já sabia não ser devido qualquer imposto, o que faz nascer o direito a juros indemnizatórios a favor da Impugnante.


II - O direito a juros indemnizatórios afigura-se como corolário de um direito de indemnização que ganha consagração constitucional através do artigo 22.º da CRP.


III - À luz do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, o que é relevante para efeitos da atribuição de juros indemnizatórios é que haja um erro que seja imputável aos serviços da Administração Fiscal, o que abrange tanto o erro de facto como o erro de direito; a contrario, não havendo erro de facto ou de direito no acto da liquidação, também não existe erro imputável aos serviços e, por conseguinte, claudica o direito a juros indemnizatórios, cfr. acórdão do STA de 21-01-2009, proc. n.º 0810/08.


IV - No caso concreto, constatamos que a sociedade Impugnante não acautelou, em devido tempo, relativamente ao IRC do ano de 2003, pela obtenção dos certificados de residência da sociedade M….. R…… O…., Inc; por esse motivo, a administração tributária entendeu que a taxa reduzida de retenção refente aos juros prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os E.U.A (CDT) não poderia ser utilizada, cabendo à sociedade Impugnante, como substituta tributária, a responsabilidade pelo imposto devido.


V - De acordo com as disposições legais vigentes na altura (n.ºs 3 e 4 do artigo 90.º do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro), o certificado de residência deveria ter sido efectuado antes da entrega obrigatória do imposto nos cofres do Estado, sendo este requisito imperativo para a limitação do imposto, face ao preceituado no direito interno português; o que, no caso em concreto, não sucedeu.


VI - O que originava, sem margem para dúvidas e à luz das disposições legais que se encontravam vigentes no momento do procedimento inspectivo e da subsequente liquidação, uma violação do disposto no n.º 4 do artigo 90.º do CIRC, o que impunha a respectiva desconsideração para efeitos fiscais e a efectivação de liquidação adicional.


VII - Nesta conformidade, os procedimentos de inspecção e de liquidação do imposto foram efectuados em rigoroso respeito pelas disposições legais que se encontravam vigentes à data, não se afigurando a existência de qualquer erro de facto ou de direito praticado pela administração tributária.


VIII - Na realidade, o fundamento que levou à anulação do acto tributário em sede de reclamação graciosa prende-se tão somente com uma alteração legal (à qual a administração tributária é perfeitamente alheia) que veio a conferir eficácia retroactiva ao regime introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro.


IX - Antes da entrada em vigor da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, quando não era efectivada a prova até à data em que se verificava a obrigação de pagamento do imposto, o sujeito passivo era obrigado a entregar a totalidade do imposto nos cofres do Estado; a partir do ano de 2008 e na eventualidade de existir CDT, passou a não haver qualquer referência ao prazo de entrega do certificado de residência.


X - Ressalve-se, neste ponto, que o procedimento de inspecção conduzido pela administração tributária decorreu entre 13-02-2007 e 17-10-2007, sendo que a liquidação foi produzida e validamente notificada à sociedade Impugnante em Dezembro de 2007, ou seja, ambas são perfeitamente anteriores à data de início de vigência da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro.


XI - A alteração dos pressupostos legais trazida por normas tributárias com eficácia retroactiva não pode consubstanciar erro imputável aos serviços se, no momento em que foi apurado e liquidado o imposto, foram respeitados os preceitos legais vigentes, tal como sucedeu no caso em apreço.


XII - A administração tributária, no momento em que efectuou o procedimento de inspecção e a respectiva liquidação, não poderia actuar de forma diferente, face à redacção legal vigente à data e muito menos se lhe pode exigir que teça um juízo de prognose póstuma quanto a eventuais alterações legislativas das normas com base nas quais efectuou correcções de imposto, mesmo que as tais possuam natureza interpretativa, cfr. acórdão do STA de 11-05-2016, proc. n.º 0704/14


XIII - Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios à sociedade Impugnante, não pode ser assacado à administração tributária qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu, na altura em que o fez, face às disposições legais vigentes na data dos factos tributários.


XIV - O Douto Tribunal a quo, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria factual e jurídica relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.


Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente, ser revogada a Sentença proferida pelo Tribunal a quo e substituída por outra que julgue os presentes autos totalmente improcedentes, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”


***

A Recorrida apresentou contra-alegações, conforme articulado de fls. 201 a 212 formulando as seguintes conclusões:

“A. A AT entende que a ora Recorrida não tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios em virtude de não lhe poder ser assacado qualquer erro na emissão da liquidação anulada em sede de reclamação graciosa.


B. Não obstante, tendo ficado provado que a Recorrida apresentou o competente formulário 9- RFI aos Serviços de Inspeção em momento anterior à liquidação, a liquidação adicional de imposto efetuada por aqueles serviços constitui um erro que lhes é imputável para efeitos da constituição do direito a juros indemnizatórios.


C. Com efeito, e tal como a sentença recorrida refere, "deverá entender-se que a decisão da reclamação graciosa, na parte em que indefere o pagamento de juros indemnizatórios, enferma de vício de violação de lei (...) procedendo na íntegra a pretensão da Impugnante".


D. Desta forma, são devidos à Recorrida juros indemnizatórios nos termos do nºs 1 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre o valor de € 366.212,90 desde 15.01.2008 até 23.02.2010 (data em que foi emitida a respetiva nota de crédito), nos termos do nºs 5 do artigo 61.º, 3 do CPPT.


E. Acresce que a Recorrida não poderia ter obtido o formulário exigido pela AT em momento anterior ao pagamento dos rendimentos pela simples razão que este formulário apenas foi aprovado após esse pagamento!


F. Ao exigir a apresentação de um formulário com data anterior à sua própria aprovação, a AT exigiu uma impossibilidade, pelo que efetuou a liquidação com erro grosseiro, o qual dá origem ao pagamento de juros indemnizatórios.


Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser negado provimento ao presente recurso.”


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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 220 dos autos).

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr. fls. 165 a 176 dos presentes autos):

“1. De Facto


Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:


A) A Impugnante foi alvo de uma ação de inspeção ao exercício de 2003, realizada pelo Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, que decorreu entre 13.02.2007 e 17.10.2007 – cfr. doc. 1 junto com petição inicial, correspondente ao Relatório de Inspeção Tributária (RIT).


B) Na sequência da ação de inspeção identificada em A), os Serviços de Inspeção concluíram pelo apuramento de IRC em falta no montante de € 313.818,40 referentes a imposto não retido no exercício de 2003 – cfr. doc. 1 junto com petição inicial (RIT).


C) Durante o exercício de 2003 a Impugnante efetuou quatro pagamentos de juros a uma entidade residente nos Estados Unidos da América (EUA), a “M…. Inc.”, dois em maio e os restantes em setembro e outubro – cfr. pgs. 17/50, 28/50 e 48/50 do doc. 1 junto com petição inicial (RIT).


D) Sobre os juros a que se refere a alínea que antecede a Impugnante aplicou as taxas de retenção na fonte previstas na Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e os EUA, sem que tivesse na sua posse, em momento anterior ao pagamento, os formulários 9-RFI – cfr. pg. 17 do doc. 1 junto com petição inicial (RIT).


E) Na ação de inspeção identificada em A) a Administração Tributária concluiu que “para accionar a Convenção celebrada entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a dupla Tributação, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, a M….. Portugal, teria de ter na sua posse, antes do pagamento dos juros, os formulários certificados pelas autoridades tributárias do Estado de residência [...]. Ora não foi isso que aconteceu, os certificados têm datas muito posteriores” – cfr. pg. 17 do doc. 1 junto com petição inicial (RIT).


F) Durante a inspeção a ora Impugnante apresentou aos Serviços de Inspeção o formulário 9-RFI referente aos juros pagos no decurso do exercício de 2003, certificado pelas autoridades fiscais dos EUA em 28.05.2004 – cfr. pg. 17 do doc. 1 junto com petição inicial (RIT) e respetivo anexo 7.


G) O formulário 9-RFI mencionado na alínea que antecede não foi aceite pelos Serviços de Inspeção por ter sido certificado em data posterior aos pagamentos efetuados nesse mesmo exercício – cfr. pg. 17 do doc. 1 junto com petição inicial (RIT) e respetivo anexo 7.


H) Na sequência das conclusões da ação de inspeção identificada em A), em 10.12.2007 foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2007 6420……. (retenções na fonte), que apurou imposto, e respetivos juros compensatórios, no montante total de € 366.212,90, com data limite de pagamento em 16.01.2008 – cfr. doc. 2 junto com petição inicial.


I) Em 15.01.2008 a Impugnante efetuou o pagamento da quantia a que se refere a alínea que antecede – por acordo e cfr. ponto e cfr. fls. 312 do PAT apenso.


J) Em 14.05.2008 a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação identificada em H) peticionando a respetiva anulação total e o pagamento de juros indemnizatórios – cfr. doc. 3 junto com petição inicial.


K) Ato impugnado: por despacho de 23.12.2009, cujo teor e respetiva fundamentação aqui se dá por integralmente reproduzida, a reclamação graciosa foi parcialmente deferida, tendo a Administração Tributária anulado na totalidade a liquidação, indeferindo o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da ora Impugnante por considerar que não houve erro imputável aos serviços – cfr. doc. 4 junto com petição inicial.


L) Em 30.12.2009 a Impugnante foi notificada da decisão que antecede – cfr. fls. 328 a 330 do PAT apenso.


M) Em 14.01.2010 a petição inicial que deu origem à presente impugnação judicial foi remetida por correio registado – cfr. fls. 3 dos autos.”


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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

“Não resultam dos autos quaisquer outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa que importe dar como provados ou não provados.”

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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do processo instrutor apenso, referenciados em cada uma das alíneas do probatório e ainda com base na posição assumida pelas partes nos autos.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRC nº 2007, 6420……, relativa ao exercício de 2003, a qual condenou a Recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor de €366.212,90 calculados desde 15 de janeiro de 2008 até à data em que vier a ser emitida a nota de crédito.
Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.
Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se, in casu, existe erro imputável aos serviços e nessa medida se deve ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios conforme decidiu o Tribunal a quo.
Apreciando.
A Recorrente alega que à luz do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, o que é relevante para efeitos da atribuição de juros indemnizatórios é que haja um erro imputável aos serviços da Administração Fiscal, abrangendo tanto o erro de facto como o erro de direito.
Sufraga, neste particular, que no caso vertente a sociedade Impugnante não acautelou, em devido tempo, relativamente ao IRC do ano de 2013, pela obtenção dos certificados de residência da sociedade M……, Inc, sendo que de acordo com as disposições legais vigentes na altura (n.ºs 3 e 4 do artigo 90.º do CIRC, na redação dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro), o certificado de residência deveria ter sido efetuado antes da entrega obrigatória do imposto nos cofres do Estado, sendo este requisito imperativo para a limitação do imposto, face ao preceituado no direito interno português.
Sublinhando, nessa medida, que os procedimentos de inspeção e de liquidação do imposto foram efetuados em rigoroso respeito pelas disposições legais que se encontravam vigentes à data, não se afigurando a existência de qualquer erro de facto ou de direito praticado pela Administração Tributária. Até porque o fundamento que levou à anulação do ato tributário em sede de reclamação graciosa prende-se tão somente com uma alteração legal (à qual a Administração Tributária é perfeitamente alheia) que veio a conferir eficácia retroativa ao regime introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro.
Ademais, o procedimento inspetivo conduzido pela Administração Tributária decorreu entre 13 de fevereiro de 2007 e 17 de outubro de 2007, sendo que a liquidação foi produzida e validamente notificada à sociedade Impugnante em dezembro de 2007, donde perfeitamente anteriores à data de início de vigência da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro.
Conclui, assim, que Administração Tributária, no momento em que efetuou o procedimento inspetivo e emitiu a respetiva liquidação, não poderia atuar de forma diferente, face à redação legal vigente à data e muito menos se lhe pode exigir que teça um juízo de prognose póstuma quanto a eventuais alterações legislativas das normas com base nas quais efetuou correções de imposto, logo não pode ser assacado qualquer erro à Administração Tributária e nessa medida é ilegal o pagamento quaisquer juros indemnizatórios.
Dissente a Recorrida, alegando que tendo ficado provado que a Recorrida apresentou o competente formulário 9- RFI aos Serviços de Inspeção em momento anterior à liquidação, a liquidação adicional de imposto efetuada por aqueles serviços constitui um erro que lhes é imputável para efeitos da constituição do direito a juros indemnizatórios, sendo, por isso, devidos juros indemnizatórios nos termos do n.ºs 1 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre o valor de € 366.212,90 desde 15.01.2008 até 23.02.2010.
Enfatiza, a final, que a Recorrida não poderia ter obtido o formulário exigido pela Administração Tributária em momento anterior ao pagamento dos rendimentos pela simples razão que este formulário apenas foi aprovado após esse pagamento, donde ao exigir a apresentação de um formulário com data anterior à sua própria aprovação, exigiu uma impossibilidade, e nessa medida efetuou a liquidação com erro grosseiro, o qual dá origem ao pagamento de juros indemnizatórios, assim se verificando um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Apreciando.
Vejamos, então, se assiste razão à Recorrente, atentando, para o efeito, no discurso jurídico da sentença recorrida.
A sentença recorrida convocando jurisprudência que entende aplicável ao caso vertente ajuíza o seguinte: “[r]esulta do probatório que o certificado de residência da entidade não residente, a “M….. Inc.”, residente nos EUA, foi apresentado, embora depois do termo do prazo para entrega do imposto – cfr. als. D) e F) dos factos provados. Por outro lado, não obstante o pagamento do imposto, a ora Impugnante deduziu reclamação graciosa na sequência da qual a liquidação veio a ser totalmente anulada.
Concluindo depois que “[i]ndependentemente da responsabilidade contraordenacional que pudesse ser imputada à Impugnante, verificavam-se os pressupostos do afastamento da sua responsabilidade como substituto tributário e não se verificava a exceção prevista na parte final do n.º 4 do art.º 48.º da Lei n.º 67-A/2007, o que levou, logicamente, à anulação da liquidação por vício de violação de lei.”
Relevando, neste conspecto, que “efectivamente, em situações em que foi efectuada uma liquidação em momento que já se sabe que não se verifica o facto tributário que lhe está subjacente, não pode deixar de entender-se que se está perante um acto ilegal, desde logo à face dos princípios da justiça, da proporcionalidade e da igualdade na repartição de encargos públicos, cuja observância é imposta à Administração Tributária pelo art. 55.º da LGT e que são corolário dos princípios da justiça, da necessidade e da igualdade, genericamente enunciados nos arts. 13.º e 18.º, n.º 2, da CRP e ínsitos no princípio do Estado de Direito Democrático.”
Concluindo, nessa medida, que “[d]everá entender-se que a decisão da reclamação graciosa, na parte em que indefere o pagamento de juros indemnizatórios, enferma de vício de violação de lei, havendo lugar a pagamento de juros indemnizatórios desde a data em que a Impugnante efetuou o pagamento do imposto apurado pela liquidação anulada – 15.01.2008, como se refere na al. I) da matéria de facto fixada – até àquela em que vier a ser emitida a respetiva nota de crédito, nos termos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT, procedendo, na íntegra, a pretensão da Impugnante.”
E de facto, não merece qualquer censura a sentença recorrida, uma vez que interpretou corretamente o quadro jurídico vigente com a devida transposição fáctica ao caso vertente.
Senão vejamos.
De harmonia com o disposto no artigo 43.º, nº1 da LGT: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido“.
Para esse efeito é necessário que se verifique a ocorrência de um erro e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a “falta do próprio serviço, globalmente considerado”.
Como doutrina Jorge Lopes de Sousa: A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito(1).
No caso vertente, e conforme bem decidiu o Tribunal a quo, não subsistem dúvidas que estão preenchidos os requisitos legais que a lei faz depender o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, uma vez que na data em que foi efetuada a liquidação a Administração Tributária já estava na posse de todos os elementos que permitiam concluir pela inexistência do facto tributário.
Note-se que, como bem evidenciado na decisão recorrida, a atribuição de efeitos retroativos consignada no artigo 48.º, nº4, da Lei nº 67-A/2007, consubstancia um reconhecimento explícito que era ilegal a imputação de responsabilidade ao substituto tributário quando se comprovasse a verificação dos pressupostos para dispensa total ou parcial de retenção. O mesmo é dizer que o legislador reconheceu que quando fosse certificado o formulário competente, ainda que em data posterior à colocação à disposição dos rendimentos, não poderia ser emitido qualquer ato tributário.
Daí que não se possa afirmar, contrariamente ao expendido pela Recorrente que a Administração Tributária, no momento em que efetuou o procedimento de inspeção e a respetiva liquidação, não poderia atuar de forma diferente, nada tendo de juízo de prognose póstuma a circunstância de se reputar ilegal e de anular um ato tributário cuja formalidade probatória tinha sido cumprida, ainda que em data posterior ao pagamento dos rendimentos.
A verificação de um requisito formal que não se encontrava comprovado à data do pagamento dos rendimentos poderá legitimar a instauração de um processo contraordenacional, mas nunca poderá legitimar a emissão de um ato de liquidação de imposto que comprovadamente se não mostra devido(2)
Ora se a Administração Tributária efetua uma liquidação ao substituto tributário mesmo depois de ele ter efetuado a prova dos requisitos de aplicação da CDT, ainda que após o termo do prazo estabelecido para entrega do imposto relativo a rendimentos (juros), pagos ou colocados à disposição do beneficiário não residente, dimana inequívoco que a atuação é ilegal, donde, o erro tem necessariamente de ser imputável aos serviços.
Note-se que conforme expendido no Aresto do STA proferido no recurso nº 0477/09, em 28 de outubro de 2009 “ [s]ó com fundamento em ilegalidade se pode compreender que, na prática, se anulassem por via legislativa liquidações de imposto já efectuadas, como faz aquela norma, ao determinar a exclusão da responsabilidade do substituto tributário «independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto».
E isto porque “[e]m situações em que foi efectuada uma liquidação em momento que já se sabe que não se verifica o facto tributário que lhe está subjacente, não pode deixar de entender-se que se está perante um acto ilegal, desde logo à face dos princípios da justiça, da proporcionalidade e da igualdade na repartição de encargos públicos, cuja observância é imposta à Administração Tributária pelo art. 55.º da LGT e que são corolário dos princípios da justiça, da necessidade e da igualdade, genericamente enunciados nos arts. 13.º e 18.º, n.º 2, da CRP e ínsitos no princípio do Estado de Direito Democrático.
Com efeito “ [o] entendimento que esteve subjacente à redacção do n.º 6 do art. 90.º-A introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, em que, apesar de se afirmar a subsistência da responsabilidade contra-ordenacional, se afasta a responsabilidade do substituto pela falta de retenção, nos casos em que, posteriormente, se confirma que não se verificavam os pressupostos da exigência de imposto às entidades não residentes. Sendo assim, deverá entender-se que o acto impugnado enferma de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito e este erro é imputável aos serviços, para efeitos no disposto no art. 43.º, n.º 1, da LGT.”
Concluindo, assim, o Aresto que vimos citando que é inequívoco o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios desde a data em que efetuou o pagamento do imposto liquidado pelo ato impugnado até àquele em que vier a ser emitida a respetiva nota de crédito, em ordem ao consignado no artigo 61.º, n.º 3, do CPPT.
Aqui chegados, visto o direito que releva para o caso vertente, e transpondo o mesmo para o caso vertente, aquiescemos que a decisão recorrida não merece qualquer censura uma vez que interpretou corretamente o quadro jurídico vigente tendo efetuado a adequada e exata transposição fáctica ao caso vertente.
Senão vejamos. Atentemos, para o efeito, no recorte fáctico dos autos.
Conforme resulta da factualidade assente-não impugnada- durante o exercício de 2003 a Impugnante efetuou quatro pagamentos de juros a uma entidade residente nos Estados Unidos da América (EUA), a “M…… Inc.”, dois em maio e os restantes em setembro e outubro, tendo a Recorrida aplicado as taxas de retenção na fonte previstas na Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e os EUA, sem que tivesse na sua posse, em momento anterior ao pagamento, os formulários 9-RFI.
Durante o período de 13 de fevereiro de 2007 a 17 de outubro de 2007, a Recorrida foi objeto de uma ação de Inspeção Tributária ao exercício de 2003, tendo os Serviços Inspetivos concluído pelo apuramento de IRC em falta no montante de € 313.818,40 referentes a imposto não retido no exercício de 2003 respeitante aos aludidos juros, tendo a Administração Tributária concluído que o acionamento da Convenção celebrada entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a dupla Tributação, a Recorrida, teria de ter na sua posse, antes do pagamento dos juros, os formulários certificados pelas autoridades tributárias do Estado de residência.
Ainda no decurso da ação inspetiva a Recorrida apresentou o formulário 9-RFI referente aos aludidos juros certificado pelas autoridades fiscais dos EUA em 28 de maio de 2004, não tendo o mesmo sido aceite por ter sido certificado em data posterior aos pagamentos efetuados nesse mesmo exercício, emitindo, em consequência a liquidação adicional de IRC n.º 2007 64200…. no montante total de € 366.212,90, a qual foi objeto de pagamento em 15 de janeiro de 2008.
Mais dimanando da alínea J) da factualidade assente que, em 14 de maio de 2008 contestou a legalidade da liquidação, através da interposição de reclamação graciosa.
Ora, como é bom de ver e tal como evidenciado na decisão recorrida a Administração Tributária no decurso da ação de inspeção e antes da emissão do ato tributário de liquidação, já estava na posse de elementos documentais sobre a prova da residência das entidades beneficiárias, donde já sabia que não havia nenhuma dívida de imposto por parte das entidades não residentes, não se podendo justificar a emissão do subsequente ato de liquidação de IRC.
Assim, tudo visto e ponderado a Recorrida, conforme decidido pelo Tribunal a quo tem direito ao pagamento dos juros indemnizatórios desde a data em que efetuou o pagamento do imposto liquidado, in casu, desde 15 de janeiro de 2008 até à data da emissão da nota de crédito.
Destarte, em face de tudo o que vem sendo dito, nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida mantendo-se, por isso, o reconhecimento dos juros indemnizatórios nos moldes decretados pelo Tribunal a quo.

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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.
Lisboa, 11 de abril de 2019


(Patrícia Manuel Pires)


(Mário Rebelo)


(Joaquim Condesso)

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(1) Em anotação ao artigo 61º do CPPT, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, I vol., Áreas Editora, Lisboa, 5ª edição, 2006, p. 472..
(2) Vide, designadamente, Aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo nº 01422/07.1 BEVIS, de 20 de abril d 2017..