Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04221/10
Secção:CT-2ºJUÍZO
Data do Acordão:09/21/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRECTA.
MANIFESTAÇÃO DE FORTUNA.
RECURSO.
PROVA.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA E FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
DÉFICE INSTRUTÓRIO.
DOCUMENTOS.
Sumário:1.Não padece dos vícios formais de omissão de pronúncia e de falta de fundamentação, a sentença recorrida que conheceu das questões colocadas enquanto causas de pedir conducentes à procedência da pretensão do contribuinte de ver justificadas as manifestações de fortuna evidenciadas e apuradas pela AT, ainda que não tenha inquirido as testemunhas arroladas, por ter considerado desnecessário, tendo fundamentado as conclusões alcançadas, em proposições lógicas que têm por efeito, causal, normal, a obtenção de tais consequências;

2. Padece do vício de défice instrutório a sentença recorrida que não procede à inquirição das testemunhas arroladas e nem instruiu os autos com qualquer outra prova atinente a factos que deu como não provados, quando os mesmos podem ter a virtualidade de justificar parte das manifestações de fortuna evidenciadas e que não se encontravam sujeitas a serem declaradas, como o contribuinte articulara;

3. Não logra o contribuinte provar que certa verba se reporta a um reembolso de um suprimento efectuado à sociedade de que era único sócio e gerente, com base em parte de extractos bancários fornecidos pelo banco à citada sociedade, desde logo por os únicos descritivos deles constantes se reportarem a débitos por ordenados e diferenças de ordenados a favor desse gerente, nada adiantando relativamente a outros débitos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. O Exmo Director Geral dos Impostos (doravante DGCI) e Alberto ............ (doravante AMG), identificados nos autos, dizendo-se inconformados com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, na parte em que a mesma, para cada um deles, lhes foi desfavorável, vieram da mesma recorrer para este Tribunal, formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1.a) Do recorrente AMG:
I. Conforme exposto nos artigos precedentes, considerou o Tribunal recorrido que o facto de o Mandatário do Recorrente não ter sido notificado do despacho de indeferimento do pedido de prorrogação do prazo para exercício do direito de audição prévia, bem como da decisão definitiva de aplicação de métodos indirectos de tributação constitui uma mera irregularidade que não determina a ilegalidade da decisão em causa, não determinando por conseguinte, a nulidade ou a anulação da mesma.
ii. Ora, nos termos do artigo 40.º do CPPT, a não ser que a notificação tenha em vista a prática de um acto pessoal pelo Sujeito passivo, as notificações aos interessados que tenham constituído Mandatário são efectuadas na pessoa deste e no seu escritório.
III. Conforme resulta da sentença recorrida, o Tribunal recorrido assumiu como correspondendo à verdade que o Mandatário do Recorrente não foi notificado da decisão de aplicação de métodos indirectos, bem como do despacho de indeferimento do pedido de prorrogação do prazo para exercício do direito de audição prévia pelo que, em consequência da factualidade exposta, deveria o Tribunal ter anulado a decisão de aplicação de métodos indirectos, com fundamento na violação do artigo 40.º do CPPT, conforme resulta da jurisprudência do STA invocada em sede de alegações.
IV. Neste sentido, e ainda que não tivesse junta aos autos procuração, cabia à DGCI notificar o Mandatário do Recorrente do despacho que indeferiu o pedido de prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição prévia, sendo que a referida falta de notificação impossibilitou que o Mandatário do Recorrente exercesse o adequado meio de reacção.
V. No mesmo sentido, e ainda deveria o Mandatário ter sido notificado da decisão definitiva de aplicação de métodos indirectos de tributação, sendo que o facto de o Recorrente ter tempestivamente utilizado o meio de reacção adequado, para reagir à decisão de determinação da matéria colectável, deveu-se claramente a "sorte", facto que não influi na ilegalidade da decisão determinada pelo facto de a mesma ter sido notificada ao Recorrente, quando nos termos da lei, a mesma deveria, ter sido notificada ao seu Mandatário, consequência que decorre directamente da aplicação do princípio da legalidade previsto no artigo 103.º da Constituição.
VI. Neste sentido, e uma vez que a notificação do Mandatário constitui formalidade essencial do procedimento tributário, conforme resulta da jurisprudência já referenciada, deverá a sentença recorrida ser anulada, com fundamento em erro de julgamento, por violação da formalidade essencial prevista no artigo 40.º do CPPT.
VII. Resulta da exposição efectuada nos artigos anteriores, no que respeita à sentença recorrida, que a mesma é obscura, uma vez que, do teor da mesma o Recorrente não consegue compreender qual será a matéria colectável que deverá ser corrigida pela DGCI em consequência da mesma decisão, sendo que a mesma obscuridade é agravada pelo facto de o Tribunal não ter julgado nem apreciado elementos de prova relativamente a factos essenciais à decisão da causa.
VIII. Ora, no que respeita à quantificação da matéria colectável efectuada pela DGCI (de €1.827.530,00 relativamente ao exercício de 2006 e de €430.270,00 relativamente a 2007) entendeu o Tribunal que deverá considerar-se justificado o valor de €1.581,61 correspondente ao resgate das carteiras de títulos, devendo igualmente considerar-se justificado o valor correspondente ao reembolso de suprimentos, efectuado em 2006, correspondente a €110.500,00 (cento e dez mil e quinhentos euros).
IX. No mesmo sentido, considera o Tribunal como justificada a existência de uma percentagem média de retomo das importâncias gastas pelo Recorrente em fichas de jogo, sendo que considera o Tribunal que ao passo que não é possível estabelecer qualquer margem de retorno para as importâncias gastas nas máquinas tradicionais, deverá ser aceite uma margem média de retomo correspondente a 80% dos montantes dispendidos em fichas de jogo, considerando a aplicação do n.º 2 do título III, da Portaria n.º 217/07 de 26 de Fevereiro.
X. Ora, uma vez que a totalidade do rendimento presumido pela DGCI corresponde a rendimento dispendido pelo Recorrente na aquisição de fichas de jogo, caberia ao Tribunal determinar que valor corresponde a fichas que foram adquiridas para jogo em jogos tradicionais, e que fichas foram adquiridas para jogos em máquinas automáticas, sendo que na petição inicial o Recorrente alegou categoricamente que as fichas referidas eram utilizadas predominantemente para realização de jogos em máquinas automáticas.
XI. Neste sentido, e uma vez que nos presentes autos não resultou provado quais eram as fichas que foram utilizadas em jogos tradicionais e quais eram as fichas utilizadas em jogos em máquinas automáticas, sendo que o anexo VII do Relatório/Conclusões emitido pela DGCI, para o qual a sentença remete, identifica apenas a forma como foram feitos os pagamentos das fichas de jogo, nada adiantando relativamente ao facto de as mesmas se destinarem a jogos tradicionais ou a jogos em máquinas automáticas,
XII. Fica o Recorrente sem compreender se o Tribunal considerou que em consequência da aceitação do critério legal de taxa de retorno correspondente a 80% dos montantes dispendidos, em execução da sentença em causa nos presentes autos a DGCI deverá proceder à correcção da matéria colectável fixada, deduzindo da mesma o valor correspondente a 80% dos valores gastos em fichas de jogo, reduzindo assim a matéria colectável correspondente ao exercício de 2006 para € 365.506,00 (correspondente a 20% do montante apurado pela DGCI) e a matéria colectável apurada no exercício de 2007 para € 86.054,00 (correspondente a 20% do montante apurado pela DGCI);
XIII. Ou se o Tribunal pretendeu determinar que fosse efectuada uma operação diversa, sendo que da leitura da sentença não consegue o Recorrente determinar de que operação estaremos a falar, considerando que conforme o Recorrente já referiu, não ficou provado nos presentes autos que valor corresponde a importâncias dispendidas com jogos tradicionais.
XIV. Neste sentido, deverá entender-se que o Tribunal absteve-­se de julgar os factos essenciais à decisão da causa, uma vez que era fundamental que o Tribunal determinasse que quantias correspondem a valores dispendidos para aquisição de fichas para realização de jogos tradicionais, para determinar a que valor do rendimento apurado deveria ser aplicada a margem média de 80% apreciada e aceite pelo Tribunal.
XV. Ao exposto, acresce que a omissão de julgamento sobre o valor de matéria colectável que corresponde a fichas adquiridas para jogos tradicionais, determina a confusão lógica da fundamentação da sentença recorrida, considerando que o Tribunal afirma, ainda relativamente à taxa média de retorno considerada, que a IT foi sensível ao critério da margem média de retomo no relatório final "admitindo a sua verificação e aplicação em mais consumos de jogo.", ficando o ReCorrente sem saber o significado de tal afirmação,
XVI. Considerando que, o que resulta dos autos é que o consumo evidenciado pelo Recorrente na aquisição de fichas de jogo constitui a matéria colectável apurada por aplicação de métodos indirectos, sendo que, esse mesmo consumo traduz os prémios recebidos e aplicados na aquisição de mais fichas, não existindo nos autos qualquer prova que revele que o critério da margem de retorno tenha previamente sido aplicado pela DGCI na determinação da matéria colectável.
XVII. Neste sentido, após a leitura do parágrafo referido, fica o Recorrente sem saber de forma clara que valor deverá ser deduzido à matéria colectável apurada pela DGCI, o que equivale ao Recorrente dizer que ficou sem saber de forma clara o conteúdo decisório da sentença recorrida.
XVIII. Neste sentido, a sentença recorrida é manifestamente nula, nos termos do artigo 125.º do CPPT, por falta de julgamento de factos essenciais para a decisão da causa, que se traduz numa absoluta falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, e ainda por manifesta obscuridade da mesma, uma vez que não se compreende qual foi O juízo lógico percorrido pelo Tribunal para proferir a decisão, nem sendo tão pouco perceptível o teor da mesma, sobretudo no que respeita à quantificação da correcção que deverá ser efectuada à matéria colectável apurada pela DGCI.
XIX. Neste sentido, face ao exposto, nos termos do artigo 125.º do CPPT, deverá a sentença recorrida ser declarada nula, por manifesta contradição e obscuridade da fundamentação de facto e de direito, designadamente por falta de especificação clara dos fundamentos de facto considerados como provados, essenciais para a decisão da causa.
XX. Conforme resulta da análise dos presentes autos, o Tribunal de primeira instância não apreciou todos os elementos de prova apresentados pelo Recorrente, designadamente a prova documental que respeita aos empréstimos contraídos pelo Recorrente e não considerados pela DGCI, limitando-se o Tribunal a afirmar que "(...) a Adm Fiscal atendeu aos montantes justificados pelo contribuinte com recurso ao crédito ( . . .)", sem tão pouco proceder a uma avaliação crítica da prova produzida peto Recorrente, designadamente inquirindo as testemunhas arroladas na petição inicial.
XXI. Ora, considerando que o Recorrente acedeu ao crédito para pagar as referidas fichas de jogo, tendo contraído em 2006 empréstimos no valor de €100.000,00 e em 2007 no valor de €280.000.00, a falta de apreciação dos elementos de prova relativos aos referidos empréstimos determina que o Recorrente seja condenado ao IRS com base num valor correspondente a €380.000,00 (€280.000,00 + €100.000,00), que está perfeitamente justificado.
XXII. Ao exposto acresce que, somando o valor correspondente à soma de ambos os empréstimos €380.000,00 (€280.000,00 + €100.000,00) aos suprimentos aceites pelo Tribunal, resulta que em ambos os exercícios está justificado o valor correspondente a € 490.500,00 (€380.000,00 + €110.500 00), valor este que é superior a €451,560,00, que é o valor que resulta da soma da matéria colectável obtida em 2006 e em 2007 deduzida da margem média de retomo de 80% (€365.506,00+86.054,00).
XXIII. Ao exposto acresce, que o Tribunal não apreciou ainda a prova apresentada pelo Recorrente no que respeita ao facto de o mesmo ter perdido o cartão que lhe dá acesso às salas de jogo, designadamente, não inquiriu as testemunhas arroladas, que permitiriam que o Recorrente fizesse prova de tal facto, alegando que os autos continham todas as informações necessárias à decisão da causa,
XXIV. E não apreciou a existência de qualquer margem de retorno relativamente aos montantes adquiridos pelo Recorrente para efectuar jogos tradicionais, nem requereu a produção de qualquer prova no que respeita à mesma questão, limitando-se a afirmar de forma conclusiva que não existe qualquer critério legal que respeite aos mesmos jogos, sendo que, se existe uma margem de retorno relativamente às máquinas automáticas, resulta das regras de experiência comum que deverá igualmente existir um critério no que respeita às máquinas tradicionais.
XXV. Ademais, note-se que a sentença recorrida considera como justificados os rendimentos correspondentes a reembolso dos suprimentos realizados na sociedade F.............
XXVI. Ora, se o reembolso de tais suprimentos foi considerado como rendimento justificado, também deveria ter sido analisado e considerado o reembolso de suprimentos, no valor de €157.956,35 (cento e cinquenta e sete mil novecentos e cinquenta e seus euros e trinta e cinco cêntimos) realizado pela sociedade de Construções ......., ............ Lda., conforme consta do documento ora junto aos autos como Doc. 1 e devidamente entregue à DGCI no procedimento de inspecção,
XXVII. Bem como o reembolso de suprimentos no valor de €70.000,00 (setenta mil euros), realizado pela sociedade ....... 2 - ­Sociedade ....... Lda. durante os exercícios de 2006 e de 2007, conforme comprova o documento ora junto aos autos como Doc. 2, tendo o Recorrente junto o mesmo documento ao procedimento de Inspecção.
XXVIII. Neste sentido, o Tribunal não considerou na sentença recorrida, a justificação de rendimentos no valor total de €227.956,35 (duzentos e vinte e sete mil novecentos e cinquenta e seis euros e trinta e cinco cêntimos), relativos aos exercícios de 2006 e de 2007, sendo que foi apresentada prova da justificação de tais rendimentos, a qual não foi apreciada pelo Tribunal.
XXIX. Nos termos expostos, o Tribunal incorreu manifestamente em omissão de pronúncia, nos termos do artigo 125.º do CPPT e do artigo 668.º al. d) do CPC, aplicável ao processo tributário por remissão do artigo 2.º alínea e) do CPPT, uma vez que a primeira instância não se pronunciou sobre factos essenciais para a decisão da causa, e que foram oportunamente alegados pelo Recorrente, sendo a sentença recorrida nula.
XXX. Caso assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se admite, das alegações expostas resulta que a sentença recorrida sempre deveria ser anulada com fundamento em erro de julgamento, com fundamento em déficit instrutório, uma vez que nos termos do artigo 114.º do CPPT o Tribunal deve ordenar a realização de todas as diligências instrutórias essenciais para a descoberta da verdade material, devendo ainda apreciar todos os meios de prova apresentados,
XXXI. Devendo ainda pronunciar-se sobre todos os factos essenciais ao apuramento da decisão da causa, sendo que todos os factos relativos à justificação do consumo evidenciado pelo Impugnante são essenciais para a decisão da causa, uma vez que o artigo 89.º-A da LGT só é aplicável nas situações em que o consumo não seja justificado.
XXXII. Ora, conforme resulta dos presentes autos, o Tribunal não apreciou todos os meios de prova apresentados pelo Recorrente, designadamente conheceu de imediato o pedido, nos termos do artigo 113.º do CPPT, sem inquirir as testemunhas arroladas pelo Recorrente, provocando desta forma elevados prejuízos ao mesmo, que viu o seu pedido ser declarado apenas como parcialmente procedente, quando deveria ter sido declarado como totalmente procedente por provado.
XXXIII. Conforme resulta do disposto 114.º do CPPT, o processo judicial tributário é regulado pelo princípio do inquisitório, o que determina que o Tribunal esteja onerado com a obrigação legal de apreciar todos os elementos de prova apresentados pelo Sujeito Passivo, ordenando a realização de provas adicionais, no caso de existirem dúvidas sobre a existência ou sobre a quantificação do facto tributário.
XXXIV. Neste sentido, e uma vez que ao contrário do que considerou o Tribunal os autos não forneciam todos os elementos de prova essenciais à decisão da causa, sendo assim ilegal a aplicação do artigo 113.º do CPPT, uma vez que conforme resulta da argumentação exposta, existiam factos que dependiam da produção de prova testemunhal, sendo que as testemunhas arroladas poderiam ainda confirmar as dúvidas que eventualmente o Tribunal tivesse relativamente aos factos que não estivesse provados já por prova documental,
XXV. A sentença recorrida sempre deveria ser anulada, com fundamento em erro de julgamento, uma vez que foi proferida com manifesto deficit instrutório, que resultou em prejuízo para o Recorrente, decorrente da não apreciação de elementos de prova essenciais que levariam à procedência total do pedido formulado em sede de recurso.
XXXVI. Termos em que, a sentença recorrida sempre deverá ser anulada, com fundamento em erro de julgamento, uma vez que foi proferida com manifesto deficit instrutório, que resultou em prejuízo para o Recorrente.
XXXVII. Ademais, acresce aos vícios expostos no presente recurso, que conforme resulta da redacção da Lei 94/2009 de 1 de Setembro, a mesma lei não contém qualquer regra relativamente à entrada em vigor das alterações introduzidas designadamente na Lei Geral Tributária, entendendo-se por conseguinte, nos termos do artigo 12.º do Código Civil que a mesma lei será aplicável às situações ocorridas após a respectiva, entrada em vigor, uma vez decorrido o prazo de vacatio legis.
XXXVIII. Neste sentido, nos termos do já referido artigo 12.º n.º 1 do Código Civil, a lei nova, no caso concreto, a Lei 94/2009 de 1 de Setembro apenas não seria aplicável se o n.º 11 do artigo 89.º-A versasse sobre o conteúdo de relações jurídicas, o que não é o caso, uma vez que a norma referida é uma norma meramente procedimental, que cria uma obrigação de investigação que onera a DGCI, não produzindo quaisquer efeitos no âmbito da relação jurídica tributária.
XXXIX. Termos em que, também no que respeita à decisão sobre a não aplicabilidade do disposto no n.º 11 do artigo 89.º-A da LGT à situação em causa nos presentes autos, a decisão recorrida deverá ser anulada, com fundamento em erro de julgamento, devendo a mesma ser substituída por outra que anule a decisão de aplicação de métodos indirectos, com fundamento em falta de instauração de procedimento de investigação das contas bancárias.
XL. Por fim, o Recorrente sempre dirá que conforme resulta do disposto no artigo 89.º-A n.°7 da LGT, o recurso judicial da aplicação de métodos indirectos de tributação com fundamento em manifestações de fortuna não justificadas, substitui o pedido de revisão da matéria colectável previsto no artigo 91.º da mesma lei, o que significa que o objecto do pedido é a apreciação da quantificação da matéria colectável
Efectuada pela DGCI, através de um meio judicial, o recurso, no qual o contribuinte tem a possibilidade de apresentar todos os meios de prova admissíveis para demonstrar o erro na quantificação da matéria colectável.
XLI. Por conseguinte, uma vez que o recurso judicial apresentado nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo 89.º-A é a única forma adequada de por em causa a quantificação da matéria colectável, ficando o Sujeito Passivo impedido de o fazer, inclusivamente na Impugnação judicial do acto de liquidação, apresentada nos termos do artigo 102.º e seguintes do CPPT, a interpretação do artigo 113.º do CPPT no sentido de ser admissível o conhecimento imediato no caso de estarem em causa questões de facto que podem ser provadas por prova testemunhal, que ponham em causa, a quantificação da matéria colectável, é inconstitucional.
XLII. Considerando que o recurso judicial previsto no n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT é o único meio adequado para por em causa a quantificação da matéria colectável, é inconstitucional por violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20.º da Constituição, que determina que "A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.", a interpretação do artigo 113.º do CPPT no sentido, de ser admissível o conhecimento imediato do pedido quando estejam em causa questões de facto que possam ser provadas através d e prova, testemunhal.
XLIII. Ademais, tal interpretação viola o princípio do contraditório, bem como o princípio da lega1idade, previsto no artigo 103.º da Constituição, uma vez que, considerando que a liquidação de imposto por métodos indirectos de tributação deve respeitar o princípio da legalidade na vertente de bloco da legalidade, a interpretação do artigo 113.º do CPPT numa situação como a dos presentes autos, em que estavam em causa factos relativos à quantificação de imposto que podem ser julgados com recurso a prova testemunhal, tal interpretação da referida norma do CPPT viola o princípio do direito a um processo justo e equitativo, previsto no artigo 20.º n.º 4 da Constituição, uma vez que o Tribunal está a vedar ao Recorrente a possibilidade de provar a errada quantificação da matéria colectável em causa.
XLIV. Ora, se o Sujeito Passivo pode apresentar prova testemunhal dos factos constitutivos do erro da DGCI no apuramento da matéria colectável, é inconstitucional o Tribunal vedar ao Recorrente o direito a provar o erro da DGCI, através do conhecimento imediato do pedido nos termos do artigo 113.º do CPPT, norma que impede que seja a prova testemunhal requerida pelo Recorrente.
XLV. Porquanto, tendo o Tribunal de primeira Instância conhecido de imediato o presente recurso, com fundamento na interpretação do artigo113.º do CPPT no sentido de ser admissível o conhecimento imediato do pedido apesar de o Recorrente ter invocado factos que só podem ser conhecidos através de prova testemunhal, a sentença recorrida deverá ser anulada por se ter baseado numa interpretação manifestamente inconstitucional.
XLVI. Na sentença recorrida, considerou igualmente o Tribunal recorrido que não se verifica qualquer dúvida fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário.
XLVII. Ora, efectivamente, caso o Tribunal tivesse apreciado todos os meios de prova apresentados pelo Recorrente em sede de petição inicial, e se designadamente, tivesse inquirido as testemunhas arroladas, a primeira instância teria dado provimento total ao recurso judicial apresentado, declarando que o consumo manifestado pelo Recorrente está devidamente justificado nos termos da lei.
XLVIII. Caso assim não se entenda, considerando que nos termos do artigo 74.º da LGT os factos constitutivos do direito de tributar devem ser provados pela DGCI, sobre a qual recai o ónus da prova, caso da prova prova produzida resultasse qualquer dúvida no espírito do julgador, tal dúvida deveria ser resolvida a favor do ora Recorrente, sendo anulada a decisão de aplicação de métodos indirectos, nos termos do artigo 100.º do CPPT.
XLIX. Neste sentido, e uma vez que a DGCI não provou que o consumo manifestado não seja justificado, nos termos do artigo 100.º do CPPT, da prova produzida pelo Recorrente, resulta pelo menos, a fundada dúvida sobre a quantificação da matéria colectável apurada pelo Recorrente, facto que deveria ter levado o Tribunal a anular a decisão de aplicação de métodos indirectos.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, requer a V. Exas. que o presente recurso seja declarado procedente por provado, e por conseguinte, que seja declarada nula a sentença recorrida, ou caso assim não se entenda, que seja revogada a sentença sob censura, sendo a mesma substituída por outra que anule a decisão de aplicação de métodos indirectos de tributação, por estarem perfeitamente justificadas as fontes do consumo manifestado pelo Sujeito Passivo.


1.b) Do recorrente DGCI:
1. A fundamentação que suporta a douta sentença recorrida é contraditória, tendo conduzido a uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos.
2. Considerou a douta sentença que "relativamente aos suprimentos efectuados na sociedade mencionada no mesmo nº do probatório, embora resulte no mínimo estranho não ter sido junto aquando da prova a efectuar atempadamente naquele procedimento de avaliação, e haja motivos para questionar daqueles registos contabilísticos..."
3. Todavia, concluiu, em violação ao artigo 74° da LGT, que era à Administração Tributária que competia questionar se o A. recebeu ou não aqueles suprimentos.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se, nesta parte, a douta sentença recorrida, com as legais consequências.


Foram admitidos ambos os recursos para subirem imediatamente, nos próprios autos e no efeito suspensivo.


Vieram também ambos os recorrentes, enquanto recorridos, apresentar as suas contra alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


1.c) Do recorrido AMG:
1. Nas alegações de recurso apresentadas pela DGCI, a mesma aceita a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no que respeita à margem média de retorno no que respeita à atribuição de prémios em máquinas automáticas, e admite ainda a prova no que respeita à prova do resgate da carteira de títulos. Relativamente ao teor da sentença, o ora Recorrido já apresentou recurso, nos termos do artigo 283.º do CPPT, o qual deverá ser decidido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos gerais de Direito.
II. Insurge-se a DGCI apenas contra o que respeita à justificação dos suprimentos, alegando que a DGCI não tem de questionar se o Recorrido recebeu ou não o reembolso de suprimentos, em 2005, no valor de €110.500,00, uma vez que é ao Recorrido que cabe a obrigação de fazer prova, nos termos do artigo 74.º da LGT, "(...) que o lançamento efectuado na contabilidade não correspondeu apenas a um "movimento contabilístico" mas que foi efectivamente reembolsado daqueles suprimentos (...)."
III. Claramente a DGCI está equivocada no que respeita à interpretação do disposto no artigo 74.º da LGT, norma que prevê que " 1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. 3 - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação."
IV. Ora, os factos constitutivos do direito à tributação por apresentação de manifestações de consumo não justificadas nos termos do artigo 87.º e seguintes do CPPT, por aplicação de métodos indirectos, são a não justificação do consumo manifestado, pelo nível de rendimento obtido pelo Sujeito Passivo, sendo que,
V. Conforme resulta dos autos, o Recorrido apresentou como meio de prova da justificação dos rendimentos documentos contabilísticos da entidade pagadora, designadamente a F.........., os quais foram analisados pela DGCI no âmbito do procedimento de inspecção, sendo que nos termos do artigo 75.º da LGT tais documentos gozam de uma presunção geral de verdade, relativamente às operações aí inscritas.
VI. Neste sentido, uma vez que nos termos do artigo 350.º n.º 1 do Código Civil, "Quem tem a seu favor presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz.", o que significa que, gozando a contabilidade das sociedades das quais o Recorrido é sócio, bem como os documentos constitutivos do dossier fiscal, de uma presunção geral de verdade, presume-se que os suprimentos na mesma registados
Correspondem a operações reais, e não a meras operações simuladas.
VII. Porquanto, a inaptidão dos documentos para prova do carácter justificado dos rendimentos obtidos, constitui um facto constitutivo do direito de tributação invocado peta DGCI, uma vez que, desde que seja justificada a fonte dos rendimentos pelo Recorrido, sendo que para tal prova são admitidos os meios gerais de prova, a decisão de aplicação de métodos indirectos tem de ser anulada.
VIII. Por conseguinte, uma vez que nos termos do artigo 74.º n.º 1 e 3 da LGT, cabe à DGCI o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de aplicação de métodos indirectos, cabia à mesma afastar a presunção de verdade prevista no artigo 75.º da LGT, e demonstrar que os documentos apresentados não reflectem as operações efectivamente realizadas pelo Recorrido, demonstrando que os rendimentos obtidos não correspondem a rendimentos reais.
IX. Ou ainda que tal presunção de verdade não fosse aplicável, o que só por mera cautela de patrocínio se admite, caberia sempre à DGCI, nos termos do princípio da legalidade, pôr em causa tais pagamentos, uma vez que tais factos são constitutivos do seu direito de tributar por aplicação de métodos indirectos, conforme alegou o Recorrido.
X. Porquanto, resulta dos presentes autos que o Tribunal actuou conforme o disposto no artigo 75.º da LGT, bem como de acordo com o disposto no artigo 350.º do Código Civil, tendo considerado como justificados os rendimentos correspondentes a suprimentos, uma vez que os mesmos não foram contestados pela DGCI, não merecendo a sentença recorrida qualquer censura.
XI. Caso assim, não se entenda, caso da prova produzida resultasse qualquer dúvida no espírito do julgador, tal dúvida deveria ser resolvida a favor do ora Recorrido, nos termos do artigo 100.º do CPPT, uma vez que, se a DGCI não provou nem alegou em sede de procedimento de inspecção que os suprimentos não correspondem a operações reais.
XII. Termos em que, pelos fundamentos expostos, entende o Recorrido que a sentença não merece censura.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, requer a V. Exas. que o presente recurso seja declarado improcedente por não provado, sendo mantida a sentença recorrida no que respeita à justificação dos Suprimentos.


1.d) Do recorrido DGCI:


1. Não enferma de nulidade a sentença por, no presente processo, o Advogado não ter sido notificado, na medida em que se verificou a notificação do contribuinte e que este veio a apresentar recurso nos termos do disposto nos nºs 7 e 8, do mencionado artº 89º-A, da LGT e artº 146°-B, do CPPT, sendo que esta última disposição legal dispensa a apresentação da petição de qualquer formalidade não essencial, nos termos do nº3, constata-se, assim, que neste caso existirá, porventura, uma preterição de formalidade não essencial, cuja verificação não acarreta qualquer nulidade procedimental que inquine o acto ora controvertido.
2. Não existe omissão de pronúncia e da aplicabilidade do artigo 89º-A n° 11 da LGT, nem a inconstitucionalidade do artigo 113° do CPPT, por o Tribunal não ter apreciado todos os elementos de prova apresentados pelo Recorrente, designadamente a prova documental que respeita aos empréstimos contraídos pelo Recorrente e não considerados pela DGCI, limitando-se o Tribunal a afirmar que " ( . . . ) a Adm. Fiscal atendeu aos montantes justificados pelo contribuinte com recurso ao crédito ( . . . )", sem tão pouco proceder a uma avaliação crítica da prova produzida pelo Recorrente, designadamente inquirindo as testemunhas arroladas na petição inicial.
3. É que, como é evidente, os empréstimos provam-se através de documentos e não através de prova testemunhal e, como muito bem se realça na douta sentença recorrida " ..a Adm. Fiscal atendeu aos montantes justificados pelo contribuinte através do recurso ao crédito face aos empréstimos incorridos e os movimentados com cartão de crédito. Já não assim em resultado da utilização de cartão de débito ou em numerário, já que os mesmos traduzem exactamente os consumos não justificados face aos rendimentos declarados e depois de deduzidos daquele financiamento externo."
4. Não releva a invocação da prévia necessidade de recurso ao procedimento de investigação das contas bancárias a que se refere o nº11, do artº 89°-A, da LGT, já que o mesmo só foi introduzido com a redacção dada ao preceito pela Lei n° 94/2009, de 01.09 e, acrescentamos nós, até esta data, as contas bancárias tinham um diferente meio procedimental de acesso a elas, designadamente a derrogação do sigilo, pelo que é evidente estarmos perante uma norma procedimental (de direito adjectivo), que regula de forma diferente o acesso a direitos substantivos.
5. Face a tudo, até à tramitação urgente do processo (nº3, n° 5 do artº 146°-B da LGT) entendeu o Mmº Juiz "a quo" que o processo dispunha de todos os elementos necessários a uma decisão consciente e, nos termos do artº 113° do CPPT, conheceu imediatamente do pedido.
Aquele artº 113° do CPPT permite essa avaliação do julgador, quer em relação à pertinência dos elementos que dele constem quer em face da natureza urgente do processo e, não é, por isso, inconstitucional, como advoga o Recorrente.
6. Sobre a fundada dúvida sobre a quantificação da matéria colectável, ao contrário, a sentença determina que "nos termos expostos e sem necessidade de outras considerações, entende-se como parcialmente procedente o recurso deduzido da fixação do rendimento tributável daqueles anos de 2006 e 2007, devendo ser corrigidos os montantes devidamente justificados da origem dos fundos aplicados naqueles consumos."
7. E, quanto a essa correcções a AT deixou expresso nas suas alegações no recurso jurisdicional que interpôs que:
"...aceita a AT que, quanto à informação disponibilizada pela Inspecção Geral de Jogos, junta com o Anexo VI ao Relatório Conclusões e correspondente quantificação por natureza de consumos Anexo VII do referido Relatório, os montantes consumidos pelo Requerente, em sala de máquinas automáticas, ou em regime POS (Posto of Sale) foi, respectivamente, de € 5.500,00 e € 38.900,00, em cada um dos exercícios.
Admite-se que o A. pudesse ter o retorno, mediante a atribuição de prémios, no montante de 80% do consumo, o que significa uma correcção favorável ao A. no montante de € 4.400,00 e €31.120,00.
8. Que aceita também, que existe prova do resgate da carteira de títulos em 2006, no montante de € 1.581,61, conforme extracto de conta do .... B... que, por lapso, não se tomou em consideração.
9. Todavia, relativamente aos suprimentos, entendeu o Mmº Juiz “a quo" dar como facto provado “.. . o extracto das contas de sócio da sociedade "F... - Sociedade ............, Lda.", de fls 57 e 58 e "Extracto Combinado" do banco ........ B.." de fls. 59 a 91, dos autos e de fls 202 a 234, do P .A. apenso e da "Caixa .........." e fls 235 a 252, do P.A.”, não se aceita que se possa enquadrar na matéria dada por assente, do mesmo ponto 4.
10. E, tanto é assim, que o Mmº Juiz "a quo" considerou também que "relativamente aos suprimentos efectuados na sociedade mencionada no mesmo n° do probatório, embora resulte no mínimo estranho não ter sido junto aquando da prova a efectuar atempadamente naquele procedimento de avaliação, e haja motivos para questionar daqueles registos contabilísticos, não tendo sido aferido da sua conformidade ou sequer questionado pela Adm. Fiscal aqueles lançamentos em conta corrente do sócio, ter-se de considerar como igualmente justificados os reembolsos dos empréstimos contraídos e debitados naquela conta de sócios no valor de € 110.500,00;"
11. Ao contrário do entendimento perfilhado pelo Mmº Juiz, a relevância daquele facto (suprimentos lançados pela F.......) sobre a quantificação da matéria colectável depende, designadamente, da prova do Recorrente nos termos do artº 74° da LGT, designadamente, que aquele lançamento da conta n° 25512 não é apenas um "movimento contabilístico" daquele sujeito passivo e, correspondeu na verdade, a um reembolso recebido pelo A. (nomeadamente na sua conta pessoal), por estarmos de facto, face a dois sujeitos passivos diferentes.
12. Donde, para além do invocado pelo ora Recorrido, quanto ao enquadramento jurídico dos suprimentos no valor de € 110.500,00, como rendimento não justificado, acrescendo o facto de ele ser reportado ao ano de 2005 e, nesse ano, o Recorrente não ter sido inspeccionado, como também não constar de invocação sua anterior à propositura do presente recurso, o que só faz através do extracto da conta bancária nº 25512 de outro sujeito passivo, da Sociedade F........ Soc. ........., Lda. (doc. nº 5 da p.r.), nos termos expostos nas alegações do recurso jurisdicional que interpôs, a sentença não merece qualquer censura, uma vez que a AT admitiu (nessas alegações do recurso que interpôs) as outras correcções a que a sentença se reporta.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao recurso, por não provado, sendo mantida a douta sentença recorrida e revogando-se apenas na parte, referente aos suprimentos, a que se reporta o extracto da conta n° .........., referente a outro sujeito passivo.
Com o que se fará Justiça!


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente AMG, por a prova testemunhal pretendida produzir ser insuficiente para provar a materialidade relativa aos citados empréstimos, e concedido provimento ao recurso interposto pelo DGCI, por o ónus da prova nos factos em causa caber ao contribuinte que não à AT.


Por se tratarem de autos classificados de urgentes vêm os mesmos à Conferência sem a prévia recolha dos vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida, na parte do recurso interposto pelo recorrente AMG, padece dos vícios formais de omissão de pronúncia e de falta de fundamentação conducentes à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se a mesma enferma do vício de défice instrutório conducente à sua anulação; E se o recorrido AMG logrou justificar que a verba de € 110.500,00 consistia num reembolso de um suprimento por si efectuado à sociedade de que era único sócio e gerente.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. No âmbito de um procedimento de inspecção relativa a consulta, recolha e cruzamento de informação destinada ao apuramento da situação tributária da recorrente, dos anos de
2006 e 2007, em sede de IRS, tendo em vista aferir da conformidade da declaração de rendimentos por si apresentado com o consumo evidenciado pelo sujeito passivo nos mesmos períodos de tributação, foi elaborado o relatório de inspecção, que aqui se dá por reproduzido e do qual consta, designadamente, que face aos rendimentos declarados naqueles anos e as correcções efectuadas directamente, acrescidas dos montantes relativos aos créditos pessoais obtidos (empréstimos), deduzido dos consumos efectuados expurgado dos montantes das aquisições com cartões de crédito, obteve-se uma diferença no valor de €1627.404,54 e de € 68.231,31, de rendimento colectável determinado por métodos indirectos, face à análise relativa ao consumo evidenciado através da
aquisição de fichas de jogo em Casinos, em numerário, através de cartões de crédito e de débito, conforme mapa resumo dos consumos efectuados em fichas de jogo discriminado por casino, salas de máquinas do Casino de Monte Gordo e de "Posto of Sale" em Lisboa e Estoril e de fichas nas salas de jogo tradicionais e por forma de pagamento, conforme descrição referida nos Anexo VI e VII do Relatório, sendo que os prémios auferidos foram recebidos mediante a troca de fichas por dinheiro, do qual não existe registo personalizado, tendo-se obtido do sujeito passivo comprovativo dos empréstimos bancários e juntos diversos extractos bancários, não tendo sido considerado os montantes das fichas adquiridas através dos cartões de débito e em numerário por não resultar justificado e comprovado a origem das verbas depositadas e em razão das mesmas não demonstrarem capacidade financeira para o efeito pelo que, face à divergência não justificada entre os rendimentos declarados e os consumos evidenciados, determinou-se um rendimento tributável pela diferença e a considerar na categoria G, nos termos do disposto no nº 5, do artº 89°-A, da LGT. - cfr Relatório da I.T. de fls 1 a 264, do P.A. apenso.
2. No âmbito do direito de audição fixado no prazo de dez dias, face ao projecto de conclusões do relatório, notificado pessoalmente em 08.04.10, foi enviado, por carta registada em 19.04.10, por Advogado não constituído naquele procedimento enquanto mandatário do sujeito passivo, requerimento de prorrogação do prazo, que mereceu despacho de indeferimento, de 22.04.10, notificado ao interessado em 23.04.10 e ao referido causídico em 30.04.10, após apresentação, em 23.04.10, de documento comprovativo de emissão de procuração forense outorgada em 19.04.-, requerimento de fls 289 e 290, certidão de fls 295 a 298, Informação, Parecer e Despacho de fls 299 a 303, requerimento de fls 311 e correspondência postal de fls 314, e Ofício de fls 331, Certidão de Procuração de fls 335 do P.A apenso.
3. Em 23.04.10, foi elaborado o relatório final e a decisão de aplicação de métodos indirectos de determinação do rendimento sujeito a IRS relativo a 2006 e 2007, notificado
ao sujeito passivO em 27.04.10 - cfr Certidão de fls 281 a 283 e Ofício de fls 284 e 285, do P.A apenso.
4- Dá-se aqui por reproduzido o extracto da contas de sócios da sociedade "F.......- ..........,Ldª", de fls 57 e 58 e "Extracto Combinado" do Banco "............." de fls 59 a 91, dos autos e de fls 202 a 234, do P.A. apenso e da "Caixa ............", e 235 a 252, do P.A.

Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes do presente recurso, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
X
Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.


4. Na matéria das suas conclusões VII) a XXIX), veio o ora recorrente AMG imputar à sentença recorrida os vícios formais de omissão de pronúncia e de absoluta falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão e sua obscuridade, a existirem, conducentes à declaração da sua nulidade – e respectivo pedido formulado a final de que seja declarada nula a sentença recorrida - porque os mesmos a ocorrerem gerarem, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1, alínea d e b), 660.º n.º2 e 713.º n.º2 do Código de Processo Civil (CPC), 143.º e 144.º do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje dos art.ºs 124.º e 125.º do CPT, importa por isso conhecer, em primeiro lugar, destas invocadas nulidades.

Aquela primeira invocada nulidade só pode ocorrer, nos termos daquelas normas citadas em primeiro lugar, quando o Juiz deixe de pronunciar-se em absoluto de questão que deva conhecer, que por isso tenha sido submetida à sua apreciação e da qual não conheça, nem o seu conhecimento tenha sido considerado prejudicado pela solução dada a outra(s), como constitui jurisprudência abundante(1).

Como sabiamente invocava o Professor Alberto dos Reis - Código de Processo Civil Anotado, volume V, (Reimpressão), pág. 142 e segs - «Esta nulidade está em correspondência directa com o 1.º período da 2.ª alínea do art.º 660.º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras....
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

Consubstancia, no caso, o recorrente, tal omissão de pronúncia, segundo se consegue apreender da matéria das suas conclusões das alíneas em causa das alegações do recurso, por a M. Juiz do Tribunal "a quo", na sentença recorrida ... o Tribunal de primeira instância não apreciou todos os elementos de prova apresentados pelo Recorrente, designadamente a prova documental que respeita aos empréstimos contraídos pelo Recorrente e não considerados pela DGCI...sem tão pouco proceder a uma avaliação crítica da prova produzida pelo Recorrente, designadamente inquirindo as testemunhas arroladas na petição inicial..., sendo apenas estas as concretas questões que aponta como tendo sido omitido o seu conhecimento na sentença recorrida e que por si tenham sido articuladas na respectiva petição inicial do presente recurso, sendo certo, na verdade, que o juiz deve conhecer na sentença, ...das questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não de todos os argumentos ou raciocínios expendidos pelo recorrente para sustentar a sua posição, nos termos do disposto no art.º 660.º n.º2 do CPC, sendo manifesto não poder ter ocorrido a apontada omissão de pronúncia, já que as questões(2) relativas à apreciação das provas apresentadas pelo recorrente ou a sua eventual falta de apreciação crítica se não podem reconduzir a este vício formal de omissão de pronúncia, mas sim a eventual erro de julgamento, aquelas primeiras, e a eventual falta de exame crítico das provas, em violação do disposto no art.º 659.º, n.º3 do CPC, no vício de falta de fundamentação da mesma sentença, mas só quando esta falta seja absoluta, que não só meramente insuficiente ou errada, como constitui entendimento corrente, há muito fixado na doutrina e jurisprudência portuguesas(3), pelo que não podem ter ocorrido na sentença recorrida, os apontados vícios formais.

Como é sabido, por questões a que se reporta a norma do art.º 668.º n.º1 d) do CPC, não abrangem os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir(4), como se pronuncia entre outros, o acórdão deste Tribunal de 27.9.2005, recurso n.º 738/05, tendo como relator o do presente.

No caso, tendo o M. Juiz do Tribunal “a quo” decidido que o ora recorrente, não tinha logrado provar os montantes relativos aos consumos provindos da utilização dos cartões de débito ou em numerário na aquisição das fichas de jogo, que por isso (bem), tinham sido não justificados pela AT, ao contrário daqueles montantes provindos do recurso ao crédito face aos empréstimos incorridos e aos movimentos com os cartões de crédito, não pode ter ocorrido nesta o invocado vício formal consistente na sua falta, ainda que na mesma sentença, pudessem não ter sido apreciados todos os argumentos ou razões por que o recorrente entendia que tanto uns como os outros se deviam dar como provados, sabido que a apreciação destes já não pode integrar tal vício formal, contanto que tal questão tenha sido conhecida e decidida, como no caso foi, pelo que improcede a matéria das conclusões do recurso atinente a este vício formal.

Também este recorrente, imputa à sentença recorrida o vício formal de falta de fundamentação, por esta ser ... obscura, uma vez que, do teor da mesma o Recorrente não consegue compreender qual será a matéria colectável que deverá ser corrigida pela DGCI em consequência da mesma decisão, sendo que a mesma obscuridade é agravada pelo facto de o Tribunal não ter julgado nem apreciado elementos de prova relativamente a factos essenciais à decisão da causa...já que não se expõem os fundamentos por que assim se concluiu, faltando, em tal peça processual, externar as razões de facto e de direito que a ancoram e a sustêm.

Contudo, lendo e analisando a sentença recorrida, dela se vê, contudo, que o M. Juiz do Tribunal “a quo”, não deixou de fundamentar a decisão quanto à justificação das verbas relativas aos gastos do consumo que considerou evidenciados e logo, em cuja parte determinou a respectiva dedução no rendimento tributável dos dois exercícios em causa, bem como aquelas em que considerou inexistir tal justificação e logo, a parte em que tais verbas devem ser mantidas no rendimento tributável dos mesmos exercícios, segundo foi apurado em sede de inspecção tributária, que a AT não poderá deixar de respeitar na liquidação que no futuro vier a efectuar, sendo prematuro que o recorrente venha esgrimir com as operações aritméticas indicadas na matéria das suas conclusões VIII e segs, matéria que em sede de liquidação do imposto a AT não deixará de efectuar, e o contribuinte de contra ela poder reagir, se não respeitar o decidido, pelo que nunca poderia ocorrer o invocado vício formal de falta de fundamentação, mesmo que tal fundamentação fosse insuficiente, obscura ou contraditória, o que, manifestamente, não é o caso, não acarretaria a sua nulidade, porque tal vício formal apenas a lei o comina para a falta absoluta de motivação, que não para a sua falta parcial, insuficiente, errada ou medíocre(5).

Como sobre tal matéria também se pronunciava o Professor Alberto dos Reis(6), há que distinguir cuidadosamente, a falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por tal falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total dos fundamentos de direito e de facto, não podendo ocorrer assim a invocada nulidade.

De resto, nem a invocada questão do retorno em prémios das fichas aplicadas em jogos tradicionais que a sentença recorrida não especificará se também a estas é aplicável a taxa de retorno de 80%, como acontece com as utilizadas nas máquinas automáticas, também falece a razão do recorrente, como resulta do seguinte parágrafo e que não resistimos a transcrever na íntegra, e que só uma leitura mais apressada ou menos atenta pode ter entendido que as duas realidades se não mostram perfeitamente discriminadas (embora não determinadas quantitativamente), como adiante se verá:
Já quanto à eventualidade da consideração de uma percentagem média de retorno importa considerar que estando quantificados devidamente (cfr anexo VII) as importâncias relativas aos jogos tradicionais, resulta que não são susceptíveis de se estabelecer quaisquer margens para o efeito face à sua própria natureza daqueles jogos. Quanto aos montantes resultantes das também devidamente quantificadas importâncias consumidas em salas de máquinas automáticas, atento o disposto no nº2, do título III, da Portaria n° 217/07, de 26.02., aceita-se que seja considerado um valor de 80% dos montantes dispendidos, embora em sentido rigoroso o que o diploma confere é uma taxa de retorno ao universo de apostadores e não a cada um dos apostadores, como é evidente, mas considerando aquela percentagem como o valor médio de retomo e na falta de outro critério legal que permitisse considerar os montantes de prémios necessariamente verificados, questão essa a que foi sensível a própria I. T . no seu relatório, admitindo a sua verificação e aplicação em mais consumo de jogos..., pelo que as duas realidades não deixaram de ser tratadas na sentença recorrida, com implicações jurídicas distintas [o que não vimos contudo que, quer o relatório da inspecção, quer o citado Anexo VII, discriminem (fls 10 e segs 141 e segs do PA apenso), nem em qualquer um outro lugar, ao contrário do afirmado na sentença recorrida, o que contudo já não configura este vício formal de falta de fundamentação mas sim eventual erro de julgamento].


Improcede assim, também, a matéria das conclusões do recurso supra referenciadas, relativas a este vício formal.


4.1. Na matéria das conclusões XXXI a XXVI das suas conclusões do recurso, insurge-se o recorrente com a sentença recorrida, por esta padecer de défice instrutório relativamente às questões articuladas e tendentes a apurar o quantitativo do consumo justificado e em que a sentença recorrida decidiu manter a fixação do rendimento tributável quanto aos montantes relativos aos empréstimos obtidos por cartão de débito ou em numerário e que considerou traduzir os consumos não justificados face aos rendimentos declarados e que importaram na fixação dos rendimentos tributáveis em causa para cada um dos anos.

Nos termos do disposto no art.º 712.º, n.º4 do CPC, a decisão recorrida pode ser anulada, mesmo oficiosamente pelo Tribunal, quando seja necessário ampliar a matéria de facto em ordem a conhecer das questões suscitadas pelas partes ou de conhecimento oficioso, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, faculdade que a parte vencida, até por maioria de razão, não poderá também deixar de possuir, em ordem à defesa do seu direito a um julgamento justo e equitativo, conforme preceitua desde logo, a norma do art.º 20.º, n.º4 da CRP.

No caso, pretendia o ora recorrente provar todos os empréstimos obtidos – cfr. art.ºs 29.º e segs da sua petição de recurso - pelo que continua a manter interesse na prova dos empréstimos que não foram aceites pela sentença recorrida, ou seja os relativos aos obtidos por cartão de débito e em numerário, tendo para o efeito, para além dos documentos juntos, arrolado quatro testemunhas, as quais não vieram a ser inquiridas, por o M. Juiz do Tribunal “a quo”, pelo seu despacho de 16.6.2010, de fls 121 dos autos, ter entendido que o processo continha todos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa, tendo assim, desde logo, ordenado a vista ao RMP para parecer pré-sentencial, a que proferiu a sentença final, ora recorrida.

Nos termos do disposto no art.º 89.º-A da LGT (redacção introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro), há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º4 ou quando declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
Verificadas as situações previstas no n.º1, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito – seu n.º3.

No caso, pretendia o ora recorrente provar tais manifestações de fortuna evidenciadas, nesta parte com o recurso ao crédito(7),ónus probatório que a lei expressamente lhe acomete, pelo que a inquirição das testemunhas arroladas se não poderia deixar de levar a efeito, na falta de prova documental suficiente carreada para os autos, como entendeu a sentença recorrida, já que esta é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada (8) – art.º 392.º do Código Civil – e os mútuos abaixo de certo valor são válidos mesmo não celebrados por escrito – art.º 1143.º do Código Civil – pelo que não aceitar esta prova testemunhal seria impossibilitar o ora recorrente de satisfazer o ónus da prova que a lei lhe acomete.

Por outro lado, do teor da própria sentença, resulta a necessidade de os autos serem instruídos com elementos relativos à percentagem em que as fichas adquiridas pelo mesmo recorrente nos casinos foram utilizadas na máquinas automáticas, pois só nestas é que se coloca a questão da existência de um retorno em prémios de 80% dos montantes nelas aplicado, e que constitui um rendimento para efeitos de justificação nesta parte dos rendimentos declarados, o que não acontece nas importâncias despendidas na aquisição das fichas utilizadas nos jogos tradicionais, o que a mesma sentença qualificou mas não quantificou, pelo que os autos padecem de défice instrutório, sendo de anular nesta parte a sentença recorrida e de ordenar a baixa dos autos para serem inquiridas as testemunhas arroladas relativamente a estas matérias em causa e bem assim que sejam produzidos outros meios de prova que, eventualmente, se revelem necessários ao mesmo fim, e não sendo de conhecer de quaisquer outros fundamentos deste recurso, por prejudicados – cfr. art.º 660.º, n.º2 do CPC, ex vi do art.º 713.º, n.º2, do mesmo Código.


5. O recurso interposto pelo DGCI reporta-se apenas, na parte em que o recurso foi julgado procedente, à verba de € 110.500,00 relativo ao reembolso de suprimentos que terão sido atribuídos ao recorrido AMG e que o M. Juiz do Tribunal “a quo” considerou tal verba como justificada, quer por a AT não ter aferido da sua conformidade ou sequer a ter questionado, embora tenha considerado existir motivos para questionar tais registos contabilísticos, certamente por força do ónus da prova que entendeu caber à AT e que nesta parte o recurso procedia, como sentenciou.

Como bem se pronuncia quer o recorrente, quer a Exma RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, nesta parte a sentença padece de erro de julgamento, por se tais registos não demonstravam a realidade de tais reembolsos, então, nesta parte, o recurso deveria improceder e não proceder como aconteceu, porque o ónus da prova da justificação dessa concreta manifestação de fortuna cabia ao recorrido AMG que não ao recorrente DGCI, por directa aplicação do disposto no n.º3 do art.º 89.º-A e 74.º, n.º1 da LGT, já que não nos encontramos perante os pressupostos para ter lugar tal avaliação indirecta, previstos no n.º1 do mesmo art.º 89.º-B, como confunde o recorrido na matéria da suas conclusões III e segs das suas contra-alegações, os quais se situam a montante e inicialmente em tal procedimento de avaliação, mas sim em momento ulterior, em que aqueles se encontram já apurados, cabendo agora ao contribuinte fazer a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, desde logo por expressa disposição da norma do n.º3 do citado art.º 89.º-A da LGT.

Nesta parte, e por esta fundamentação, este segmento da sentença recorrida tem de ser revogado, por errada aplicação do direito ao caso.


Não tendo o recorrido AMG, na matéria das conclusões das suas contra-alegações do recurso questionado a matéria de facto constante no probatório da sentença recorrida, como a lei lhe permite – cfr. art.º 684.º-A do CPC – mas apenas que o ónus da prova dessa factualidade reside no recorrente DGCI e que em caso de dúvida, esta lhe deve aproveitar nos termos do disposto no art.º 100.º do CPPT, passamos a conhecer se, face à não oposição da AT em tal matéria, os documentos juntos e referidos no ponto 4.º do probatório da sentença recorrida, de fls 56 a 82 do PA apenso e de fls 57 a 91 dos presentes autos, provam a materialidade de tais reembolsos provenientes de suprimentos efectuados à mesma sociedade F........., pelo mesmo ora recorrido, como o mesmo continua a pugnar.

Quanto à não oposição expressa da AT relativamente na sua peça em que veio exercer o contraditório, de fls 102 e segs dos autos, como a lei lhe permite – cfr. art.º 146.º-B, n.º4 do CPPT – a mesma não tem efeitos cominatórios, como acontece em geral em direitos indisponíveis – cfr. art.ºs 490.º, n.º2 do CPC e 354.º, alínea b) do Código Civil – e dispõe a norma do art.º 110.º, n.ºs 6 e 7 do CPPT, para a impugnação judicial, tal falta de efeito cominatório, pelo que na ausência deste efeito, nos cabe apreciar se tais documentos relativos a tais invocados reembolsos por suprimentos efectuados à referida sociedade F..........provam essa materialidade invocada.

Tais documentos constam de fls 56 a 82 do PA apenso, e tratam-se de cópias de extractos combinados emitidos e remetidos pelo M...............à referida F........., com diversos movimentos a débito e a crédito, no ano de 2007, contendo grande parte desses movimentos ocultados nessas cópias, onde aparecem alguns movimentos a débito a favor do Eng. ........, (que se supõe seja o ora recorrido AMG), segundo o seu próprio descritivo, reporta-se-iam a ordenados, de Dezembro de 2006 a Junho e Setembro e Novembro de 2007, do montante de € 2.000,00, por mês, para além das duas verbas de € 1516,90 cada uma, que nos termos do mesmo descritivo se reportariam a diferencial ord. ago. 07 e de out., ou seja, nos termos literais dos mesmos documentos, todas aquelas verbas atribuídas ao ora recorrido pela citada empresa seriam a título de ordenados e de diferencial de ordenados, de que era sócio e único gerente, como não se encontra em causa, não se vendo como é que tais verbas tivessem a ver com reembolsos por conta de suprimentos efectuados pelo mesmo à citada empresa, sendo manifesto que tais documentos não provam o que quer que seja a este respeito, desde logo face à sua literalidade – cfr. art.º 376.º do Código Civil – pelo que nem se chega a colocar a questão de tal invocado reembolso constar na escrita regularmente organizada pela contribuinte sociedade e que, nos termos do disposto no art.º 75.º da LGT e 59.º do CPPT, goze de presunção da sua veracidade e que seria extensível ao mesmo, como pretende o ora recorrido.

Também os documentos de fls 57 a 91 destes autos, embora a cópia da conta corrente da citada sociedade reflicta em 31.12.2005, um pagamento deste montante de € 110.500,00 a favor de não se sabe quem, o certo é que a mesma não demonstra qualquer histórico onde tal suprimento tenha tido lugar a favor da mesma sociedade, bem como nos extractos bancários seguintes do ora recorrido, não se vê rasto do lançamento de tal montante a favor do mesmo (aliás, os mesmos só abrangem o período anterior até Janeiro de 2004, como se vê de fls 91), pelo que, como concluiu o M. Juiz do Tribunal “a quo”, tais registos contabilísticos são mais do que duvidosos dessa real operação, não provando pois, também, a sua existência, nos termos do disposto no art.º 376.º do Código Civil, e quanto ao mesmo recorrido, também nem se coloca a presunção de veracidade da mesma escrita, mas tão só quanto à contribuinte sociedade, para além de que, em tal escrita, nem se mostra identificado quem foi o titular desse reembolso, pelo que a sentença recorrida nesta parte, não pode deixar de ser revogada e ser mantida a respectiva avaliação, também pela presente fundamentação, não havendo também qualquer dúvida com susceptibilidade de aplicação do regime do art.º 100.º do CPPT, sendo, nesta parte, de conceder provimento ao recurso interposto pelo DGCI.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrido AMG e em anular a sentença recorrida na parte correspondente, para que os autos baixem à 1.ª Instância para serem instruídos nos termos supra e ser proferida nova decisão em conformidade, e em conceder provimento ao recurso interposto pelo DGCI, revogando-se a sentença recorrida nesta parte, e mantendo-se a não justificação da citada verba.


Custas do presente recurso:
- Quanto ao recurso interposto pelo recorrente AMG, ficam a cargo do DGCI por ter deduzido oposição e em que decaiu;
- Quanto ao recurso interposto pelo DGCI, ficam a cargo do recorrido AMG, em que deduziu oposição e em que também decaiu.


Lisboa, 21 de Setembro de 2010
Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Pereira Gameiro
(1) Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 2.10.1996 (ambos), recursos n.ºs 20472 e 20491.
(2) A omissão de pronúncia reconduz-se à falta do conhecimento de questões, e não sobre a falta de realização de diligências instrutórias ou falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas – cfr. neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª edição, revista e aumentada, 2000, VISLIS, pág. 572, nota 10.
(3) Cfr. entre muitos outros, o acórdão do STA de 6.11.2008, recurso n.º 441/08.
(4) Cfr. neste sentido, para além do acórdão deste TCAS de 12.10.2004, recurso n.º 5815/01, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 2.10.2003 (ambos), recursos n.ºs 2585/03, Rec. Rev., 2.ª Secção e n.º 480/03, Rec. Agravo, 7.ª Secção.
(5) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 25.3.2009, recurso m.º 923/08-30. .
(6) In Código de Processo Civil, anotado vol. V, Reimpressão, pág. 140.
(7) É que se o empréstimo concedido e o montante declarado for igual ou superior à manifestação de fortuna, não há lugar à avaliação indirecta – cfr. neste sentido o acórdão do STA de 27.5.2009, recurso n.º 403/09.8
(8) Já que a norma do n.º3 do art.º 146.º-B do CPPT, que restringe nestes recurso a prova, apenas à documental, será inconstitucional por violação do direito de defesa, tal como se entendeu nos acórdãos do STA de 7.11.2007 e de 19.3.2009, recursos n.ºs 590/07 e 135/09-30, respectivamente.