Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:103/07.0BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:01/27/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRC;
ZONA FRANCA DA MADEIRA;
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA;
ISENÇÃO;
ÓNUS DE PROVA.
Sumário:i. É ao contribuinte que pretende exercer um direito legalmente previsto na lei, no caso, na citada isenção do tributo prevista no n.º 6 do art.º 33.º do EBF, pelo que, naturalmente, deverá ser ele a comprovar os pressupostos desse direito, dentro do princípio geral do ónus da prova contido no art.º 342.º, n.º1 do Código Civil, hoje com expressa consagração no art.º 74.º, n.º 1 da LGT.
ii. Em casos como o dos autos, em que o contribuinte pretende exercer um direito contra a AT, não é a esta que lhe cabe o ónus probatório negativo de que se não encontram preenchidos os pressupostos do direito à isenção do imposto, por força da qualidade de não residentes em território português dos beneficiários de tais operações efectuadas com o ora recorrido, mas sim a este, que os mesmos têm residência fora do território nacional ou a não têm neste, em ordem a preencher esse pressuposto de que depende o direito à isenção do imposto.
iii. Essa prova deverá ser feita nos termos previstos no n.º 14 do art.º 33.º do EBF.
iv. Na falta de apresentação das provas de não residente, presume-se que as operações foram realizadas com entidades residentes em território português (n.º 19 do art.º 33.º do EBF), não estando a instituição de crédito pagadora, instalada na Zona Franca da Madeira, dispensada de retenção na fonte dos rendimentos (juros) pagos,
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

S.I.B., S.A., recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, no seguimento de indeferimento tácito da reclamação graciosa, contra a liquidação adicional de IRC do ano de 2002, no montante de 18.135.828,21 euros e respectivos juros compensatórios no valor de 2.176.645,11 euros.

Conclui as doutas alegações assim:
«
a) Vem o presente recurso interposto da Douta sentença de 30 de Novembro de 2015, proferida pelo Douto Tribunal a quo recorrendo-se da parte da decisão do Douto Tribunal a quo que entendeu, "julgar improcedente por não provada a presente impugnando judicial", da condenação do ora Recorrente na totalidade das custas do processo, assim como da decisão de indeferimento do pagamento de indemnização, por prestação de garantia bancária, nos termos do artigo 53.º da LGT;
b) O presente recurso jurisdicional tem também por objecto a decisão proferida sobre a matéria de facto, entendendo o ora Recorrente, salvo melhor entendimento de Vossas Excelências. que uma correcta apreciação da prova produzida impunha um diferente julgamento da matéria de facto, no caso. uma diferente selecção dos factos;
c) Assim requer-se o aditamento de novos factos, os quais resultam amplamente demonstrados, quer pela documentação junta e não impugnada quer até por admissão, por acordo das partes – os referentes aos artigos 16.º.“. 19.°. 20.°. 21.“.22.“. 24.“. 25.“. 28.“. 29.“. 30.“. 31.“. 37.“. 43.“. 44.“. 45.“. 46.“. 47.“. 48.“. 49.“. 50.“. 51.“. 61.“. 62.“. 75.“. 76.“. 77.“. 78.“. 79.“. 80.“. 81.“. 347.“. 348.“. 357.“. 362.“. 363.“. 364.“. 365.“. 366.“. 367.“. 368.“. 369.“. 402.“. 403.“e 404.“.
d) E ainda o aditamento do facto resultante da junção aos autos de Declarações de Bancos participantes, nos termos preconizados pela Autoridade Tributária, através dos Requerimentos de 29 de Outubro de 2007. 22 de Fevereiro de 2008 e 29 de Abril de 2008;
e) Para além dos erros de julgamento sobre matéria de facto, e da interpretação e aplicação do direito, imputa o ora Recorrente à Douta Sentença Recorrida o vício de nulidade da sentença;
f) Salvo o devido respeito, que é muito, entende o ora Recorrente, que o Douto Tribunal a quo ao decidir que não pode - que não podia sindicar a legalidade (ainda que parcial) dos actos impugnados pelo crivo dos documentos apresentados em 24 de Outubro de 2007. 22 de Fevereiro de 2008 e 24 de Abril de 2008, já na pendência da acção, como efectivamente não sindicou (e independentemente da errada argumentação que usou para fundar essa decisão de não conhecimento), constitui fundamento de nulidade da sentença;
g) Isto porque deixou a Douta Sentença recorrida de conhecer questão que estava obrigada a conhecer, a saber, a da legalidade dos actos impugnados tendo cm atenção os elementos probatórios juntos em 24 de Outubro de 2007, 22 de Fevereiro de 2008 e 24 de Abril de 2008, precisamente para prova, como até referido na Douta Sentença Recorrida, da "... qualidade de não residente dos beneficiários dos rendimentos pagos pelo impugnante, enquanto condição necessária à verificação dos pressupostos da isenção de IRC'";
h) Não tendo esta questão em particular sido apreciada e julgada pelo Douto Tribunal a quo. salvo o devido respeito e melhor entendimento de Vossas Excelências, padece a Douta Sentença Recorrida de nulidade, nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e al. D) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
i) Esta decisão de não conhecimento destes elementos probatórios faz a Douta Sentença Recorrida ainda incorrer quer em erro de julgamento sobre a matéria de facto - uma vez que as declarações juntas aos autos, emitidas nos termos preconizados pela Administração Tributária, não foram tidas em consideração para a decisão da matéria de facto, quando o deveriam ter sido - quer em erro de julgamento sobre o Direito;
j) Pois ao contrário do decidido na Douta Sentença Recorrida, podem sempre os Tribunais proceder à anulação parcial dos actos dc liquidação impugnados, não sendo necessário para esse efeito que o impugnante deduza pedido expresso de anulação parcial, bastando para tanto que requeira o comum e geral pedido de anulação do acto tributário impugnado,
k) Errando ainda o Douto Tribunal a quo ao parecer considerar que para o Tribunal poder aceitar os referidos elementos probatórios, necessário seria que os mesmos, ou tivessem sido apresentados à Administração Tributária até à data da decisão administrativa, ou sendo apresentados posteriormente, tivessem sido aceites pela mesma Autoridade Tributária.
l) Entendimento que, nos referidos termos, constitui até negação da função jurisdicional, uma vez que, como nos parece óbvio, e resulta da independência dos Tribunais, nenhuma decisão de um tribunal está submetida ou condicionada a uma deisão administrativa prévia sobre os termos dessa decisão jurisdicional;
m) Constitui igualmente errada aplicação do Direito o entendimento judicial segundo o qual é legalmente inadmissível a junção de elementos probatórios emitidos ou posteriores aos actos de liquidação, o que, por um lado, está em contradição com as regras sobre o momento da junção de documentos (artigo 423.° do CPC), e por outro, viola o princípio da atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, previsto no artigo 611.º do CPC’;
n) Como expressamente se pressupõe na Douta Sentença Recorrida. "... estão em causa elementos probatórios respeitantes à qualidade de não residente dos beneficiários tios rendimentos pagos pelo impugnante, enquanto condição necessária à verificação dos pressupostos da isenção de IRC”, pelo que. consequentemente, a prova desta qualidade de não residente através da junção destes elementos, constitui facto jurídico extintivo do direito de liquidação aqui em causa, e, nessa medida, necessariamente atendível, nos termos do citado artigo 611.º do CPC';
o) Salvo o devido respeito, que é muito, e melhor entendimento de Vossas Excelênccias, a Douta sentença recorrida padece de erro de julgamento sobre a matéria de facto, uma vez que, salvo melhor entendimento de Vossas Excelências, uma correcta apreciação quer da documentação junta, quer da prova admitida por acordo, impunha uma diferente decisão sobre a matéria de facto, uma diferente selecção dos factos levados ao probatório;
p) Com efeito, no caso vertente, todos os factos alegados nos artigos 16.". 19.", 20.". 21.". 22", 24.". 25.", 28.", 20.", 30.", 31.", 37.", 43.", 44.", 45.", 46.", 47.", 48.", 49.", 50.", 51.", 61.", 62.°, 75.", 76.", 77.", 78.", 79.". 80.", 81.", 347.", 348.", 357.", 362.", 363.", 364.". 365.". 366.", 367.", 368.", 369.", 402.", 403." e 404." da petição inicial estão plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou por confissão, nos termos do artigo 376.º. n.º l e 358.º. n.ºs 1 e 2 do Código Civil;
q) Já que. não só os referidos factos estão todos documentalmente suportados, como em sede de Contestação a Fazenda nem a eles se refere, partindo de imediato para a discussão da questão de direito;
r) Dando cumprimento ao ónus de impugnação da matéria de facto previsto no artigo 640.º do CPC, entendemos que os supra indicados factos devem ser aditados ao probatório, uma vez que os mesmos são essenciais á boa decisão da causa, e encontram-se os mesmos provados, como se demonstra a seguir:
i) facto constante do artigo 16 °: O Programa é regido pela lei inglesa (por acordo e doc. 6 e 7);
ii) facto constante do artigo 19.º; O E. e o C. estão sujeitos ao dever de segredo bancário, estando legalmente proibidas de revelar o nome dos seus clientes ou operações que estes pratiquem (por acordo e Doc. n." 6 e 7);
iii) facto constante do artigo 20.": As instituições c intermediários financeiros admitidos a participar no sistema da liquidação e compensação operados pelo E. e o C. também estão legalmente proibidas de revelar o nome dos seus clientes ou operações que estes pratiquem (por acordo e doc. n. 6):
iv) facto constante do artigo 21.": O Impugnante apenas conhece a identidade das suas confrapartes no Programa (este facto resulta provado nomeadamente pelos Docs. n." 5, 6 e 7. e por acordo);
v) facto constante do artigo 22.º: Todas as entidades com as quais o Impugnante estabeleceu relações no âmbito do Programa aqui em apreço - Dealers, Agent e as centrais de liquidação (Clearers), são não residentes em território português, tendo essa qualidade sido já comprovada (por acordo e Doc. n.º3):
vi) facto constante do artigo 24.º: Apenas instituições financeiras são admitidas a subscrever e transaccionar nesse sistema, integrado por entidades financeiras ou Bancos participantes ("Participants") (por acordo e doc. n.º 5);
vii) facto constante do artigo 25.º: Os documentos de emissão do Programa prevêem selling restrictions (cláusulas de restrição de venda), consistentes na imposição aos Dealers de não oferecerem quaisquer "Notes” ao mercado português nem a investidores residentes em Portugal (por acordo e Offering Circular);
viii) facto constante artigo 28.º: Até à data dos Pareceres do Centro de Estudos Fiscais (“CEF"), n.º 18/2005 (sancionado em 15/03/2005, por despacho concordante do Director-Gcral dos Impostos), n.º 60/2005, de 21/07 e n.º 94/2005, de 25/10 (sancionado em 25/10/2005), não havia, quanto a esta matéria, prévia orientação administrativa ou interpretação em sentido contrário pela Administração Fiscal (por acordo):
ix) facto constante artigo 29.º: Estes pareceres vieram a ser solicitados pela primeira vez e especialmente no âmbito da acção inspectiva realizada ao Impugnante, que culminou com a prática do acto aqui impugnado (por acordo):
x) facto constante artigo 30.º: Em todas as inspecções realizadas pela administração tributária a outros bancos e sociedades financeiras exteriores sedeados na zona franca da Madeira, anteriores a 2005 - c que também tiveram por objecto Programas de Emissão de EMTN - nunca antes a administração tributária havia suscitado ou obrigado aquelas entidades inspeccionadas à produção de prova de não residência dos beneficiários de juros no âmbito daqueles Programas, nos termos que só posteriormente vieram a scr exigidos naqueles citados pareceres (por acordo): 
xi) facto constante artigo 31.º: Até ao caso da Impugnante, a administração tributária considerava adequado e suficiente, para prova da não residência dos recebedores de juros, declarações dos Dealers subscritores iniciais, dos Clearers, dos Common Depositary e dos Paying Agent dos vários Programas (por acordo):
xii) facto constante artigo 37.º: Desde a data do início da inspecção tributária, em 3 de Junho de 2004, e a data da sua conclusão, em 21 de Fevereiro de 2005, decorreram, assim, 8 (oito) meses e 18 (dezoito) dias (por acordo e por documentos n." 2 e 3 à Reclamação Graciosa);
xiii) facto constante artigo 43.º: Depois do exercício do direito de audição o Impugnante foi notificado, em 24/02/2005, do Relatório de Inspecção Tributária, datado de 22/02/2005 (por acordo e documento junto como Doc. n." 3 à Reclamação Graciosa):
xiv) facto constante artigo 44.º: Neste Relatório de Inspecção Tributária, foram mantidas as correcções inicialmente propostas nos pontos III - 1.1.1 e III - 1.2.1 do Projecto de Conclusões, no valor de Eur. 31.704.041,06, no que respeita ao exercício 2002 (por acordo e Relatório):
xv) facto constante artigo 45.º: Em 25/02/2005, já depois da emissão do Relatório de Inspecção Tributária, foi finalizado o Parecer n.º 18/2005, sancionado em 15/03/2005 por despacho concordante do Director-geral dos Impostos (por acordo e documento n.º 8 à Reclamação Graciosa):
xvi) facto constante artigo 46.º: Este Parecer n.º 18/2005 veio propor uma solução nova, consignada no ponto 36, que visava permitir um controlo sobre a residência dos detentores dos títulos emitidos pelo Impugnante, designadamente a apresentação de um certificado contendo os elementos referidos no ponto 36 desse Parecer (por acordo e parecer 18 2005):
xvii) facto constante artigo 47.º: Por Oficio n" 1004, de 31/03/2005, foi o Impugnante notificado para proceder, nos termos preconizados no ponto 36 do Parecer n." 18/2005, á comprovação da não residência dos beneficiários dos juros objecto da inspecção (por acordo e documento junto como Doc. n." 8 à Reclamação Graciosa);
xviii) facto constante artigo 48.º: Na sequência deste Ofício, em 2/05/2005, o Impugnante apresentou os seguintes elementos de prova: (i) declarações dos vários dealers intervenientes nas emissões em análise, atestando e confirmando o respeito pelas obrigações decorrentes das selling restrictions constantes do Programme Agreement; (ii) listagens elaboradas pelo E. B. B. (E.) e pelo C. B. L. (C.), contendo a seguinte informação: a) identificação dos títulos de dívida emitidos; b) datas de pagamentos dos juros; c) montantes de juros pagos, por país de residência do beneficiário dos rendimentos (por acordo c Adenda ao Relatório de Inspecção Tributária do exercício de 2002)
xix) facto constante artigo 49.º: Subsistindo dúvidas quanto à relevância dos requisitos em falta nesse conjunto de elementos apresentados pelo Impugnante, nomeadamente a identificação dos beneficiários dos rendimentos, foi novamente solicitado ao CEF, em 18/05/2005, através da Informação 10/BC3/2005, que emitisse parecer sobre a situação em apreço. (por acordo e Adenda ao Relatório de Inspecção Tributária do exercício de 2002);
xx) facto constante artigo 50.º: Em 21/07/2005, foi emitido pelo CEF o Parecer n" 60/2005 (por acordo e documento n.º 9 à Reclamação Graciosa)
xxi) facto constante artigo 51.°: Este Parecer nº 60/2005, de 21/07, concluiu no sentido da “não suficiência de prova produzida pelo contribuinte com o objcctivo de demonstrar a qualidade de não residente dos beneficiários dos juros. Tal conclusão é suportada na ausência, nas listas fornecidas pelos dois Clearers, da identificação daqueles beneficiários, elemento reputado como essencial e imprescindível tendo em vista o eventual recurso à troca dc informações e bem assim a necessidade de serem dissipadas as dúvidas que legitimamente se suscitam quanto a saber se: (i) os pagamentos de juros a entidades residentes em Portugal tiveram como destinatários finais (beneficiários efectivos) entidades não residentes em território Português; e (ii) os pagamentos de juros a entidades não residentes poderão eventualmente ter tido como destinatários finais (beneficiários efectivos) entidades residentes em território português'’ (por acordo c parecer 60/2005);
xxii) facto constante artigo 61.°: Neste cálculo não foram tidas em consideração todas as Declarações dos bancos participantes juntas pelo Impugnante nos moldes preconizados no Parecer n.º 94/2005 do CEF (cf. Documento junto como Doc. n” 18 à Reclamação Graciosa):
xxiii) facto constante artigo 62.º: Após a emissão dos pareceres do CEF e antes da emissão da Adenda ao Relatório de Inspecção não foi concedido ao Impugnante novo direito de audição (por acordo)
xxiv) facto constante artigo 75.º: Com a apresentação da Reclamação Graciosa, o Impugnante juntou um lote de 169 declarações emitidas pelos Bancos participantes, nos mesmos moldes preconizados no parecer nº 94/2005, de 25 de Outubro, do CEF, em tudo idênticas ao lote de declarações já entregues e aceites pela administração fiscal antes da prolação da Adenda ao Relatório de Inspecção de 2002 (cf. Documento junto como Doc. nº 42 à Reclamação Graciosa):
xxv) facto constante artigo 76.º: Após a apresentação da Reclamação Graciosa, o Impugnante juntou mais 8 (oito) requerimentos com
Imagens: Originais nos autos






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Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, que se impetra, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, e em consequência:
a ) Ser declarada nula a sentença recorrida por não se ter pronunciado sobre questão que devia ter conhecido;
b) Ser a mesma revogada por demonstrados os erros de julgamento do Tribunal a quo na apreciação da matéria de facto.
e) Ser a mesma revogada por demonstrado o erro de julgamento do Tribunal a quo no direito.
Assim se fazendo JUSTIÇA!».

Contra-alegações, não foram apresentadas.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer concluindo pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões do recurso, são estas as questões essenciais que importa analisar: (i) nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre elementos de prova apresentados pela impugnante após a contestação para demonstração da qualidade de não residentes dos beneficiários dos rendimentos pagos; (ii) erro na selecção da matéria de facto; (iii) caducidade do direito à liquidação; (iv) preterição da audição prévia; (v) falta de fundamentação; (vi) erro na interpretação e aplicação do direito aos factos; (vii) erro de julgamento por violação do princípio da livre admissibilidade da prova; (viii) erro de julgamento por violação dos princípios da boa fé e protecção da confiança; (ix) erro na valoração da prova apresentada para ilisão da presunção do art.º 33.º, n.º 19, alínea c), do Estatuto dos Benefícios Fiscais; (x) erro da sentença ao não conceder a peticionada indemnização por prestação de garantia indevida, nos termos do art.º 53.º da Lei Geral Tributária.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
Deixou-se factualmente consignado na sentença recorrida:
«
De acordo com os elementos existentes nos autos, apurou-se a seguinte matéria de facto:

1) O impugnante, S. I. B. (I.), S.A. (Zona Franca da Madeira), com sede na Av. A., ...º, 1.º, s. 1.., Funchal, Madeira, entretanto extinto, tinha como objecto social o exercício do comércio bancário, devidamente autorizado e registado no Banco de Portugal, e licenciado pelo Governo Regional da Madeira para operar no âmbito institucional da respectiva Zona Franca (ZFM), encontrava-se sujeito a IRC, e no ano de 2002 a matéria colectável estava sujeita ao regime de isenção temporária, nos termos do artigo 33.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (cfr. fls. 1405 a 1406, certidão de fls. 1752 a 1766 e fls. 5 do Anexo I apenso aos presentes autos);

2) O impugnante declarou no exercício de 2002 lucro tributável no montante de € 5.352.573,00 (cfr. fls. 1406);

3) No âmbito da sua actividade, o impugnante deu início, em conjunto com o Banco italiano "S. I. S.pA", a um programa de emissão de Euro Medium Term Notes (Programa EMTM ou Programa), para captação de recursos no mercado internacional, com o objectivo de financiar as entidades do Grupo do Impugnante, das quais se destaca a casa-mãe, o S. I. S.pA, cujo Programa inseria-se num sistema de liquidação de Eurobonds operado pelo E. (na Bélgica, anteriormente denominado "M. G. T. C. of N. Y., B. O.") e C. (no Luxemburgo, anteriormente denominado C.), centrais internacionais de depósitos de valores mobiliários ("International Central Securities Depositary" - ICSD) (cfr. Relatório de Inspecção Tributária (RIT) – fls. 1407 e segs.);

4) O Programa referido no número anterior destinava-se apenas a instituições financeiras estrangeiras, não residentes em território português (cfr. Doc. 28 junto à reclamação graciosa – Circular de Oferta);

5) A colocação, subscrição e transacção das "Notes" é efectuada de forma escritural, através de instituições financeira não residentes em território português (cfr. RIT e Doc. n.º 28 junto à RG);

6) Em execução do Programa, todos os pagamentos de juros foram feitos pelo Impugnante ao portador das respectivas Global Notes, que é o C. D. – D. B AG L., entidade não residente em Portugal (cfr. Docs. 35 e 41 juntos à reclamação graciosa apensa);

7) O impugnante considerou estes pagamentos isentos de retenção na fonte de IRC, nos termos aplicáveis às entidades licenciadas para operar na Zona Franca da Madeira, tendo em conta a natureza dos rendimentos em causa e de que seria necessário (e suficiente) obter provas de não residência fiscal das suas contrapartes contratuais no Programa EMTM, sem necessidade de obter prova de não residência dos investidores finais com base em pareceres elaborados pelos seus advogados em Portugal na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 30-F/2000 de 29 de Novembro de 2000 (cfr. artigos 27.º e 32.º da p.i. e docs. de fls 161 a 174);

8) O impugnante foi objecto de uma acção inspectiva externa de âmbito geral - IRC, respeitante aos anos de 2001 e 2002, na sequência das Ordens de Serviço n.º 04/1/140 e 01/1/141, de 23/04/2004, notificadas ao impugnante em 28/04/2004, a qual foi prorrogada por três meses, e teve início em 03/06/2004, por decisão comunicada ao impugnante pelo oficio n.º 3414, de 11 de Novembro, tendo sido concluída em 21/02/2005, (cfr. relatório da IT, fls. 1401 a1404 dos presentes autos; artigos 33.º e 34.º da p.i.; e Doc. n.º 4 junto à RG);

9) Através do ofício n.º 3714, datado de 30/12/2004, o impugnante foi notificado para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões do Relatório de Inspecção, onde se propunha correcções meramente ariméticas à matéria colectável no montante de € 31.704.041,06, relativo a imposto em falta resultante da não retenção na fonte de IRC sobre rendimentos de capitias constituídos por juros de empréstimo obrigacionistas (Euro Medium Term Notes), em virtude de o Banco, enquanto entidade emitente, não ter apresentado prova de que os beneficiários efectivos dos rendimentos não são residentes em território português (cfr. Doc. n.º 5 junto à RG; artigo 38.º da p.i.);

10) Em 13/01/2005, o impugnante exerceu o direito de audição prévia, nos termos do documento n.º 6, junto à RG;

11) Em 19/01/2005, através da Informação n.º 1/BC2/2005, a Direcção de Serviços de Inspecção Tributária solicitou parecer ao Centro de Estudos Fiscais (CEF) quanto à produção de prova da não residência no âmbito do artigo 33.º do EBF, na sequência do que foi elaborado pelo CEF o parecer n.º 18/2005, datado de 25/02/2005, sobre o qual recaiu despacho concordante do Director–Geral dos Impostos, em 15/03/2005, propondo no ponto 36 uma solução simplificada para o controlo sobre a residência dos detentores dos títulos emitidos pelo Banco, com o seguinte teor: «(…)
atendendo às reconhecidas especificidades do funcionamento do mercado em que os
títulos em causa são negociados, uma vez comprovado que: (i) as emissões em causa são sempre integralmente colocadas junto de instituições financeiras não residentes; e que (ii) as mesmas estão sujeitas a restrições de venda explícitas (selling restrictions): e que (iii) os Dealers assumiram expressamente perante o emitente que apenas colocariam aqueles títulos junto de:
- entidades instaladas nas zonas francas que não sejam instituições de crédito,
sociedades financeiras ou Sucursais financeiras que realizem operações próprias da sua
actividade com residentes ou estabelecimentos estáveis de não residentes;
- entidades não residentes em território português, exceptuados os estabelecimentos estáveis nela situados e fora das zonas francas, parece-nos razoável admitir, à semelhança do que sucede em Espanha, que a prova de qualidade de não residente possa ser efectuada através do certificado de titularidade dos valores mobiliários emitido peja instituição depositária ou pelos Dealers, desde que sejam entidades domiciliadas em qualquer país da OCDE ou em país com o qual Portugal tenha celebrado convenção para evitar a dupla tributação internacional e estejam submetidos a um regime especial de supervisão ou de regime administrativo.
Tal certificado deverá conter:
(i) a identificação destas entidades (instituição depositária e/ou Dealers), a respectiva residência fiscal, bem como a indicação do regime especial de supervisão ou de registo administrativo a que se encontram submetidas;
(ii) o total dos rendimentos pagos a beneficiários não residentes e sem estabelecimento estável no território português ao qual os mesmos sejam imputáveis;
(iii) uma relação daqueles beneficiários com indicação da sua identificação, país de residência, montante dos rendimentos pagos a cada beneficiário e respectiva data de pagamento;
(iv) declaração sob cumprimento de honra de que, de acordo com os registos da entidade certificadora, a relação referida no ponto anterior é completa, exacta e apenas inclui:
- Entidades instaladoras nas zonas francas, que não sejam instituições de
crédito, sociedades financeiras ou sucursais financeiras que realizem operações próprias
da sua actividade com residentes ou estabelecimentos estáveis de não residentes;
- Entidades não residentes em território português, exceptuados os estabelecimentos estáveis nele situados e fora das zonas francas.» (Cfr. Docs. 7 e 8 da RG apensa);

12) Na sequência da acção de inspecção ao exercício de 2002, em 24/02/2005, o impugnante foi notificado, através do ofício n.º 0577, datado de 22/02/2005, do Relatório Final de Inspecção Tributária, no qual foram mantidas as correcções inicialmente propostas no projecto de relatório (cfr. doc. n.º 3 junto à RG apensa);

13) No relatório de Inspecção Tributária, de 21/02/2005, que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi pelo Director de Serviços exarado despacho de concordância, datado de 21/02/20015, do qual resultaram correcções de natureza aritmética (no ano 2002), que se encontram fundamentas e quantificadas nos capítulos
III do relatório, com o seguinte teor:
«III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Foram seleccionadas e analisadas as áreas contabilístico-fiscais de acordo com os procedimentos em uso, e com a profundidade considerada adequada nas circunstâncias, tendo-se verificado o seguinte:
III - 1.2. Exercício de 2002
III- 1.2.1. Retenções na fonte (art.º 88.º do CIRC)
- Eur. 31.704.041,06 -
No âmbito da presente acção inspectiva, constatou-se que o Banco efectua emissão de obrigações com o objectivo de financiar as entidades do Grupo S., das quais se destaca a casa-mãe, o S. I. SpA em Itália.
Os empréstimos obrigacionistas encontram-se registados no passivo, na conta "3410 -Responsabilidades representadas por titulos - Obrigações" no montante de Eur. 6.393.505.222,57, em 31.12.2003, e apresentam o seguinte detalhe:
(…)
De acordo com o programa de “Euro Medium Term Notes” em vigor, o Banco pode emitir títulos em euros ou noutras moedas, a taxa fixa ou variável sendo o pagamento do capital e juros garantido incondicionalmente pelo S. I. SpA (casa-mãe). Em 31 de Dezembro de 2002, a divida emitida ao abrigo deste programa não podia exceder 17.500.000 milhares de euros. Quanto aos juros decorrentes daqueles títulos de dívida, estes são periodificados mensalmente e registados na conta “7000 – Outros juros e custos equiparados” por contrapartida da conta “5230 – Custos a pagar de recursos alheios”. Esta conta é debitada pelos pagamentos de juros efectuados nas respectivas datas de vencimento, ficando deste modo saldada.
A análise efectuada, por amostragem, recaiu sobre as obrigações de taxa variável, cujo saldo a 31.12.2002 se cifrava em Eur. 4.957.005.430,13 (Anexo 1, Mapa 2). O Banco disponibilizou o extracto da conta "52341119 - Custos a pagar de outras obrigações colocadas no mercado externo" (Anexo 2) na qual se encontram registados os pagamentos de juros a débito, de acordo com esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo. A partir desta informação foi possível detalhar os pagamentos de juros ilíquidos, por data e por título emitido no montante global de Eur. 158.520.205,28.
(…)
O Banco é um sujeito passivo de IRC embora dele isento temporariamente até 2011, dado estar localizado na Zona Franca da Madeira e por isso usufruir do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 33.º da EFB. Face a este enquadramento, os rendimentos por si pagos também podem beneficiar de um regime de isenção.(…)
Até ao exercício de 2000 a qualidade de não residente, dos intervenientes das operações efectuadas com entidades instaladas na Zona Franca da Madeira, pressuposto da isenção preconizada no art.º 33.º do EBF (ex art.º 41.º) deveria resultar, nos termos do n.º 14 com a redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 307/95 de 20 de Novembro, inequivocamente dos documentos que suportam a operação, ou, supletivamente, ser comprovada mediante declaração do próprio, contendo todos os elementos de identificação, a qual é considerada documento fiscalmente relevante.
Com a publicação da Lei n.º 30-F/2000 de 29 de Dezembro foram estabelecidas novas regras para efeitos de comprovação da qualidade de não residente tendo o legislador criado exigências diferenciadas consoante os intervenientes sejam institucionais sujeitos a um regime especial de supervisão ou outras pessoas singulares e colectivas.
A lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro introduziu, de novo, alterações ao n.º 14 do art.º 33.º do EBF permitindo novas forma da comprovação da qualidade de não residente e clarificando outras já existentes, as quais têm natureza interpretativa de acordo como n.º 2 do art.º 45.º.
Significando portanto que o pressupostos da isenção, a prova da qualidade de não residente dos titulares beneficiários dos juros referentes às obrigações emitidas deverá ser aferida, no exercício de 2002, nos termos das regras definidas pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro.
(…)
Em relação aos argumentos aduzidos pelo Banco nos pontos 1) e 2), não se pode considerar os Dealers como beneficiários dos rendimentos, a partir do momento em que estes vendem as Notes, que subscreveram, a clientes, os quais podem ser investidores ou intermediários financeiros, de acordo com o mecanismo caracterizado pelo Banco. São estas últimas entidades que vão registar os juros recebidos como proveitos na sua contabilidade consubstanciando-se, deste modo, nos efectivos beneficiários dos rendimentos constantes do n.º 6 do art.º 33.º do EBF.
Em relação à restrição de venda das notes a residentes no território português referida pelo sujeito passivo no ponto 3), que consiste numa selling restriction constante do prospecto do programa, o Banco não descreveu qualquer tipo de controlo implementado com o objectivo de aferir do cumprimento daquela regra por parte dos agentes no mercado. O facto de constar no prospecto do programa a referida proibição, não faz transferir para outrem a sua responsabilidade, nos termos do art.º 28.º da LGT, de assegurar que os pressupostos para a isenção previstos no art.º 33 do EBF estão a ser cumpridos.
Ao contrário do exposto pelo Banco no ponto 4), e como já referido anteriormente, a obrigação de fazer prova da qualidade de não residente no caso em apreço vigorava já em 1987, à data em que o programa de EMTN do Banco foi implementado. De facto, o n.º 14 do então art.º 41.º do EBF estabelecia que “quando a qualidade de não residente não resulte inequivocamente dos documentos que suportam a operação, deve aquela ser comprovada através da declaração do próprio, contendo todos os elementos de identificação, a qual é considerada documento fiscalmente relevante para todos os efeitos legais”. De facto, as alterações entretanto introduzidas a esta norma têm versado apenas sobre a forma em que a prova da qualidade de não residente deve ser produzida.
Conforme refere em 5) e 6), o Banco procedeu à apresentação das provas de não residência em relação às entidades com as quais estabelece relações – o Agent, os Dealers e as centrais de liquidação, argumentando que só em relação a estas deverá dispor da certificação da não residência nos termos do n.º 15 do art.º 33.º do EBF. No entanto, o n.º 6 deste artigo é claro quando define que o pressuposto de não residência é aplicável aos beneficiários dos rendimentos e não aos intermediários da operação de financiamento em apreço.
O Banco, face ao aduzido em 7), pretendendo aplicar o mecanismo do benefício constante do n.º 6 do art.º 41.º do EBF (actual art.º 33.º) no âmbito da sua actividade de captação de fundos, teria que assegurar a opção por uma estrutura da emissão de títulos de dívida compatível com o cumprimento das suas obrigações.
Contrariamente ao referido pelo Banco no ponto 8), o entendimento sancionado por despacho de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais constante da Circular n.º 24/2002, de 6 de Novembro, refere expressamente na alínea d) que “As instituições de crédito e sociedades financeiras emitentes, procedam à retenção na fonte nos termos previstos nos Códigos do IRS e do IRC, relativamente aos juros pagos a entidades residentes ou aos juros de que estas tenham sido beneficiárias.”, pelo que se torna necessário a identificação dos beneficiários dos rendimentos.
Em face das características do mercado de Eurobonds, explanadas pelo sujeito passivo e da proibição dos dealers colorarem as notes junto de investidores portugueses, e porque a qualidade de não residente é condição necessária à isenção dos rendimentos pagos pelas instituições de crédito instaladas nas zonas francas, nos termos do n.º 6 do art.º 33.º do EBF, afigurou-se-nos ser adequado solicitar parecer à Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais sobre esta matéria (Anexo 7).
Em resposta ao nosso pedido, foi emitido o Parecer n.º 2300/04, de 22.11.2004, no qual foi sancionado o entendimento de que a aplicação da isenção, referida no parágrafo anterior, carece de que seja efectuada a prova da não residência dos beneficiários efectivos dos rendimentos distribuídos pelo Banco, enquanto entidade emitente, sendo que a prova deverá ser efectuada nos termos do disposto no n.º 14 do art.º 33.º do EBF (Anexo 8).
De facto, o contribuinte encontra-se obrigado a facultar à administração fiscal todos os elementos necessários ao controlo dos pressupostos subjacentes ao usufruto de um benefício fiscal, sob pena de os mesmos ficarem sem efeito, por força do n.º 4 do art.º 65.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) conjugado com o n.º 4 do art.º 14.º da Lei Geral Tributária (LGT).
No mesmo sentido das normas citadas no parágrafo anterior, as alíneas a) e b) do n.º 19 do art.º 33.º do EBF, com a redacção dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, com natureza interpretativa, vem estabelecer que a falta de prova da não residência implica a perda do benefício fiscal, ou seja, da isenção prevista no n.º 6 do art.º 33.º do EBF, sendo aplicáveis as normas gerais previstas nos competentes códigos relativos à responsabilidade pelo pagamento do imposto em falta.
Acresce que, de acordo com o disposto na alínea c) do referido preceito se presume que as operações foram realizadas com entidades residentes em território português para efeitos do disposto no preceito (art.º 33.º do EBF), sem prejuízo de se poder ilidir a presunção, de acordo com o art.º 73.º da LGT, e nos termos do art.º 64.º do CPPT.
Ora, esta presunção aliada à perda do benefício fiscal por parte dos beneficiários efectivos dos rendimentos cuja prova de não residência não tenha sido entregue à instituição de crédito, implica que esta, enquanto entidade emitente e devedora do rendimento, está obrigada a proceder à retenção na fonte do imposto que incide sobre esses rendimentos nos termos dos n.ºs 4 e 5 do art.º 88.º do CIRC e alínea a), n.º 2 do art.º 101 do CIRS conjugados com o art.º 71.º, também do CIRS.» (Cfr. RIT a fls 1401 a 1504 dos autos);

14) Na inspecção tributária aos exercícios de 2001 e 2002, as listagens emitidas pelas centrais de liquidação E. e C., contendo toda a informação relativa aos International Securities Identification Numbers (ISIN) atribuídos aos valores mobiliários emitidos pelo Impugnante ao abrigo do Programa de EMTN, foram consideradas insuficientes para efeitos de prova da qualidade de não residente, nos termos do n.º 6 do art.º 33° do EBF, dado que essas listagens não continham a identificação completa das entidades beneficiárias, por motivos de deveres de sigilo bancário (cfr. RIT);

15) A insuficiência da prova produzida, com fundamento na omissão referida no ponto anterior, foi posteriormente sancionada pelos pareceres n.º 60/2005, de 21 de Julho e n.º 94/2005, de 25 de Outubro, solicitados na sequência da apresentação de novos elementos de prova pelo Impugnante (cfr. Docs. n.º 9 e 10 juntos à RG);

16) Por ofício n.º 1004, de 31/03/2005, foi o Impugnante notificado para proceder, nos termos preconizados no ponto 36 do Parecer n.º 18/2005, à prova da qualidade de não residente dos beneficiários dos juros dos empréstimos obrigacionistas referenciados nos Anexos 9 e 10 do Relatório de Inspecção Tributária, relativos aos exercícios de 2002 e 2002 (Cfr. Documento n.º 8 junto à RG apensa);

17) Na sequência da apresentação de diversos elementos de prova pelo Impugnante foi novamente solicitado ao CEF, em 18/05/2005 parecer sobre a relevância, para efeitos da prova da qualidade de não residente, do não cumprimento por parte das entidades depositárias, E. B. B. e C. B. L., dos requisitos em falta, nomeadamente, a identificação dos beneficiários dos rendimentos, que emitiu o Parecer n.º 60/2005, em 21/07/2005, onde se conclui no sentido da «não suficiência de prova produzida pelo contribuinte com o objectivo de demonstrar a qualidade de não residente dos beneficiários dos juros. Tal conclusão é suportada na ausência, nas listas fornecidas pelos dois Clearers, da identificação daqueles beneficiários, elemento reputado como essencial e imprescindível tendo em vista o eventual recurso à troca de informações e bem assim a necessidade de serem dissipadas as dúvidas que legitimamente se suscitam quanto a saber se: (i) os pagamentos de juros a entidades residentes em Portugal tiveram como destinatários finais (beneficiários efectivos) entidades não residentes em território Português; e (ii) os pagamentos de juros a entidades não residentes poderão eventualmente ter tido como destinatários finais (beneficiários efectivos) entidades residentes em território português.» (cfr. fls. 5 do Doc. 7 e Doc. 9, ambos juntos à RG apensa);

18) Em 25/10/2005, foi emitido pelo CEF o Parecer n.º 94/2005, o qual reitera as conclusões dos pareceres anteriores no sentido «de que os elementos apresentados pelo SanPaolo não constituem meios de prova bastantes para ilidir a presunção prevista na actual alínea c), do n.º 19, do art.º 33.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. (..) No caso em concreto, e mesmo atendendo às especificidades do funcionamento do mercado em que os títulos em causa são negociados, julga-se que para a comprovação da qualidade
de não residente dos beneficiários dos rendimentos seria, no mínimo exigível a identificação completa de tais entidades e uma declaração das mesmas de que cumpriram as restrições de venda explícitas (selling restrictions) aplicáveis às emissões de títulos em causa.», no qual foi exarado, em 26/10/2005, despacho de concordância do
Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (cfr. Documento n.º 10 da RG apenso);
19) Através dos ofícios nºs 03177 e 03193, datados, respectivamente de 02/11/2005 e 03/11/2005, o Impugnante foi notificado para apresentar nova prova contemplando a identificação completa das entidades às quais terão sido pagos os juros de acordo com as listagens elaboradas pelo E. B. e C. e uma declaração das mesmas, nos termos preconizados nos pareceres n.ºs 18/2005, 60/2005 e 94/2005, todos do CEF (cfr. artigo 55.º da p.i. e Documentos 11 e 12 juntos à RG apensa);

20) Através de requerimentos apresentados à Direcção de Serviços de Inspecção Tributária (DSIT), em 21/11/2005 e 23/11/2005, o Impugnante juntou um lote de documentos constituídos por “declarações emitidas por terceiros, entidades financeiras, que se identificam como detentoras de contas junto das centrais de liquidação E. e C.”, e, em 25/11/2005, 02/12/2005 e 16/12/2005 juntou mais elementos adicionais (cfr. Documentos n.ºs 13, 14, 15, 16 e 17 juntos à RG apensa);

21) Em adenda ao Relatório de Inspecção Tributária, relativo ao exercício de 2002, no qual foram analisados os novos elementos apresentados pelo Impugnante, que aqui se dá por integralmente reproduzida, entendeu a administração fiscal que:
«(…) 18. Da análise dos elementos apresentados pelo Banco, verificou-se que se tratavam de declarações emitidas por terceiros, entidades financeiras que se identificam como detentoras de contas junto das centrais de liquidação E. e C.
19. Nas declarações emitidas, aquelas entidades assumem não ter transaccionado quaisquer dos títulos em apreço por ordem de residentes em território nacional, nem tão pouco ter efectuado pagamentos de rendimentos às mesmas entidades. Em todos os caos é anexo à declaração uma relação de pagamentos efectuados em cada exercício com a identificação dos títulos, datas de pagamentos e montantes pagos a não residentes. Juntamente com dois elementos referidos é apenso, em algumas situações, cópia da mensagem de SWIFT recepcionada por aquelas instituições, enviada pelas centrais de liquidação, a solicitar a respectiva declaração. (…)
21. Os elementos ora remetidos correspondem, em nosso entender, às exigências da produção adicional de prova considerada como mínimo exigível de acordo com o entendimento do CEF já referenciado no ponto 14 (Parecer n.º 94/2005, de 25 de Outubro), para comprovar a qualidade de não residente dos beneficiários dos rendimentos.
22. A Analise efectuada a partir dos citados elementos, relativos ao exercício de 2002, encontra-se patente no Anexo 12. Verifica-se que foi produzida prova de não residência nos termos preconizados no Parecer n.º 94/2005, de 25 de Outubro, do CEF, relativa a entidades que efectuaram pagamentos no valor total de Eur. 77.416.536,49 (48,8% do valor global de pagamentos – Eur. 158.520.205,28 em 2002;
23. Deste modo, e se superiormente assim se entender, afigura-se que o montante inicialmente apurado de imposto em falta de Eur. 31.704.041,06, em 2002, de acordo com o Relatório de Inspecção Tributária, notificado em tempo útil ao sujeito passivo, conforme mencionado no ponto 9, será de corrigir para o valor de Eur. 18.135.828,21, em 2002 (Anexo 13).» (cfr. Processo administrativo apenso e Documento n.º 18 junto à RG apensa);

22) A Administração Tributária não aceitou para prova da qualidade de não residente as listagens das entidades depositárias, E. B. B. e C. B. L., por das mesmas não constar a identificação dos beneficiários dos rendimentos (cfr. Adenda junto ao processo administrativo apenso);

23) Sobre a Adenda ao Relatório de Inspecção foram exarados parecer da Coordenadora de Equipa, propondo nos termos da Adenda a redução do valor do imposto e despacho concordante do Director de Serviços, datado de 29/12/2005 (Cfr. processo administrativo apenso);

24) Com base na correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária, foi emitida a liquidação de retenções na fonte n.º 2006 6420000330, em 20/01/2006, no montante de € 18.135.838,21 e liquidações de juros compensatórios, no valor de € 2.176.645,11, no montante total de 20.312.473.32, com data limite de pagamento em 01/03/2006 e notificadas ao Impugnante em 30/01/2006 (cfr. fls. 112 a 114 e 1323 a 1325; artigo 64.º da p.i.);

25) O Serviço de Finanças do Funchal-1 instaurou contra o Impugnante a execução fiscal n.º 2810200601012975, para cobrança coerciva das liquidações a que se refere o ponto anterior, cujo processo encontra-se suspenso por ter sido prestada garantia bancária, em 10/05/2006, sobre o banco S. I. S.p.A., no montante de € 26.025.496,38. (cfr. fls. 1233 dos presentes autos e Documentos n.ºs 21 a 25 juntos à RG apensa);

26) Para a emissão e prestação de garantia, o Impugnante suportou encargos no montante de € 156.853,02, relativos a emolumentos notariais e imposto de selo (cfr. Documento n.º 26 junto à RG apensa);

27) O impugnante notificado das liquidações referidas no ponto 24) supra, deduziu em 27/06/2006 reclamação graciosa, à qual juntou um lote de 169 declarações emitidas pelos bancos participantes nos mesmos moldes preconizados no parecer n.º 94/2005 do CEF, que constitui o documento n.º 42;

28) Após a apresentação da reclamação graciosa, o impugnante juntou a esse procedimento mais declarações emitidas pelos bancos participantes (cfr. fls. 175 a 290 e
312 a 1229; artigos 76.º e 77.º da p.i.);

29) No âmbito do procedimento de reclamação graciosa foi elaborada a informação n.º 95AJT/2006, que mereceu despacho concordante do Director de Serviços de Inspecção Tributária, datado de 15/12/2006, que aqui se dá por integralmente reproduzida, da qual consta em conclusão «Face ao que antecede, nomeadamente aos novos «elementos de prova» carreados pelo R. para o processo, a liquidação adicional n.º 2006 6420000330, no montante de € 18.135.828,21 (dezoito milhões, cento e trinta e cinco mil, oitocentos e vinte e oito euros e vinte e um cêntimos) de imposto e € 2.176.645,11 (dois milhões, cento e setenta e seis mil, seiscentos e quarenta e cinco euros e onze cêntimos) de juros compensatórios, deverá ser alterada para € 3.657.375,38 (três milhões, seiscentos e cinquenta e sete mil, trezentos e setenta e cinco euros e trinta e oito cêntimos) e respectivos juros compensatórios.» (Cfr. fls. 1518 a 1583);

30) Em aditamento à informação referida no ponto anterior foram elaboradas mais 4 informações, na sequência da apresentação pelo Impugnante de novas declarações de entidades financeiras não residentes que pagaram juros no âmbito do projecto ENTN, que deram parecer de ser deduzido ao valor de € 3.657.375,38 os montantes de € 230.284,16, € 936.148,33, € 216.316,69, € 585.795,22, as quais mereceram despacho concordante do Director de Serviços de Inspecção Tributária, datado de 15/02/2007 (cfr. fls. 1586 a 1653);

31) Do indeferimento tácito da reclamação graciosa, em 21/03/2007 o impugnante apresentou a presente impugnação (cfr. carimbo aposto a fls. 1)

32) Dos pagamentos efectuados em 2002, declarados nas listagens dos Clearers com referência a Portugal, constam 5 (cinco) pagamentos objecto de retenção na fonte (Docs. n.º 20 a 22, de fls. 291 a 307);

33) Algumas contas bancárias beneficiárias de pagamento de juros foram encerradas, outras os seus detentores transferiram os activos para outros depositários e ainda alguns detentores das contas foram alvo de fusões ou cisões (cfr. fls. 595 a 609 do Anexo 1);

34) Após a apresentação da petição inicial que deu origem aos presentes autos, o impugnante juntou mais 21 declarações emitidas por bancos participantes (Documentos n.ºs 25, 26, 27, 28, 30, 31 e 32 da p.i., a fls. 610 a 620 do Anexo 1 e 1240 a 1256, 1305 1319 e 1326 a 1330 dos presentes autos);

35) As declarações entregues pelo Impugnante até ao dia 29/10/2007 constam do índice de fls. 621 a 628 do Anexo 1);

36) Com base nas informações referidas nos pontos 29) e 30), a Fazenda Pública aceitou todas as declarações apresentadas em todos os momentos do procedimento tributário e em sede de impugnação até à apresentação da contestação, ou seja até 14/02/2008, para prova da não residência em território nacional dos beneficiários dos juros, reduzindo a liquidação de IRC do ano de 2002, para o valor de € 1.688.830,98 (cfr. fls. 1515 a 1653 e 1697);

37) O Programa EMTN rege-se pelos seguintes documentos da emissão: (a) uma "Offering Circular" (ou "Circular de Oferta"), onde se procedeu à descrição do Programa de Emissão de EMTN, (b) o "Programme Agreement" (ou "Acordo de Programa"), onde se regulam os termos e condições das emissões; (c) o "Agency Agreement" (ou "Contrato de Agenciamento"), em que se encontram definidas as relações entre o Agent e o Impugnante, e no qual, entre outras questões, o Agent é nomeado Agente emissor (Issuing agent), Agente pagador (principal paying agent), e Banco Agente (bank agent), para efeitos do programa, e (d) a "Trust Deed" (ou "Escritura"), através do qual se define a actuação do trustee por conta dos noteholders,
receiptholders e couponholders, no âmbito do Programa (cfr. Documentos nºs 28, 29, 30 e 31 juntos à RG apensa);

38) Nos termos do Programa, as Notes foram emitidas pelo Impugnante, por intermédio de um Agent (Agente), que em cada emissão, preparou e autenticou uma "Global Note" (Título Global), representativa daquelas "Notes", e de seguida esta Global Note (Título Global) foi entregue ao "Commnon Depository" (Comum Depositário), in casu, o D. B. AG L., com sede em Londres (cfr. Documentos n.ºs 33, 34 e 35 da RG apensa);

39) Na execução do Programa, o D. B. AG L., na sua qualidade de "Common Depository" (Comum Depositário), mantém, em forma permanente, a custódia das Global Notes, por conta das centrais internacionais de depósitos de valores mobiliários E. e C. (cfr. Documentos n.ºs 30 e 35 da RG apensa);

40) Nos termos do ponto 1 do capítulo Terms and Conditions of the Notes, da Offering Circular, foi estabelecido que (na tradução para português): «Sempre que os Títulos forem representados por um Título Global detido por conta do M. G. T. C. de Nova Iorque, escritório de Bruxelas, como operador do Sistema E. ("E.") e/ou do C., cada pessoa (que não o E. ou o C.) que conste nos registos do E. ou do C. como detentor de um determinada fracção nominal desses títulos (a respeito da qual qualquer certificado ou outro documento emitido pelo E. ou o C. quanto à quantia nominal de tais Títulos registada na conta de qualquer pessoa deverá ser conclusivo e vinculativo para todos os efeitos, excepto no caso de manifesto erro) deverá ser considerada pelo respectivo Emissor, pelo Avalista (...), pelo Fideicomissário e pelos Agentes de Pagamento como o Detentor de tal fracção nominal desses títulos para todos os efeitos excepto quanto aos relacionados com o pagamento de principal ou juros em relação a essas fracções, para cujo propósito o portador do respectivo Título Global (ou o Fideicomissário em conformidade com a Escritura de Fideicomisso) deverá ser considerado pelo respectivo Emissor, pelo Avalista, (quando o conveniente Emissor for
outro que não o S. I.), pelo Fideicomissário e por qualquer Agente de Pagamento como o portador de tal fracção nominal desses títulos nos termos e em conformidade com o respectivo Título Global ( ... )"(cfr. Documento n.º 30 da RG apensa);

41) Nos termos do Agency Agreement, foi estabelecido que "Enquanto quaisquer Notes sejam representadas por Títulos Globais, todos os pagamentos devidos relativamente a essas Notes serão efectuados a favor do, ou à ordem do titular dos Títulos Globais, de acordo e em sujeição aos termos desses títulos Globais" (Cfr. Documento n.º 30 da RG apensa);

42) Nos termos do Trust Deed foi estabelecido que "Enquanto essas Notes, ou qualquer parte, sejam representadas por um Título Global, depositado junto do Common Depositary por conta do E. e C., cada pessoa que conste nos registos do E. ou do C. (que não o E. quando este conste dos registos do C., ou o C., quando seja ele a constar nos registos do E.) como detentor de um determinada fracção nominal desses títulos será considerado como o detentor dessa fracção nominal desses títulos (e o detentor do respectivo título global será considerado como não detentor) para todos os efeitos, excepto no que respeita ao pagamento de principal e juros relativos a essa fracção nominal desse títulos, cujos direitos são investidos, contra o relevante emissor, S.I. (quando o relevante emissor seja outro que não o S.I.) e o fideicomissário, apenas no Common depository e para cujos efeitos esse Common depository deverá ser considerado como o detentor dessa fração nominal desses títulos. (...)" (cfr. Documenton.º 31 da RG apensa);

43) Nos termos da Cláusula 6 (d) - General provisions applicable to payments da Offering Circular, foi estabelecido que (na tradução para português): "O portador de um
Titulo Global (ou como estabelecido no Escritura de Fideicomisso, o Fideicomissário) é a única pessoa com direito a receber pagamentos relativos aos Titulos representados por
esse Titulo Global e o respectivo Emissor ou, conforme o caso, o garante (quando o Emissor seja outro que não o S.I.) ficará desonerado de pagamentos ao/ou à ordem do portador de tal Titulo Global ou o Fideicomissário, conforme o caso, em relação a cada montante assim pago ( ... ) (cfr. Documento n.º 38 da RG apensa);

44) Na Offering Circular, foi estabelecido que (na tradução para português) "Pagamentos de principal, juros (se algum) ou quaisquer outras quantias em relação a um Título Permanente Global serão efectuados através do E. e/ou C. contra a apresentação ou resgate (conforme o caso) do Título Permanente Global, sem qualquer exigência de certificação" (cfr. Documento n.º 28 da RG apensa);

45) Nos termos da referida Cláusula 6 (d) da Offering Circular, foi estabelecido que (na tradução para português): "Cada uma das pessoas registadas no E. ou no C. como o detentor beneficiário de uma determinada fracção nominal de Títulos
representados por tal Titulo Global poderá apenas exigir ao E. ou ao C.,
conforme o caso, a sua parte de cada pagamento efectuado pelo respectivo Emissor, ou
pelo fideicomissário, (quando o relevante Emissor for outro que não o S.I.) ao
ou à ordem do Portador de tal Titulo Global ( ... )" (Cfr. Documento n.º 28 da RG apensa);

46) No dia 28/07/2010, foi deliberada a dissolução do impugnante e em 20/12/2010 foi encerrada a liquidação, tendo sido substituído, nos presentes autos, pela sua única accionista “I. S. S.p.A.” (cfr. certidão de fls. 1752 a 1766 dos autos).
*
Factos não provados
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
*
Motivação
Os factos provados assentam na apreciação conjugada e crítica dos documentos constantes dos autos e nos processos apensos, que não foram impugnados, indicados relativamente a cada um dos factos e na matéria aceite por acordo pelas partes, atenta a posição vertida nos respectivos articulados.
A não consideração dos factos não provados resulta de contraditoriedade das provas colhidas nos autos levando a que os factos sejam considerados infirmados ou são inócuos à decisão da causa.».

Ao abrigo do disposto no art.º 662/1 do CPC, aditam-se ao probatório os seguintes factos, documentalmente provados como se indica:

47. Os Dealers, Agent e as centrais de liquidação (Clearers) que se relacionaram com o impugnante no âmbito da operação de financiamento são entidades não residentes em território português (acordo);
48. Os documentos de emissão do Programa prevêem selling restrictions (restrições de venda), consistentes na imposição aos Dealers de não oferecerem quaisquer “Notes” ao mercado português, nem a investidores residentes em Portugal (acordo e Offering Circular);

49. Em alguns casos, os valores constantes das declarações dos Bancos participantes de determinado país foram superiores aos valores declarados pelos Clearers para esse mesmo país, o que levou a AT a desconsiderar as declarações emitidas pelos Bancos participantes que ultrapassassem os montantes declarados pelos Clearers para o país em causa (R.G., fls.1536, 1563 dos autos);

50. De entre as Declarações juntas pelo impugnante e não aceites pela AT por excederem os montantes declarados pelas centrais de liquidação encontram-se declarações de Bancos Centrais da União Europeia, como o Bundesbank (R.G., fls.1536, 1563 dos autos);

51. A AT não deu relevância ás declarações efectuadas pelo JP M. C. B., NA e pelo Deutsche Bundesbank : em relação ao primeiro, os Clearers não declararam qualquer liquidação (para os ISIN,s em causa) cujo intermediário financeiro fosse localizado nos E.U.A.; em relação ao segundo, por o doc.19 apresentado pelo impugnante não estabelecer qualquer conexão entre o Deutsche Bundesbank e um intermediário financeiro situado na Bélgica, como foi declarado pelos Clearers a quem foi liquidado juros (R.G., fls.1563 dos autos).
52. Através dos requerimentos datados de 29/10/2007 (a fls.1390 a 1392, vol.VI), 17/01/2008 (a fls.1240, vol.VI), 22/02/2008 (a fls.1305, vol.VI) e 29/04/2008 (a fls.1326, vol.VI), o impugnante juntou aos autos declarações emitidas por Bancos participantes (em suporte papel ou digital) visando demonstrar a qualidade de não residentes dos beneficiários dos juros obrigacionistas pagos.

53. A junção dos elementos referidos no ponto anterior só foi notificada à Fazenda Pública após a contestação, apresentada em 14/02/2008 (fls.1257, vol.VI), conforme ordenado por despachos de 19/02/2008 e de 02/04/2012 (fls. 1302 e 1511 a 1513, vol.VI).

B) DE DIREITO

Pretende o recorrente que a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos previstos no art.º 615.º, n.º 1 alínea d) do CPC e, em especial, no art.º 125.º, n.º 1 do CPPT, na medida em que não conheceu dos elementos probatórios apresentados pelo impugnante após a contestação visando comprovar a qualidade de não residentes dos beneficiários dos rendimentos pagos.

Como é consensual na doutrina e na jurisprudência, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando a sentença deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra, em harmonia com o disposto no art.º 608.º, n.º 2 do CPC.

Por outro lado, e como também é consensual na doutrina e na jurisprudência, se o juiz não conhece de determinada questão, mas deixa explicadas as razões por que o não faz, não se verifica nulidade por omissão de pronúncia, podendo eventualmente ocorrer erro de julgamento se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento (vd. Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, 4.ª ed. (2003), a págs.565/566).

Sobre esta matéria a sentença deixou consignado, nomeadamente e entre o mais:
«Porém, quanto aos elementos juntos aos autos em momento posterior à apresentação da contestação, inexiste aceitação por parte da Administração Tributária, insurgindo-se esta ainda por os documentos não terem sido apresentados nos prazos legais.
Com efeito, os elementos probatórios relativos à qualidade de não residente em território nacional dos beneficiários dos rendimentos pagos pela impugnante – condição necessária à verificação dos pressupostos de isenção de IRC – foram sendo apresentados pelo impugnante, em sede de reclamação graciosa e na presente impugnação, isto é, em data posterior à emissão do acto de liquidação em crise.
Nos presentes autos, o impugnante não deduziu pedido autónomo de redução dos montantes liquidados, por via da apresentação de novos elementos probatórios.
Assim sendo, não pode o tribunal, à margem de qualquer decisão administrativa, determinar aquela redução, por se estar a substituir à administração tributária.
Visto isto, a decisão quanto à manutenção ou anulação do acto impugnado na parte não revogada pela Administração Tributária, será a que se irá de seguida proferir, depois da análise de cada uma das questões suscitadas e vícios imputados á liquidação pelo impugnante.
Ora, o impugnante pretende, a final, a anulação da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício do ano de 2002».

Como se vê, a Mma. Juiz a quo não deixou de explicar as razões por que não apreciou os elementos probatórios juntos pelo impugnante em momento posterior ao da notificação da Fazenda Pública para contestar, com vista à demonstração da qualidade de não residentes dos beneficiários dos juros pagos.

Por conseguinte, não procede a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Mas isso assente, será de validar o entendimento da Mma. Juiz a quo subjacente à não apreciação da prova apresentada pelo impugnante e só notificada à Fazenda Pública após a contestação, visando demonstrar a qualidade de não residentes dos beneficiários dos rendimentos pagos, alegadamente nos termos exigidos pela AT?

A nosso ver, a resposta é negativa.

De acordo com o disposto no art.º 120.º do CPPT, «Finda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias».

Como refere Jorge Lopes de Sousa “CPPT – Anotado”, 4.ª ed. (2003), em anotação àquele art.º 120.º do CPPT, «A apresentação de alegações constitui o encerramento da discussão da causa na 1.ª instância, sendo o termo final do prazo para apresentação de documentos na 1.ª instância.
Com efeito, de harmonia com o preceituado no n.º 2 do art.º 523.º do CPC [corresponde ao actual 423.º], os documentos podem rer apresentados até ao encerramento da discussão em 1.ª instância e este só ocorre após as alegações relativas à matéria de facto.
Por isso, poderão com as alegações ser apresentados documentos, embora o apresentante, se for o impugnante, deva ser condenado em multa, se não provar que não os pôde apresentar com a petição inicial (art.º 523.º, n.º 2 do CPC, actual 423.º, n.º 2).
No processo judicial tributário, as alegações referidas neste art.º 120.º destinam-se, concomitantemente, a discussão da matéria de facto e de direito, pelo que não pode entender-se que o encerramento da discussão da causa, no tocante á matéria de facto, ocorra antes delas».

Assim, forçoso é concluir que a sentença errou no julgamento que fez quanto à desconsideração da prova documental (em suporte papel ou digital) apresentada pelo impugnante e notificada à Fazenda Pública após a contestação, mas antes de terminado o prazo para alegações do art.º 120.º do CPPT.

Todavia, o interesse na apreciação dessa prova superveniente à contestação passa pelo julgamento nesta instância de apelação de improcedência dos demais vícios assacados à sentença, pelo que passaremos a conhecer dos mesmos para, a final, se decidir da utilidade na apreciação daquela desconsiderada prova superveniente (art.º 130.º do CPC).

E uma das outras questões colocadas logo em sede preliminar pelo recorrente prende-se com o valor do processo, que a sentença fixou em 20.312.473,32 euros.

Sendo esse o valor inicial da liquidação impugnada, como a própria sentença refere, por virtude de sucessivas revogações parciais da liquidação à medida que a prova (da qualidade de não residente dos beneficiários dos rendimentos) foi sendo apresentada pelo impugnante, aquele valor inicial foi reduzido para 1.688.830,98 euros (cf. ponto 36 do probatório).

Embora o impugnante não tenha efectuado a redução do pedido inicial, até porque não terá sido notificado das decisões revogatórias, entende-se que deverá ser este último valor de 1.688.830,98 euros o atribuído ao processo, de acordo com o disposto no art.º 97.º-A, n.º 1 alínea a) do CPPT: «Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:
a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
b) (…)»

Prosseguindo na apreciação das demais questões do recurso, pretende o impugnante que seja levado ao probatório um conjunto alargado de factos, que diz provados quer por documentos, quer por acordo ou por confissão, nos termos dos artigos 376.º, n.º 1 e 358.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.

Todavia, não é rigorosamente assim. Desde logo, em processo tributário, «A falta de contestação não representa a confissão dos factos articulados pelo impugnante» – cf. art.º 110.º, n.º 6, do CPPT.

Em qualquer caso, parte dos factos alegadamente omitidos do probatório não revestem interesse para a decisão da causa (os referenciados aos artigos 28.º a 31.º, 37.º, 43.º a 47.º, 49.º a 51.º, 61.º, 62.º, 75.º a 78.º, 80.º, 81.º da douta P.I.), como adiante melhor resultará evidenciado, sendo que o juiz deve seleccionar a matéria de facto pertinente à decisão da causa (art.º 596.º, n.º 1, anterior 511.º, do CPC); os referenciados aos artigos 16.º, 20.º, 21.º e 24.º da P.I., remetem para artigos de revista que expressam opiniões da doutrina sobre o tema, mas nada em concreto sobre a operação de financiamento em causa; o facto referenciado ao art.º 79.º da P.I., é conclusivo, o doc.18 consiste num conjunto alargado de Declarações de bancos participantes juntos pelo impugnante); os factos vertidos nos artigos 22.º, 25.º, 48.º 347.º, 348.º e 357.º, embora reformulados, já foram oficiosamente aditados ao probatório; sobre os factos referenciados aos artigos 402.º a 404.º, já foi dada resposta e julgados em sentido favorável ao impugnante, remetendo-se para a sentença recorrida, fls.1844 in fine; factos vertidos nos artigos 362.º a 367.º da P.I.: remete-se para o aditado ponto 51 do probatório, não podendo o facto ser dado como provado por acordo, nem ressaltando evidente dos docs. apresentados pelo impugnante.

Quanto ao pretendido aditamento dos factos, foi aditado supra ao probatório o ponto 52, salvo quanto à afirmada percentagem de prova feita, uma vez que não tendo a mesma sido julgada, assenta unicamente na convicção do recorrente.

Isso assente, passemos a apreciar a invocada caducidade do direito à liquidação.

Como ilustra o probatório, em causa está IRC do ano de 2002. Como também ilustra o probatório, o impugnante foi objecto de uma acção inspectiva externa de âmbito geral cujas ordens de serviço foram notificadas ao impugnante em 28/04/2004, a qual foi prorrogada por três meses e teve início em 03/06/2004 por decisão comunicada ao impugnante, tendo sido concluída em 21/02/2005. O impugnante foi notificado da liquidação de imposto e juros compensatórios em 30/01/2006 (cf. pontos 2, 8 e 24 do probatório).

Pretende o impugnante que lhe é aplicável o regime de caducidade que vigorava à data dos factos, os quais se reportam a 2002, advogando que lhe é aplicável a redacção inicial do art.º 45.º da Lei Geral Tributária, com o aditado n.º 5, introduzido pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, com a seguinte redacção: «Instaurado procedimento de inspecção tributária, o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção caduca no prazo de seis meses após o termo fixado para a sua conclusão, sem prejuízo das prorrogações previstas na lei reguladora daquele procedimento, a não ser que antes dessa ocorra a caducidade prevista no prazo geral fixado no n.º 1».

Sendo que o n.º 1 dispunha que «o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro», contando-se o prazo de caducidade, nos impostos periódicos, “a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”, conforme dispõe o n.º 4 do mesmo art.º 45.º da LGT.

O n° 5 do artigo 45º da LGT dispunha sobre o efeito da ultrapassagem o prazo para conclusão da inspecção, cominando-a com a caducidade do direito à liquidação. Porém, o art.º 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, eliminou esse número 5.

Assim, como se refere no ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 02/27/2008, tirado no proc.º 0955/07, «de acordo com o n°2 do artigo 12° do Código Civil, só seria aplicável se aquele prazo fosse excedido durante a sua vigência: o facto, cujos efeitos a lei estabelece, é o excesso do prazo, e esses efeitos são os ditados pela lei vigente aquando da eclosão do facto, ou seja, quando o prazo é ultrapassado».

Mas o prazo não foi excedido no domínio do falado n° 5, posto que, de acordo com a factualidade fixada, o início da acção inspectiva reporta-se a 2004, quando já o n° 5 do artigo 45° da LGT há muito (1 de Janeiro de 2003) cessara vigência (cf. art.º 76.º da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro).

Consequentemente, aquele n°5 não tem aplicação ao caso dos autos.

E aplicando-se o prazo geral de caducidade de quatro anos, não encurtado por força do disposto no n.º 5 do art.º 45.º da LGT, aditado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, é manifesto que quando a liquidação de IRC/ 2002, cujo prazo de caducidade se iniciou em 01/01/2003, foi notificada ao impugnante em 30/01/2006 ainda não se mostrava esgotado o prazo de caducidade, cujo termo recaía em 31/12/2006.

Não cremos que a interpretação normativa do Supremo Tribunal Administrativo, que secundamos, se mostre incompatível com valores constitucionais, nomeadamente da segurança jurídica e da protecção da confiança. Como ensina Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” pág. 243 «achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova», e isto porque «é na vigência desta que a constituição (ou seja, o facto constitutivo “completo”) se vem, verificar».

Não se verifica, pois, “in casu”, como demonstra aquele autor, qualquer retroactividade que possa afrontar os citados princípios constitucionais, já que é na vigência da lei nova que se vem a verificar o facto constitutivo, ou seja, o decurso e o termo do prazo de caducidade.

Improcede este segmento do recurso.

O direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito está reconhecido no n.º 5 do art.º 267.º da CRP.

Em desenvolvimento desse valor constitucional, estabelece o art.º 60.º da LGT, no segmento pertinente:
«Artigo 60.º
Princípio da participação
1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2 - É dispensada a audição:
a) (…)
b) (…).
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.
4 – (…).
5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6 – (…)
7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.».

Constitui jurisprudência assente do Supremo Tribunal Administrativo que a falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada nos termos do art.º 60.º da LGT e art.º 163.º, do CPA – vd., entre muitos outros, o ac. de 04/07/2021, tirado no proc.º 045/06.7BEPRT.

Todavia, a Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, veio introduzir o actual n.º 3, atribuindo-lhe natureza interpretativa, em que se dispensa a audição antes da liquidação quando o interessado já tenha sido ouvido no procedimento e não sejam invocados pela administração tributária factos novos sobre os quais ele ainda não se tenha pronunciado.

Ou seja, o referido n.º 3 só não dispensa o direito de audição quando forem invocados pela administração tributária factos novos sobre os quais o contribuinte ainda não se tenha pronunciado, mas dispensa-o quando forem suscitadas pela administração tributária novas questões de direito e quando forem realizadas diligências que demonstrem factos novos que não sejam invocados pela administração tributária, mas que poderiam ser invocados pelo interessado em abono da sua pretensão (vd. neste sentido, Diogo Leite de Campos e Outros, “LGT Anotada”, 4.ª ed, 2012, a pág.509).

Ora, sustenta o recorrente que depois do relatório de inspecção tributária e através da doutrina administrativa vertida nos pareceres n.º 18/2005, 60/2005 e 94/2005 do CEF, se sancionou o entendimento de que para efeitos probatórios da residência dos beneficiários dos juros, as listagens por país fornecidas pelos Clearers não eram meio de prova suficiente, sendo necessário que o recorrente juntasse aos autos administrativos Declarações dos Bancos participantes, atestando que estes não tinham pago juros a residentes em território nacional. E que os valores constantes das declarações dos Bancos participantes juntas pelo recorrente ultrapassaram, em alguns casos, para determinados países, os valores declarados pelos Clearers para esses mesmos países, o que levou a que a administração fiscal, ao analisar os elementos probatórios oferecidos pelo recorrente, desconsiderasse, em relação a cada país, todas as declarações emitidas pelos Bancos participantes sempre que aqueles ultrapassassem os montantes declarados pelos Clearers para o país em causa.

Ora, salvo o devido respeito, não alcançamos na doutrina administrativa sancionada através dos referidos pareceres a invocação de factos novos pela administração tributária, antes a desconsideração para efeitos probatórios (da qualidade de não residente dos beneficiários dos juros pagos), dos elementos aportados ao procedimento pelo impugnante, nos casos em que se constatou que as declarações dos Bancos participantes ultrapassavam os montantes declarados pelos Clearers e apenas no montante em excesso declarado pelos Bancos.

Improcede este segmento do recurso.

Voltando agora a atenção para o invocado erro de julgamento por falta de fundamentação do critério utilizado para desconsiderar, em relação a cada país, as declarações emitidas por Bancos participantes, cujos valores excedessem o valor declarado pelos Clearers nas listagens para esse mesmo país, vejamos.

A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos artigos 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

No que concerne aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do art.º 77.º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

Pretende o recorrente que com a fundamentação externada não lhe foi possível entender o caminho escolhido e percorrido pela AT para a alocação das Declarações dos Bancos participantes dentro do valor máximo declarado pelos Clearers para cada país, incorrendo na ausência de uma fundamentação expressa, clara e congruente, em violação do dever de fundamentação previsto nos artigos 124.º e 125.º do CPA e 77.º da LGT.

Mais uma vez e sempre com o devido respeito por diferente entendimento, não acompanhamos o recorrente.

De facto, basta atentar no ponto 14 e ss. do probatório para resultarem evidenciadas as razões por que não foram aceites as Declarações dos Bancos participantes nos montantes excedentes aos valores declarados pelos Clearers.

Como se apreende do discurso fundamentador e, em síntese nossa, as listagens dos Clearers não continham a identificação completa das entidades beneficiárias, por motivos de deveres de sigilo bancário; o impugnante foi então notificado para apresentar nova prova contemplando a identificação completa das entidades às quais terão sido pagos os juros de acordo com as listagens elaboradas pelo E. B. e C. e uma declaração das mesmas de que cumpriram as restrições de venda explícitas (selling restrictions) – cf. pontos 18 e 19 do probatório; sublinhado da nossa responsabilidade.

Em prova adicional, o impugnante apresentou declarações emitidas por Bancos participantes em que, para além das declarações de cumprimento das selling restrictions é mencionado o montante pago a não residentes, o que a AT aceitou cumprir as exigências de prova adicional apenas em valores concordantes com as listagens elaboradas pelos Clearers.

Se esta desconsideração probatória da diferença de valores se mostra errada, tal não inquina o acto de falta de fundamentação formal, embora possa comprometer a sua validade substantiva por erro nos pressupostos quanto à afirmada falta de correspondência entre a prova legalmente exigível e a prova produzida pelo impugnante.

Este segmento do recurso também não logra procedência.

Outrossim, constata-se que o impugnante imputa à sentença erro de julgamento de facto quando diz ter a sentença errado no tocante aos beneficiários dos juros pagos pelo impugnante, quando questiona a não aceitação sem justificação das listagens dos “Clearers” por país, ou, ainda, quanto à não aceitação das declarações dos Bancos participantes quando reportam valores em excesso relativamente às listagens dos “Clearers”.

O impugnante é uma instituição financeira instalada na Zona Franca da Madeira, embora temporariamente isenta de IRC (art.º 33.º, n.º 1 alínea c) do EBF).

Com referência ao ano de 2002 o impugnante emitiu uma Offering Circular, no âmbito do Programa de “Euro Medium Term Notes” (EMTN), o qual previa uma emissão de títulos (“Notes”) até ao montante de 17.500.000 milhares de euros, à taxa fixa e variável.

Como se deixa explicado, sem controvérsia no RIT (fls.1417 dos autos), as regras da territorialidade dispostas no art.º 4.º, n.º 3 alínea c), subalínea 3) e n.º 4 do CIRC e no art.º 18.º, n.º 1 alínea g) do CIRS, estabelecem que os rendimentos de aplicações de capitais são considerados como rendimentos obtidos em território português, desde que o devedor dos rendimentos tenha sede em território nacional, exceptuando os casos em que aqueles constituam encargo de estabelecimento estável situado fora desse território.

Os juros de obrigações emitidas por entidades públicas e privadas são qualificados como rendimentos de capitais (art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do CIRS) e ficam sujeitos a tributação no momento em que se vencem (art.º 7.º do CIRS).

O art.º 88.º, n.º 1 alínea c) do CIRC estabelece que são objecto de retenção na fonte, quando obtidos em território português, “os rendimentos de aplicação de capitais (…) tais como são definidos para efeitos de IRS, quando o devedor seja sujeito passivo de IRC”, acrescentando ainda no seu n.º 2, que para efeitos do disposto na alínea acima mencionada se consideram obtidos em território português os rendimentos mencionados no art.º 4.º do mesmo Código.

O art.º 101.º, nºs 1 e 2, alínea a) do CIRS estabelece que as entidades devedoras, que disponham de contabilidade organizada são obrigadas a reter o imposto que incidirá sobre os rendimentos ilíquidos sujeitos a tributação na fonte pelas taxas previstas no art.º 71.º do CIRS.

O CIRC prevê a dispensa de retenção na fonte, nomeadamente quando os titulares dos rendimentos beneficiem de isenção total ou parcial relativamente aos rendimentos sujeitos a retenção na fonte e desde que façam prova dessa isenção perante a entidade pagadora (art.º 90.º, n.º 2 do CIRC).

Neste âmbito, estabelece o n.º 6 do art.º 33.º do EBF que:
«São isentos de IRS ou de IRC os rendimentos pagos pelas instituições de crédito instaladas nas zonas francas, quaisquer que sejam as actividades exercidas pelos seus estabelecimentos estáveis nelas situados, relativamente às operações de financiamento dos passivos de balanço desses estabelecimentos, desde que os beneficiários desses rendimentos sejam:
a) Entidades instaladas nas zonas francas que não sejam instituições de crédito, sociedades financeiras ou sucursais financeiras que realizem operações próprias da sua actividade com residentes ou estabelecimentos estáveis de não residentes;
b) Entidades não residentes em território português, exceptuados os estabelecimentos estáveis nele situados e fora das zonas francas».

A aplicação da isenção não prescinde da prova de não residência dos beneficiários dos rendimentos pagos pela instituição de crédito emitente, sendo que a prova deverá ser efectuada nos termos preconizados no n.º 14 do art.º 33.º do EBF, que dispõe (redacção da Lei nº 109-B/01, de 27 de Dezembro):

«14 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, sempre que a qualidade de não residente seja condição necessária à verificação dos pressupostos da isenção, deve aquela ser comprovada da seguinte forma:
a) Quando forem bancos centrais, instituições de direito público ou organismos internacionais, bem como quando forem instituições de crédito, sociedades financeiras, fundos de investimento mobiliário ou imobiliário, fundos de pensões ou empresas de seguros domiciliadas em qualquer país da OCDE ou em país com o qual Portugal tenha celebrado convenção para evitar a dupla tributação internacional e estejam submetidas a um regime especial de supervisão ou de registo administrativo, de acordo com as seguintes regras:
1) A respectiva identificação fiscal, sempre que o titular dela disponha; ou,
2) Certidão da entidade responsável pelo registo ou pela supervisão que ateste a existência jurídica do titular e o seu domicílio; ou,
3) Declaração do próprio titular, devidamente assinada e autenticada, se se tratar de bancos centrais, instituições de direito público que integrem a administração pública central, regional ou a demais administração periférica, estadual indirecta ou autónoma do Estado da residência fiscalmente relevante, ou organismos internacionais; ou,
4) Comprovação da qualidade de não residente, nos termos da alínea c), caso o titular opte pelos meios de prova aí previstos.

b) Quando forem emigrantes no activo, através dos documentos previstos para a comprovação desta qualidade em portaria do Ministro das Finanças que regulamente o sistema poupança-emigrante;

c) Nos restantes casos, de acordo com as seguintes regras:
1) A comprovação deve ser realizada mediante a apresentação de certificado de residência ou documento equivalente emitido pelas autoridades fiscais, de documento emitido por consulado português, comprovativo da residência no estrangeiro, ou de documento especificamente emitido com o objectivo de certificar a residência por entidade oficial do respectivo Estado, que integre a sua administração pública central, regional ou a demais administração periférica, estadual indirecta ou autónoma do mesmo, não sendo designadamente admissível para o efeito documento de identificação como passaporte ou bilhete de identidade, ou documento de que apenas indirectamente se possa presumir uma eventual residência fiscalmente relevante, como uma autorização de trabalho ou permanência;
2) O documento referido na subalínea anterior é necessariamente o original ou cópia devidamente autenticada e tem de possuir data de emissão não anterior a três anos nem posterior a três meses em relação à data de realização das operações e da percepção dos rendimentos, salvo o disposto nas subalíneas seguintes;
3) Se o prazo de validade do documento for inferior ou se este indicar um ano de referência, o mesmo é válido para o ano referido e para o ano subsequente, quando este último coincida com o da emissão do documento;
4) O documento que, à data da contratação de uma operação, comprove validamente a qualidade de não residente, nos termos das subalíneas anteriores, permanece eficaz até ao termo inicialmente previsto para aquela, desde que este não seja superior a um ano.»

É precisamente quanto à prova legalmente exigível de não residência dos beneficiários dos rendimentos que as partes dissentem.

Desde logo se diga que o julgamento respeitante à demonstração, ou não, da materialidade controvertida (não residência dos beneficiários dos rendimentos) com base em prova sujeita à livre apreciação do tribunal, deve ter-se por arredada face ao disposto no citado n.º 14 do art.º 33.º do EBF, disposição expressa de lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto (não residência), ou seja, é a própria lei que exige determinado tipo de prova para demonstração de certas circunstâncias factuais, no caso, a não residência dos beneficiários dos rendimentos.

Pretende o recorrente que é facto inequívoco de que nos termos do Programa EMTN, a única entidade com direito ao pagamento do principal e juros, é o D. B. AG L., a única entidade dotada de legitimidade substantiva e processual para efectivar o direito de crédito nas relações com o emitente (vd. ponto 6. do probatório).

Como refere Carlos Ferreira de Almeida, no seu artigo “Registo de Valores Mobiliários”, in Direito dos Valores Mobiliários, vol.VI, é possível distinguir entre a detenção directa e a detenção indirecta de valores mobiliários; diz-se que há detenção directa sempre que o investidor pode invocar e exercer directamente os seus direitos perante o emitente ou qualquer terceiro. Diz-se que há detenção indirecta quando o investidor só pode invocar e exercer os seus direitos através de um intermediário financeiro. Sob o aspecto quantitativo, o modelo de detenção indirecta ganha clara vantagem sobre o modelo de detenção directa, uma vez que, além de ser dominante nos direitos sob égide dos quais se processam a maior parte das transacções internas e internacionais de valores mobiliários, está também pressuposto na prática de importantes instituições de pagamento e de compensação internacional de valores mobiliários com sede noutros países, como a Bélgica e o Luxemburgo (E. e C., respectivamente).

Sendo certo que a detenção indirecta de valores mobiliários implica, geralmente, o exercício dos direitos inerentes ao valor mobiliário através do intermediário financeiro, sendo este o titular formal dos direitos perante o emitente, o que implica que só por seu intermédio poderá o investidor fazer valer os seus interesses (vd. Autor cit.), a verdade é que não é o intermediário financeiro o titular efectivo dos rendimentos pagos, a entidade que contabiliza na sua esfera jurídica os rendimentos pagos, funcionando antes como uma entidade intermediária na passagem dos títulos, isto é, do portador da Global Note para os detentores de uma determinada fracção nominal do Título Global (vd. pontos 37 a 45 do probatório).

Concluímos que para efeitos do disposto no art.º 33.º, n.º 6 do EBF, o D. B. AG L. não poderá ser considerado como o beneficiário dos rendimentos pagos, como pretende o impugnante, mas sim os detentores de fracções da Global Note.

Ultrapassada essa questão, o que importa verificar é se a prova apresentada pelo impugnante para demonstrar a qualidade de não residente em Portugal dos beneficiários dos juros preenche os requisitos legais fixados no n.º 14 do art.º 33.º do EBF.

Não se enquadrando a configuração da operação em causa nos requisitos probatórios ali enunciados, mesmo apelando para uma interpretação actualista da norma nos limites consentidos pela interpretação extensiva (art.º 9.º do EBF), a prova de não residência terá, no mínimo, de ser tão sólida e de valor probatório idêntico à fixada pelo legislador para as situações ali expressamente contempladas (eventualmente, só, de detenção directa de valores mobiliários).

Não foram per si aceites as listagens das centrais de liquidação – através das quais e processa o registo da transferência de valores mobiliários e dos direitos de conteúdo patrimonial a eles inerentes – por delas não constar informação suficiente quanto à não residência dos beneficiários dos juros, mas foram valoradas em conjugação com as declarações dos Bancos participantes, por disporem de informação mais fidedigna.

Por outro lado, não foram relevadas as declarações dos Bancos participantes cujos montantes excedessem o valor total declarado pelos “Clearers” para o mesmo país.

Ou seja, o elemento probatório relevante para efeitos de quantificação dos rendimentos pagos foram as listagens dos “Clearers” e o elemento probatório relevante para comprovação da não residência dos beneficiários dos rendimentos pagos foram as declarações dos Bancos participantes.

A prevalência dos valores das listagens das centrais de liquidação sobre os das declarações dos Bancos assenta, como diz a AT, na convergência desses valores com os montantes de juros efectivamente pagos pelo impugnante e que esta registou na sua contabilidade, comprovados na análise dos lançamentos contabilísticos efectuados nas contas que registam as referidas operações (vd. fls. 1686).

É certo que o recorrente alega haverem circunstâncias factuais que justificam que os valores das declarações emitidas pelos Bancos participantes excedam o valor total declarado pelos “Clearers” para o mesmo país (vd. fls.1940 dos autos).

Mas essas apontadas circunstâncias factuais, sobre que não recaiu acordo da AT (cf. ponto 111 da reclamação graciosa, a fls.1563, vol. VII dos autos), reflectem movimentos entre entidades que os registos, por país, das centrais de liquidação, não corroboram e cuja convergência de valores, por país, é um elemento decisivo de rastreabilidade probatória e, por consequência, de confiabilidade no facto cuja realidade se pretende ver demonstrada.

No mais, note-se, tanto quanto apreendemos das doutas alegações, o recorrente discorda da prova exigida pela AT, mas não diz, afinal que outra prova menos onerosa seria suficiente à demonstração da qualidade de não residentes em Portugal dos beneficiários dos juros pagos, atendendo ao conceito normativo de beneficiários adoptado pela AT e judicialmente validado.

A sentença recorrida, ao validar a exigência probatória da AT quanto à demonstração da qualidade de não residentes dos beneficiários dos rendimentos e quanto à pressuposta interpretação normativa de que tais beneficiários não são os intermediários financeiros através dos quais os investidores, na detenção indirecta de valores mobiliários, exercem os seus direitos, não incorreu em erro de julgamento, merecendo ser confirmada também neste segmento.

De acordo com o que à época dispunha o art.º 6.º do EBF, «Todas as pessoas, singulares ou colectivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Direcção-Geral dos Impostos e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respectivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios».

Em sentido convergente, dispõe o n.º 2 do art.º 14.º da LGT que «Os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito».

Por conseguinte, se o sujeito passivo pretende ver os seus rendimentos pagos isentos de imposto de rendimento, não pode escudar-se em razões que se prendem com o sigilo bancário, seu ou das instituições intervenientes na operação de financiamento e, muito menos em razões de dificuldade probatória atentas as características e os contornos da operação em causa. Admitir o contrário seria esvaziar de conteúdo o disposto naqueles artigos 6.º do EBF e 14/2 da LGT, facilitando a evasão fiscal (o que já não é pouco), e comprometendo a livre concorrência, por via de emissões obrigacionistas com redução (eventualmente indevida) da carga fiscal.

De resto, quanto à desconformidade entre o teor do Parecer 94/2005 do CEF e a actuação da AT, não vemos que tal ocorra, porque o que decorre daquele instrumento administrativo é que para comprovação da qualidade de residente dos beneficiários dos rendimentos seria, no mínimo, exigível a identificação completa de tais entidades e uma declaração das mesmas de que cumpriram as restrições de venda (“selling restrictions”) aplicáveis à emissão dos títulos em questão, o que não significa que por razões de segurança probatória não se possa em concreto, ou se mostre desproporcional ou excessivo, exigir para validação do prova, a conformidade dos valores declarados pelos Bancos participantes, por país, com os valores constantes das listagens dos “Clearers” por país.

Neste ponto, também não vemos que a sentença tenha incorrido no apontado erro de julgamento.

Não desconhecemos a relevância que hoje assumem na doutrina administrativa os princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e da boa fé.

E essa segurança jurídica passa pela previsibilidade da actuação administrativa, tributária da protecção da confiança.

Com reflexo na concreta actuação administrativa, tal limita a revisão de situações consolidadas, como implica a estabilidade da doutrina administrativa referenciada ao mesmo quadro normativo.

Todavia, a Administração (no caso, Tributária) não está vinculada, por força dos aludidos princípios, a qualquer regra de imutabilidade, tanto na emissão de opiniões técnicas como na interpretação das normas jurídicas, sobretudo em contexto de alteração do regime legal aplicável a determinado instituto jurídico.

Vem isto a propósito para salientar que a circunstância de a AT ter confrontado o impugnante com uma exigência probatória sobre a qualidade de não residente dos beneficiários dos juros pagos, antes nunca exigida, a pretexto da nova redacção do n.º 14 do art.º 33.º do EBF, introduzida pela Lei nº 109-B/01, de 27 de Dezembro - OE/2002, para situações futuras referenciadas ao ano de 2002 (nem pretéritas, nem consolidadas), não antagoniza com os aludidos princípios actuantes da estabilidade, da protecção da confiança e da boa fé.

Tudo visto, na medida em que o impugnante não faça a prova da qualidade de não residentes dos beneficiários dos juros pagos, presume-se que as operações foram realizadas com residentes em território português (n.º 19 do art.º 33.º do EBF), nessa medida ficando os rendimentos pagos sujeitos a retenção na fonte, o que significa que o recorrente não poderá prevalecer-se da dispensa de retenção, nos termos do n.º 2 do art.º 90.º, que na redacção do Decreto-Lei n.º198/2001, de 3 de Julho, dispunha: «Não existe ainda obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, quando os sujeitos passivos beneficiem de isenção total ou parcial relativa a rendimentos que seriam sujeitos a essa retenção na fonte, feita que seja a prova, pelos sujeitos passivos, perante a entidade pagadora, da isenção de que aproveitam».

Todavia, relembrando o que acima dissemos sobre o tema da prova superveniente à contestação, na improcedência das demais conclusões do recurso, é manifesto o interesse e a utilidade na apreciação daquela desconsiderada prova, que passa entre o mais, pelo tratamento técnico da informação contida nos documentos/CD juntos e conciliação das declarações dos Bancos participantes, por país, com os montantes declarados pelas centrais de liquidação, por país.

É, pois, necessário que os autos regressem à 1.ª instância para que tais elementos probatórios sejam analisados e valorados com a colaboração das partes (art.º 7.º, n.ºs 2 e 3 e 417.º, do CPC), eventualmente com auxílio técnico se tal se revelar necessário a uma análise imparcial dos factos que se podem extrair da prova, factos esses que deverão integrar o probatório.

Por último, pretende o impugnante que a sentença errou ao negar a concessão da indemnização por prestação de garantia indevida, nos termos previstos no art.º 53.º da Lei Geral Tributária. Será assim?

Estabelece aquele preceito da LGT:
«Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.».

Sucede que o recorrente não preenche os pressupostos de que depende o arbitramento nesta impugnação judicial da indemnização por prestação de garantia indevida. E porquê? Porque obteve vencimento parcial na impugnação administrativa (que está na base da inutilidade superveniente da lide declarada na sentença recorrida), e quanto à parte subsistente da liquidação (parte não anulada pela AT) ainda o impugnante não obteve na impugnação judicial qualquer vencimento ou ganho de causa.

Como assim e salvo melhor entendimento, o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida deverá ser dirigido à própria administração tributária, que por via de sucessivas anulações (até à contestação) foi reduzindo o valor inicial da liquidação, sem prejuízo da possibilidade de impugnação contenciosa da decisão que vier a ser proferida.

Quanto a este segmento das conclusões, o decidido na sentença recorrida também não merece reparo.

O recurso merece provimento, pelas indicadas razões.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i) Conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para proceder à analise e valoração da prova apresentada pelo impugnante a coberto dos requerimentos identificados no aditado ponto 52 do probatório e integração dos factos que se venham a apurar no probatório, com posterior prolação de nova sentença concordante com as soluções jurídicas preconizadas neste acórdão;
ii) Atribuir ao processo o valor de 1.688.830,98 euros.

Sem custas.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2022



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha