Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2651/16.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2020
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:UNIÃO DE FACTO;
ANULAÇÃO DE LIQUIDAÇÕES AUTÓNOMAS.
Sumário:1. Se a AT não aceitou a tributação como unidos de facto e efetuou duas liquidações autónomas, e esta decisão foi considerada ilegal, a anulação de uma liquidação implica a anulação de outra.
2. Para acautelar o efeito útil da ação permitindo a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade [Art.º 100º LGT] é indispensável a intervenção dos dois contribuintes nos autos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: Fazenda Pública.
RECORRIDOS: T.......... .. e B.........
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº Juiz do TAF de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida por T.......... e B........., contra o acto de liquidação de IRS do exercício de 2014.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
«A) Os Impugnantes, ora Recorridos, apresentaram a impugnação judicial em causa contra as liquidações de IRS n.º 20165000042… e 20165000042…, e não como refere a sentença do Tribunal a quo contra apenas a liquidação de IRS n.º 20165000042….
B) Se a primeira das liquidações de IRS referidas, a n.º 20165000042…, diz respeito à Impugnante T.........., a segunda liquidação, sob o n.º 20165000042…, diz respeito ao Impugnante B.......... .
C) Ambas resultam da entrega da declaração de rendimentos Mod. 3 de substituição, referente ao ano de 2014, onde consta que se encontram unidos de facto.
D) Pelo que, se desconhece a referência feita na sentença do Tribunal a quo de que “ (…) o objecto imediato dos presentes Autos é o acto de liquidação n.º 20165000042…, o qual foi tempestivamente impugnada pela Impugnante T……”.
E) Para tal conclusão bastou a resposta dos Impugnantes, ora Recorridos, à contestação da Fazenda Pública.
F) “Devidamente notificados da Contestação, os Impugnantes vieram alegar que a contestação da liquidação n.º 20165000042… é uma consequência da contestação da liquidação n.º 5000042…, efectuada à Impugnante T……”.
G) Ora, porque se conclui que a liquidação n.º 20165000042… é uma consequência da contestação da liquidação n.º 20165000042… e não o contrário?
H) Pela leitura da petição inicial, não nos é possível concluir tal facto, antes pelo contrário.
I) Os Impugnantes, ora Recorridos pretenderam impugnar as duas liquidações, sendo que nenhuma delas é consequência da outra ou está numa situação ou relação mediata no presente processo.

Pelo exposto, não se acompanha a sentença do Tribunal a quo, devendo ter sido julgado procedente a exceção de caducidade do direito de ação.
Pelo que, nestes termos, considerando que a sentença do Tribunal a quo padece de erro de julgamento, de direito, se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente improcedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença, como é de Direito e Justiça.»

Os recorridos pronunciaram-se, por requerimento, no sentido da adesão à sentença recorrida.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de impugnar.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A) A Impugnante T.......... é proprietária da fracção autónoma inscrita no artigo 329… da matriz predial urbana da freguesia de B…… em Lisboa, localizada na Rua M……, Lisboa – cfr. Caderneta Predial Urbana constante a fls. 44 dos Autos (SITAF), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;
B) Em data não concretamente apurada, mas durante 2008, os Impugnantes passaram a residir juntos na mesma casa na Rua M……. em Lisboa - cfr. depoimento das testemunhas arroladas;
C) Em 9/10/2009, o Impugnante B…… indicou como domicilio profissional junto da Ordem dos Advogados a Rua M……, n,º … – 8 Dt, 1500 Lisboa – cfr. Declaração da Ordem dos Advogados contante a fls. 56 dos Autos (SITAF);
D) Em 29/09/2012, o Impugnante B…… foi testemunha no casamento de T……. e T……, tendo declarado como residência a Rua M……., n.º … – 8 Dt – Lisboa – cfr. Assento de Casamento constante a fls. 71 dos Autos (SITAF);
E) Em 13/01/2014, nasceu o filho dos Impugnante, tendo o Impugnante B……. declarado na Conservatória do Registo Civil a morada Rua M……, n.º … – 8 Dt – Lisboa - cfr. Assento de Casamento constante a fls. 74 dos Autos (SITAF);
F) Em 28/05/2015, os Autores apresentaram via internet, a declaração de rendimentos Mod. 3 de substituição, referente a 2014, contante a fls. 24 dos Autos (numeração do SITAF), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, e onde consta que encontram-se unidos de facto;
G) A declaração referida em F) foi seleccionada para análise em virtude de “Não cumprimento pelos sujeitos passivos, de requisitos legais da união de facto” – cfr. fls. 36 dos Autos, SITAF;
H) Em 26/02/2016, foi emitida pela Autoridade Tributária a liquidação oficiosa n.º 20165000042… referente ao ano de 2014 no valor de 5.095,90€, abrangendo apenas a Impugnante T.......... – cfr. fls. 38 dos Autos, SITAF;
I) A liquidação referida na alínea anterior foi paga a 22/04/2016 – cfr. comprovativo do N…….. constante a fls. 42 dos Autos (SITAF);
J) Em 30/08/2016, foi elaborado pela Junta de Freguesia de B….., o instrumento constante a fls. 48 dos Autos (SITAF), denominado de “Atestado”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, através do qual consta que o agregado familiar dos Autores é composto por ambos e por um filho, e que o Impugnante B...... reside em união de facto com a sua companheira desde 1/09/2008;
K) Os Impugnantes vivem juntos com os seus 2 filhos – cfr. fls. 74 dos Autos (SITAF), conjugado com os depoimentos das testemunhas arroladas;
L) A PI deu entrada no TT de Lisboa a 2/09/2016 - cfr. fls. 1 dos autos.
*
Motivação:
A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, tudo conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum.

Em particular foi efectuada a análise ponderada e detalhada do teor da prova documental junta aos autos, designadamente aquela constante de fls. 56 e 71 dos Autos, correspondente as moradas dadas pelo Impugnante B.......... à Ordem dos Advogados e à Conservatória do Registo Civil de Torres Vedras, de onde se extraíram os factos provados, designadamente, o C) a D), cujo valor não foi abalado por qualquer outra prova.

Para além disso, o Tribunal valorou os depoimentos das testemunhas arrolada, nomeadamente da testemunha P.........., jornalista, e amigo do Impugnante há mais de 10 anos, e apesar da relação de amizade depôs de forma isenta e esclarecedora.
A testemunha em Audiência revelou conhecimento directo dos factos sobre que depôs, convencendo o Tribunal da sua veracidade. Confirmou que os Impugnantes conheceram-se em 2008 numa festa, tendo passado a viver juntos praticamente de imediato, como se marido e mulher se tratassem.
E T.......... , amigo do Impugnantes, e apesar da relação de proximidade, depôs de forma clara e congruente.

Confirmou que os Impugnantes vivem juntos desde 2008 em B......, que nunca se separaram, e têm 2 filhos; Comentou que é visita habitual da casa dos Impugnantes daí o conhecimento dos factos.

Estes depoimentos foram totalmente credíveis, pela conjugação de vários factores: a forma como foram prestados (e aqui estamos a referir-nos à comunicação verbal e não verbal) com a conjugação dos vários documentos existentes no processo.

Posto isto, e neste percurso de fundamentação, chegou a altura de dar o passo seguinte, e chegamos a mais um momento da fundamentação em que entram em jogo as regras da experiência, o bom senso, e a livre apreciação do julgador.
A conclusão a que este Tribunal chegou, e que vamos procurar demonstrar de seguida, permitiu-nos tirar uma conclusão definitiva sobre a procedência da acção.
Com efeito, ficou claro para o Tribunal que os Impugnantes residem na mesma casa desde de 2008, vivendo em união de facto, tendo nascido desta relação 2 filhos.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Os IMPUGNANTES deduziram impugnação judicial contra as Demonstrações de Liquidação de IRS n.º 2016 5000042… e 2016 5000042… alegando, em síntese, ter apresentado conjuntamente, em 28/5/2015 a Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2014, aí se declarando unidos de facto um com o outro.

Contudo, a AT considerou que os Impugnantes não cumpriam os requisitos legais da união de facto dado o Impugnante só ter o mesmo domicílio fiscal da Impugnante desde 2014 e procedeu à correção oficiosa da Declaração de Rendimentos emitindo em nome da Impugnante a demonstração de liquidação n.º 2016 5000042… na qual apurou o montante de € 5.095,90 a pagar. E em nome do Impugnante, a demonstração de liquidação n.º 2016 5000042… apurando o montante a reembolsar de € 1.776,17.
As demonstrações de liquidação em causa também não consideraram os Anexos H apresentados.

O fundamento da impugnação consiste na invocação de factos demonstrativos de união de facto entre os Impugnantes desde o ano de 2008, o que acarreta a ilegalidade das demonstrações de liquidação, devendo a Impugnante ser reembolsada do valor por ela pago acrescido dos juros indemnizatórios devidos.

Contestando por remissão, a Autoridade Tributária começou por excecionar a extemporaneidade da impugnação apresentada pelo Impugnante B.......... dado este ter sido notificado em 10/3/2016 do reembolso apurado, pelo que sendo a petição inicial apresentada em 1/9/2016 a impugnação é extemporânea em relação a este Contribuinte.

No mais, considerou, em resumo, não se verificarem os pressupostos da tributação em união de facto por não existir identidade no domicílio fiscal dos sujeitos, o que só passou a acontecer desde 12/6/2014 pedindo, em consequência, a manutenção dos actos tributários impugnados.

Respondendo à exceção, os Impugnantes salientaram que a contestação da liquidação n.º 2016 5000042… é consequência da contestação da liquidação n.º 2016 5000042… efetuada à Impugnante T.......... . Isto porque caso a interpretação da AT seja considerada ilegal, a liquidação n.º 2016 5000042… será anulada, os Impugnantes serão considerados “unidos de facto” o que forçosamente determinará a anulação da liquidação n.º 2016 5000042…, independentemente da tempestividade da ação em relação ao Impugnante B.......... .

Efetuada a prova requerida e demais tramitação legal do processo, o MMº juiz proferiu sentença indeferindo a exceção de caducidade do direito de ação, com fundamento em que o objecto imediato da impugnação é a liquidação n.º 2016 5000042… “...e caso a mesma venha a ser anulada a AT será forçada a tirar daí as consequências mediatas, nomeadamente, a anulação da liquidação efectuada ao Impugnante B.......... [a que corresponde a liquidação n.º 2016 5000042…].
Mas não é esta última que está em causa nos presentes Autos, pelo menos, de forma imediata”.
E no mais, julgou demonstrados os requisitos para tributação em união de facto, determinou a anulação das liquidações devendo ser emitida uma nova liquidação para o mesmo ano, com base na declaração de substituição entregue pelos Impugnantes, e condenou a AT a pagar juros indemnizatórios sobre os montantes indevidamente pagos.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública reitera que se verifica a exceção da caducidade do direito de impugnar (por parte do Impugnante B.......... ) uma vez que a impugnação é dirigida contra as liquidações n.º 2016 5000042… e 2016 5000042… e não apenas contra a liquidação n.º 2016 5000042… . Alega desconhecer a referência feita na sentença do Tribunal a quo de que “(...) o objecto imediato dos presentes Autos é o acto de liquidação n.º 2016 5000042…, o qual foi tempestivamente impugnada pela Impugnante T.......... e pergunta: “porque se conclui que a liquidação n.º 20165000042… é uma consequência da contestação da liquidação n.º 20165000042… e não o contrário?”

Em face das conclusões de recurso, que delimitam o seu objecto, o que está em causa nos autos é tão só sindicar se a sentença decidiu bem a questão da exceção de caducidade do direito de impugnar por parte do Impugnante B.......... .

Neste contexto, e com esta delimitação, a alegação de que os Impugnantes impugnam judicialmente as duas liquidações (2016 5000042… e 2016 5000042…) resulta de mera aparência formal da petição inicial, mas não exatamente do seu conteúdo.
Com efeito, no cabeçalho da petição inicial os Impugnantes declaram não se conformar com as liquidações em causa e no pedido também pedem a anulação das duas liquidações.

Mas em vários artigos da petição inicial apenas se faz menção à anulação da liquidação n.º 2016 5000042… (cfr. artigos 63º, 64º, 65º). E como posteriormente esclareceram na resposta à exceção, a contestação da liquidação n.º 2016 5000042… constitui uma consequência da contestação da Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2016 5000042… efetuada à Impugnante, pois se a interpretação da Autoridade Tributária for considerada ilegal tal implicará a anulação das duas liquidações.

O que, a nosso ver, se revela acertado.
Desde logo porque a anulação da liquidação 2016 5000042… não poderia ser efetuada se o Impugnante B.......... não interviesse nos autos. A sua intervenção é indispensável para acautelar o efeito útil da ação e permitir a reconstituição pela AT da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade [Art.º 100º LGT].

Ou seja, como bem observou o MMº juiz "a quo", sendo a AT “forçada” a tributar os Impugnantes como unidos de facto, deverá também tirar as consequências mediatas, nomeadamente a anulação da liquidação efectuada ao Impugnante B.......... . Embora não seja esta última que esteja em causa nos presentes Autos, pelo menos de forma imediata, ela não poderá subsistir na ordem jurídica perante a solução preconizada na sentença.

A questão de saber porque é que se conclui que a liquidação n.º 20165000042… é uma consequência da contestação da liquidação n.º 20165000042… e não o contrário, carece de relevância processual. Se as liquidações tivessem sido notificadas ao mesmo tempo, bastaria impugnar apenas uma para que, sendo procedente a ação, a outra fosse anulada como consequência necessária da anulação da outra [desde que assegurada a legitimidade para o efeito, com a presença dos dois interessados], devido à ligação recíproca entre as duas. Do mesmo modo, uma vez que foram notificadas em momentos diferentes, também a impugnação de uma sempre acarretará a anulação da outra, caso a ação seja procedente.

Não que uma liquidação seja consequência de outra, mas sim que a anulação de uma implica a anulação da outra. E nessa medida, e apenas neste contexto, não consideramos desacertado pedir a anulação das duas liquidações.

Portanto, concluímos que não obstante alguma imprecisão de linguagem dos Impugnantes na petição inicial, a sentença decidiu bem e não corre qualquer caducidade do direito de impugnar, improcedendo todas as conclusões do recurso.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Autoridade Tributária.

Lisboa, 14 de janeiro de 2020.



(Mário Rebelo)


(Patrícia Manuel Pires)


(Cristina Flora)