Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:38/07.7BEFUN
Secção:CA
Data do Acordão:02/27/2020
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:SEGURANÇA SOCIAL.
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES.
INSCRIÇÃO.
TEMPO DE TRABALHO.
Sumário:I. O trabalho prestado pelos Recorridos na Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, entre 05/08/1963 e 31/12/1966 e entre 14/12/1964 e 01/03/1967, enquanto assalariados eventuais, não lhes confere o direito à inscrição na CGA.
II. Assiste-lhes, no entanto, o direito a inscreverem-se na Segurança Social e a verem aí reconhecido esse tempo de trabalho, caso se encontrem preenchidos os demais requisitos previstos no Dec. Lei 124/84, de 14 de Abril, em vigor à data em que deduziram a sua pretensão perante o Centro de Segurança Social da Madeira
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

A Caixa Geral de Aposentações vem interpor recurso do acórdão proferido no TAF de Funchal, que julgou as acções a que se referem os processos acima indicados procedentes e condenou a ora Recorrente “a promover a inscrição:

a) Do Autor R....... desde 05/08/1963 e a aceitar o pagamento das contribuições relativas ao período de 05/08/1963 a 31/12/1966, com efeitos reportados a 22/11/2004;

b) Do Autor C....... desde 14/12/1964 e a aceitar o pagamento das contribuições relativas ao período de 14/12/1964 a 01-03-1967, com efeitos reportados a 24/11/2006;”.

Apresentou as seguintes conclusões:

1. a O artigo l.° do Decreto-Lei n.° 36 610, de 24 de Novembro de 1947, estabelecia como requisitos cumulativos para inscrição na CGA, a qualidade de funcionário ou servidor civil do Estado e dos corpos administrativos (integrar um quadro aprovado por lei); e que fossem abonado por verbas expressamente destinadas a pessoal.

2. a Resulta da decisão de facto da sentença recorrida que nenhum dos AA. foi abonado por verbas expressamente destinadas a pessoal, antes exerceram funções como assalariados eventuais, abonado por verbas não destinadas exclusivamente a pessoal, pelo que, atento os períodos em que aqueles exerceram funções na CAAHM, nunca reuniram as condições legalmente exigidas para serem inscritos na CGA.

3. a O caso dos AA./recorridos não é comparável ao dos subscritores da CGA que viram o tempo de serviço prestado na CAAHM contado para efeitos de aposentação, na medida em que, no caso dos utentes que adquiriram a qualidade de subscritores, nos termos do artigo l.° do Estatuto da Aposentação, o tempo de serviço prestado na CAAHM foi contado por acréscimo ao tempo de subscritor, nos termos do artigo 25.°, alínea b), do Estatuto da Aposentação, e não como tempo de direito de subscritor, nos termos do artigo 24.° do Estatuto da Aposentação.

4. a Acresce que, por força do disposto no artigo 9.° da Lei n.° 60/2005, de 30 de Dezembro, não é legalmente possível proceder a novas inscrições na CGA. O regime de proteção social universal é atualmente, e desde 1 de janeiro de 2006, o regime geral de segurança social.

5. ° Não se percebe - e a sentença não o diz - que tipo de efeitos pretende a sentença fazer reportar, respetivamente, a 2004-11-22 e a 2006-11-24, na medida em que uma eventual inscrição pelo período de tempo em que os AA./recorridos prestaram serviço na CAAHM cessaria igualmente na data em que deixaram de exercer funções naquela entidade, os quais passariam, de imediato, à qualidade de ex-subscritores. Não existindo qualquer tipo de fundamentação quanto a esses efeitos e não se percebendo porque razão a sentença pretende que se reporte os efeitos aquela data, a mesma padece de nulidade, nos termos do disposto no artigo 668.°, n.° 1, al. c), do CPC.

6. Violou assim a sentença recorrida o disposto no artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 36610, de 24 de Novembro de 1947, o artigo 9.° da Lei n.° 60/2005, de 30 de dezembro, os artigos 24.° e 25.° do Estatuto da Aposentação, e ainda o artigo 668.°, n.° 1, alínea c), do CPC.”

Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

Foi observado o disposto no n.º 1 do art.º 146.º do CPTA.

Da habilitação do Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM.

As acções em que foi proferida a sentença ora recorrida, foram intentadas contra a ora Recorrente e ainda contra o Centro de Segurança Social da Madeira.

O Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM, sucedeu, na pendência dos presentes processos, por força do art.º 2.º, n.º 1 do Decreto Legislativo Regional n.º 34/2012/M, de 16/11, “em todas as atribuições, direitos, obrigações e posição jurídica contratual ou processual do Centro de Segurança Social da Madeira”.

Assim e por força da referida disposição legal, tem-se o Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM, por devidamente habilitado nos autos, ocupando a posição processual do Centro de Segurança Social da Madeira.

Do objecto do recurso.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi artigos 1º e 140º do CPTA.
Assim, há que decidir se:
- o acórdão recorrido é nulo nos termos previstos no art.º 668.°, n.° 1, al. c), do CPC.
e, subsidiariamente,
- se sofre de erro de julgamento ao ter condenado a Recorrente a inscrever os Recorridos na CGA, em violação do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 36610, de 24 de Novembro de 1947, do artigo 9.° da Lei n.° 60/2005, de 30 de Dezembro e dos artigos 24.° e 25.° do Estatuto da Aposentação.


*

Fundamentação

De facto.

No acórdão recorrido foi fixada a seguinte matéria de facto:

A. “O Autor R....... requereu acção de conciliação contra a Empresa de E....... SA, no Tribunal de Trabalho do Funchal a que foi atribuído o n° 454/04.6TTFUN onde pede a notificação desta para proceder ao pagamento das contribuições à Segurança Social, relativas ao período compreendido entre 05-08-1963 e 31-12-1966, em que trabalhou como assalariado eventual, para a Comissão Administrativa dos Aproveitamento Hidráulicos da Madeira, hoje Empresa de E......., SA (doc n° 1, junto com a PI, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);

B. Em 13 de Outubro de 2004, no processo n° 454/04.6TTFUN, do Tribunal de Trabalho do Funchal, em que é requerente o A R....... e requerida a E….. - E……, SA, ficou determinado em Auto de Audiência das Partes, designadamente (doc n° 1 junto com a PI):

(...) pelo legal representante da requerida foi dito que confessa o alegado pelo requerente no requerimento inicial, nada tendo a opor a que o requerente regularize a sua situação na segurança Social através deste processo.

(...)

DESPACHO

Certifiquei-me da capacidade das partes e da legalidade da confissão, o que menciono nos termos e para os efeitos do art° 52° n° 2 do CPI (...)

C) O A R....... prestou serviço público, na Comissão Administrativa dos Aproveitamento Hidráulicos da Madeira, serviço público e eventual do Ministério das Obras Públicas que precedeu a actual Empresa de E......., SA, entre 5 de Agosto de 1963 e 31 de Dezembro de 1966 (doc de fls 78 a 83, dos autos);

D) O autor R....... foi abonado por verbas não destinadas exclusivamente a pessoal e não efectuou descontos e desempenhou funções com subordinação, horário e disciplina do respectivo serviço (doc de fls 78 a 83, dos autos);

E) A Empresa de E……., SA não efectuou descontos para qualquer regime da Segurança Social relativos ao Autor R.......;

F) Em 22 de Novembro de 2004 o A R....... requereu no Centro Regional de Segurança Social da Madeira o pagamento de contribuições com efeitos retroactivos relativas ao período de trabalho entre 05-08-1963 a 31-12-1966 (doc n° 2, junto com a PI);

G) O Autor R....... por sugestão do Centro Regional de Segurança Social consultou a Caixa Geral de Aposentações que por carta datada de 19-01-2006 respondeu nos termos seguintes (doc n° 3, junto com a PI):

Na sequência de pedido de esclarecimento efectuado junto da Empresa de E......., no sentido de averiguar as condições em que desempenhou funções junto da Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, foi possível estabelecer que se tratou de uma situação não abrangida pelo Dec. Lei 36610, legislação que na altura regulava o direito de inscrição.

Este diploma limitava o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, para além de outros itens, a quem integrasse um quadro aprovado por lei e fosse abonado por verbas expressamente destinadas a pessoal. Ora, estes condicionalismos não se encontram preenchidos no seu caso.

Face ao que ficou dito, e como não veio, por outras funções, a adquirir a qualidade de subscritor da CGA, o período em causa não poderá ser considerado por esta Instituição para efeitos de futura aposentação.”

H) Em 27 de Março de 2006 o Autor R....... interpôs neste Tribunal uma acção contra o Centro Regional de Segurança Social da Madeira, a que coube o n° 84/06.8BEFUN, que terminou por inutilidade superveniente da lide (consulta ao SITAF);

I) Em 30 de Novembro de 2006 o Centro Regional de Segurança Social da Madeira respondeu ao requerimento do Autor R....... nos termos de fls 21 a 25, dos autos que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais e onde consta, designadamente:

Assim, resulta que:

a) o serviço prestado por V. Ex.a na CAAHM é relativo ao período compreendido entre 05 de Agosto de 1964 a 31 de Dezembro de 1966 e que no período temporal acima indicado, o plasmado no Decreto-Lei n° 39595, de 02 de Abril de 1954, mantinha plena vigência;
b) a CAAHM revestia natureza de organismo público autónomo, integrado no Ministério das Obras Públicas e Comunicações;
c) desde 01 de Janeiro de 1948 são “considerados subscritores da Caixa Geral de Aposentações, com as correspondentes regalias e deveres, todos os funcionários e servidores civis do Estado e os dos corpos administrativos, qualquer que seja a forma do seu provimento ou a natureza da prestação dos seus serviços(artigo 1 do Decreto- Lei n° 36610 de 24 de Setembro de 1947);
d) o direito à aposentação do pessoal da CAAHM, nos termos atrás explanados, estava a cargo da Caixa Geral de Aposentações;
e) o Estatuto da Aposentação ao nível do funcionalismo público, aprovado pelo Decreto- Lei n° 498/72, de 09 de Dezembro, veio alargar o âmbito da inscrição na Caixa Geral de Aposentações, “a qual deixa de subordinar-se à exigência de o servidor ser remunerado por vencimento ou salário pago por força de verbas inscritas expressamente para pessoal nos orçamentos respectivos (...), o que determinou “o alargamento da inscrição a numerosos contratados e assalariados (...) “;
f) finalmente, o Estatuto acima indicado confere, expressamente, “o direito de inscrição [na Caixa Geral de Aposentações] aos que, no regime de simples prestação de serviços, se encontrem a exercer funções com continuidade sob a forma de trabalho subordinado ”.
Como tal e atento tudo quanto atrás explanado, não pode este Centro de Segurança Social da Madeira prestar a informação solicitada pelo requerimento apresentado a 22 de Novembro de 2004, uma vez que, objectivamente e para os devidos efeitos, não estão preenchidos os requisitos legais previstos no Decreto-Lei n° 124/84, de 18 de Abril.
J) O Autor C....... requereu acção de conciliação contra a Empresa de E....... SA, no Tribunal de Trabalho do Funchal a que foi atribuído o n° 513/06.0TTFUN onde pede a notificação desta para procederão pagamento das contribuições à Segurança Social, relativas ao período compreendido entre 14-12-1964 e 01-03-1967, em que trabalhou como assalariado eventual, para a Comissão Administrativa dos Aproveitamento Hidráulicos da Madeira, hoje Empresa de E......., SA (doc n° 1, junto com a PI, do processo apenso, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);

K) Em 22 de Novembro de 2006, no processo n° 513/06.0TTFUN, do Tribunal de Trabalho do Funchal, em que é requerente o A C....... e requerida a E…. - E……., SA, ficou determinado em Acta de Audiência das Partes, designadamente (doc n° 1 junto com a PI, do processo apenso):

(...) Clausula Primeira

A ré reconhece que o autor exerceu funções de empregado da Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da madeira, organismo dependente do Ministério das Obras Públicas, que precedeu a criação da actual Empresa de E......., desde 14 de Dezembro de 1964 a 01 de Março de 1967, tendo-lhe sido pagos por aquela as retribuições respectivas, mas naquele período a ré não descontou ou procedeu ao pagamento das contribuições para a Segurança Social. (...).

L) O A. C....... prestou serviço público, na Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, serviço público e eventual, do Ministério da Obras Públicas que precedeu a actual Empresa de E......., SA, no período de 14 de Dezembro de 1964 a 21 de Março de 1967 (doc n° 2, e fls 55 a 65, junto com a PI do processo apenso);

M) O A. C....... requereu ao Centro Regional da segurança Social da Madeira o pagamento das contribuições, com efeito retroactivo, prescritas referentes ao período de trabalho prestado na CAAHM (facto aceite);

N) No período de 14 de Dezembro de 1964 a 21 de Março de 1967 o A C....... não efectuou descontos para efeitos de Aposentação ou Reforma, não foi abonado por verbas destinadas exclusivamente a pessoal, mas através de verbas afectas às Obras (cap° 1º art° 4o, do Orçamento Privativo da CAAHM) e desempenhou funções com subordinação, horário e disciplina do respectivo serviço (doc n° 2 e fls 55 a 65, junto com a PI do processo apenso);

O) Em 29 de Dezembro de 2006 o Centro Regional de Segurança Social, respondeu ao Autor C......., nos termos de fls 17 a 21, do processo apenso, que se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais e onde consta, designadamente:
(...)

Assim, resulta que:
a) o serviço prestado por V Ex. na CAAHM é relativo ao período compreendido entre 14 de Dezembro de 1964 a 01 de Março de 1967 e que no período temporal acima indicado, o plasmado no Decreto-Lei n° 39595, de 02 de Abril de 1954, mantinha plena vigência:
b) a CAAHM revestia natureza de organismo público autónomo, integrado no Ministério das Obras Públicas e Comunicações:
c) desde 01 de Janeiro de 1948 são considerados subscritores da Caixa Geral de Aposentações, com as correspondentes regalias e deveres, todos os funcionários e servidores civis do Estado e os dos corpos administrativos, qualquer que seja a forma do seu provimento ou a natureza da prestação dos seus serviços(artigo 1 do Decreto- Lei n°36610 de 24 de Setembro de 1947);
d) o direito à aposentação do pessoal da CAAHM, nos termos atrás explanados, estava a cargo da Caixa Geral de Aposentações;
e) o Estatuto da Aposentação ao nível do funcionalismo público, aprovado pelo Decreto- Lei n° 498/72. de 09 de Dezembro, veio alargar o âmbito da inscrição na Caixa Geral de Aposentações, a qual deixa de subordinar-se à exigência de o servidor ser remunerado por vencimento ou salário pago por força de verbas inscritas expressamente para pessoal nos orçamentos respectivos (...), o que determinou ‘o alargamento da inscrição a numerosos contratados e assalariados (...);
f) o Estatuto acima indicado confere, expressamente, "o direito de inscrição [na Caixa Geral de Aposentações] aos que, no regime de simples prestação de serviços, se encontrem a exercer funções com continuidade sob a forma de trabalho subordinado”;
g) finalmente, indica-se a circunstância da acta judicial de audiência de partes ser omissa quanto ao quantitativo da remuneração auferida em concreto por V. Ex. a e no período em referência.
Como tal e atento tudo quanto atrás explanado, o seu requerimento é indeferido, não podendo este Centro de Segurança Social da Madeira prestar a informação solicitada a 24 de Novembro de 2006, uma vez que, objectivamente e para os devidos efeitos, não estão preenchidos os requisitos legais previstos no Decreto-Lei n° 124/84, de 18 de Abril.
P) Dá-se por inteiramente reproduzido o documento de fls 73 e 74, dos autos e, onde consta que a Empresa de E....... se encontra inscrita como contribuinte da Segurança Social desde 4 de Setembro de 1974.

Q) A Caixa Geral de Aposentações tem vindo a reconhecer o direito à contagem do tempo de serviço a trabalhadores eventuais da CAAHM, como é exemplo R…. (fls 141 a 144, dos autos);

R) O pedido de contagem do tempo de serviço como eventual na CAAHM, teve como pressuposto, a declaração emitida pela EEP nos termos seguintes:

Para os devidos efeitos e a pedido escrito do interessado, R......., filho de Gastão da Purificação F…… e de Â……., natural do Funchal, declara-se que prestou serviço na Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, serviço público e eventual do Ministério das Obras Públicas que precedeu a Empresa E......., SA, desde vinte e três de Março de mil novecentos e sessenta e seis até trinta de Junho de mil novecentos e oitenta.

Mais se declara que foi subscritor n° 446 690 da Caixa Geral de Aposentações.

Declara-se ainda que a partir de um de Março de mil novecentos e setenta e quatro, tendo transitado para esta sociedade anónima, passou a descontar ininterruptamente para o Centro de Segurança Social, com o número de beneficiário 0……..

Esta declaração é emitida para efeitos da contagem de tempo.

S) A inscrição da Empresa de E......., como contribuinte da Segurança Social ocorreu em 04-09-1974 (fls 73 e 74, dos autos).

Ao abrigo do regime do artº 662º nº 1 CPC, ex vi artº 1º CPTA, aditam-se os seguintes factos:
T) R….. foi assalariado eventual na CAAHM até 30/04/1971 – fls. 141 e 144 dos autos;
U) E foi inscrito na CGA a partir de 01/05/1971– fls. 141 e 144 dos autos;
V) Tendo o tempo de trabalho prestado à CAAHM sido considerado pela CGA, no âmbito do pedido de pensão unificada, a título adicional, por acréscimo, nos termos do art.º 25.º, al. b) do E.A. – fls. 147 dos autos.


*
Direito
Da nulidade da sentença.
A Recorrente começa por defender que o acórdão recorrido é nulo nos termos do disposto no artigo 668.°, n.° 1, al. c), do CPC, por não se perceber que tipo de efeitos pretende fazer reportar a 2004-11-22 e a 2006-11-24, na medida em que uma eventual inscrição pelo período de tempo em que os AA., ora recorridos, prestaram serviço na CAAHM, cessaria na data em que deixaram de exercer funções naquela entidade e passariam, então e de imediato, à qualidade de ex-subscritores.
Entende que o acórdão não se encontra fundamentado nessa parte.
O artigo 668.°, n.° 1, al. c), do CPC, na redacção em vigor à data de interposição do recurso, que corresponde ao actual art.º 615.º, n.º 1, al. c) do NCPC, estabelecia que1 - É nula a sentença quando: c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão;”.
Tal nulidade verifica-se nas situações em que os fundamentos de facto e de direito expressos na sentença levariam a conclusão diversa da que foi tomada, existindo uma contradição lógica entre a fundamentação e a decisão.
O acórdão recorrido contém os factos e o direito que foram tidos em consideração na tomada de decisão.
Não se detecta entre esses fundamentos e a decisão qualquer contradição lógica. Poderá é existir erro de julgamento, conforme abaixo se explicitará, mas tal vício não se reconduz à nulidade que foi invocada.

Do mérito.
Defende a Recorrente que os Recorridos não têm direito a serem inscritos na CGA, por serem trabalhadores eventuais da Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira (abreviadamente CAAHM) e o seu salário ter sido pago com verbas não destinadas exclusivamente a pessoal.
Invoca o art.º 1.º do DL 36610, de 24/11/1947, que apresenta a seguinte redacção:
«A partir de 1948-01-01 serão considerados subscritores da CGA, com as correspondentes regalias e deveres, todos os funcionários e servidores civis do Estado e os dos corpos administrativos, qualquer que seja a forma do seu provimento ou a natureza da prestação dos seus serviços, desde que recebam vencimento ou salário pago por verbas inscritas expressamente para pessoal no Orçamento Geral de Estado ou nos corpos administrativos ou serviços e organismos autónomos.
§ único - Exceptua-se do disposto neste artigo:
a) O pessoal dos serviços e organismos do Estado que tiver, por lei, a sua aposentação a cargo das caixas privativas ou das colónias;
b) O pessoal das Câmaras de Lisboa e Porto relativamente ao qual ainda se não realizou o acordo previsto no art.° 12.° do Decreto-Lei n.° 31.095, de 1940-12-31».
Perante tal norma, o direito de inscrição como subscritor da CGA dependia do pagamento do vencimento ou salário do funcionário ou servidor civil ser efectuado por verbas orçamentais expressamente destinadas a remunerações de pessoal.
Provam os autos que os Recorridos trabalharam na CAAHM, na qualidade de assalariados eventuais, entre 05/08/1963 e 31/12/1966 (o A. no proc.º n.º 38/07.7BEFUN) e entre 14/12/1964 e 01/03/1967 (o A. no proc.º n.º 70/07.0BEFUN) e auferiam salário que era pago através da utilização de verbas não destinadas exclusivamente a pessoal.
Significa isso que, à face do disposto no transcrito art.º 1.º do DL 36610, de 24/11/1947, não podiam ser subscritores da CGA.
Só com a aprovação do Estatuto da Aposentação (E.A.) pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, é que foi eliminado o requisito do pagamento de vencimento ou salário de funcionário ou servidor civil por verbas orçamentais expressamente destinadas a remunerações de pessoal.
Passou a estabelecer-se no art.º 1.º do E.A.:
“1-São obrigatoriamente inscritos como subscritores da Caixa Geral de Aposentações, neste diploma abreviadamente designada por Caixa, os funcionários e agentes que, vinculados a qualquer título, exerçam funções, com subordinação à direcção e disciplina dos respectivos órgãos, na Administração Central, Local e Regional, incluindo federações ou associações de municípios e serviços municipalizados, institutos públicos e outras pessoas colectivas de direito público e recebam ordenado, salário ou outra remuneração susceptível, pela sua natureza, de pagamento de quota, nos termos do artigo 6.º
2-O disposto no número anterior não é aplicável:
a) Aos que apenas se obrigam a prestar a qualquer entidade pública certo resultado do seu trabalho desempenhado com autonomia e prévia estipulação de remuneração;
b) Aos que devam ser aposentados por entidades diferentes da Caixa.”.

No entanto, à data da entrada em vigor do E.A., os Recorridos já não trabalhavam na Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira.
O Estatuto da Aposentação, não prevê que o trabalho anteriormente prestado enquanto assalariado eventual seja considerado (cfr., por exemplo, o estabelecido no art 25º, al d) do Estatuto da Aposentação).
O DL n.º 12/74, de 17/01/1974, transformou a CAAHM em empresa pública, passando a denominar-se Empresa de E....... (adiante abreviadamente designada por EEM).
O art.º 24.º, n.º 1 desse diploma estabelecia que os trabalhadores se deveriam inscrever nas instituições de previdência que lhe correspondessem em função das profissões desempenhadas, salvo o disposto no art.º 35.º, n.º 3.
Este art.º 35.º, n.º 3, permitia que os servidores com nomeação definitiva dos quadros permanentes do Estado que, à data da entrada em vigor do DL n.º 12/74, de 17/01/1974, prestassem serviço na CAAHM, mantivessem a sua inscrição na CGA, se assim o entendessem.
O art.º 24.º, n.º 3 do mesmo DL n.º 12/74, de 17/01/1974, veio estabelecer que “ao pessoal da EEM será levado em conta, para efeitos de aposentação, todo o tempo de serviço prestado ao Estado, nomeadamente à CAAHM, aos serviços autónomos ou aos corpos administrativos, independentemente de inscrição na Caixa Geral de Aposentações”.
Tais normas não se aplicam aos Recorridos, uma vez que estes apenas trabalharam para a CAAHM como assalariados eventuais no período compreendido entre os anos de 1963 e 1967, nunca tendo integrado os quadros desta CAAHM ou os da EEM.
Pelo que se conclui que, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, não há norma que permita a inscrição dos Recorridos na CGA pelo trabalho prestado como assalariados eventuais no referido período.
No acórdão recorrido entendeu-se ainda que, por força do princípio da igualdade, os Recorridos deviam ser inscritos na CGA, alegando-se que esta aceitou a inscrição de outros trabalhadores eventuais na CGA, tendo-se indicado a situação de R…, assalariado eventual na CAAHM, que continuou aí a trabalhar após a transformação desta CAAHM em empresa pública do Estado (EEM), tendo laborado, ao todo, nessas duas entidades, no período compreendido entre 23/03/1966 e 30/06/1980, mantido a qualidade de assalariado eventual entre 23/03/1966 até 30/04/1971 e sido inscrito na CGA a partir de 01/05/1971.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, defendendo que a situação do referido trabalhador R....... não é idêntica à dos Recorridos, por o período de trabalho prestado por aquele à CAAHM entre 23/03/1966 e 30/04/1971 ter sido contado a título adicional, no âmbito do regime de pensão unificada, por acréscimo ao tempo de subscritor, conforme previsto no art.º 25.º, al. b) do Estatuto da Aposentação. Confirma ainda que aquele trabalhador adquiriu o direito a inscrever-se na CGA a partir de 01/05/1971.
A Administração está vinculada na sua actuação a observar o princípio da igualdade – n.º 2 do art.º 266.º da CRP e art.º 6.º do CPA.
Para se verificar a violação de tal princípio seria necessário que a situação dos Recorridos e a do mencionado R....... fossem essencialmente iguais, para poderem beneficiar do mesmo tratamento ao nível da inscrição na CGA – confira-se, sobre a limitação que decorre do princípio da igualdade para a actuação da Administração, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, “Direito Administrativo Geral”, T.I, 3ª ed., pág. 225.
Ora, como se viu, os Recorridos trabalharam para a CAAHM como assalariados eventuais entre os anos de 1963 a 1967, nunca tendo integrado os quadros da CAAHM ou os da EEM, pelo que não se encontram na mesma situação do referido R......., que, apesar de inicialmente, entre 23/03/1966 e 30/04/1971, ter prestado trabalho à CAAHM enquanto assalariado eventual, manteve-se naquela entidade e, posteriormente, na EEM, até 30/06/1980, tendo adquirido o direito a ser inscrito na CGA a partir de 01/05/1971. Apenas lhe foi considerado o tempo de serviço prestado enquanto assalariado eventual no âmbito do regime de pensão unificada, por acréscimo ao tempo de subscritor, nos termos previstos no art.º 25.º, al. b) do Estatuto da Aposentação.
Conclui-se, assim, que, dada a diferença substancial das referidas situações, não poderiam as mesmas merecer o mesmo tratamento, pelo que não se verifica a violação do princípio da igualdade.
Pelo exposto, há que revogar o acórdão recorrido.
*
Nas petições iniciais que apresentaram, os Recorridos formulam um pedido principal, em que pedem que se condene o Centro de Segurança Social da Madeira, a que sucedeu o Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM, a promover a sua inscrição e a aceitar o pagamento das contribuições devidas pelo período em que prestaram trabalho na CAAHM enquanto assalariados eventuais.
A título subsidiário, deduziram idêntico pedido de condenação, mas agora contra a CGA.
No acórdão recorrido deu-se provimento ao pedido subsidiário e absolveu-se o Centro de Segurança Social da Madeira do pedido contra ele deduzido.
Como se viu, tal decisão tem de ser revogada, por a CGA não estar obrigada a inscrever os Requeridos.
Impõe-se, por isso, conhecer do primeiro dos pedidos formulados nas petições iniciais, o que se faz nos termos do disposto no art.º 149.º do CPTA.
O pessoal assalariado eventual, pago por verba global, como é o caso dos Recorridos, não se incluía entre os funcionários e servidores dos quadros ou entre o pessoal contratado.
O pessoal assalariado, “podia ser permanente, com quadro próprio, individualmente dotado no orçamento, que tende para a estabilidade no serviço e a quem, pelo facto verificado de longa permanência, a lei concede certas regalias dos funcionários, tais como licenças e aposentação (assalariados permanentes ou do quadro), e eventual ou adventício, que é recrutado por utilização de verbas globais consoante as necessidades de trabalho, sem qualquer compromisso ou garantia de permanência, quase sempre por mero ajuste verbal, e que por isso só conta com a protecção dada pelas leis gerais aos trabalhadores eventuais» - Marcelo Caetano, em “Manual de Direito Administrativo”, 2º vol., 10ª edição, págs. 658, 679, 683
A legislação especificamente aplicável à CAAHM, à data em que os ali Recorridos trabalharam, não prevê a inscrição dos assalariados eventuais em qualquer instituição de previdência - DL n.º 33158, de 21/10/1943; art.º 18.º do DL n.º 38722, de 14/04/1952; art.º 1.º do DL n.º 39595, de 02/04/1954.
Com a transformação da CAAHM em empresa pública do Estado, operada pelo DL n.º 12/74, de 17 de Janeiro, passou a prever-se que o pessoal da nova entidade passasse a inscrever-se nas instituições de previdência, contando-se todo o tempo de serviço prestado ao Estado, à CAAHM, aos serviços autónomos ou aos corpos administrativos, independentemente de inscrição na CGA, sem prejuízo dos servidores com nomeação definitiva dos quadros permanentes do Estado, que à data ali prestassem trabalho, poderem manter a sua inscrição na CGA – cfr. artigos 24.º e 35.º do DL n.º 12/74, de 17 de Janeiro.
No entanto, este diploma não se aplica à situação dos Recorridos, por terem deixado de trabalhar para a CAAHM em Dezembro de 1966 e Março de 1967.
O DL n.º 343/79, de 28 de Agosto, veio alargar o âmbito pessoal de inscrição nas caixas de previdência aos trabalhadores da Administração que não reunissem as condições de inscrição na CGA, o que fez nos seguintes termos:
“Artigo 1.º São obrigatoriamente inscritos nas caixas sindicais de previdência todos os trabalhadores que, concorrendo com a sua actividade profissional para a satisfação de necessidades normais do Estado, institutos públicos, e autarquias locais, suas federações e uniões, zonas de turismo e demais pessoas colectivas de direito público, não reúnam as condições de inscrição na Caixa Geral de Aposentações.

Art. 2.º Os departamentos a que se reporta o artigo antecedente e os seus trabalhadores deverão contribuir para as referidas caixas nos termos do regime geral da previdência, o qual, a partir da entrada em vigor deste diploma, passa a aplicar-se-lhes.

Art. 3.º São competentes para a inscrição destes trabalhadores, nos diversos distritos, as respectivas caixas distritais e, em Lisboa e Porto, as respectivas caixas de previdência e abono de família dos serviços.”


Os Recorridos solicitaram a sua inscrição junto do Centro de Segurança Social da Madeira em 2004 e em 2006.
Nessa altura encontrava-se em vigor o Dec. Lei 124/84, de 14 de Abril, que admitia a regularização da situação contributiva perante a segurança social dentro de certos condicionalismos aí previstos, mesmo que se tratasse do pagamento de contribuições relativas a períodos de trabalho anteriores à sua entrada em vigor já prescritas, conforme resulta dos seus artigos 9.º e 12.º
Tal inscrição, no caso, foi recusada por, em síntese, se ter entendido que os mesmos deveriam inscrever-se na CGA.
Como se viu, esse entendimento não se mostra correcto.
O direito à segurança social rege-se, entre outros, pelo princípio da universalidade, que confere a todos os cidadãos o direito à protecção social (art.º 5.º da Lei n.º 17/2000, de 08 de Agosto), sendo que, nos termos do estabelecido no DL n.º 343/79, de 28 de Agosto, passou a competir à Segurança Social assegurar tal direito aos trabalhadores da Administração que não reunissem as condições de inscrição na CGA.
A Lei Constitucional n° 1/89, de 8 de Julho, alterou o art.º 63.º da CRP, no então n.º 5, a que corresponde o actual n° 4 do artigo 63°da CRP, que estabelece que “todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”.

Jorge Miranda e Rui Medeiros, referem em anotação ao art.º 63.º da CRP, a págs. 638 da “Constituição Portuguesa Anotada”, T. I, Coimbra Editora, que: A solução foi introduzida na revisão constitucional de 1989 com o propósito de “promover um aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, independentemente do sistema de segurança social a que ele tenha aderido, e desde que tenha efectuado os descontos legalmente previstos. É ainda hoje essa a intenção que se encontra claramente manifestada no n.° 4 do artigo 63.° da Constituição (versão de 1997): todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado” (Acórdão n.° 411/99 — cfr. ainda Acórdão n.° 554/03).” (…)
O “direito ao aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, constitui um direito fundamental que tem a natureza de “um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias” e sendo, nessa medida, aplicável o regime específico dos direitos, liberdades e garantias (Acórdão n.° 411/99).”

Há, assim, que concluir que os Recorridos, à data em que apresentaram o pedido no Centro de Segurança Social da Madeira, tinham o direito de aí se inscreverem, pelo que há que condenar o Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM (1º R.), que lhe sucedeu, a reconhecer tal direito, bem assim como a considerar o tempo de trabalho que cada um dos Recorridos prestou à CAAHM enquanto assalariados eventuais, desde que pagas as respectivas contribuições e se a tal nada mais obstar.
Decisão
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em julgar a improcedência do pedido de anulação do acórdão recorrido, proceder à revogação deste e, em substituição, conhecer dos pedidos principais, condenando o Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM, a reconhecer o direito dos AA, ora Recorridos, a aí se inscreverem, bem assim como a considerar o tempo de trabalho que cada um dos Recorridos prestou à CAAHM enquanto assalariados eventuais, desde que pagas as respectivas contribuições e se a tal nada mais obstar.
Sem custas nesta instância recursiva, dada a procedência do recurso sem oposição das restantes partes.

As custas devidas na primeira instância correm pelo Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM, por ter ficado vencido.


Lisboa, 27 de Fevereiro de 2020






Jorge Pelicano


Celestina Castanheira


Paulo Gouveia